sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

José Simão

folha de são paulo
Ueba! Olimpíada do Inferno!
Adorei o Marco Feliciano no Twitter: 'O AUTO índice de analfabetismo'. Nem Jesus salva! Seria autoavaliação?
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Piada Pronta: "Filme sobre Pelé atrasa e não ficará pronto para a Copa". Nem o Pelé ficou pronto? Rarará!
E o bafo dos infernos? Sensação térmica: PIPOCA! Milho estourado! Apertaram o botão pipoca!
E adorei a charge do Zop: "Olimpíadas de Inverno: saltos de esqui, snowboard e patinação. E aqui Olimpíadas de Inferno: ônibus queimado, rojão assassino, apagão e falta d'água".
Olimpíada do Inferno! O Brasil pisou no despacho!
E essa nova expressão: "Fulano usa tática black bloc". Tática tétrica!
E eu já disse que qualquer banda de heavy metal perto dos black blocs vira Galinha Pintadinha!
E um amigo perguntou: "Já comprou a sua fantasia de black bloc pro Carnaval?". NÃO VAI TER CARNAVAL! Rarará!
E adorei o Marco Feliciano no Twitter: "O AUTO índice de analfabetismo". Nem Jesus salva! Seria uma autoavaliação? Ele vai culpar o ALTO corretor! A chapinha deve ter esquentado.
Eu acho que o auto índice de analfabetismo do Marco Feliciano é automático e automotivo! Rarará!
Isso é que dá querer tomar conta do "ú" dos outros: "autoingnorância". Rarará!
E diz que o Zé Dirceu tá criando um bichinho de estimação na Papuda: uma vaquinha! A Mimosa! Quem vai contribuir pra Mimosa ficar gordinha? Rarará!
Vaquinha de um milhão só no Canal Rural. Só no Canal do Boi! Sabe aqueles canais de televisão que ficam leiloando vaca gorda a noite inteira?
E o Obama tá ou não tá cantando "All the Single Ladies"? A Michelle tá uma onça com a Beyonça!
E com esse calor, ainda peguei a gripe Sarney: pega um e derruba a família inteira! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Prontos pra Copa! Olha essa van em Búzios: "Visit Búzios BITCHES in one day".
Turismo sexual?! Conseguir visitar todas as piranhas de Búzios em um dia não é fácil! Rarará!
E essa aqui: "Shop Motel: onde você come bem duas vezes". SÓ?! Não vou! Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza.
Hoje, só amanhã.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Barbara Gancia

