Bonde do Robocop
José Padilha deixa de lado a violência do filme de 1987 de Paul Verhoeven para analisar a ascensão dos drones e o poder ciborgue
O filme tem apenas 49% de aprovação dos especialistas reunidos pelo site Rottentomatoes. Por outro lado, já faturou US$ 70 milhões no mercado fora dos EUA, o que pode facilitar o sinal verde para uma sequência.
"Não fiz o final [do filme] pensando em continuações", desconversa Padilha, que teve a ajuda dos companheiros de "Tropa de Elite" no longa: o diretor de fotografia Lula Carvalho, o montador Daniel Rezende e o compositor Pedro Bromfman.
"Filmamos do nosso jeito", diz o diretor. "Pense bem: um projeto de US$ 140 milhões de Hollywood, mas com equipe de brasileiros. Este é o primeiro filme brasileiro de US$ 140 milhões."
PRÉ-INTERNET
Em 1987, quando o diretor holandês Paul Verhoeven fez o "RoboCop" original, o mundo ainda não conhecia a internet, telefones celulares eram trambolhos raros e robôs eram conceitos originários da ficção científica.
O longa, extremamente violento e com orçamento de US$ 13 milhões, foi um sucesso nos EUA, rendendo US$ 53 milhões --a oitava maior bilheteria do ano. Ainda gerou duas sequências (esquecíveis) no cinema, uma série e uma minissérie de TV, desenho animados e dezenas de histórias em quadrinhos.
Padilha assume a responsabilidade de refilmar "RoboCop", 27 anos depois, trocando a sátira fantasiosa e sanguinolenta pela análise mais séria da ascensão da tecnologia em serviço da indústria bélica norte-americana.
"O clássico de Verhoeven, que adoro, está lá e ninguém vai mudar sua importância. Eu fiz outro filme, e você pode gostar dele ou não", desabafa o diretor, criticado pelos fãs por ter feito um longa menos chocante.
"Se a lógica interna demanda violência, o longa será violento. Mas o meu fala sobre drones, o que nos torna humanos, política externa e mídia de ultradireita."
SOLDADOS PROIBIDOS
No novo "RoboCop", o ano é 2028. Os EUA usam robôs no Exército em guerras fora do país. Mas o Senado americano proíbe o uso dos soldados programáveis dentro das suas fronteiras.
Para driblar a restrição, a empresa OmniCorp, comandada pelo executivo Raymond Sellars (Michael Keaton), encontra uma brecha no sistema: usar um homem dentro da máquina.
É quando surge o policial Alex Murphy (Joel Kinnaman), que se envolve com traficantes de armas e colegas corruptos e termina perdendo boa parte do corpo numa explosão na porta da casa.
Ele é ressuscitado pelo cientista vivido por Gary Oldman, numa armadura que funciona como suporte de vida e arma perfeita de policiamento urbano, o tal RoboCop.
"Quando assisti ao original, ele parecia falar de um futuro distante e fantástico", diz Oldman em entrevista à Folha. "Agora temos engenheiros biônicos, telas touchscreen, simuladores, drones. O que era ficção científica, virou fato científico."
Uma situação complexa como a do Oriente Médio poderia ser mediada por RoboCops? A refilmagem de Padilha imagina a situação em sua abertura: uma Teerã sitiada, onde o Exército robótico americano ocupas ruas e enfrenta rebeldes contra a ocupação.
"Nunca escondi o meu corte. Não havia executivos me falando o que fazer. Eles sabiam o que eu queria desde o início, e entreguei o que prometi", afirma Padilha.
"RoboCop' não é um simples filme-pipoca, ele levanta questões importantes", fala o ator Joel Kinnaman. "Será que vale a pena tanta segurança com o fascismo sempre em nossa esquina? E se um partido político utilizar essa tecnologia para propagar sua ideologia?"
ENTREVISTA
Diretor compara clima no Brasil a barril de pólvora
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELESJosé Padilha fala de violência urbana no Brasil.Folha - Como RoboCop reagiria a um rolezinho?
José Padilha - Sinto um espírito de barril de pólvora no Brasil, como nunca antes tinha sentido. Pense no rolezinho: eu não gosto de shopping center, então vou esculhambar o local? É um protesto questionável, porque existem lojistas e trabalhadores normais.
Você enxerga conexões entre "Tropa" e "RoboCop"?
Em "Tropa", você vê um monte de policiais sofrendo uma espécie de lavagem cerebral no treinamento, achando que tortura é algo normal. Eles se comportam como máquinas apoiadas pelo Estado.
CRÍTICA FICÇÃO CIENTÍFICA
Refilmagem retoma teor de sátira, mas perde humor
ANDRÉ BARCINSKIESPECIAL PARA A FOLHA
Vinte e sete anos separam o "RoboCop" original, dirigido pelo holandês Paul Verhoeven, deste "remake" de José Padilha.
O filme de Verhoeven era uma sátira à era Reagan e ironizava o belicismo norte-americano, a ganância corporativa, a falta de liberdades individuais, o controle da mídia e a utopia de paz social pela força. Era uma comédia sangrenta em forma de filme B.
O tempo passou, mas os temas continuam, basicamente, os mesmos. A ameaça não é mais a União Soviética, mas os terroristas islâmicos, e a paranoia americana continua forte (está aí Snowden que não nos deixa mentir).
Esse filme de Padilha retoma o teor satírico do original, adaptando-o aos novos tempos. Infelizmente, sem o humor anárquico do primeiro.
O longa começa bem, com uma sequência mostrando tropas de robôs norte-americanos, em 2028, garantindo a paz nas ruas ocupadas de Teerã. Um executivo bilionário (Michael Keaton), dono da Omnicorp, corporação que domina a tecnologia dos "soldados-robôs", tenta convencer o governo americano a abolir a polícia "humana" e botar os robôs nas ruas do próprio país.
Mas a população resiste. Não quer um homem de lata e sem alma atirando pelas ruas. Entra Alex Murphy (Joel Kinnaman), um policial que é quase morto em uma emboscada de traficantes e ressuscita como RoboCop. Parece ser a salvação da Omnicorp "" e dos Estados Unidos.
PERDAS
O filme de Padilha perde do original em três quesitos importantes: as cenas de ação são genéricas, limitando-se a tiroteios e pancadarias hipervelozes em ritmo de videogame; os vilões não são marcantes como no filme de Verhoeven; e a sátira política e social logo perde a graça, de tão exagerada e caricata.
Prova disso é o personagem de Samuel L. Jackson, um apresentador de TV ultranacionalista e histérico, claramente inspirado no personagem de André Mattos em "Tropa de Elite 2". Suas primeiras aparições são divertidas, mas a repetição e o tom caricato acabam por torná-lo um mala.
O filme tem ótimas sequências --em especial, uma que mostra RoboCop sendo "desmontado"-- e é admirável a coragem de Padilha em expor as hipocrisias de Tio Sam. Mas este "RoboCop" não tem a graça e a diversão do primeiro.
ROBOCOP
DIREÇÃO José Padilha
PRODUÇÃO EUA, 2014
QUANDO estreia sexta-feira, 21
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO regular
DIREÇÃO José Padilha
PRODUÇÃO EUA, 2014
QUANDO estreia sexta-feira, 21
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO regular
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