terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Suzana Herculano-Houzel

folha de são paulo

Carros, aviões e sua amígdala

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Ah, como era tranquilo viajar de avião na época em que minha amígdala era jovem e inocente, e ninguém dependia de mim: meu cérebro só sabia pensar nas vantagens de percorrer nove mil quilômetros em apenas algumas horas para voltar para casa ou depois retornar aos estudos nos EUA.
Mas bastou um quase acidente, onze anos atrás, para mudar rapidamente a visão da minha amígdala sobre a aviação e acabar com minha tranquilidade nos ares. Pousei em segurança depois do susto –mas minha amígdala não se convenceu: o susto já estava registrado. Dali em diante, a cada voo eu me via antecipando o pior, prevendo minha própria morte em um acidente aéreo.
A amígdala é uma parte do cérebro responsável por associar estímulos a emoções, ligando fortemente uma sensação desagradável de morte iminente ao ambiente de um avião, por exemplo. E faz parte do seu bom desempenho que ela aprenda muito rápido, em uma única experiência, sem que seja necessária a repetição. Assim ela ajuda a nos manter longe de perigos, conforme a simples lembrança de um estímulo associado no passado a uma sensação negativa traz tudo de volta à tona como aviso.
Racionalmente, aviões são seguros. O risco de morte por hora viajada é 4 vezes menor dentro de um avião do que em um carro; por quilômetro percorrido, então, o avião é 60 vezes mais seguro do que o carro. Mas o problema é que a amígdala não liga para estatísticas outras que suas próprias, computadas por ela mesma em nossa própria carne. E, uma vez feita, a associação tende a ser duradoura –a não ser que a vida dê várias provas repetidas do contrário, em um processo chamado de "extinção".
Para acabar com a angústia e as previsões catastróficas a cada nova viagem, só há um remédio: continuar viajando –e assim ir extinguindo, aos poucos, a associação nefasta feita pela amígdala.
Posso dizer que estou melhorando, felizmente: às custas de muitas viagens de avião a trabalho por ano, já não fico mais enjoada de tensão premonitória, evidência de que minha amígdala aos poucos se convence do seu trabalho patético como adivinha. E tento me lembrar do lado bom da ansiedade: enquanto ela não me impedir de voar, ela serve como um bom lembrete para aproveitar a vida enquanto a morte não chega. Só torço para que ela não venha de avião...
suzana herculano-houzel
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada 15 dias, na versão impressa de "Equilíbrio".

Asilo para Snowden - Helio Schwartsman

folha de são paulo
Asilo para Snowden
SÃO PAULO - O ideal para o governo Dilma Rousseff seria que Edward Snowden não requisitasse asilo ao Brasil. Foi esse o recado que a presidente tentou passar quando, valendo-se de um tom até ríspido, comentou o caso na semana passada. O problema é que todos os indícios são de que Snowden vai acabar protocolando um pedido formal, o que exigirá resposta oficial do Planalto.
Num cálculo que considerasse apenas os interesses imediatos do país, não haveria razão para dar-lhe o refúgio. Aquilo que o ex-técnico da NSA teria de concreto a oferecer --informações sobre a escala da espionagem norte-americana-- ele já deu sem exigir nada em troca e a concessão do asilo criaria atritos com Washington. Na melhor das hipóteses, azedaria mais nossas relações diplomáticas; na pior, poderia levar a prejuízos comerciais e estratégicos devido a retaliações que o governo Obama decidisse impor ao Brasil.
Não penso, entretanto, que esse caso deva ser analisado de forma exclusivamente pragmática. Estamos também diante de uma questão moral e, sob esse ponto de vista, a realidade vem se encarregando de mostrar que Snowden está do lado certo.
Ainda que tenha infringido leis norte-americanas (o que não é um problema do Brasil), ele prestou um inequívoco serviço a governos de todo o mundo e aos cidadãos dos EUA ao revelar que o nível de bisbilhotice da NSA superou não só os parâmetros usuais da espionagem como também os limites impostos pela Constituição americana. Vão se avolumando os sinais de que a política de coleta e armazenamento de dados será ao menos parcialmente revista.
E, se o que Snowden fez é positivo tanto do ponto de vista dos princípios como das consequências, seria ridículo puni-lo com uma enorme pena de prisão, que é o que lhe aguarda se ele for parar nos EUA. Sou da opinião de que, se ele pedir, o asilo deve ser concedido. Foi a Casa Branca, afinal, que pisou na bola.
helio@uol.com.br