folha de são paulo
Calma, gente!
Será que um bando de guris mascarados consegue bagunçar o coreto de um país inteiro? Fala a verdade...
Calma, gente! Antes de amarrar mais alguém ao poste, va­mos respirar fundo e tentar usar a cabeça?
Não tem aroma de corvo queima­do o governador Sérgio Cabral, ini­migo político de Marcelo Freixo, dizer que "grupos políticos" patro­cinam "black blocs"? E não possui um peculiar odor de ralo o doutor Jonas Tadeu Nunes, advogado dos acusa­dos pela morte do cinegrafista San­tiago Ilídio Andrade, se dar ao luxo de aconselhar agentes da lei a investigar "vereadores, deputados e diretórios regionais de partidos" para desvendar quem são os res­ponsáveis pela violência das mani­festações cariocas?
Você, meu dileto leitor, compraria uma máquina lava-louças usada do Sérgio Cabral? E o doutor Jonas, que por coincidência vem a ser repre­sentante legal de Natalino Guima­rães, um dos mais poderosos mili­cianos da Baixada Fluminense, vo­cê o convidaria para tomar um guaraná na esquina?
Pois é, a esta altura, eu também não. Mesmo porque não uso lava-pratos. Mas veja que curioso: está assim, ó, de gente que acredita sem pestanejar nessas acusações.
Pessoal tá cansado de saber que os "black blocs" nasceram na Europa e não têm pessoas como alvo. Em São Paulo, eles só começaram a surgir depois da segunda passeata para se proteger dos tiros de borra­cha e do gás lacrimogêneo, alguma novidade até aí?
Mas parece que nenhum argu­mento ou fato serve para apaziguar os nervos de quem nutre a ideia fixa de "projeto bolivariano" em curso na América Latina, com uma miríade de partidos de esquerda no hori­zonte, que estariam dispostos a de­sestabilizar a ordem pública por al­guma razão que... Bem, eu real­mente não saberia concluir o racio­cínio, de tão acéfalo que é. Porque basta usar apenas um neurônio pa­ra saber que o que dispersou as ma­nifestações não foi a violência de "black blocs" ou, sei lá, de besouros lilases gigantes ou duendes (vá en­tender? Essa turma não acredita no que diz Tuma Jr.?).
O que dissipou os protestos foi fal­ta de liderança, de propostas, de or­ganização e de perseverança. Pare­ce pouco, ora bolas? Não venham dizer que o quebra-quebra promovido por uns gatos pingados foi capaz de esvaziar o ânimo de um país inteiro, porque, se é assim, somos uns fuinhas.
Em "Raízes do Brasil", Buarque de Holanda pinça os motivos da histe­ria atual: "A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-en­tendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios". As manifestações de junho só empol­garam o andar de cima pela oportu­nidade de ver ali uma forma de var­rer "bolivarianos". Mas carnavali­zaram, pessoal foi para Portillo, St. Tropez ou se perdeu em protestos sem respaldo legal ("Fora, Had­dad"? Como assim?). Sem gás, vie­ram as "manifestações pocket", pe­dia-se tudo, resultou em nada.
Passados oito meses, a coisa des­virtuou. A infiltração de fato existe. Mas ela parte dos presídios, dos grupos organizados, nascida por vingança. Uma desordenzinha pré-Copa, só para azucrinar.
No Rio, porque as vans clandesti­nas foram proibidas de circular na orla. E, em São Paulo, pela turmi­nha de sempre, que queima em mé­dia um ônibus ao dia, porque pe­ruas não podem mais circular nos corredores de ônibus de locais co­mo Jardim Ângela, Capão Redon­do e Adolfo Pinheiro. Kassab proi­biu e Haddad ampliou o leque da proibição. E os meninos que se sen­tem acolhidos pela bandidagem, porque não o foram pelo Estado, são cooptados a se "fantasiar" de "black bloc", deixando a clientela do shopping à beira de um ataque de nervos. Calma, gente!

    Michel Laub

    folha de são paulo
    O apartheid das novelas
    As séries americanas provam que dá para bater recordes de audiência com produtos sofisticados
    Sempre dou um desconto quando ouço que a TV era melhor antigamente. O passado só existe sob o filtro egocêntrico das lembranças, que confundem a glória de nossa biografia com o esplendor da história do mundo. E a análise não pode desprezar o contexto. O "padrão Globo de qualidade" dos anos 1970/1980, por exemplo, tinha menos apelação porque havia menos concorrência.
    Não custa lembrar, também, que a menor diversidade se devia ao controle técnico e político de uma ditadura. A nostalgia da era de ouro precisa considerar o pacote inteiro: sob o ponto de vista das concessões de quem mandava, uma coisa (liberdade parcial e inteligência em áreas menos sensíveis, como as novelas) era vinculada à outra (censura e oficialismo no que importava de fato, o noticiário).
    Dito isso, não dá para negar que a coisa objetivamente piorou. Veja-se o caso da recém-encerrada "Amor à Vida". O folhetim de Walcyr Carrasco integra uma longa linhagem que reflete e por vezes é vanguarda em debates da sociedade --o divórcio em "Escalada" (1975), a emancipação feminina em "Malu Mulher" (1979), a corrupção em "Vale Tudo" (1988), a totalidade da experiência humana nos enredos de Glória Perez.
    Será ótimo, nesse sentido, se o beijo entre dois homens exibido no último capítulo, há duas semanas, aumentar a tolerância à diversidade sexual --algo urgente num país em que gays ainda são agredidos nos rincões e na avenida Paulista.
    Ocorre que a análise não pode se resumir à sociologia. Quando deixamos de lado a boa vontade com scripts de interesse público --além da causa gay, "Amor à Vida" falou sobre autismo, alcoolismo, câncer de mama, lúpus, Aids, violência conjugal, casamento entre religiões diferentes--, o que sobra das novelas contemporâneas é uma dramaturgia que atira para todos os lados e com frequência não faz sentido.
    Temos outro pacote agora, a ser igualmente considerado no todo: a maior e bem-vinda oferta de canais e programas --no cabo, na Internet, em mídias como o Netflix-- criou um apartheid estético. Boa parte da audiência qualificada abandonou a TV aberta.
    Já o grosso da população, bem, que se contente com bebês jogados na caçamba, um ex-quase-homem-bomba arrependido ("percebi que a guerra atinge pessoas indefesas, crianças") e, como apontou Mauricio Stycer (http://goo.gl/lwM4Ql), sugestões de leitura inesquecíveis ("ganhou o prêmio Jabuti. Essa sim é uma bela maneira de viver. Agora, você! Fica tentando dar golpes em meninas ricas!").
    Da constatação surgem duas perguntas. A primeira é se nosso entretenimento de massas não pode ser um pouco melhor. As séries americanas provam que dá para bater recordes de audiência com produtos folhetinescos altamente sofisticados. A tradição das novelas é outra, é verdade, e existem limitações por causa de horário, formato e patrocinadores, mas não estou pedindo o tom e a densidade de "Breaking Bad". Bastaria que um produto de qualidade como "Avenida Brasil" (que foi bem de ibope, por sinal) deixasse de ser exceção.
    A segunda pergunta é se não há uma crueldade paternalista na forma como lidamos com o tema. Tenho amigos inteligentes que ainda acompanham novelas, mas o modo comum desse tipo de audiência é o do consumo distanciado ou irônico. A sensibilidade proposta pelo texto não os atinge de igual para igual: ou se olha a trama de cima, para "saber o que as pessoas estão vendo", ou se assiste por um personagem/ator/atriz sexy ou pitoresco(a), ou se deixa a TV ligada enquanto se cozinha ou conversa, ou se ri da tosquice geral.
    Aliado a problemas de educação, o apartheid estético integra a lista nacional das desigualdades que se retroalimentam. Se a elite fala apenas para a elite, a maioria fica reduzida a destinatária de lições de moral e cívica no principal (senão único) produto de ficção que consome. O gosto médio continua sendo o que é. Quem está na base da pirâmide cultural (logo, social) ali se mantém.
    Mudar o quadro pode não ser fácil. Mas, com os profissionais de ponta que trabalham na TV, quem sabe custe apenas uma escolha: tentar dar ao público o que ele ainda não sabe que quer. Apostar que as pessoas podem ser desafiadas e tratadas com inteligência. E que, como os costumes da sociedade que integram, à frente ou a reboque de novelas, são capazes de evoluir.

