Acima de mim
O Superego continua sendo o ideal de perfeição "Acima de nós" com poderes de nos ameaçar com a vergonha
Somos capazes de entrar em contato com suas origens primitivas se encontramos uma cobra no caminho. "Algo", mais forte do que nós, aciona um pânico imediato.
Observo o Flap (cão da minha filha) e vejo seu programa perigo-oportunidade funcionando de maneira complexa. Ele bajula, se submete, pede atenção --na parte da oportunidade-- e se enfia debaixo da cama à simples menção de "banho" (perigo).
Mas nada se compara ao nosso programa de base e à sofisticação que ele desenvolveu.
Pelo fato de sermos bichos capazes de consciência e reflexão, além de absorvermos ensinamentos como nenhum outro, o nosso Superego vai se tornando mais e mais complexo pela vida afora.
Para evitar o perigo, ele desenvolve busca de controle. Para controlar, ele passa a buscar sentido em tudo, a procurar entender e dominar o funcionamento do mundo.
Um dos primeiros exemplos disso é também a primeira mostra de consciência em nossa espécie: nossos ancestrais perceberam que, assim como seus pares, eles também iriam morrer, logo, era preciso controlar a morte. Aí começaram os ritos fúnebres e as mitologias de vida após a morte, comum em todas as religiões desde então.
Já se vê que o medo pediu controle, o controle inventou uma história que explicasse o perigo, a história ganhou status de crença inabalável. Estava inventado o dogma: algo "Acima de mim" que não aceita questionamentos.
Como eu justamente estou questionando o dogma, por contar sua história, prevejo rancores levantados nos que o defendem. Lembro então que, mesmo para os religiosos, a teologia anda no fio da navalha entre a fé e a heresia.
Mas a evolução não parou por aí. Agora o programa é algo "Acima de mim", descolado do Eu, que olha para ele com reverência e temor.
Não por acaso muitos religiosos se proclamam "tementes a Deus" (têm medo dele e o reverenciam no mesmo termo).
Outra atribuição dada ao Superego é seu caráter de perfeição ideal e pureza absoluta, diante da qual estamos sempre em falta, sempre abaixo.
Platão, o filósofo grego de há 2400 anos, formalizou uma teoria antecessora do Superego, ao dizer que o mundo da matéria (nós) vive atolado numa caverna obscura que, do luminoso e perfeito mundo das ideias que lá fora vive, só pode enxergar as sombras projetadas no fosso.
Tudo o que conseguimos não passa de cópias inferiores do Ideal. Todos os deuses criados pelo homem à sua imagem e semelhança tiveram essa característica de Ideal.
O Superego, em sua versão atual, continua sendo o ideal de perfeição "Acima de nós", com poderes de nos ameaçar com a vergonha, a culpa, a perda do amor das pessoas queridas, a "sifudência", de nos criticar, julgar e condenar.
Se a consciência é uma graça, essa é sua desgraça.
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