    Vladimir Safatle

    folha de são paulo
    Ana Cristina C
    Passaram-se 30 anos de sua morte até que Ana Cristina Cesar (1952-1983) tivesse uma edição completa de seus poemas.
    Uma das mais vigorosas poetas da literatura nacional contemporânea precisou esperar incontáveis 30 anos para que, enfim, aparecesse "Poética" (Companhia das Letras), compilação organizada com esmero por Armando Freitas Filho com poemas publicados e espólio.
    Tal compasso de espera demonstra a necessidade de maior atenção de nossas editoras para a poesia brasileira produzida a partir dos anos 70.
    Não são poucos os livros importantes esgotados há décadas, assim como autores que há muito sumiram das prateleiras das livrarias. Neste último quesito, a situação de Ana Cristina Cesar era a mais aberrante.
    Em sua vida curta, ela conseguiu produzir uma obra que aliava reflexão formal apurada e força expressiva para descrever situações-limites de desterro e de incomunicabilidade passional.
    Sua poética do limite aparece na maneira muito própria de reconstruir o lugar da poesia, empurrando sua linguagem para o limite da prosa, do diário, da escrita epistolar; procurando encontrar lirismo no limite da linguagem ordinária com suas figuras gastas e sua urgência de falar sempre na primeira pessoa.
    No entanto, como a mais recente crítica literária brasileira nos mostra, a força dessa recuperação singular da primeira pessoa vem do fato de a expressão subjetiva "se mostrar como uma forma de espelhar o esgotamento da linguagem lírica". O que não poderia ser diferente para alguém que conseguiu conservar, até o limite, o estranhamento adolescente diante do desejo e a raiva diante dos códigos do estilo (de ser e escrever).
    Nesse sentido, a impressionante produção de Ana Cristina Cesar aos 15 e 16 anos revela muito da fonte de força de sua poesia. Força de quem irá procurar sempre a experiência do limite para, no fim, poder dizer, não sem ironia: "Por mais que se gaste sete vidas, a pressa do discurso começa a recontá-las".
    A grande literatura, porém, aparece quando a matriz intencional-subjetiva acaba por encontrar-se com os impasses sociais de seu tempo. Não foi diferente com Ana Cristina Cesar. Sua poética é também a escrita de um tempo censurado, emudecido, traumatizado pela violência da palavra vazia que circula de mão em mão como se ainda tivesse algum valor e do silêncio imposto à palavra plena.
    Essa escrita traumática é um belo documento de uma linguagem que registra a destruição da experiência em uma sociedade que parece se acostumar às ditaduras de toda ordem.

    Carlos Heitor Cony

    folha de são paulo
    A ceia de um rei
    RIO DE JANEIRO - A bicicleta da filha mais velha e o skate da menor já estão há mais de uma semana no quarto da empregada, escondidos das garotas. Faltavam os brinquedos menores, a lista que elas haviam feito incluía jogos eletrônicos, tablets, celulares. Agora, tirava os embrulhos da mala do carro e atravessava correndo o quintal.
    Na semana anterior, gastara o domingo armando a árvore de Natal e, de tanto subir e descer, de tanto curvar o pescoço e os braços, tudo estava doendo. Mas a árvore ficara imponente e colorida, as crianças passavam a noite olhando as luzes piscarem. Depois, quando todos iam dormir, ele é quem ficava sozinho, gozando a árvore de Natal, espantando-se com suas luzes.
    Afinal, conseguiu guardar os embrulhos nos fundos de um armário. A casa, os móveis, os lustres, o braço macio e branco da mulher que aparece na porta que dá para a copa, o cheiro das rabanadas, a geladeira abarrotada de coisas gostosas. As meninas batem palmas, acompanhando o anúncio da TV no qual há um trenó puxando o Papai Noel pela neve.
    Está cansado, levara empurrões pela cidade para comprar tantos presentes contraditórios e agora tinha de esperar pela ceia, fazer as crianças irem para a cama, depois o trabalhão de apanhar os embrulhos, a bicicleta, o skate --por tudo isso, ele se sentia exausto e fechava os olhos.
    E está de olhos fechados quando há um silêncio assombroso em torno de tudo. As meninas pararam de bater palmas. A mulher vem lá de dentro, trazendo a ceia e as rabanadas. Ele abre os olhos mais uma vez para ver aquilo tudo, a felicidade que tem cheiro de rabanada e abacaxi, que agora parece um rei coroado de fitas vermelhas no meio de outras frutas mesquinhas e súditas. Então descobre que o Natal caiu sobre o mundo como um manto silencioso e profundo e ele se sente coroado como um rei cujo reino durará o espaço de uma ceia.