      Marina Silva

      folha de são paulo
      A paz essencial
      Democracia pressupõe liberdade de expressão, organização e manifestação. Isso inclui o novo sujeito político que emerge agora que a internet quebra as formas clássicas de intermediar a informação, tornando cada um, ao mesmo tempo, autor e protagonista de sua narrativa. Mas essa inclusão põe também um imperativo ético: a democracia só se realiza numa cultura de paz, condição para que a contribuição desse novo sujeito seja produtiva e inédita de fato.
      Feita a escolha, o pacifismo tem muitos meios de se expressar. Na ação institucional de quem tem alguma função pública, na ação policial e até na desobediência civil dos movimentos sociais, a escolha de meios pacíficos é sempre possível, mesmo que difícil.
      Lembro quando tomamos essa decisão, há muitos anos, no movimento liderado por Chico Mendes. Quase todo mês velávamos um companheiro assassinado --índios, seringueiros, agricultores e moradores dos bairros pobres das cidades. Fomos estimulados a portar armas, iniciar uma guerrilha, retrucar com violência. Tomamos outro caminho.
      O movimento seringueiro criou o "empate", às vezes, com a participação de mulheres e crianças se colocando entre os serradores e as árvores, sob a mira de jagunços. Certa vez, a polícia veio nos retirar, ficamos parados e cantamos o hino nacional. Perdemos todas as batalhas; em paz, ganhamos a guerra.
      Chico foi morto, mas venceu. Se tivesse aderido às armas, não organizaria as comunidades, não fundaria escolas nem cooperativas. Morreria, talvez num tiroteio, mas sua morte não seria lamentada, suas ideias não se disseminariam nem teriam resultado.
      Na violência, todos perdem. O fazendeiro que arma jagunços para expulsar índios, o policial que espanca presos, o jornalista que divulga preconceitos, o religioso que estimula a intolerância, o parlamentar que cria leis contra o povo, todos pensam que estão avançando, mas promovem o retrocesso. Dura pouco seu ganho de poder, dinheiro, voto e audiência. Mas dura muito, e fica de herança para seus filhos, a sociedade autoritária e violenta que ajudaram a criar.
      Vivemos numa democracia superficial, debatemo-nos com o entulho gerado nos anos de ditadura. Gritos de guerra animam avanços de uma facção contra a outra, tendo o atraso como resultado geral. Os ganhos de uns levam à derrota de todos. A caracterização do adversário como inimigo resulta em guerra.
      Podemos mudar. Cada um de nós pode fazer a escolha por uma democracia profunda, assentada no respeito pelo outro, qualquer outro. Podemos ser militantes da paz, nosso caminho e nosso alimento. E a teremos em casa, no trabalho e nas ruas; na maleta, na mochila, na mente, no coração.

