domingo, 26 de janeiro de 2014

Marcelo Gleiser

folha de são paulo

Quando a ciência supera a ficção

Semana passada, algo de extraordinário ocorreu. Após passar 31 meses hibernado, enquanto cruzava o espaço a uma distância de 800 milhões de quilômetros do Sol, a sonda Rosetta, da Agência Espacial Europeia, enviou uma mensagem para a central de controle vinculada à missão: "Olá, mundo!"
Rosetta acordou e agora se aproxima do Sol e de seu alvo, o cometa 67P/Churyamov-Gerasimenko. Se tudo correr bem, no dia 11 de Novembro, Rosetta enviará a sonda Philae, que pesa apenas 100 kg, para pousar na superfície do cometa. Será o primeiro pouso de um objeto criado por humanos num cometa.
O pouso em si será incrivelmente difícil, já que a gravidade do cometa, que tem apenas quatro quilômetros de diâmetro, é praticamente nula. Philae terá que usar uma combinação de arpões e garras capazes de se fixar no gelo para se agarrar ao cometa. Será mais como laçar um touro do que pousar na Lua.
Antes disso, Rosetta acompanhará o cometa enquanto ele vai se aproximando do Sol. E aqui a coisa fica interessante, como os leitores que viram o filme Armageddon devem se lembrar: à medida que o cometa vai se aproximando do Sol, sua superfície vai esquentando e seu material começa a sublimar. Com isso, vemos daqui a calda do cometa, que, como os cabelos de uma pessoa, sempre aponta na direção do vento. Neste caso, no da radiação proveniente do Sol.
Cometas são bolas de gelo e poeira, restos do material que formou o Sol e os planetas, 4,6 bilhões de anos atrás. Encontram-se na periferia do Sistema Solar, com tamanhos variando de alguns metros a aproximadamente 10 km de diâmetro. Por estarem longe e isolados, guardam a memória da origem do Sistema Solar: estudá-los significa também estudar a nossa origem.
A sonda Philae, armada de uma série de instrumentos científicos, mandará imagens da superfície do cometa e de sua vizinhança. Estudará, também, a composição química da superfície do cometa, buscando, em particular, por material orgânico. Usando uma broca, chegará 23 cm abaixo da superfície para coletar amostras do solo.
Isso tudo será feito remotamente, quando a sonda estiver a centenas de milhões de quilômetros da Terra. Imagine pilotar um robô a essa distância...
Existem dois mistérios profundamente interligados com cometas: a origem da água na Terra e a própria origem da vida. Segundo algumas teorias, uma fração significativa da água na Terra veio de cometas e proto-planetas que caíram aqui durante os primeiros 500 milhões de existência do Sistema Solar. Ninguém sabe de onde veio a água aqui, e esses estudos serão úteis para elucidar a questão.
Também sabemos que cometas têm matéria orgânica, isso é, relacionada com a vida, incluindo vários aminoácidos. Será interessante verificar se o cometa 67P/Churyamov-Gerasimenko tem aminoácidos e se suas propriedade são como as dos aminoácidos terrestres. Se cometas caíram aqui no passado remoto, é possível que tenham inseminado a Terra com os materiais que geraram a vida. Vivemos numa época em que uma sonda criada por nós pode pousar nesse objeto tão distante e inóspito. É nessas horas que a ciência supera a ficção. 

Denise Fraga

folha de são paulo

Multa divina

Tenho saudades de quando meu nécessaire se resumia a um sabonete, uma escova de dente, uma pasta, um xampu, um Neutrox e um Avanço. Meu nécessaire engordou tremendamente durante esta minha vida de meia-idade. Engordou tanto que acaba de gerar um filhotinho.
O filhotinho já nasceu crescido pois, a cada ano que passa, meu número de cremes e afins cresce em progressão geométrica. Já passei revista na tropa. Coloquei-os enfileirados em cima da pia e encarei um a um com seriedade: "Fala a verdade: eu preciso de você?" Pois a verdade nua e crua é que sim. Sim!
Ilustração Zé Vicente
Inacreditavelmente, eu preciso de tudo o que levo no meu nécessaire. Fui colecionando os conselhos de minha dermatologista, do meu médico, das minhas amigas e hoje me encontro a léguas de distância da pequena bolsinha de bolinha de minha juventude.
Já tentei algumas vezes fazer o teste de passar uma semana sem usar nada além do básico, mas aos primeiros sinais da possível mulher das cavernas que talvez eu me torne nesse curto espaço de tempo, retrocedo e ainda castigo nas doses.
Aumentei meu nécessaire, aumentei meu necessário e, como os mililitros, o peso de minha mala também fugiu de meu controle. Acabo de passar um carão em minha última viagem: precisei pagar excesso de bagagem.
Acho meio vergonhoso você entrar num avião com mais peso do que o permitido, mas também acho uma vergonha cobrarem por isso. Excesso é excesso. Se é excesso, não pode embarcar porque não levanta voo. Ponto!
A meu ver, você teria que ficar ali, esperando na fila do check-in por passageiros minimalistas, torcendo por uma maioria masculina no avião, negociando até que seus quilos a mais se encaixassem nos quilos a menos das bagagens alheias.
E se todos tiverem excesso? Me dá uma agonia pensar num avião decolando cambaleante pelas nuvens com o excesso de peso que acaba de engordar o caixa da empresa. Mas sei que isso é mesmo só um castigo monetário, uma espécie de multa divina, intermediada pela ganância de uma companhia aérea, por inventarmos precisar de tanta coisa pra viver. 

João Donato relembra produção do disco "Quem É Quem"

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João Donato relembra produção do disco "Quem É Quem"