      Jovem relata dia em que teve cabelo arrancado por kart em parque

      folha de são paulo

      Jovem relata dia em que teve cabelo arrancado por kart em parque


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      (...) Depoimento a
      FELIPE BÄCHTOLD
      DE PORTO ALEGRE

      Em fevereiro, a estudante gaúcha Fernanda Dryer, 23, teve o couro cabeludo arrancado enquanto pilotava um kart no parque temático Beto Carrero World, em Penha (SC). O cabelo dela acabou enroscando no motor do equipamento. Ela diz que não recebeu o equipamento que cobre quase toda a cabeça e evita acidentes do tipo. Moradora de Panambi (RS), ela passou meses internada e diz que vai processar o parque.

      *

      Fernanda Dryer

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      Jefferson Bernardes/Folhapress
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      A gaúcha Fernanda Dryer, 23, que há dez meses teve o couro cabeludo arrancado por kart
      Como toda mulher, sou vaidosa. Do que mais cuidava era o cabelo, e hoje em dia eu não tenho mais. Isso dói.
      Fui em uma excursão para o parque com um grupo de Panambi. Viajamos à noite, iríamos passar um sábado.
      Entrei lá, fui em três brinquedos e, no quarto, que era o kart, aconteceu. Eu estava andando e senti um puxão. Foi muito rápido. Tirei o pé do acelerador, parei e, quando vi, estava sem o capacete e havia muito sangue.
      Em um primeiro momento, vieram tampar para o pessoal [que visitava o parque] não ver. Depois é que chamaram uma ambulância.
      Uma amiga ficou desesperada, pedindo socorro, porque eu estava com o osso da cabeça exposto. Fui levada para um hospital de Itajaí e lá fiquei seis dias na UTI.
      Os médicos recolocaram a pele que foi machucada, mas houve rejeição de algumas partes. Meses depois, tirei pele da perna para colocar na cabeça. Fiquei internada de fevereiro até maio.
      Fui 19 vezes ao centro cirúrgico [para fazer curativos e procedimentos]. Toda vez era desgastante: eu precisava ser entubada e anestesiada. Tinha também que viajar todo dia para Blumenau para sessões em câmera hiperbárica [para acelerar a cicatrização].
      Quem ficou comigo em Santa Catarina foi o Álvaro, meu noivo, até porque minha mãe estava grávida.
      Além da preocupação comigo, tinha a preocupação com ela. O Álvaro perdeu o emprego e passou as dores que eu passei.
      Precisei trancar a faculdade de engenharia. Provavelmente me formaria no fim do ano, mas tive que adiar.
      Foram mais dois meses morando em um hotel em Itajaí por causa do acompanhamento médico necessário.
      CUIDADOS
      Hoje, eu não posso deitar na cama normalmente por causa do medo de me machucar. Com o acidente, fiquei com uma sobrancelha mais alta. Também perdi a sensibilidade na cabeça.
      Todo dia de manhã a gente precisa fazer curativos, colocar gazes e uma touca. Uso uma prótese [peruca] que a cada seis meses precisa ser trocada e custa R$ 6.000.
      Voltei para a faculdade e para a empresa onde eu trabalhava, mas com restrições.
      Não posso fazer todas as disciplinas da faculdade porque tenho que ficar mais em casa, para a cicatrização, com a cabeça "aberta", arejada. Tem todo um cuidado com o perigo de infecção ainda.
      Muita coisa não vai voltar. O principal é a atividade física: o simples entrar em uma piscina ou jogar vôlei.
      Há lugares em que eu não vou porque tenho medo que aconteça alguma coisa, que puxem o cabelo [peruca].
      A gente mora em uma cidade pequena. As pessoas que convivem comigo entendem, mas outros vêm perguntar coisas que a gente não gosta de ficar falando.
      Às vezes penso: "Não vou em tal lugar porque os outros vão ficar comentando".
      Eu trabalho, tenho que pagar a faculdade e mais todos os gastos com medicamentos.
      Hoje as nossas despesas são ao redor de R$ 2.500. Recebi ressarcimento [do parque] acho que por dois meses após a volta. Depois, não.
      Minha cabeça não está 100% sarada, mas não estou em tratamento. Deveria voltar a Itajaí para uma reavaliação, mas tudo tem um custo. Um especialista que consultei disse que, como a medicina evolui a cada dia, há possibilidade de um implante, mas não de imediato. O cabelo não vai mais voltar. O que dói mais é o emocional.

