sábado, 7 de dezembro de 2013

A força do lulismo - André Singer

folha de são paulo
A força do lulismo
Os resultados da última pesquisa Datafolha mostram que caminhamos para o terceiro pleito presidencial sob o signo da polarização social. A dianteira que a candidata lulista tem sido capaz de manter está sustentada sobre o voto dos mais pobres, sendo nítida a desvantagem que leva entre as camadas de maior renda.
Conforme se pode ver no quadro abaixo, a distância entre o apoio que Dilma Rousseff recebe nos extremos alto e baixo de rendimento alcança 22 pontos percentuais. Trata-se exatamente da mesma diferença registrada às vésperas do primeiro turno de 2010.
Passados três anos de governo, os eleitores da área superior de ingresso parecem ter feito um giro completo para voltar ao mesmo lugar de onde saíram. Primeiro houve um encantamento com a presidente, quem sabe pela imagem da faxina. Depois veio a decepção, talvez em função do efeito combinado do julgamento da ação penal 470 e de alguma deterioração econômica. Por fim, voltou a rejeição, que já é marca registrada desde 2005.
Enquanto isso, os mais pobres ficaram alinhados ao lulismo. É certo que durante os acontecimentos de junho houve uma retração temporária no segmento fiel. Logo depois das manifestações, Dilma sofreu uma queda de 20 pontos percentuais na intenção de voto entre os mais pobres. Porém, após quatro meses, recuperou 70% deles, enquanto que só cerca de 30% dos que dispõem de maior riqueza voltaram a apoiar a presidente após afastar-se. A previsão de que a perda de sustentação ocorrida no bojo dos protestos seria apenas um soluço vai se confirmando na base da pirâmide.
Em consequência, a um ano do pleito o quadro lembra o da última disputa. A soma das intenções de voto em Marina e Aécio por faixa de renda é parecida à que a postulante ecologista reunia com José Serra um triênio atrás. Com a diferença de que, já tendo concorrido à Presidência, Marina encontra-se à frente do pré-candidato tucano, menos conhecido.
Mantida a tendência atual, com Marina no lugar de Campos, Dilma chegará em primeiro lugar no domingo, 5 de outubro, mas haverá segundo turno. As incógnitas giram em torno de quem será o adversário do lulismo no último round e o quanto ele ou ela conseguirá reter dos votos dado ao terceiro colocado.

Xico Sá

Xico na Copa
Todos atrás da deusa
Amigo torcedor, amigo secador, o Brasil preocupado com quem iria pegar no sorteio das bolinhas e o mundo todo querendo pegar a Fernanda Lima. Os mais abusados eram os galãs de araque da Itália e os "boludos" argentinos, doce canalhice na bueníssima onda nas redes sociais mundo afora. Não passa nada. Que importa o futebol --ainda daqui a seis meses!-- diante de uma mulher daquelas sob os coqueirais dos trópicos, meu caro Rodrigo Hilbert?
O Brasil saiu ganhando e perdendo ao mesmo tempo. Pegou baba no grupo, mas o mundo inteiro pegou, platonicamente, Fernanda Lima. Tudo bem, acontece, o amor platônico não passa de invenção greco-baiana, deixa quieto. E para curar o amor platônico, já dizia o poeta Eduardo Cac, só uma trepada homérica.
Até o uruguaio dom Alcides Ghiggia, com o charme que só carrascos ostentam, olvidou o passado, apagou a memória de 1950 por 5 minutos. "Gracias por el fuego", parecia dizer o belo viejo, repetindo o título do livro do conterrâneo Mario Benedetti.
Todo grande homem suspende ou borra a existência por alumbramento diante de uma mulher extraordinária. Zidane idem, esqueceu a perversão de duas Copas (98 e 06) contra os brasileiros diante do "je ne sais quoi" da apresentadora. Nossa memória sempre depende de uma fêmea bonita na curva dos neurônios acinzentados.
Sou contra o pachequismo na bola, aquela coisa obsessiva da pátria em chuteiras etc, mas sou muito favorável ao samba-exaltação da mulher cá do nosso lado tropicaliente. Falava justamente do assunto ontem com o meu chapa Benito de Paula --agora chegou a vez vou cantar/mulher brasileira em primeiro lugar.
No que o bom Benito, pianinho, pianinho, citou também o ídolo comum Martinho da Vila. A brasileira de qualquer cor ou credo, magrinha ou farta --como aliás até aprecio mais--, do sul ou do norte, preta, branca, marrom, mestiça ou amarela, ruiva ou lindamente encardida, Gisele ou brejeira, a mulher, ponto, parágrafo, vixe, como amo.
Que Bruna Marquezine faça de Neymar Jr. o que Elza Soares, gênia-mor da raça, fez de Garrincha: campeão do mundo. Porque cada gol tem por trás o amor de véspera, querida Fernanda Lima. O balé do campo repete a coreografia da cama. Romário, meu peixe, que o diga. Não há futebol-arte sem gozo do mesmo naipe.