        Helio Schwartsman

        folha de são pulo
        Pedofilia na igreja
        SÃO PAULO - A ONU divulgou um relatório em que critica o Vaticano pelo modo como lida com os casos de pedofilia envolvendo padres.
        A primeira coisa que chama a atenção é a concentração e a amplitude das denúncias. Ou a Santa Sé é vítima de uma campanha difamatória da mídia e das autoridades de diversos países, ou há uma especificidade na Igreja Católica que a torna mais propensa a essas ocorrências.
        Como falamos não de uma, mas de dezenas de democracias estabelecidas, acho que dá para descartar a hipótese de que a igreja sofra perseguição. Também acredito que podemos rejeitar razões doutrinárias. Se há algo de que o Vaticano não pode ser acusado é de ser tímido na condenação que faz do sexo em geral e do homossexualismo em particular.
        A resposta, assim, parece estar nos costumes da igreja. O celibato exigido aos sacerdotes desponta como suspeito natural. É justamente essa prática que distingue o catolicismo das maioria das outras religiões.
        A exigência de que padres não se casem, afinal, oferece a pedófilos uma espécie de fachada perfeita. O celibato legitima e confere elevado status social à vida de solteiro e ainda proporciona a oportunidade de interagir com jovens numa posição de poder. Não por acaso, outras atividades que atraem pedófilos são as de professor, pediatra, instrutor esportivo, chefe de escoteiros etc.
        Outro aspecto a considerar é que o celibato reduz a oferta de candidatos a sacerdote. Não há tanta gente assim disposta a prometer que renunciará para sempre ao sexo. Isso acaba limitando a possibilidade de a igreja fazer uma boa triagem psicológica dos futuros padres. E é também essa relativa carência de potenciais sacerdotes que ajuda a explicar por que o Vaticano foi tão longe ao proteger os suspeitos de pedofilia. Quanto mais difícil é despertar vocações, mais importante se torna para a igreja preservar os padres que já atuam, mesmo que isso signifique ir contra os fiéis.

          Ruy Castro

          Batman em perigo
          RIO DE JANEIRO - Você sempre o vê na TV: o homem que se fantasia de Batman e aparece em todos os protestos cariocas dando o seu apoio à causa daquele dia. As câmeras já se cansaram dele, mas é difícil não notá-lo entre os manifestantes, com seu uniforme de super-herói.
          Pois esta é uma característica simpática do nosso Homem-Morcego --é plácido, pacífico, platônico. Nunca foi visto jogando uma pedra, quebrando uma vitrine ou matando alguém. Por estar mascarado e de preto, poderia ser confundido com um "black bloc", mas as orelhas em ponta, a capa esvoaçante e a cueca por cima das calças, típicas do personagem, o ilibam. É uma fantasia tão apropriada para uma passeata quanto para sair num bloco de Carnaval.
          Confesso que, no começo, eu discordava de sua opção pelo Batman. Preferia que se fantasiasse de Jerônimo, o Herói do Sertão --imortal criação do Moyses Weltman na Rádio Nacional dos anos 50--, ou de Saci Pererê, muito mais nossos. Mas pensei melhor e concluí: se o Ibope ouvir hoje milhões de jovens brasileiros de qualquer grotão, condição social ou idade, o grau de reconhecimento de Batman sobre Jerônimo ou o Saci Pererê será de dez a zero. É esse o grau da nossa desnacionalização.
          E, depois de saber que, em sua identidade secreta, o querido Batman é de profissão protético, minha simpatia por ele aumentou. Protético é o profissional da odontologia que confecciona incisivos, molares e caninos perfeitos. É um trabalho de grande precisão, delicadeza e, por que não, beleza. Conheço um protético, o Marquinhos, que é quase um Lalique da especialidade --e se orgulha disso.
          Desde então, passei a me preocupar com o Batman carioca. Temo que, um dia, ao brincar de sair às ruas para protestar, ele não consiga escapulir de um corre-corre e leve a pior por causa de um covarde armado com um rojão.