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Depois de 12 anos nos Estados Unidos, desembarquei em dezembro de 1972 no Rio de Janeiro, com 40º C à sombra. Que maravilha! Deixara para trás uma Nova York com -5º C e um casamento em que não havia mais entendimento.
Ficaram também minha filha Jodel e um disco inacabado ("Donato - Arranged and Conducted by Deodato"), porque era véspera de Natal e o estúdio fecharia para férias coletivas, retornando em janeiro. Para mim não dava mais, aquela neve e o coração gelado.
No Brasil, logo me enturmei com antigos amigos, Tom Jobim, João Gilberto, e conheci os baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa.
Marcos Valle, que andou pelos EUA divulgando a canção "Samba de Verão", me levou para conhecer o Milton Miranda, à época diretor musical da gravadora Odeon.
Reprodução
Carta de 1973 em que João Donato descreve o disco "Quem É Quem" a João Gilberto
Carta de 1973 em que João Donato descreve o disco "Quem É Quem" a João Gilberto
Era um tempo em que se ouvia MPB na rádio e as gravadoras não economizavam. Por sugestão do cantor Agostinho dos Santos, ficou combinado que eu gravaria o meu primeiro disco com letras, chamado "Quem É Quem".
Recordo-me que foi um corre-corre para "letrar" as minhas canções: acionamos Dorival Caymmi, Paulo César Pinheiro, Lysias Enio (meu irmão), Geraldinho Carneiro, João Carlos Pádua; o próprio Marcos Valle, o produtor do disco, escreveu uma letra. Como eu nunca tinha feito música com letra, decidi não trabalhar em conjunto com os letristas, como faziam Tom e Vinicius. Só distribuí as melodias.
Na confusão, acabei dando a mesma música para vários compositores. Apareceram algumas letras diferentes para "Até quem Sabe", inclusive uma do Caymmi, que achou a do Lysias melhor. A canção tornou-se um dos meus maiores sucessos. Já "Terremoto", música que compus em Los Angeles durante um abalo sísmico, ganhou letra do Paulo César.
Para complicar, a rapaziada da gravadora inventou que eu cantaria o disco inteiro. "The Frog", que ainda não tinha virado "A Rã", com letra de Caetano, era na base do "corogodó, gazainguê, guiringuidim". Eu estava gripado e ficaram gravadas as pausas de respiração com a minha voz anasalada. O pessoal do estúdio adorou.
Aquelas gaguejadas em "Até quem Sabe" também foram naturais. Um ator de novelas veio me perguntar como eu consegui interpretar de forma tão personalizada. "Rapaz, aquilo foi uma garrafa de uísque que eu tomei", expliquei.
"Ahiê", com letra do Paulo César, foi uma brincadeira que surgiu na casa do Lysias. A gente gravava e passava para outra fita. No final de uma dessas gravações, eu mandava uns recados para os amigos. "Silvio, aquela poeira, a poeira da cachoeira, não vai esquecer." "Dá um abraço no Celso, diz para ele comprar cerveja que tá muito ruim aquele bar, aquele bar é uma vergonha." "E se esquecer o que o pai D'Angola te falou, já sabe: ele tá te esperando." Na hora da gravação, eu improvisei e o pessoal delirou. Até hoje eu tenho que dar explicações para as frases soltas.
Caprichamos nos arranjos. Convidamos os melhores: Laércio de Freitas, Dori Caymmi, Ian Guest e o maestro Gaya. Era uma fartura de músicos no estúdio, craques como Hélio Delmiro, Lula Nascimento, Naná Vasconcelos, Bebeto, Novelli, Mauricio Einhorn. Até Nana Caymmi deu uma canja. Fiquei tão entusiasmado com o resultado que escrevi (mas não mandei) uma carta para o João Gilberto relatando as minhas impressões.
Quando o primeiro lote chegou da fábrica, fui até a gravadora. "Como vai ser a festa, o coquetel, a entrevista para a imprensa?", perguntei. "O seu disco não vai entrar neste esquema", respondeu o departamento de divulgação.
Saí de lá atônito e encontrei o meu amigo J. Canseira, compositor de samba, para tomar umas geladas. Desabafei com ele, disse que meu disco não teria lançamento. Ele me deu um conselho que segui à risca. "Sobe no outeiro da igreja da Glória e lança o seu disco. Não esquece de chamar a imprensa."
Arremessei uma caixa de discos do alto do morro, o pessoal das redondezas recolhendo. A jornalista Paula Saldanha fez uma reportagem para a TV. Mas o disco não atingiu grandes vendagens.
No começo dos anos 2000, ele foi remasterizado e comercializado em CD. A revista "Rolling Stone" o classificou como um dos cem melhores discos brasileiros de todos os tempos, lista que também incluiu um instrumental que fiz nos EUA, "A Bad Donato".
Faz 40 anos que gravei "Quem É Quem" e nunca o lancei com um show. Dias 27 e 28 de fevereiro, no Sesc Pinheiros, vou finalmente viver essa alegria.
JOÃO DONATO, 79, é músico. Nos dias 27 e 28 de fevereiro, apresenta as canções do disco "Quem É Quem" (1973) no Sesc Pinheiros. 