Ruy Castro

folha de são paulo
Pós-Beatles
RIO DE JANEIRO - Outro dia, li num importante colunista que, "[para Woody Allen], a música popular morreu desde os Beatles, tal como para Paulo Francis e Ruy Castro". Não sei de Woody e Francis, mas devo retificar o que se refere a mim. Não acho que a música popular tenha morrido desde os Beatles. Ao contrário. Sabendo-se que eles surgiram em meados de 1963, com "She Loves You" e "I Want to Hold Your Hand", quanta gente boa não veio depois? Eis alguns.
Para ficarmos apenas no Brasil, justo naquela época apareceram Baden Powell, Jorge Ben e Orlandivo. Podia ser melhor? Dali a pouco, o samba-jazz de Moacir Santos, Edison Machado, Raul de Souza, Tenório Jr. e muitos mais fariam da nossa música instrumental a melhor do mundo. E Marcos Valle, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi e Pingarilho ainda levariam um ano para aparecer --quando eles se revelaram, no começo de 1964, os Beatles já estavam em cartaz com "Os Reis do Iê, Iê, Iê".
Nara Leão, Wilson Simonal, Elis Regina, Leny Andrade e Gal Costa foram intérpretes fabulosos que o Brasil só conheceu depois dos Beatles. Idem quanto a Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Chico Buarque, Sidney Miller e dona Ivone Lara, entre os compositores.
Cartola, Zé Kéti e João Donato, que vinham do passado, construiriam a melhor fase de suas carreiras depois dos Beatles. E o que dizer de João Nogueira, Aldir Blanc, João Bosco, Beth Carvalho, Tim Maia, Clara Nunes, Nei Lopes, Rita Lee, Guinga, Leila Pinheiro? Todos pós-Beatles.
Mesmo hoje, não perco um show de Marcos Sacramento, Joyce Moreno, Moacyr Luz. Aliás, nunca houve época em que eu não gostasse de algo que estava acontecendo. Uma de minhas admirações em 1968, por exemplo, foi o tropicalismo, sobre o qual escrevi repetidamente no "Correio da Manhã". A música não começou com os Beatles, nem terminou com eles.

    Tendência de autoficção coincide com fase de superexposição de escritores

    folha de são paulo

    Tendência de autoficção coincide com fase de superexposição de escritores


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    RAQUEL COZER

    COLUNISTA DA FOLHA

    Eu nunca estive tão em alta na literatura brasileira. Ou melhor, o "eu", esse personagem que se apresenta ao leitor em primeira pessoa e tem um passado em comum com o escritor que o criou, nunca protagonizou tantos romances publicados no país.
    Ficções recentes, como "Divórcio", de Ricardo Lísias, "A Maçã Envenenada", de Michel Laub, e "Antiterapias", de Jacques Fux, têm em comum essa aproximação entre autor e narrador.
    Mais tradicional em países como a França --onde surgiu, nos anos 1970, o termo "autoficção"--, a mistura de autobiografia e ficção tem seu momento mais forte na produção literária nacional, na avaliação de especialistas.