      OUTRO LADO
      Parque afirma que prestou total assistência
      DE PORTO ALEGRE
      O parque Beto Carrero World afirma que prestou "assistência total" à estudante gaúcha Fernanda Dryer e a seus familiares desde o acidente com o kart.
      Por meio de sua assessoria de imprensa, o parque afirmou que custeou o tratamento médico e despesas com hospedagem, alimentação e assistência psicológica.
      Em nota, o parque afirma que, "embora o kartódromo seja de responsabilidade de outra empresa", em nenhum momento se negou a prestar auxílio à jovem e à família.
      Diz que procurou médicos que indicaram o modelo de prótese e que custeou a compra de dois exemplares.
      O parque afirma que a empresa responsável pela pista de kart tem experiência no setor e adota todos os procedimentos de segurança.
      Também afirma que o contato com Fernanda Dryer foi "suspenso por determinação expressa do advogado" dela. Eduardo Barbosa, que defende a jovem, nega que tenha determinado isso.

      Rosely Sayão

      folha de são paulo
      Fim de ano em família
      A família é o único grupo permanente em nossas vidas. Os demais grupos são sempre temporários
      Festas, lágrimas de alegria e de emoção, presentes, amigo secreto, inimigo secreto, religião, festa da firma, depressão, melancolia, tristeza, alegria, reencontros, ansiedade, saudade, votos, anseios, vontade de mudança etc. Tudo isso faz parte do Natal e do Ano-Novo. E um dos ingredientes mais frequentes dessas datas é a família.
      Independentemente de religião, aos poucos o Natal passou a fazer parte das tradições familiares. A data passou a ser um pretexto para reunir parentes que, muitas vezes, devido à correria cotidiana e à distância, não costumam mais se ver com frequência.
      Família não se escolhe, me disse um dia um amigo. Mas algumas pessoas, que por problemas diversos não mais têm contato com a família de origem, acabaram por construir sua própria família, esta sim escolhida, formada por pessoas próximas e com afetos recíprocos. Como se vê, fazer parte de uma família é realmente importante.
      Aliás, é bom lembrar sempre que a família é o único grupo ao qual se pertence de fato. De outros grupos, participamos apenas. A família é o único grupo permanente em nossas vidas. Os demais grupos são sempre temporários.
      Os mais novos precisam sentir que têm família, e isso não significa a presença das figuras do pai e da mãe --estejam eles casados ou não-- avós, tios etc.
      Eles precisam sentir, perceber, vivenciar que fazem parte de um grupo que ali está para cuidar deles, escolher e decidir por eles enquanto eles não podem fazer isso por conta própria, protegê-los de riscos evitáveis, encorajá-los quando se defrontam com obstáculos, baixar a bola deles quando ficam cheios de si, por exemplo.
      Eles precisam saber o que é viver em família. Ter família dá um trabalho danado, não é verdade, caro leitor? Todos os integrantes da família estão sujeitos, por exemplo, às emoções intensas do relacionamento familiar. Ora amor, ora raiva, ora sentir falta, ora querer dispensar uma presença momentaneamente indesejada...
      Todos os integrantes da família têm obrigações. Tais obrigações não são apenas objetivas e práticas, como ter de colaborar nas tarefas domésticas e na administração da casa com seus integrantes. Há obrigações morais e afetivas, o que exige muito de todos nós.
      Toda família apresenta contradições, conflitos, inseguranças, receios, passa por altos e baixos em todos os sentidos, muda de rumo e, principalmente, sofre a cultura da sociedade que, muitas vezes, se choca com os valores daquele grupo, o que exige mais energia para seguir o caminho escolhido.
      Apesar dos ônus que ter uma família acarreta, há muitos benefícios, principalmente para os mais novos. Para a criança e para o adolescente, sentir que integram esse grupo lhes dá coragem para enfrentar as vicissitudes da vida e energia para viver, por saberem que sempre podem contar com o acolhimento familiar. Essa panelinha, que às vezes perturba os mais novos, lhes dá estrutura e ensina o que é a vida.
      Desejo a todos muita energia e força para investir na vida familiar e muita paciência para dar toda a atenção necessária aos mais novos.
      Saio em férias e volto a publicar minha coluna no dia 4 de fevereiro. Agradeço muito sua companhia e desejo boas-festas e um ano melhor para todos nós. Tim-tim!