Livro detalha a descoberta da estrutura do DNA - MAYANA ZATZ

folha de são paulo

Livro detalha a descoberta da estrutura do DNA

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RESUMO A estrutura do DNA é hoje figura tão banal que não se pensa quanto descobri-la, em 1953, custou aos pesquisadores. James Watson, um deles, conta em "A Dupla Hélice" (1968), que só agora chega ao Brasil, bastidores do feito que mudou a genética, e reconhece a contribuição, então menosprezada, da cientista Rosalind Franklin.
*
Foi um momento histórico: em 2003, no simpósio organizado pela Human Genome Organization em Cancún, no México, Francis Collins anunciava o fim do sequenciamento do Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990. Na mesma ocasião, celebravam-se os 50 anos da descoberta da dupla hélice do DNA por James Watson e Francis Crick. Havia no duplo festejo mais do que coincidência: sem o conhecimento da estrutura do DNA, o Projeto Genoma Humano, que hoje revoluciona a medicina, teria sido impossível.
Aqueles que, como eu, conheceram, desde a primeira aula de biologia, o DNA já representado sob a forma de dupla hélice talvez não imaginem o esforço dos pesquisadores para concluir que somente essa estrutura poderia explicar como as informações contidas no DNA eram transmitidas, tão perfeitamente, de geração para geração. Não à toa, quando o grupo chegou ao modelo, após várias tentativas frustradas, Francis Crick (1916-2004) irrompeu no Eagle Pub, bar próximo ao laboratório de Cambridge onde os cientistas trabalhavam, dizendo: "Descobrimos o segredo da vida".
Omikron/Science Photo Library
Francis Crick (à esq.) e James Watson, dupla que descobriu a estrutura do DNA
Francis Crick (à esq.) e James Watson, dupla que descobriu a estrutura do DNA
Não houve exagero na frase com que o biólogo, biofísico e neurocientista britânico interrompeu o almoço dos professores que estavam no bar naquele 28 de fevereiro de 1953, fato registrado por James Watson em "A Dupla Hélice" [trad. Rachel Botelho, Zahar, R$ 39,90, 216 págs.]. No livro de 1968, que em fevereiro ganha sua primeira edição no Brasil, o biólogo molecular detalha as peripécias, as fofocas e o envolvimento do grupo que esteve à procura do segredo que revolucionou a genética.
"A Dupla Hélice" é narrado do ponto de vista de alguém que hoje é visto como uma figura muito controvertida. Nascido em 1928, o norte-americano James Watson mudou-se para a Inglaterra aos 22 anos e, pouco depois, integrava a equipe de Crick em Cambridge -trabalhou com o britânico entre 1951 e 1953 e, com ele e com o fisiologista neozelandês Maurice Wilkins (1916-2004), levaria o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1962, pelo conjunto das descobertas relacionadas aos ácidos nucleicos e à transmissão de material genético.
Foi só aos 40 anos, porém, que Watson resolveu escrever "A Dupla Hélice". No seu relato, Crick é descrito como muito falante e ruidoso, o que devia fugir aos padrões britânicos. Além disso, conta as brigas entre Maurice Wilkins e a biofísica Rosalind Franklin (1920-58). Wilkins teimava em considerá-la como sua assistente -algo que Franklin, uma cientista que pensava de modo independente, não aceitava. E com razão: é hoje um consenso que, não tivesse morrido precocemente de câncer, em 1958, ela dividiria o Nobel com o trio.
XAMPU
A importância fundamental do trabalho de Rosalind Franklin é hoje inconteste: as imagens de cristalografia desenvolvidas por ela -as quais, diz-se, foram utilizadas por Wilkins sem autorização da pesquisadora- foram de fato essenciais para chegar a essa figura geométrica tão assimilada a ponto de ilustrar até anúncios de xampu, como lembra muito bem o biólogo Fernando Reinach na apresentação à edição brasileira de "A Dupla Hélice".
(A banalização da forma não significa, porém, a do entendimento: recordo-me de uma senhora, que escolhia esse produto no supermercado, ter me dito que "só comprava xampu com DNA". Fazia questão de ver a dupla hélice estampada no invólucro. Na ocasião, perguntei, curiosa, por quê. Ela explicou que aquela hélice é que se enrolava nos fios, deixando os cabelos brilhantes e sedosos.)
Acervo pessoal-2008
A cientista Mayana Zatz na porta do Eagle Pub, bar próximo ao laboratório de Cambridge (Inglaterra) em que James Watson e Francis Crick trabalhavam
A cientista Mayana Zatz na porta do Eagle Pub, bar próximo ao laboratório de Cambridge (Inglaterra) em que James Watson e Francis Crick trabalhavam
Mais incrível do que o ficcional poder de embelezar as madeixas, porém, é saber que o DNA presente em uma única célula -resultante da união do óvulo e do espermatozoide, no caso de organismos de reprodução sexuada- carrega todas as informações para o desenvolvimento de um organismo, seja ele uma bactéria, uma planta, um animal ou um ser humano.
Ele está compactado dentro do núcleo da célula de maneira tão extraordinária que, se pudéssemos desenrolá-lo, veríamos que pode alcançar cerca de 2 metros de comprimento. Se "esticássemos"o DNA de todas as células de uma única pessoa, a fita teria um comprimento de 140 vezes a distância da Terra ao Sol.
Só muito recentemente, em 2012, foi possível enxergá-lo com microscopia eletrônica, com um aumento de pelo menos 300 mil vezes. Imagine-se a dificuldade dos cientistas em entender como ele se organizava, numa época que desconhecia essa tecnologia.
Além de permitir entender como herdamos de nossos pais os genes responsáveis por nossas características, a descoberta da dupla hélice nos deu a possibilidade de estudar as doenças genéticas e, além disso, compreender como alterações ou erros na cópia do DNA -os quais denominamos mutações- podem explicar a evolução das espécies, selecionando os mais adaptados e com maior capacidade reprodutiva.
HEREDITÁRIO
O desafio seguinte era determinar o número de genes de um humano e quais são as sequências de DNA que codificam proteínas e que são responsáveis por nossas características hereditárias. Essas foram as questões que motivaram o lançamento do Projeto Genoma Humano.
A missão, gigantesca, envolveu vários laboratórios no mundo todo, inicialmente sob a direção de James Watson -ele, porém, se desentendeu com outros cientistas, e o comando da pesquisa passou a ser dividido entre dois americanos, o geneticista Francis Collins e o bioquímico Craig Venter, que concluíram o trabalho em 13 anos, dois a menos do que o previsto, o que levou à coincidência com o cinquentenário da dupla hélice.
No começo da pesquisa, apostava-se que deveríamos ter entre 100 mil e 150 mil genes. Em 2003, quando o sequenciamento foi terminado (na verdade, praticamente terminado: 99% dele se concluiu, pois novos genes continuam sendo identificados até hoje), que decepção: com pouco mais de 20 mil genes, perdemos até do tomate, que tem 31 mil.
Como explicar, então, a nossa imensa complexidade? A busca por essa resposta levaria à era da epigenética, a ciência que estuda as variações e os fatores responsáveis por regular a expressão dos nossos genes -ligando-os e desligando-os, mas sem alterá-los.
De acordo com os resultados de outro projeto gigantesco, o Encode, publicados em 2012, teríamos no nosso DNA cerca de 4 milhões de sequências capazes de modificar a expressão dos genes. Embora ainda a confirmar, os dados ao menos resgatam a nossa dignidade diante do fruto do tomateiro.
O primeiro genoma humano a ser sequenciado, numa operação que custou cerca de US$ 3 bilhões em 2003, foi o de Craig Venter. O seguinte foi o de James Watson, cinco anos depois, a um custo de US$ 1 milhão -descobriu-se que Jim -hoje com 85 anos- tem várias mutações que podem aumentar seu risco de desenvolver certas doenças de início tardio. Mas, na realidade, ninguém sabe ao certo qual é a probabilidade de que isso ainda venha a ocorrer.
Por poucos milhares de dólares hoje podemos sequenciar o genoma de um indivíduo. A queda no valor vem aumentando o interesse das pessoas pelo sequenciamento, mas sabemos que, cada vez mais, encontraremos alterações inesperadas ou de difícil interpretação em pessoas mais jovens.
Essa incerteza foi um dos motivos que nos levaram a iniciar, na Universidade de São Paulo, o projeto 80mais, no qual estamos sequenciando os genomas de pessoas saudáveis com mais de 80 anos (interessados em participar como voluntários podem se candidatar pelo e-mail 80mais@gmail.com). Elas poderão nos ajudar a interpretar se mutações/alterações ainda não descritas encontradas no DNA de pessoas mais jovens aumentam realmente o seu risco de desenvolver doenças no futuro.
O caminho aberto por Crick e Watson há mais de 60 anos possibilitou todos esses avanços. É pena, porém, que o comportamento recente do autor de "A Dupla Hélice" tenha se mostrado desastroso, indo de comentários racistas em 2007 (que geraram enormes críticas e o cancelamento de palestras em retaliação) até uma inacreditável proposta de eugenia-segundo Watson, a burrice seria genética, e os embriões deveriam ser selecionados de forma a favorecer a inteligência. Se ele fosse ouvido e uma ideia dessas fosse levada a cabo, poderíamos nos perguntar se alguém como Albert Einstein teria sido selecionado.
Melhor lembrar de quando, ainda que tardiamente, Watson foi capaz de reconhecer, no fim de "A Dupla Hélice", a importância das pesquisas de Rosalind Franklin (ou Rosy, como a chama) para a descoberta da estrutura do DNA.
Segundo o autor, somente com anos de atraso em relação às pesquisas, ele e seus colegas puderam se dar conta das "batalhas que uma mulher inteligente enfrenta para ser aceita por um mundo científico que com frequência enxerga as mulheres como meras distrações do pensamento sério".
MAYANA ZATZ, 66, é professora titular de genética e diretora do Centro do Genoma Humano e Células-tronco da USP. É autora do livro "GenÉtica: Escolhas que Nossos Avós Não Faziam" (Globo Livros). 