    Minha vida dá uns livros

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    O paulistano Marcelo Mirisola, 47, ficou conhecido por explorar os limites entre memória e ficção em obras como “O Azul do Filho Morto” (2002) e “Charque” (2010). Neste, o narrador esclarece: “Eu uso a primeira pessoa, não falo na primeira pessoa”. Fora dos livros, o autor cria conscientemente em torno de si um personagem que confunde o leitor
    "O Brasil finalmente descobriu a autoficção", diz Luciana Hidalgo, uma das maiores estudiosas do gênero no país. "Há uma moda. Começou na França, agora chega ao Brasil, à Argentina, ao México", diz a estudiosa Diana Klinger, que escreveu sobre o tema em "Escritas de Si, Escritas do Outro" (2008).
    Em livros assim, o personagem pode ter o nome do autor --caso de Ricardo, protagonista de romances de Ricardo Lísias, ou de Marcelo ou M.M., como se apresentam os narradores das ficções de Marcelo Mirisola.
    Pode compartilhar com o autor lembranças sem fim, tal como o protagonista de "Antiterapias", de Jacques Fux, agraciado no mais recente Prêmio São Paulo de Literatura, ou o de "O Filho Eterno", o premiadíssimo romance de Cristovao Tezza.
    Ou pode, em nuances mais sutis, ter pontos do passado em comum com seu criador. Isso é algo que se vê nas obras de Michel Laub, autor de "Diário da Queda" e "A Maçã Envenenada", e de Paloma Vidal, autora de "Algum Lugar" e "Mar Azul".
    Curiosamente, essa produção vem, em geral, acompanhada de uma recusa: a de que os leitores façam uma leitura biográfica da ficção que lhes é apresentada.
    Laub diz que basta ler seus romances para constatar que um contradiz o outro, inclusive ao narrar ao fatos iguais.
    "Não tenho como ter seis biografias diferentes, então é óbvio que estou manipulando a memória. Escritores fazem isso, com a memória, a imaginação, a matriz que for", diz ele, que vê como elogio o fato de o leitor deduzir que o que está escrito ali é verdade, e não criação.
    Lísias, autor de romances radicais nesse sentido -- "O Céu dos Suicidas" parte da morte de um amigo do autor; "Divórcio" aborda o fim de seu casamento de quatro meses--, rejeita a "espetacularização" da leitura biográfica.
    "Se por autoficção compreendermos a contestação radical da possibilidade de a literatura refletir qualquer realidade, meus livros se enquadram no termo. Mas, se significa o autor dizer que o livro é sua vida, não. Livro algum reflete a realidade. Achar o contrário é matar o que há de arte na literatura."
    LIMA BARRETO
    "O Brasil foi tomado por esse tsunami autoficcional com força e particularidades", diz Luciana Hidalgo.
    A estudiosa vê em Lima Barreto (1881-1922) o fundador desse tipo de registro. Ao escrever "Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá" (1919), Lima chegou a dar a um dos personagens seu próprio nome, Afonso, mas voltou atrás. "Era uma ousadia na época" Hidalgo. "A exaltação do eu na ficção sempre foi tabu."
    Se na França vê-se essa tradição na obra de nomes como Marcel Proust e Louis-Ferdinand Céline, no Brasil ganhou mais força a partir de "O que É Isso, Companheiro" (1979), de Fernando Gabeira, definido pela Companhia das Letras como "romance-depoimento"
    O crítico literário e escritor Silviano Santiago foi um dos primeiros brasileiros a assumir o termo "autoficção" ao lançar os contos de "Histórias Mal Contadas", em 2005.
    Embora ainda recorra ao expediente, Santiago faz a avaliação de que exista um elemento facilitador nele. "Se você usa sua vida como base, não cria um obstáculo, facilita. É diferente fazer um 'Ulysses', de James Joyce", avalia.
    CONFUSÃO
    Marcelo Mirisola acha graça quando confundem sua vida com sua obra. "O bom escritor faz o que quer da memória: lembra, finge que lembrou, passa recibo", diz.
    Para ele, "escrever na primeira pessoa não é para qualquer pangaré". "É mais arriscado. Por conta da exposição, da confusão que certamente virá. Eu escrevo na primeira pessoa porque adoro confusão. Precisa ter cacife ou ser louco varrido. Eu me incluo nas duas categorias, e isso aborrece muito meus pares", diz o escritor.
    Para o estreante Jacques Fux, o uso da primeira pessoa tem a ver com "conforto".
    "Acho que não teria destreza em fazer isso na terceira pessoa. Vai de autor para autor, há muitos que se sentem mais confortáveis em escrever em terceira pessoa e criar outro personagem", diz ele, que escreve um segundo romance, também com o "eu" como protagonista.
    A tendência, na avaliação da estudiosa Diana Klinger, surge num momento propício. "Essa postura é oportuna hoje em dia, quando a figura do autor é fundamental para o mercado literário, quase tão importante quanto seus livros. Coincidência ou não, essa tendência contemporânea se adapta muito bem a essa necessidade atual de exposição do autor", diz.

