Uma boa-nova
O dossiê sobre Belo Monte, inspirado no "NYT", tenta criar um formato jornalístico de qualidade para a internet
O conteúdo foi apresentado em textos, (lindas) fotos, vídeos, infográficos animados e até em um game. O objetivo era mostrar o andamento da obra da mega-hidrelétrica, a terceira maior do mundo, e discutir seu impacto numa região vital para o país.
A iniciativa lembra os projetos multimídia do "New York Times". O primeiro deles, chamado "Snow Fall", descrevia uma avalanche numa estação de esqui em Washington que matou três pessoas (http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall). Com infográficos impressionantes, depoimentos em vídeos e texto quase literário, ganhou um Prêmio Pulitzer neste ano e obteve 3,5 milhões de visualizações.
É uma aposta inovadora: em vez da mera transposição do impresso ou da linguagem de televisão para o on-line, busca-se um formato jornalístico próprio da internet que subverta a máxima de que só textos telegráficos fazem sentido na rede.
Embora não tenha o mesmo padrão de excelência de seu modelo inspirador, o dossiê sobre Belo Monte teve a vantagem de abordar um assunto de relevância nacional. A polêmica sobre a construção da hidrelétrica está superada, mas acompanhar as obras é fundamental.
Pena que a edição no impresso tenha sido desastrosa. A Folha picotou as reportagens, começou a publicá-las na véspera da "estreia" de fato e colocou o principal material num caderno que não comporta fotografias nem infográficos ("Ilustríssima", 15/12).
Além disso, em vez de resumir o que havia de mais importante, o impresso trouxe apenas um capítulo do dossiê, suprimindo as partes sobre "ambiente", "sociedade" e "povos indígenas", o que passou a impressão de que o jornal deu pouca importância aos problemas decorrentes do empreendimento.
Faltou também uma narrativa um pouco mais envolvente, que pudesse atrair o leitor desinteressado das questões ambientais. Ninguém duvida da importância da Amazônia, mas a floresta fica longe, a conversa dos ambientalistas mais exaltados costuma ser chata, as imagens dos ribeirinhos são sempre iguais...
A pauta sobre Belo Monte foi importante para tentar reverter esse quadro de apatia. Um levantamento de textos sobre desmatamento publicados entre 2007 e 2012 em jornais e revistas, feito pela ONG Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), mostrou que apenas 11% das pautas nasceram de iniciativas das Redações (não eram reportagens sobre ações do governo) e só 1% caberia na definição de jornalismo investigativo.
"Tudo sobre Belo Monte" conseguiu apresentar a usina sem um viés a favor ou contra, o que é um grande feito num tema tão controverso. Faltou, talvez, jogar a discussão um pouco para a frente, mostrando, por exemplo, se hidrelétricas na Amazônia são uma boa alternativa para o crescimento energético do país.
A meta da Folha é publicar quatro dossiês digitais como o de Belo Monte em 2014. Em um momento em que as Redações estão mais enxutas e sobrecarregadas (precisam alimentar o impresso e o on-line), a decisão de mobilizar recursos para a produção de reportagens de fôlego é, sem dúvida, uma boa-nova.
MACUMBA E A VIRGEM MARIA
Em menos de uma semana, a Folha conseguiu desagradar a dois grupos religiosos. No último dia 20, o título "Não multa que é macumba" chamava para uma reportagem que informava que oferendas religiosas em locais públicos não serão enquadradas no Programa Lixo Zero, criado neste ano pela Prefeitura do Rio. O termo "macumba", de conotação pejorativa, deve ser evitado, como recomenda o "Manual da Redação".
Na quarta-feira passada, judeus reclamaram, com razão, da reportagem "Um muro no caminho de Maria", que elencou os percalços que a Virgem teria que enfrentar se fizesse hoje o trajeto entre Nazaré e Belém. O texto trazia várias críticas a Israel, inclusive o depoimento de um padre que acusou o Estado de querer transformar o Santo Sepulcro numa discoteca, sem nenhum outro lado.
SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsmanfacebook.com/folha.ombudsman
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