      José Simão

      folha de são paulo
      Ueba! Renan, o implante voador!
      Coerente: usou um avião pra acabar com o aeroporto de mosquito! Renan Cabelheiros!
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o penúltimo escândalo do ano: Renan Escandalheiros. Que usou um avião da FAB para fazer implante de cabelo no Recife. Pra melhorar a imagem do Congresso!
      Já imaginou aguentar o Renan careca? Coerente: usou um avião pra acabar com o aeroporto de mosquito! Renan Cabelheiros!
      E pra próxima semana já está agendado um outro avião pra ele fazer chapinha! Como diz o tuiteiro Manchester64: o implante voador!
      E o pensamento do dia: "É melhor um peru na mão que dois na gôndola do Pão de Açúcar!".
      E Natal é a data mais incoerente que existe: matam o peru e fazem missa pro galo!
      E o que vou fazer nesse Natal? O que faço todos os anos: vomitar no tapete persa da sogra e fazer xixi no elevador do prédio! A missa do galo é em homenagem ao Atlético Mineiro, e o tapete persa foi um presente do Fluminense. Ops, Tapetense!
      E essa: "Papa pede que Cúria Romana evite fofocas no trabalho". Impossível! Nem por milagre padre deixa de fazer fofoca! Rarará!
      E Natal é a coisa mais família que existe: o primo corno, a prima ninfomaníaca de Facebook e a sogra de joanete e calcanhar rachado. E aí de repente aparece o vizinho e fica encoxando a cunhada no corredor. Ou seja, uma promiscuidade. Rarará!
      E o chargista Flavio revela que o Papai Noel não vai trazer presentes neste ano porque aplicou tudo na empresa X do Eike! Papai Noel Falidex! Rarará!
      E o lema do Natal da encalhada: "Muitos natais e nenhuma noite feliz!". E o grande hit do Natal: sanduíche de patê, catchup e requeijão, em camadas, que a tia traz coberto com pano úmido pra não ressecar.
      E aquela maionese que a outra tia não acerta o ponto. Há anos! Rarará! E peru é sempre o peru da sogra. O Natal é um festival de sogras! É mole? É mole, mas sobe!
      E o ser humano é dividido em quatro estágios:
      1) você acredita em Papai Noel;
      2) você não acredita em Papai Noel;
      3) você se veste de Papai Noel, pra animar o Natal da família;
      4) você PARECE o Papai Noel. Rarará!
      E neste ano não fiz compras porque não tenho saco pra Papai Noel! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        João Pereira Coutinho