    VARIAÇÕES DE MIM
    O paulistano Marcelo Mirisola, 47, ficou conhecido por explorar os limites entre memória e ficção em obras como "O Azul do Filho Morto" (2002) e "Charque" (2010). Neste, o narrador esclarece: "Eu uso a primeira pessoa, não falo na primeira pessoa". Fora dos livros, o autor cria conscientemente em torno de si um personagem que confunde o leitor
    A trajetória da escritora Paloma Vidal, 38 --argentina radicada no Rio desde os dois anos de idade--, aparece em sua obra, que trata de temas como exílio e deslocamento. Num dos contos de "Duas Mãos" (2003), por exemplo, a protagonista pensa em "portunhol". No romance "Algum Lugar" (2009), uma personagem faz uma pesquisa de doutorado nos EUA, como ela
    Ricardo Lísias, 38, diz que partiu de incidentes "pessoais e traumáticos" em seus romances "O Céu dos Suicidas" (2012) e "Divórcio" (2013), mas que eles não refletem sua vida. Para especialistas, o paulistano, como bom representante da autoficção, alimentou o interesse por "Divórcio" ao fazer circular texto prévio ao livro revelando que se tratava de fato real
    O gaúcho Michel Laub, 40, usou memórias em quase todos os seus romances, procedimento que recebeu mais atenção em "Diário da Queda" (2011), centrado num garoto de origem judaica, e "A Maçã Envenenada" (2013), sobre um jovem cumprindo serviço militar em Porto Alegre. Para o autor, basta juntar as narrativas para ver que as biografias se contradizem
    "Antiterapias" (2012), premiado romance de estreia do mineiro Jacques Fux, 36, é definido pelo próprio autor como autoficção, termo em geral rejeitado por veteranos no Brasil. Ele parte de suas lembranças de infância como membro da comunidade judaica em Belo Horizonte. No texto, o narrador ressalta que, ao selecionar momentos para contar, está criando uma ficção
    O catarinense Cristovão Tezza, 61, já tinha 14 livros de ficção publicados quando "O Filho Eterno" (2007) virou sensação, faturando todos os grandes prêmios de 2008. Seu primeiro e único romance francamente autobiográfico, sobre a relação com o filho com síndrome de Down, usava expediente incomum à autoficção, a narrativa em terceira pessoa

      José Simão

      folha de são paulo
      Ueba! Fifa, vá tomá no pote!
      E a charge do Jorge Braga com Dilma e Mantega no elevador: 'Você soltou um PIB?'. 'Não, foi um pibinho'
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta direto de Varginha, Minas: "Galinha se confunde e choca pães de queijo no lugar de ovos". Tadinha, gente! Deve ser a galinha do Aécio! Rarará!
      E o pedido de um tuiteiro: "Gostaria que colocassem na cela dos mensaleiros um alto-falante tocando dia e noite a Simone cantando "Então é Natal". Ainda não existe pena de morte no Brasil! Já estão tocando a Simone até na Papuda? Rarará!
      E eu já arrumei um emprego pro Dirceu: piloto de prova de supositório de Itu! Test drive de supositório!
      E um advogado amigo meu: "Esse helipóptero dos Perrella, pela Teoria do Domínio do Pó, é um drone". Foram todos enganados. E não era pó, eram 450 quilos de polvilho pra fazer pão de queijo! Pra galinha de Varginha chocar! Rarará.
      Minas tá bombando: mensalão mineiro, avião de pó e galinha que choca pão de queijo! Rarará!
      E ontem eu disse: "Dilma usa o aplicativo Lulu para avaliar desempenho do PIB do Mantega". Ela avaliou o PIB do Mantega com o #mindinho! Rarará.
      E a charge do Jorge Braga com a Dilma e o Mantega no elevador: "Mantega, você soltou um PIB?". "Não, foi um pibinho". Rarará!
      E essa: "Denúncia e e-mail apontam elo entre lobista da Alstom e Serra e Aloysio Nunes". Os metrôlha! Os Irmãos Metrôlhas! Esses tucanos serão todos condenados. Na Suíça! A Suíça é petista!
      E adorei a desculpa do Aloysio Nunes sobre o e-mail que recebeu do lobista da Alstom: "Foi alerta de um amigo". De um amigo que tem uma conta de US$ 6 milhões bloqueada na Suíça! Rarará!
      E um amigo foi ao supermercado e entrou na fila para pessoas com necessidades especiais. E a caixa: "O senhor tem alguma necessidade especial?". "Tenho, necessito de dinheiro". Rarará.
      E estou entregando a coluna antes do sorteio da Copa! Mas antes que me esqueça: Fifa, vá tomar no pote! Rarará! Vá tomar na brazuca!
      É mole? É mole, mas sobe!
      Os Predestinados! Direto de Nova Iguaçu, o ginecologista; Gerson ESTERMÍNIO! Tadinhas das pererecas. Pererequicídio em Nova Iguaçu! E em Ourinhos tem o ginecologista: José Luiz MATACHANA de Camargo Pires! E direto de Brasília, a advogada Patricia GARROTE! Quem não pagar, garrote! Rarará.
      Nóis sofre, mas nóis goza!
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Álvaro Pereira Júnior

