Debate sobre retocar fotos esquenta na internet
Divulgação/Vogue
- Em 2012, a Vogue alemã fez um editorial com modelos sem uso de Photoshop
Há algumas semanas, duas publicações que se consideram defensoras das mulheres se enfrentaram – com um resultado inesperado.
Jezebel, um site que ganhou fama protestando contra a artificialidade nas revistas femininas, anunciou o que parecia um golpe subversivo feminista. Ele ofereceu uma recompensa de US$ 10 mil para quem pudesse oferecer as versões cruas, sem retoques, de fotos de Lena Dunham da nova edição da Vogue, com o objetivo de "revelar quantos quilos Dunham perdeu na dieta Vogue" de alteração digital, como colocou o The Cut. No dia seguinte, o Jezebel publicou as fotos originais.
As fotos sem edição conseguiram mais de 1 milhão de page views – mas o exercício também pareceu ter sido um tremendo fracasso. Dentro de poucas horas, o Jezebel foi acusado de ser insensível e fazer bullying, enquanto a Vogue, uma revista que há muito é o alvo favorito do ódio de algumas feministas, atraiu elogios por mostrar uma mulher cujo corpo não se parece em nada com o de uma supermodelo.
Para muitos leitores, o Jezebel pareceu ter escolhido o alvo errado, uma escritora e atriz que havia conseguido colocar seu próprio corpo "diferente" – quer dizer, normal – na televisão. E embora a Vogue tenha feito uma grande cirurgia reconstrutora nos cenários das fotos, havia deixado o corpo de Dunham, criadora e estrela da série "Girls" da HBO, essencialmente intacto.
"Eles queriam fotos sem retoques de Lena Dunham? Vou vender a eles meu DVD da primeira temporada de 'Girls'", ironizou o crítico de TV James Poniewozik no Facebook, referindo-se às cenas de nu estilo aceitem-me-como-sou de Dunham. "Jezzies" de longa data, como são chamados os leitores do site, reclamaram dos comentários. Até Anna Holmes, editora-fundadora do site, disse numa entrevista que ficou "surpresa" com o que seus sucessores haviam feito.
O esquema pode ter fracassado por outro motivo: as femininas podem finalmente declarar vitória – ou, pelo menos, celebrar grandes passos – em sua antiga luta contra essas revistas.
Em vez de conselhos sobre como agradar os homens, a capa de fevereiro da Cosmopolitan alerta suas leitoras a não deixar de fazer um acordo pré-nupcial no caso de virem a ganhar mais que seus maridos. Na última edição da Glamour, as primeiras páginas mostram várias modelos e atrizes negras e uma atleta deficiente. Na Vogue, a carta da editora Anna Wintour diz que Dunham é "tão perfeita" para revista por não ser uma escolha convencional.
"Não entendo por que, com ou sem Photoshop, colocar uma mulher que é diferente da capa típica da Vogue pode ser uma coisa ruim", disse Dunham à French Slate em resposta à polêmica.
Durante décadas, as revistas femininas fizeram às feministas o favor de oferecer alvos claros, exemplos mensais das atitudes sociais repressoras contra as quais elas lutavam.
Em março de 1970, quase 100 mulheres ocuparam o escritório do editor do Ladies' Home Journal por 11 horas. No ano seguinte, Gloria Steinem e colegas fundaram a Ms. Magazine. As revistas nem sempre foram tão enfadonhas quanto as caricaturas sugeriam: a Cosmopolitan mapeou seu próprio tipo de liberação, os artigos exploravam tópicos então tabus como o câncer de mama, e a Seventeen ofereceu salários e casas a escritoras como Sylvia Plath, Ann Patchett e Adrian Nicole LeBlanc. Mas o carro-chefe ainda eram modelos brancas e magras; ganhar a aprovação masculina; e criar "inseguranças e depois tentar resolvê-las", como coloca Holmes.
Em 2007, Holmes lançou o Jezebel, de propriedade da Gawker Media, como uma alternativa e um ataque às revistas como Glamour e InStyle, ambas publicações onde ela havia trabalhado.
Em seu primeiro ano, quando publicou a versão sem retoques da capa da Redbook com a estrela country Faith Hill, o Jezebel foi elogiado por inspirar uma nova onda de escrutínio sobre as imagens que não se pareciam em nada com mulheres reais. A Redbook apagou as bolsas sob os olhos de Hill, bem como uma porção significativa de gordura corporal.
Mas desde então, as chamadas de capa e o conteúdo mudou. "As mulheres mudaram e nossa cultura mudou em geral", disse Cindi Leive, editora-chefe da Glamour, numa entrevista. A Vogue prometeu no ano passado não usar mais modelos que "parecem ter um distúrbio alimentar" e a Glamour ampliou o uso de modelos de medidas grandes. Em 2011, Gloria Steinem aceitou o prêmio de "Mulher do Ano" da Glamour, abraçando um gênero que antes ela criticava.
Em entrevistas, Joanna Coles, editora-chefe da Cosmopolitan, e Leive disseram que estão constantemente acompanhando, por Twitter e outros meios digitais, o que as leitoras sentem e se são representadas com precisão. "Você pode parecer datada e antiga se não fizer isso", disse Leive. A edição de fevereiro da Cosmopolitan, por exemplo, oferece conselho sobre como "falar o que pensa & se destacar no trabalho" e um artigo sobre casais que tomam decisões conjuntas sobre abortos.
A editora da Jezebel, Jessica Coen, disse numa entrevista que ainda vale a pena lutar contra as revistas femininas. "Ainda estamos falando de um setor e estética que nos diz que círculos em volta dos olhos são errados", disse ela, defendendo a exposição que fez das fotos de Dunham.
Entretanto, Roxane Gay, parte da nova safra de críticas feministas que ganhou atenção online, disse que a Vogue e suas iguais não são a principal preocupação. "As linhas de frente no momento não são as revistas femininas", disse ela. Em vez disso, Gay disse que prefere se concentrar na "erosão da classe média" – e desfrutar das revistas pelas fantasias que elas são.
Tradutor: Eloise De Vylder
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