Ética do cuidado - Vampré e Fulgencio

folha de são paulo
LYGIA VAMPRÉ HUMBERG E LEOPOLDO FULGENCIO
Ética do cuidado
Programas voltados ao cuidado com a primeira infância seriam mais eficazes no combate ao crack do que as campanhas em vigor
Sucessivas ações de combate à epidemia de crack têm acumulado derrotas no decorrer dos anos.
Especialistas e leigos reconhecem a profundidade do problema e a insalubridade a que se submetem os dependentes químicos.
Até o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em 2011, apresentou-se como protagonista do documentário "Quebrando o Tabu", reconhecendo a urgência de uma ação mitigadora.
Muito investimento financeiro e afetivo e, o que é pior, muitas vidas são ceifadas. A prevenção, em geral, aparece na forma de campanhas dedicadas a mostrar os malefícios da droga (como se os usuários não soubessem, a cada uso, de seu poder corrosivo), ou na forma de práticas repressivas, sob o lema da "tolerância zero!". A experiência mostra, porém, que a repressão, ainda que não possa deixar de existir, não tem logrado vitórias.
O problema fundamental, que deveria ser o foco de qualquer ação preventiva, mas não é, concentra-se no motivo pela qual alguns seres humanos procuram e ficam dependentes das drogas. A resposta padrão dá conta de que a droga fornece prazer imediato. Basta um olhar um pouco mais demorado para que se note que, principalmente nos casos de dependência patológica, não é o prazer que dá as cartas.
É certo que o uso de substâncias alteradoras dos estados de consciência faz parte dos hábitos humanos. Mas é o uso patológico e destrutivo, a escravidão à droga, que está em questão. Onde poderíamos encontrar a gênese dessa patologia?
Psicanalistas como Donald Winnicott e Joyce McDougall propuseram a hipótese de que as drogas são uma tentativa do indivíduo de encontrar-se a "simesmo" ("self"), ainda que, paradoxalmente, elas desintegrem o corpo e a vida.
Para nós, as drogas são uma tentativa fadada ao fracasso, uma vez que não fornece duradouramente a integração procurada. Trata-se de uma solução, além de efêmera, externa para um problema interno!
A origem das adições deve ser buscada na primeira infância, não propriamente localizada em algum trauma, mas em situações que possam ter produzido quebras significativas no sentimento de ser e de continuar sendo. São elas que estão na origem das adições, como também na de outros distúrbios mais graves, como a psicose e a atitude antissocial (ainda que fatores constitucionais possam contribuir, como uma série complementar, para a instalação dessas patologias).
Se houvesse programas voltados para os cuidados com as mães e o ambiente de sustentação da primeira infância, ou seja, o fornecimento de ambientes humanos confiáveis, estáveis e previsíveis, atendendo às necessidades básicas de comida e contato afetivo, isso nos levaria à constituição de pessoas eticamente mais estruturadas. Uma ética do cuidado produzindo seres humanos que cuidam de "simesmos" ("selves") e dos outros.
Não é vaga a afirmação de Winnicott segundo a qual é no brincar (infantil ou adulto) que o ser humano encontra a "simesmo". Esse brincar, mais do que uma ação que faz rir, corresponde a uma atividade criativa, individual ou coletiva, na qual o ser humano encontra tanto a "simesmo" quanto, no brincar compartilhado, os outros; tal como ocorreria na vida cultural saudável, que nada mais seria do que o brincar do adulto.
A constituição de ambientes de sustentação da infância, nessa perspectiva de compreensão do desenvolvimento emocional dos seres humano, seria uma atitude preventiva que, como se diz, poderia cortar o mal pela raiz. Programas sociais com esse objetivo seriam mais eficazes e menos custosos do que os bilhões que têm sido gastos com as propagandas de conscientização e com as atividades de repressão.

Carlos Heitor Cony

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Mania de perseguição
RIO DE JANEIRO - De uns tempos para cá ocorre comigo um fato curioso: encontrar amigos ou conhecidos nas mais disparatadas ocasiões e nos mais inusitados lugares. Como que um Frestão me acompanha os passos, transformando carregadores de aeroportos em ministros de Estado, motoristas em poetas, camelôs em colunistas sociais.
Isso vem de repente. E dou de cara, por exemplo, com o Ferreira Gullar, descabelado e magro como o próprio, vendendo boletos de metrô em Buenos Aires. Aliás, em recente estada na capital argentina, tive um infindável e divertido desfile de amigos ou conhecidos que me acompanhavam pelas calles e me aliviavam a solidão.
Vi Ruy Castro passar de moto pela avenida de Maio; vi José Wilker fazendo empanadas numa empanaderia de Lavalle. Paulo Coelho era um cidadão calmo na fila de ônibus de Corrientes e Marcos Vinicios Vilaça tocava bandoneon numa orquestra de "moços cantores" da calle Maipu.
Dei de cara com Angeli de cicerone com Ziraldo. Era uma gentil mistura de Genoino, Maluf e Joaquim Barbosa. O Silvio Santos vendia fiambres na esquina de Tucumã com San Martin.
Vi o mestre Evanildo Bechara metido numa farda de suboficial da impávida guarda bonaerense, com apito, revólver, botas, esporas.
-- Mestre, o que faz aqui com este uniforme?
O mestre ordenou: "Circule, señor, circule!"
Quis abraçá-lo, ele meteu o apito na boca. Apareceram soldados. Pedi desculpas num dialeto em que entraram os poucos e mal sabidos idiomas que conheço e, antes que o negócio engrossasse, entrei num teatro.
Ao olhar para o palco, estanco lívido: no tablado fazendo um barulho infernal com os tacões dos sapatos, quebrando castanholas com os braços em arco, de costeletas fatais, olhar duro de quem enfrenta um touro --o nosso recente cardeal Tempesta dançava um fandango!

    Helio Schwartsman

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    Tribos morais
    SÃO PAULO - O filósofo e psicólogo Joshua Greene publicou um livro que é ao mesmo tempo importante, ambicioso e gostoso de ler. Trata-se de "Moral Tribes" (tribos morais).
    Para Greene, que é diretor do laboratório de cognição moral de Harvard, a evolução nos equipou relativamente bem para lidar com o problema do antagonismo entre nossos interesses individuais e a necessidade de cooperação. Viemos de fábrica com um sistema automático, isto é, uma série de sentimentos como empatia, vergonha, gratidão, vingança, indignação, que conseguem operar o pequeno milagre de fazer com que sejamos suficientemente egoístas para sobreviver e coletivistas o bastante para prosperar como grupo.
    O problema é que esse sistema automático funcionava bem quando vivíamos em tribos pequenas, homogêneas e conhecíamos cada pessoa com quem interagíamos. No mundo moderno, em que habitamos megalópoles em que convivemos com gente dos mais diversos backgrounds culturais, esse equipamento moral intuitivo vira fonte de desavenças.
    Qual moral devemos aplicar para decidir, por exemplo, sobre o casamento gay? A que diz que isso é um pecado ou a que proclama que adultos capazes fazem o que querem desde que não prejudiquem terceiros? É o que Greene chama de tragédia da moralidade do senso comum. O choque entre diferentes morais incompatíveis está por trás não só das grandes polêmicas da atualidade como de conflitos reais e do terrorismo.
    Para o autor, a melhor chance de nos entendermos é encontrar uma metamoralidade que nos permita ao menos avaliar esses assuntos sob um prisma comum. Segundo ele, só quem pode pretender essa universalidade é o utilitarismo. A maximização da felicidade e a redução do sofrimento é o que de mais perto há de um valor por todos compartilhado. É aqui que o livro de Greene vai ficando mais polêmico, e os problemas filosóficos levantados, mais complexos.