        folha de são paulo
        Paz, amor e silício
        Como um bando de hippies maconheiros da Califórnia criou a computação pessoal
        Todo mundo peladão, rock nas caixas, cilindros de gás hilariante, pavões passeando seus rabos coloridos pelo jardim. "Foi nessas festas que descobri quem era e quem não era circuncidado no Vale."
        O "vale" é o do Silício, que na época nem se chamava assim, era o vale de Santa Clara, perto da Universidade Stanford. E quem descreve a festança é a mulher de um dos principais pesquisadores da ciência da computação que atuavam por lá.
        Estamos nos anos 60, norte da Califórnia, geração pós-beatnik, contracultura, pacifismo e curtição hippie no auge. Também muito ativa, mas bem menos visível, é a comunidade científica que gestava a ideia de um computador pessoal (PC) e, em última análise, da internet como hoje a conhecemos.
        A tese do autor americano John Markoff, repórter de tecnologia do "New York Times", é que hippies e nerds foram muito mais próximos do que nosso senso comum imagina. Que o próprio conceito de computação pessoal, e do computador como ferramenta de libertação, deriva diretamente da contracultura e deseu desprezo pelo poder centralizado.
        Markoff desenvolve o tema no livro "What the Dormouse Said". O título cita o último verso da canção "White Rabbit", da banda californiana Jefferson Airplane, que por sua vez faz referência a "Alice no País das Maravilhas".
        O herói de Markoff é quase um desconhecido: Douglas Engelbart, morto em julho passado, aos 88 anos. Nos anos 60 e 70, Engelbart chefiava, em Stanford, o Laboratório de Ampliação do Intelecto Humano.
        O cientista via o computador como um instrumento individual, que elevaria o homem a novos horizontes. Assim como os hippies usavam o LSD para atingir níveis de consciência antes inalcançáveis.
        Um nome-chave da contracultura frequentava o grupo de Engelbart (não sabia nada de computação, mas tinha curiosidade). Era Stewart Brand, autor da coleção de livros "The Whole Earth Catalog", o que de mais próximo existe de uma bíblia hippie.
        Um dia Brand levou o guru do LSD Ken Kesey para conhecer o trabalho de Douglas Engelbart. Kesey não teve dúvida: "Depois do ácido, o que está vindo é isso aí".
        Mas as teses de Engelbart, sobre o computador como um "ampliador" do intelecto, não eram dominantes. Acreditava-se mais no computador como um "substituto" do cérebro. Era isso que estudava um outro laboratório de Stanford, o de Inteligência Artificial, também retratado no livro.
        Os grupos de ampliação de intelecto e o de inteligência artificial não colaboravam entre si e ficavam fisicamente distantes. Mas os ambientes eram parecidos. Em meio ao clima de calças de tergal e camisas brancas de Stanford, eles preferiam chinelos, calças rasgadas, viviam em comunidades de bichos-grilos. Eram pacifistas, nudistas, tomavam LSD e fumavam maconha (às vezes no trabalho).
        Uma ironia: os doidões eram pesadamente financiados pelo Pentágono. Para cientistas, uma das maneiras permitidas por lei de fugir do alistamento ao Vietnã era trabalhar com pesquisas que poderiam ter uso militar.
        Até que os anos 70 chegaram à metade, a guerra acabou e os dois laboratórios de Stanford empacaram em muros conceituais. Não conseguiram transformar suas ideias em prática.
        Esse papel coube a uma nova geração de nerds, surgida nessa era pós-Vietnã, no mesmo vale de Santa Clara: os "hobistas", que montavam computadores por diversão.
        Não tinham amarras filosóficas e acadêmicas. Steve Jobs e Steve Wozniak, futuros fundadores da Apple, estavam nessa. Eles frequentavam clubes de computação criados por egressos dos laboratórios de Stanford. A partir daí, sabemos o que aconteceu.
        Editado em 2005, "What the Dormouse Said" é vítima da velocidade estonteante com que tudo acontece na internet. A palavra "Google", por exemplo, nem aparece. E o grande vilão é Bill Gates. O dono da Microsoft surge como o único defensor, entre os pioneiros do PC, de que programas de computador são algo pelo qual se deve pagar.
        Hoje, ante a presença tentacular do Google, Gates virou quase um bilionário bonzinho, meio "indie", doando milhões para a cura de doenças exóticas e criando produtos "alternativos", como o toca-MP3 Zune e o mecanismo de buscas Bing.
        Que o Google tenha um slogan de clara inspiração hippie --"don't be evil", não seja mau-- é talvez tema para um novo livro. A influência dos anos 60 continua. Falta definir o que é ser mau.
        by2k@uol.com.br