        folha de são paulo
        Apenas Natal
        Simplificando, existem dois grupos: para os ansiosos, o Natal é uma prova; para os deprimidos, uma provação
        Anos atrás, comprei em Londres uns cartões de Natal que faziam uma paráfrase do célebre "Keep Calm and Carry On" (fique tranquilo e continue). No caso, a frase era apenas um "Keep Calm, It's Only Christmas" (fique tranquilo, é apenas Natal).
        Foi sucesso de bilheteria: as pessoas agradeciam o cartão e depois começavam um longo rol de misérias pessoais que a quadra traz consigo. Simplificando, existem dois grupos: os ansiosos e os deprimidos.
        Os ansiosos começam a sofrer em finais de outubro, inícios de novembro. Com os presentes que é preciso comprar (ou evitar); mas sobretudo com a logística que é preciso respeitar: noite de 24 na mãe dele; almoço de 25 na mãe dela; jantar de 25 na própria casa; dia 26 no manicômio da cidade.
        O "espírito de Natal", para esses infelizes, é muito semelhante a uma prova universitária que é preciso fazer todos os anos, com os mesmos professores, sobre a mesma matéria. O eterno retorno da etiqueta. E com possibilidade de reprovação.
        Os deprimidos são outra história: incapazes de viver o Natal presente, eles são como Mr. Scrooge, o personagem de Dickens, só que perpetuamente condenados a viverem apenas os Natais passados.
        Aproxima-se o dia 24 e é vê-los, meditabundos e lacrimejantes, recordando as companhias que tiveram e já não têm; as oportunidades que surgiram e já não surgem; os lugares por onde passaram e onde já não passa nada.
        Para os ansiosos, o Natal é uma prova; para os deprimidos, uma provação: uma forma de serem novamente esfolados vivos pelos fantasmas do fracasso e do arrependimento.
        Um amigo meu, usualmente solar, hiberna sempre dia 24 e só ressuscita dia 26. Hiberna em hotéis ("são mais impessoais") ou, de vez em quando, cruzando os céus quando as famílias terráqueas se reúnem cá em baixo. "É mais fácil assim", dizia-me ele há uns meses, recusando qualquer convite para um jantar lá em casa. E a sentença final: "Eu só quero que o Natal passe depressa, João".
        E quando não são as provações pessoais, são as profissionais. Não sei quando começou a moda das "festinhas de escritório". Mas espanto-me por não haver notícias na TV de chacinas em massa durante esses encontros.
        Colegas que não se falam e até se apunhalam todo o ano surgem nessas "vernissages" com um amor pelo próximo que faz das figuras de cera do Madame Tussauds verdadeiros seres de carne e osso.
        Pergunta-se pelos filhos (cujos nomes se desconhece) e pela saúde dos progenitores (entretanto já falecidos e enterrados). Brinda-se ao nada. Tiram-se fotos, muitas fotos, para vender alegria "sincera" no Facebook. E depois regressa-se a casa com os músculos do rosto doridos.
        Quando janeiro começa, o escritório é o que sempre foi: um ringue de inimigos e estranhos. Como sobreviver a tudo isso?
        Primeiro que tudo, apagando o verbo "sobreviver" da gramática natalina. Não há nada de que sobreviver se o dia 24 for igual ao 23. E a única forma de o tornar igual é retirar do 25 os contornos de "juízo final" com que nos danamos ou salvamos.
        No fundo, devemos ser o oposto de Logan Mountstuart, o personagem de "Any Human Heart", a série de TV inspirada no livro (mediano) de William Boyd. Não sei se já falei dela nesta Folha. Provavelmente.
        Mas nunca é demais repetir, até como sugestão natalina: na série, Mountstuart é um escritor torturado pelos erros que ensombram os seus dias. As mulheres que perdeu. Os amigos que o deixaram. E, claro, os romances que ele nunca conseguiu escrever.
        Ao longo da vida, ele vai anotando esses erros nas páginas do diário --um exercício confessional a que ele, o grande romancista, concede diminuta importância.
        E, no entanto, são os diários que ficam depois da morte. Como se os diários fossem o resumo mais autêntico de uma vida verdadeiramente autêntica: uma vida que é feita de toda a sorte e de todo o azar. Mas que também é definida pela forma como gostamos de a ver e contar.
        Porque é sempre possível contar a mesma vida de duas perspectivas distintas: a perspectiva derrotista de Logan Mountstuart; e a perspectiva de sucesso que a posteridade concedeu aos seus diários --e, no limite, à sua vida e até aos seus erros.
        Não se martirize, leitor. Raramente somos os melhores juízes em causa própria. Brindar ao Natal deveria ser, tão simplesmente, brindar ao pouco que sabemos --e ao muito que um dia se contará sobre nós.