    Famigerada cracolândia

    folha de são paulo
    Famigerada cracolândia
    Atuação canhestra da Polícia Civil na região central de São Paulo contraria programa da prefeitura, com ênfase em ações sociais e sanitárias
    O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem razão ao dizer que não pode se transformar em "picuinha partidária" o confronto entre policiais civis e usuários de crack na região central da capital, na tarde de quinta-feira.
    A população está farta de ver políticos perderem-se em altercações inúteis, destinadas à exploração eleitoral, enquanto os problemas se acumulam na cracolândia.
    Mas também tem razão o prefeito Fernando Haddad (PT) ao classificar como "lamentável" a operação da Polícia Civil. A utilização de bombas de efeito moral, por exemplo, levou o Ministério Público a abrir inquérito a fim de apurar a investida, considerada estranha.
    A despeito do que as investigações permitam concluir, é inegável que faltou controle, por parte do governo do Estado, sobre as forças de segurança.
    Segundo consta, a operação foi levada a cabo sem que Alckmin e Haddad tivessem sido avisados. Não que essa comunicação fosse legalmente necessária. Era, contudo, oportuna, porque a prefeitura e o governo têm um recente acordo de atuação conjunta na área.
    Nenhum projeto terá êxito na cracolândia sem a coordenação das esferas municipal e estadual. Tampouco haverá sucesso se não houver o devido equilíbrio entre a repressão policial, de um lado, e a atenção social e sanitária, de outro.
    Com peso maior ora num prato dessa balança, ora no outro, diversas abordagens foram postas em prática --todas fracassaram. As mais recentes, também frustradas, basearam-se sobretudo na força. Decerto por essa razão Fernando Haddad decidiu tentar algo novo.
    A ação da prefeitura consiste em oferecer alojamento em hotéis da região, comida e um auxílio financeiro de R$ 15 por dia aos usuários de crack que, de forma voluntária, aceitarem participar do programa. Em troca, exige-se que trabalhem quatro horas diárias na varrição de ruas locais e participem de um curso de qualificação profissional. A força policial seria utilizada somente em situações extremas.
    É cedo, sem dúvida, para emitir juízos a respeito da Operação Braços Abertos. Quando se trata de droga tão destrutiva e barata quanto o crack, todo ceticismo é infelizmente recomendável.
    Reconheça-se, contudo, que o projeto tem méritos de um ponto de vista da redução de danos. Embora ainda precise passar pelo teste da realidade no médio prazo, o programa representa possibilidade de saída para almas devastadas e sem perspectivas.
    Além disso, o mero cadastro desses cerca de 500 indivíduos permite ao poder público estabelecer com alguns deles uma relação, mesmo que precária --é pouco, mas é mais do que se tem hoje.
    Muito ainda precisará ser feito, de todo modo, até os paulistanos terem motivos para acreditar numa cidade sem a cracolândia. A solução não virá sem verdadeira restauração urbanística da região ou maior eficiência no combate ao tráfico de drogas.
    A população agradecerá se, nessa longa caminhada, prefeito e governador andarem juntos.

    Sabine Righetti

    folha de são paulo
    PM encurrala manifestantes em hotel

    Acuado na rua Augusta e sem ter para onde correr, grupo tenta se esconder no estabelecimento, mas acaba detido
    "Se joga no chão, palhaço", gritou um dos policiais; todos os detidos foram levados para o 78º DP (Jardins)
    SÃO PAULO
    A rua Augusta foi transformada em cenário de guerra no começo da noite de ontem. Manifestantes que protestavam pelas vias do centro foram cercados por policiais do Batalhão de Choque perto da rua Marquês de Paranágua.
    De acordo com comerciantes, os policiais usaram bombas de gás. Sem saída, dezenas de pessoas se refugiaram no hotel Linson, próximo à rua Caio Prado. Parte do comércio fechou as portas.
    A polícia fez uma barreira dupla nos dois sentidos da Augusta, em frente ao hotel, cercando os manifestantes, que se refugiaram no hotel.
    Os policiais entraram no imóvel, revistaram e prenderam mais de 50 manifestantes. "Se joga no chão, palhaço!", gritou um PM.
    Com uma aglomeração de pessoas na frente do hotel, fotografando e filmando a ação com telefones celulares, a polícia também montou um cordão de isolamento na entrada do estabelecimento.
    Os detidos foram levados para ônibus estacionados na porta do hotel. De lá, o grupo foi encaminhado para o 78º DP (Jardins), onde estava até a conclusão desta edição.
    Pouco antes, manifestantes deixaram um rastro de vandalismo nas ruas do Centro. Uma agência da Caixa foi depredada na rua Sete de Abril. Na Augusta, uma concessionária da Fiat e uma agência do Santander foram parcialmente destruídas.
    Uma lanchonete do McDonald's também foi atacada.
    Perto da praça Roosevelt, um grupo colocou fogo em um colchão, que acidentalmente se enroscou em um carro que passava pelo local.
    O veículo acabou incendiado depois de ser abandonado pelo motorista.
    FACEBOOK
    De acordo com a polícia, 2.000 homens foram mobilizados para fazer a segurança de 1.500 manifestantes.
    Participaram da operação a Tropa de Choque e a Força Tática da Polícia Militar. Dois helicópteros monitoravam a movimentação do grupo.
    Policiais usaram câmeras portáteis de alta definição, semelhantes a que são usadas por motoqueiros em capacetes, para registrar os participantes do protesto.
    A manifestação foi convocada pelo Facebook e tinha cerca de 23 mil confirmados antes de começar.