          Painel das Letras - Raquel Cozer

          folha de são paulo
          Baú de Millôr
          A obra de Millôr Fernandes (1923-2012), anunciado no mês passado como homenageado da Flip 2014, passa a ser editada também pela Companhia das Letras, que se junta à L&PM e à Ediouro nessa seara. A casa vinha conversando há meses com a agente literária Lúcia Riff e tem quatro títulos para 2014. São eles "Esta É a Verdadeira História do Paraíso", de 1972, a ser ilustrada por quadrinistas como Angeli e Cobiaco; "The Cow Went to the Swamp" (A Vaca Foi pro Brejo)", de 1988, com expressões vertidas ao pé da letra para o inglês; "Papâverum", de 1967, com poemas bem humorados; e "Emmanuel Vão Gôgo", edição fac-símile com frases, poemas e outros textos inéditos em livro.
          ARRUMAÇÃO NA CASA
          O ano de 2013 foi de reorganização na Paz e Terra, editora quarentona comprada há um ano pela Record. Só dez títulos inéditos, planejados desde antes da negociação, saíram pelo selo. A coisa avança em 2014, quando a Paz e Terra passará a ter dois títulos novos por mês, além de reedições de obras como "A História da Sexualidade", de Michel Foucault.
          Recuperar obras esgotadas é trabalhoso. "Algumas tinham matrizes irrecuperáveis. Houve casos em que tivemos de escanear uma cópia para fazer a nova edição", diz Andreia Amaral, que cuida, no grupo, da Civilização Brasileira e da Paz e Terra.
          A linha infantil continua, mas a de ficção vai acabar, com títulos passando a outros selos da Record. Com autores em comum com a Civilização, a Paz e Terra acabou trazendo para si obras de Paulo Freire e Manuel Castells que saíam pela antiga concorrente.
          RARIDADE
          Um exemplar de 'Fêtes' (Maeght, 1971), com gravuras de Alexander Calder e texto de Jacques Prévert, terá lance inicial de R$ 22 mil em leilão da Fólio no Hotel Emiliano, em São Paulo, no dia 14
          Aposta Um catatau de 670 páginas, sucesso de público e crítica na França, "La Vérité sur l'Affaire Harry Quebert", do suíço Joel Dicker, foi recém-adquirido pela Penguin nos EUA. O valor, não revelado, foi "o maior já pago pela casa por um livro", disse a "Hollywood Reporter".
          Aposta 2 O thriller sobre o esforço de um escritor para limpar o nome de seu mentor, acusado de assassinato, desbancou "50 Tons de Cinza" e "Inferno" nas listas europeias. Já tinha conquistado a Intrínseca, que programa sua edição para o ano que vem.
          Filão A expansão do mercado infantojuvenil levou a Novo Conceito a preparar, para março, a estreia do selo #irado, para leitores de 8 a 13 anos. A estreia terá os hits James Patterson, com "Caçador de Tesouros", e Holly Black, com "Boneca de Ossos".
          Menos "Karl Marx, uma Vida do Século 19", de Jonathan Sperber, que o selo Amarilys lança no início do ano, propõe leitura diferente da feita nas biografias mais conhecidas sobre o fundador da doutrina comunista.
          Menos 2 O inglês diz que é mais fácil entender Marx vendo-o como alguém "que olhou para os fatos da primeira metade do século 19 e os projetou no futuro do que como intérprete firme e previdente de tendências históricas". Para Sperber, as ideias dele não só têm aplicação limitada hoje como foram pouco relevantes em seu tempo.
          Fim O ano que vem será o último da Agir como dona dos direitos de "O Pequeno Príncipe", obra que sempre volta às listas de best-sellers e cai em domínio público em 2015, nos 71 anos da morte de Antoine de Saint-Exupéry.
          Fim 2 Para a despedida, a casa preparou uma edição normal e uma de luxo, ambas com tradução de Ferreira Gullar, em substituição à de d. Marcos Barbosa --a conhecida dos mais de 4 milhões de leitores que, desde 1952, compraram a obra no país.
          Fim 3 Enquanto os direitos não são liberados, outras casas faturam com produtos associados, como "Nosso Pequeno Príncipe: Álbum do Bebê" (V&R), mais de 10 mil cópias vendidas desde 2012.