        Janio de Freitas

        folha de são paulo
        O peso destes dias
        A menina quis saber se era por causa do Natal. Não, o Natal estava longe. Os dois saíram correndo, aos pulos
        Crônicas de Natal, se repassadas dos jornais brasileiros para livros, comporiam toda uma biblioteca. Não custa reforçar, por isso, a diferença entre qualidade e quantidade. Como não contribuí para a primeira, deixei de engrossar a segunda. Mas, na verdade, menos por esse motivo --ou teria de estendê-lo aos artigos que socorrem o orçamento familiar-- do que por precaução.
        A última crônica natalina que escrevi era, claro, para o Natal. Mas não foi. Contava o caso real de duas crianças que dividiam o tempo, na calçada perto da sucursal carioca da Folha, entre chutar alguma coisa à maneira de bola e pedir uns trocadinhos sempre raros e ralos. Mas não descalças, como é comum. Calçavam o que tinha sido um par de tênis. O menininho com um pé, a irmã, pouco maior, com o outro. Levados a uma sapataria, para cada um escolher o seu par de tênis, a menina quis saber se era por causa do Natal. Não, o Natal estava longe. Os dois saíram correndo, aos pulos.
        Depois de alguma divagação, sobre o peso que os anos de lembranças dão a esta época, o ponto final natalino: "As crianças e seus presentes, os adultos e seus ausentes". Algumas pessoas, entre elas meu amigo Pasquale Cipro Neto com um telefonema especial, me falaram da crônica. Parece que mais pela frase final. Soube que professores também usaram o texto em vestibulares. Mas nenhum deles o leu no Natal. A crônica não foi publicada.
        Os da minha geração no jornalismo têm motivos para indagar-se logo, em situações assim, o que haveria de tão inaceitável no texto a ponto de vetá-lo. Não precisei perguntar. "Esquecemos da sua coluna, mas publicamos amanhã". Havia só mais de 20 anos que a coluna saía seis vezes por semana. A imprensa ainda não era tão requentada, ainda assim achei que a ocasião havia passado. Diante da insistência, pedi que se pusesse, ao final da crônica, um fio de separação e a frase informando que o texto não saíra na véspera por "falha técnica".
        Foi assim que a crônica cresceu com mais uma frase, um novo fecho. O aviso foi posto, mas o traço de separação foi esquecido. Por precaução, nunca mais escrevi para o Natal.
        A ideia daquela crônica me deu vontade de procurar as duas crianças, tão miseráveis, sujinhas de rua e de abandono, e tão suavemente simpáticas, como tantas crianças miseráveis, sujinhas de rua e de abandono, e tão suavemente simpáticas, neste país tão cheio de riquezas prepotentes e avaras. Irmão e irmã estariam precisando de tênis maiores. E agora poderiam ouvir que, sim, eram presentes de Natal.
        Voltei às redondezas da antiga sucursal. Crianças da pobreza costumavam vender os seus chicletes e pastilhas em pontos constantes, como suas lojas ao ar livre, até que as autoridades competentes as reprimiram. Bati as ruas e quadras por lá. Nada. Ou já não pude reconhecer os dois. Hoje me lembrei outra vez daquela pergunta: "É por causa do Natal?" E percebi que o peso dado às minhas lembranças, por esta época, tem duas ausências a mais e diferentes das outras.