    Antonio Prata

    folha de são paulo
    A tonga da mironga do Rod Stewart
    Claro que, se eu recebo uma propaganda da 'caneta espiã' ou um 'Enlarge your penis', apago na hora
    Abro o Outlook de manhã e vejo, embaixo e à esquerda, bem pequenininho, esse número assombroso: 2.975. Eis a quantidade de e-mails que se acumulam na minha "Caixa de entrada". Fosse uma caixa de verdade, dessas que os americanos colocam na frente de suas casas, já teria há muito estourado a portinhola, arrebentado as laterais e transformado a garagem numa montanha de envelopes, como nos antigos sorteios da televisão. Ainda fazem esses sorteios? Não sei, mas quando vejo o numerinho ali embaixo, me encarando -2.975!- é como se uma Quéops de celulose desabasse sobre a minha cabeça.
    "Debaixo desta pirâmide, 3.000 recados me contemplam", eu diria, se os recados apenas me contemplassem, como os séculos a Napoleão, mas 3.000 mensagens são 3.000 pendências exigindo de mim uma atitude, 3.000 assuntos dos quais, pelas mais variadas razões, eu não consegui me desvencilhar nos últimos anos.
    Claro que, se eu recebo uma propaganda da "caneta espiã", um "Enlarge your penis", um "Hi Madam my name is Zalouk I have 1.000.000 US dollar need your help send out Arabia", apago na hora. Há, porém, lixos mais insidiosos. Aquelas confirmações de pagamento de sites de venda, passagens aéreas, fatura de cartão de crédito, convites de festas. O livro chegou, a viagem foi feita, o cartão já foi pago, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, mas agora, José, as mensagens estão todas soterradas metros abaixo da data de hoje, nem me lembro que elas existem.
    Se há e-mails que esqueci de
    apagar, há também os que não quis perder. Esse aqui do Paulinho (5/3/2009, 18:31), por exemplo, chamando a mim e a alguns amigos para um almoço na casa dele, num domingo; as respostas trocadas pelos amigos, surrupiando três ou quatro minutos do trabalho, no meio da tarde; as mensagens na segunda-feira, cheias de piadas internas que já não fazem sentido. (Ao que parece, algo envolvendo "Tonga da Mironga" e "Rod Stewart" foi hilário, naquele domingo.)
    Hoje de manhã, contudo, não sei se por ter dormido mal ou por ter dormido bem, me parece que dois mil novecentos e setenta e cinco e-mails na caixa de entrada é o tipo de bagunça que não se deve tolerar, como o óleo não trocado muito depois de passada a quilometragem, como panelas se acumulando no fundo da pia. Basta! Vou apagar recibos e e-tickets, boletos e convites, vou criar uma pasta "Amigos", uma pasta "Trabalhos" e, no fim, terei uma caixa de entrada vazia, branca, reluzindo a Pato Purific.
    Começo a faxina inclemente, a tecla delete faminta como um pac-man, mas aos poucos o furor vai sendo aplacado por uma curiosidade arqueológica. Vou escavando através das camadas sedimentares e manuseando cada mensagem como se fosse uma ponta de flecha, uma pedra lascada. Que livro era esse? Onde me hospedei naquela viagem? Fui ou não fui àquela festa? Nessa toada, passo a manhã perdido entre anteontem e o neolítico, desenterrando ossadas de namoros e espanando caquinhos de amizades. Quando dou por mim, escurece e não apaguei quase nada: agora já são 3.017 as mensagens acumuladas e, além da frustração, ainda há o mistério a me pinicar: que piada tão engraçada era essa, juntando "Rod Stewart" e "Tonga da Mironga do Kabuletê"?

    Suzana Singer - Folha Ombudsman

    folha de são paulo
    Nuvens negras
    Economistas avaliam se a cobertura da Folha está dominada por uma onda de pessimismo injustificado
    Virou hit na internet a entrevista de Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, ao programa "Manhattan Connection", especialmente o trecho em que ela aponta um pessimismo excessivo sobre o estado da economia. "Nós, brasileiros, olhamos bem o lado do copo meio vazio, e a imprensa coloca esse lado. A gente nunca vê o copo meio cheio", disse.
    Quem passa os olhos pelos títulos da Folha pode ficar com a mesma impressão que a empresária. "Comércio tem o pior resultado no Natal em 11 anos" (27/12), "61 milhões estão fora da força de trabalho" (18/1), "Brasil cria 1,1 milhão de empregos em 2013, pior saldo em dez anos" (22/1), "Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial" (23/1).
    Todas as afirmações estão corretas, mas é possível contra-argumentar em cada caso. O resultado do Natal foi positivo, com um crescimento de 2,7% em relação a 2012. A nova pesquisa sobre o desemprego mostrou um grande contingente que não trabalha, mas em qualquer país existe muita gente fora da força de trabalho. Criar mais de um milhão de vagas com um crescimento de apenas 2% não é desprezível, assim como é notável aumentar a arrecadação, mesmo com tantas desonerações.
    A ênfase em dados negativos é uma característica geral da Folha. "O jornal tem uma predileção pelo mal-estar, pelo desconforto. Em política, é até mais acentuado do que em Mercado'", definiu o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.
    Avaliar como exagerada a cobertura depende de como se enxerga a situação do país. Perguntei a 11 economistas, entre acadêmicos e profissionais do mercado, se "a Folha está pessimista demais na área econômica": cinco responderam enfaticamente que "não" e seis disseram que "sim", mas que o jornal apenas reflete o mau humor do mercado. Ninguém apontou um viés intencional na cobertura.
    "Estamos há três anos com pouco crescimento e inflação resistente, apesar de manipulada, com grande dificuldade em aumentar o investimento. Os números fiscais estão perdendo credibilidade e há muita tensão no mercado de câmbio", explicou o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos que, como Giannetti, não veem exagero nas tintas da Folha.
    Já Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest Investimentos e colunista da Folha, acha que há negativismo demais desde o final de 2013, num processo em que mídia e mercado financeiro se alimentam. "Como a imprensa faz cobertura quase diária de mercado, ela reflete o estado de ânimo dos principais agentes econômicos e acaba criando condições para mais pessimismo", diz.
    Luiz Fernando Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Sekular Investimentos, não vê esse tipo de influência da imprensa. "Investidores nacionais e estrangeiros têm dado sinais de maior desconfiança. Houve forte desvalorização dos ativos brasileiros. É uma visão pragmática do que está acontecendo", diz.
    Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, lembra que a política econômica mudou desde o segundo governo Lula, com a adoção de um projeto desenvolvimentista, que não teria dado certo. "O PIB fraco gerou uma enorme frustração, que se reflete no jornal", diz.
    Mansueto de Almeida, pesquisador do Ipea, sublinha que os economistas erraram muito nos últimos anos. "Havia um otimismo geral em 2011. A projeção era que o Brasil fosse crescer cerca de 4% até 2020."
    Ninguém vê, porém, o país à beira do abismo. "Não estamos, por enquanto, perto de passarmos pelas dificuldades atuais da Argentina", afirma Lisboa.
    Da mesma forma, não há quem veja tudo rosa. "A situação não é tão ruim como pintam nem tão boa quanto poderia ser, caso a indústria brasileira tivesse um desempenho melhor", avalia Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.
    Vários dos entrevistados apontam um peso grande do mercado financeiro nas páginas de economia. De fato, é mais difícil obter uma declaração importante de um grande industrial, que muitas vezes depende de empréstimos do governo, do que colher aspas de quem lida com investidores. Além disso, o mercado financeiro produz constantemente relatórios e projeções, que facilitam muito a vida dos jornalistas.
    O economista-chefe de um grande banco, que pediu para manter o anonimato, afirmou: "Com honrosas exceções, há relativamente pouca distância analítica na imprensa econômica, que, até involuntariamente, ventila teses que traduzem interesses de mercado. Certas análises são feitas com o bolso, e não com o bom senso".
    Parece que a questão é bem mais complicada do que um duelo entre otimistas e pessimistas.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    Tatá Werneck aproveita a fama que faz sua imagem valer R$ 400 mil

    Ela acordou às 3h com cólica renal, tomou remédio para aliviar a dor, voltou para a cama. Levantou às 5h, ainda sentindo as pontadas, para cumprir uma maratona de 16 horas de compromissos.
    *
    Tatá Werneck, 30, não cogitou desmarcar as sessões de fotos para capas de duas revistas, a gravação de um programa de TV nem a entrevista para a repórter Ana Krepp. "Minha vida é isso, não para. Claro que tô cansada. Desde maio, tô num ritmo de muito trabalho, mas se ficar mais de dois dias sem fazer nada já fico meio desesperada."