            Tetraplégico tem prisão domiciliar negada

            FILIPE COUTINHO
            DE BRASÍLIAEnquanto José Genoino, condenado no julgamento do mensalão, trata de problemas de saúde em casa até a Justiça decidir se ele tem direito a prisão domiciliar, um detento tetraplégico teve o mesmo pedido rejeitado e é obrigado a fazer o tratamento dentro do presídio da Papuda.
            No dia a dia, ele depende dos colegas de cela para comer e se limpar. No processo, ele chegou a assinar alguns documentos com um carimbo da impressão digital.
            "Quando se decreta uma prisão preventiva, há apenas suspensão de seu direito de ir e vir e os demais direitos lhe estão assegurados, principalmente direito a sua integridade física e moral", escreveu o advogado Karlos Eduardo de Souza Mares ao pedir a prisão domicilar. O advogado pediu que o nome do detento não fosse divulgado.
            O Ministério Público chegou a opinar favoravelmente à prisão domiciliar, mas mudou de ideia. Foi decisivo, para a Promotoria e para a Justiça, o documento da direção da Papuda, que garantiu que tinha condições de tratá-lo.
            "Relatório enviado pelo presídio informou que o requerente está obtendo tratamento médico, realizando curativos nas úlceras, com bom estado geral", escreveu a juíza Rejane Teixeira, da Terceira Vara de Entorpecentes.
            O preso usa fraldas e armazena a urina numa sonda que fica acoplada ao corpo.
            Ele ainda era preso provisório, sem condenação, quando teve seu pedido negado no meio do ano --a condenação veio em agosto.
            Apesar de não ter sido condenado quando teve o pedido de prisão domiciliar rejeitado, o detento era reincidente no tráfico de drogas --por isso a sua pena, de sete anos de prisão, tem sido cumprida em regime fechado.
            Em sua casa, na periferia de Brasília, a polícia encontrou nove pedras de crack, mais de 60 gramas de maconha e R$ 900 em dinheiro.
            Ele disse que não estava sozinho em casa e que a droga não era dele. Reconheceu, apenas, posse de parte da droga, para consumo próprio.
            Genoino teve o direito de ficar em casa por decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, que ainda vai definir se o petista poderá permanecer em prisão domiciliar.
            Junta médica disse que a permanência em casa não é "imprescindível" para tratar dos problemas cardíacos de Genoino.
              folha de são paulo