    Tatá Werneck termina novela com passe valorizado

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    Raquel Cunha/Folhapress
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    A atriz e comediante Tatá Werneck em intervalo de sessão de fotos
    A atriz grava os últimos capítulos de "Amor à Vida", novela que a catapultou ao estrelato e chega ao fim na sexta. Onipresente na programação da Globo e nas páginas de revistas, ela protagonizou um lance inédito na TV brasileira: entrou no "Big Brother Brasil 14" no papel de participante por 12 horas.
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    Na pele de Valdirene, subverteu a lógica do "reality show". "Não tinha nenhum texto pronto, todas as conversas lá dentro foram criadas na hora. Eu só tinha que ir para debaixo do edredom pra justificar cenas já gravadas."
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    A "brother" de mentira precisou ser retirada à força, após ouvir que estava eliminada. Tatá alcançava ali o pico de exposição. Nos últimos oito meses, estampou 17 capas de revistas, fez o périplo por programas globais -de Xuxa a Ana Maria Braga-, fechou 32 contratos publicitários e recusou 71.
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    Está analisando três propostas. "Nego um monte de coisas." No mercado, sabe-se que para ter a figura do momento em um campanha publicitária é preciso desembolsar a partir de R$ 400 mil.
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    Deve dar um tempo da TV aberta depois da avalanche de aparições. "Não emendei uma novela na outra. Tive a possibilidade, mas não quis." Vai apresentar um programa de humor no canal pago Multishow, chamado "Tudo pela Audiência", com estreia prevista para abril. E participa de três filmes neste ano.
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    A obsessão pelo trabalho herdou "inconscientemente" da mãe, a jornalista e escritora Claudia Werneck. Na infância, ela perguntava aos pais por que na casa deles domingo era "igual segunda". "Lá não tinha folga e hoje também não tenho. Tô na idade, preciso mesmo produzir."
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    Na última São Paulo Fashion Week rivalizou com Gisele Bündchen na histeria de fãs e fotógrafos. A tietagem também parte de famosos. Ao gravar o "Altas Horas", recebeu elogios de Regina Duarte. "Ela veio me dizer no camarim que adora me assistir, que queria tirar uma foto. Porra! É a Regina Duarte!"
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    Nem sempre foi bem recebida pelos colegas. Diz que já se sentiu esnobada. "Nosso meio tem mais disso porque a gente está sempre exposto, vulnerável a todo tipo de energia e opinião. Às vezes, ainda sinto. Acham que acabei de aparecer. Não sabem que faço teatro desde os nove anos."
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    Para chegar à Globo, contou com a ajuda de Malu Mader, que a pedido de uma sobrinha lhe descolou um teste. "Malu foi fofa pra caralho. Tão generosa. E nem me conhecia." Tatá diz que cogitou "milhares de vezes" desistir da rotina teatral que incluía apresentações de quinta a domingo e, às vezes, mais de um espetáculo por dia.
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    Antes de entrar na MTV, em 2010, pensou em passar um tempo cuidando de órfãos africanos com o vírus da Aids. Acabou indo parar em um retiro espiritual na África do Sul, em 2011, com a escritora Leslie Temple-Thurston, "mestre da iluminação". "Comecei a me questionar muito sobre essa competitividade da TV. Não queria aprender a ser esperta para sobreviver no meio."
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    De crise em crise, chegou à de quem, de repente, ganha muito dinheiro. "Quando comecei a ganhar grana, achei que tava negando a minha arte, me vendendo, porque eu fazia teatro. Depois, vi que não. Graças a Deus, somos feitos para aproveitar tudo."
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    Está ficando rica? "Nunca vou responder a isso na vida", desconversa. "Quando fiz 18 anos, meus pais disseram que não iam me dar mais um centavo. Achei ótimo. Isso me fez correr atrás." Tatá vendeu cosméticos de porta em porta, deu aula de maquiagem. As contas não fechavam nos tempos de MTV, "ganhando dois e gastando seis".
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    Com a renovação do contrato com a Globo por três anos, diz ter adiado os planos de ser mãe. "Lá pelos 34 [anos] vou poder parar por uns dois anos para ter dois bebês, um seguido do outro." O casamento, "graças a Deus", sai mais rápido. Tatá e o engenheiro Felipe Gutnik, 30, depois de sete anos de namoro, vão morar juntos em fevereiro, quando acaba a reforma da casa que ela comprou no Itanhangá, no Rio.
    *
    A maratona de fotos e gravações do dia só termina por volta das 23h. Ela só quer "dar uma descansadinha" na cama do hotel. "Quer deitar aqui comigo? Você também deve estar cansada", sugere à repórter. Encarou ainda mais uma hora de entrevista.
    *
    O celular, que largou por algumas horas, apita com mais de 300 mensagens de texto e outras 200 no Whatsapp. Revira a bolsa para encontrá-lo entre vários cremes Victoria's Secret. "Sempre gostei de me cuidar, mas ginástica não faço. Pego um táxi da sala até a cozinha pra beber água. Sempre fui vaidosa. Só que não priorizo a vaidade, não tenho aquelas frescuras típicas de mulher."
    *
    Dos grupos de humor de que fez parte, era a única representante do sexo feminino por aceitar "se zoar". "Pra mim, é muito mais importante ser engraçada do que estar bonita." Surgida para o grande público como comediante, ela diz que é mais difícil fazer graça nos dias atuais. "As pessoas estão mais preocupadas em averiguar se aquele humor é correto do que em rir."
    *
    Critica também a patrulha. "Quando nos proibiram de fazer piada sobre campanha política, foi uma censura absurda. O humor também é ferramenta política, de estranhamento, fomenta questões. Tiraram nossa maior arma. O limite é do bom senso de cada um, o que é uma merda. A gente não consegue nivelar o bom senso."
    *
    Ela, que ainda se diverte com os episódios já nada inéditos de "Chaves", recarrega o próprio repertório em séries como "Monty Python" e "The Office". Não é uma máquina de fazer piadas. Especialmente quando está cansada. "Às vezes, me perguntam como é sexo com humorista. As pessoas acham que vou sacar um palhaço [de dentro da caixa] e dizer: 'Surpresa! Olha aqui!'."
    *
    Três dias depois da entrevista, a repórter recebe uma mensagem, via Whatsapp, da atriz. É um vídeo viral em que uma moça aparece falando uma língua indecifrável. Após segundos, uma imagem medonha salta da tela de repente. Susto daqueles. E boa tradução do jeito Tatá de ser. 
    mônica bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    Mauricio Stycer

    folha de são paulo
    Passagem de bastão
    Nos EUA e no Brasil, ano promete novidades nos 'talk shows', que exibem força para se renovar
    O ano promete ser de muitas novidades em um gênero dos mais antigos, mas que mostra força para se renovar: o "talk show".
    No Brasil, a se confirmar o noticiário, três atrações semelhantes vão coabitar uma mesma faixa noturna. Na Globo desde 2000, o decano Jô Soares agora sofrerá a concorrência não mais de um, mas de dois comediantes da nova geração, ambos revelados pelo "CQC".
    Catorze anos depois de perder Jô para a Globo, o SBT anuncia a contratação de Danilo Gentili para hospedar um programa de entrevistas noturno. Viúva do apresentador que trocou de emissora, a Band já indicou que vai escalar Rafinha Bastos para comandar um "talk show".
    Ainda assim, a grade da TV aberta brasileira estará longe de poder rivalizar com a da americana, onde o gênero deitou raízes tão profundas que ocupa duas faixas. As redes ABC, CBS e NBC mantêm dois programas, cada uma, no fim de noite, um por volta das 23h30 e outro já na madrugada.
    Nos Estados Unidos, no momento, todos os olhos estão voltados para a NBC, que agora em fevereiro consuma a passagem de bastão no comando do "Tonight Show", das mãos de Jay Leno para as de Jimmy Fallon.
    No ar desde 1954, é um dos programas mais antigos ainda no ar da TV americana. Steve Allen (1954-57), que foi o primeiro "host", Jack Paar (1957-62) e Johnny Carson (1962-92), que liderou o "Tonight Show" por três décadas, são sempre citados por Jô Soares como as suas principais inspirações.
    Algumas características introduzidas nestes primórdios se tornaram marcas obrigatórias em quase todos os programas que vieram depois: um comentário inicial cômico do apresentador, entrevistas em tom informal, mesmo com convidados mais sérios, como políticos, plateia presente no estúdio e números musicais.
    A aposentadoria de Carson, em 1992, foi uma novela acompanhada em detalhes nos EUA. David Letterman, apresentador do "talk show" que ia ao ar após o "Tonight Show", era o principal candidato, mas a NBC acabou escolhendo Jay Leno. Magoado, ele se mudou para a CBS e, "promovido" para o horário das 23h30, passou a concorrer diretamente com o "Tonight Show" de Leno.
    Por 17 anos, até 2009, Leno reinou. Naquele ano, não resistiu ao sucesso que Conan O'Brien fazia no programa que vinha depois do seu e aceitou passar o bastão. A mudança, porém, resultou desastrosa em matéria de audiência e, em março de 2010, Leno voltou.
    A saída agora, no próximo dia 6 de fevereiro, parece definitiva. Fallon assume no dia 17, no meio da cobertura dos Jogos Olímpicos de inverno, um evento importante nos Estados Unidos, que rende muita audiência à NBC.
    Aos 39 anos, criado numa das melhores escolas do humor, o "Saturday Night Live", Fallon comanda o próprio "talk show", no horário da madrugada, desde 2009. Esta segunda faixa, onde O'Brien também se destacou, tem sido o território ideal para formar apresentadores e testar quadros e formatos novos para os "talk shows".
    A chegada de Fallon ao horário nobre promete injetar ainda mais criatividade a um gênero que os americanos não cansam de renovar, e os brasileiros, de imitar.

    Ferreira Gullar

    folha de são paulo
    Brincando com luz
    Ver arte hoje tem um preço, que tanto pode ser um barulho ensurdecedor como sentir-se ameaçado
    Os movimentos de vanguarda do começo do século 20, ao romperem os vínculos que tradicionalmente, na arte ocidental, ligavam a linguagem artística à representação da realidade, abriram caminho para as mais diversas experiências no campo da expressão artística.
    Alguns quadros cubistas são exemplos notórios disso: ao colar, na tela, recortes de jornal em vez de representá-los pictoricamente, fizeram dela um espaço expressivo que tudo aceitava, desde papéis colados até areia, arame, barbante ou o que fosse.
    Estava aberto o caminho para toda e qualquer maneira de criar a obra de arte, fora de todo princípio estético a priori e de qualquer linguagem existente. O urinol de Marcel Duchamp é exemplo marcante dessa ruptura e de suas consequências futuras. Ele mesmo é o autor da frase que define a nova situação: "Será arte tudo o que eu disser que é arte".
    Essa é a manifestação mais radical daquele momento de questionamento das linguagens estéticas consagradas. Mas foram feitas outras experiências, especialmente pelos dadaístas, sem o mesmo radicalismo de Duchamp.
    Dentre essas novas tentativas estão o "Merzbau", de Kurt Schwitters, e o Clavilux, de Thomas Wilfred. São experiências muito diversas, pois, enquanto Schwitters montava a sua obra com o que trazia da rua e acrescentava a ela, Wilfred construiu um piano que em vez de sons produzia formas coloridas numa tela em frente. Ele foi o precursor da arte que usa como linguagem a cor-luz em movimento.
    É, portanto, no Clavilux, que está a origem das obras que Julio Le Parc expõe atualmente na Casa Daros, no Rio.
    A primeira vez que vi obras de Le Parc foi em começos da década de 1960 e eram muito diferentes destas que hoje expõe.
    Aquelas eram telas com formas abstratas pintadas e outras recortadas em placas coloridas que se moviam. Confesso que não me causaram maior impressão, entre outras razões pelo fato de que o movimento das formas se repetia seguidamente.
    Aliás, esse é o problema que enfrenta quem tenta introduzir o movimento real na linguagem pictórica. Foi enfrentado por Abraham Palatnik quando criou seus aparelhos cinecromáticos e por Thomas Wilfred com seu Clavilux. Está presente em alguns dos trabalhos mostrados agora por Le Parc, muito embora em alguns deles isso não ocorra. Mas não é esse o principal problema, uma vez que essa exposição do artista argentino compreende mais de dez salas totalmente às escuras.
    Ao entrar na exposição, muito embora tenha sido avisado pela funcionária, senti-me totalmente perdido na treva de uma sala de que não vi as paredes e, por isso, não sabia se ia esbarrar em alguma delas ou tropeçar em algum degrau. Mantive-me parado, tenso, sem saber o que fazer. Percebi outras pessoas a meu redor mas tampouco as via. Depois dei alguns passos e pude vislumbrar, adiante, numa parede, um fervilhar de luzes. Tateando, passo a passo, fui me deslocando em direção àquelas luzes, já mais confiante.
    Mas, o que fazer? Ver arte hoje tem um preço, que tanto pode ser um barulho ensurdecedor como sentir-se ameaçado ou perdido.
    Nesse caso, tem sentido estarem as salas às escuras, uma vez que os trabalhos expostos são basicamente projeções luminosas. Não resta dúvida de que cada uma delas resulta das possibilidades de criar efeitos luminosos muitas vezes surpreendentes.
    Outras vezes, porém, isso não ocorre; a própria presença dos equipamentos usados para provocar aqueles efeitos já retira deles o mistério que deveria envolver a relação entre a obra e o espectador.
    Isso à parte, percebo que quase nenhuma daquelas obras suscita no espectador maior emoção. Antes, provoca o prazer próprio ao entretenimento, o que não desmerece a competência com que são realizadas. Le Parc consegue o resultado oposto ao das obras de Wilfred, em que o movimento das formas luminosas, lento e denso, leva-nos a um estado de descoberta e reflexão.
    Saí da exposição de Le Parc como se nada de importante houvesse visto. São trabalhos elaborados e inventivos, mas não chegam a ser arte maior, no sentido pleno da palavra.