sábado, 15 de fevereiro de 2014

Boto fé no Adriano - Xico Sá

folha de são paulo
XICO SÁ
Boto fé no Adriano
Ele quer retomar o seu império, o Brasil se ressente de atacante para a Copa, e Felipão é bom de apostas
Amigo torcedor, amigo secador, foi comovente ver o Adriano, não o imperador, mas o cidadão comum, na Vila Capanema, em Curitiba. Não pegou na bola, após dois anos sem vê-la, mas ela, seguramente, o reconheceu com votos bíblicos de quem recebe um filho pródigo.
Como sempre botei fé, mesmo após tantas recaídas, digo de novo: eu acredito. Agora com um cenário histórico perfeito. O Brasil se ressente de um atacante para a Copa, o Adriano quer retomar o seu império, o Felipão é bom de apostas --vide Ronaldo em 2002, após longa via-crúcis, com os joelhos estropiados tal um pagador de promessas.
Eu acredito com a fé do mais ingênuo dos fiéis de um templo pentecostal. Antes que o amigo levante o dedo com o seu "peraí" autoritário de boteco, vos digo: óbvio que o Fenômeno não estava à beira do abismo, como andou o menino da Vila Cruzeiro, R9 penava nas salas de cirurgia e nas clínicas.
Óbvio que o Fenômeno foi mais bola, um dos nossos melhores, como lembrou ontem o colega Leonardo Mendes Junior, da "Gazeta do Povo", ao traçar o mesmo paralelo. Bote óbvio nisso ad infinitum.
Enfim, é mais uma questão particularíssima de crença no homem, não nas ruínas do que sobrou do império. Crença não obrigatoriamente religiosa. Na vida deste fraco cronista o pecado sempre formigou na carne. As polaquinhas de Curitiba, as do livro do vampiro Dalton Trevisan, que o digam.
Em matéria de religião, sempre estive mais para o mantra de Santo Agostinho: "Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje". Não vale para você agora, meu caro Adriano (rs). Segura a onda. Para quem escreve é outra história, embora a ressaca, meu velho, depois dos 50, equivale a uma dengue existencialista.
Eu acredito, a torcida do Furacão igualmente, foi bonita a festa, pá, agradeça. Você, sem a sombra nababesca do império, como estivesse reconstruindo, tábua a tábua, prego a prego, um barraco na Vila Cruzeiro, dará a volta, um drible em si mesmo. O inimigo somos nós mesmos. O inferno nunca é o outro. Eu acredito. Habemus atacante.
TINGA
Com a bola, Mario Filho, o nome do Maraca, o irmão igualmente genial do tio Nelson: "Há quem ache que o futebol do passado é que era bom. De quando em quando a gente esbarra com um saudosista. Todos brancos, nenhum preto. Foi uma coisa que me intrigou a princípio. Por que o saudosista era sempre branco? ".
A vergonhosa atitude da torcida peruana com o gaúcho da vila Restinga me faz reler "O Negro no Futebol Brasileiro" (1947), que já começa, no gogó, com estas palavras. Um "Casa-Grande & Senzala" do futebol. O prefácio é de Gilberto Freyre. O que ocorreu no Peru era lei nestas plagas tupiniquins. Recomendo. #FechadoComOTinga.

    #VaiTerCopa - Demétrio Magnoli

    folha de são paulo
    #VaiTerCopa
    A Copa no Brasil é uma desgraça --ou melhor, é uma síntese de diversas desgraças. Mas é legítima
    "Protesto é quando digo que não gosto disso ou daquilo. Resistência é quando faço com que as coisas das quais não gosto não mais aconteçam." O mês era maio; o ano, 1968; o lugar, Berlim Ocidental; a autora, Ulrike Meinhof, uma jornalista de extrema-esquerda que, dois anos depois, organizaria o ato terrorista inaugural do grupo Baader-Meinhof. O "protesto" contra a Copa no Brasil impulsionou as manifestações de massa de junho do ano passado. A "resistência" à realização da Copa, expressa no dístico "#NãoVaiTerCopa", ameaça degradar ainda mais nossa democracia, dissolvendo a política no caldo da arruaça e da violência.
    A Copa é uma desgraça --ou melhor, é uma síntese de diversas desgraças: desperdício de recursos escassos, desvio de dinheiro público para negócios privados, desprezo a prioridades sociais, desrespeito aos direitos de moradores submetidos a remoções compulsórias. Mas a Copa é legítima: dois governos eleitos, o de Lula e o de Dilma, decidiram sobre a candidatura brasileira, a legislação do evento e a mobilização de recursos para a sua realização. "#NãoVaiTerCopa" é a bandeira de grupúsculos políticos que não reconhecem as regras do jogo da democracia.
    A Copa da Fifa, dos "patrocinadores oficiais" e das "marcas associadas" é um "negócio do Brasil" fincado no terreno do sequestro legal de dinheiro público. A Copa da Fifa, de Lula e de Dilma é uma tentativa política de restaurar o passado, em novas roupagens: o "Brasil-Grande" dos generais Médici e Geisel, emblema da coesão social em torno do poder. O "protesto" contra a Copa evidencia o fracasso do governo na operação de ludibriar o país inteiro, embriagando-o num verde-amarelismo reminiscente da ditadura militar. Mas a "resistência" contra a Copa só revela que, no 12º ano do lulopetismo, a praça do debate público converteu-se no pátio de folguedos de vândalos e extremistas.
    Quando escreveu sobre "protesto" e "resistência", Meinhof concluíra que a Alemanha Ocidental era um "Estado fascista" disfarçado sob o véu da democracia representativa. Fanáticos sempre podem dizer isso, descartando com um gesto banal todo o aparato eleitoral, institucional e jurídico das democracias. "Estado policial" é a versão brasileira do diagnóstico de Meinhof. Ao abrigo dessa invocação, configura-se uma perigosa aliança tática entre lideranças radicalizadas de "movimentos sociais", pseudo-anarquistas, extremistas de direita e black blocs. Nas suas redes sociais, misturam-se delírios revolucionários, iracundas acusações contra a "mídia" e líricos elogios ao regime militar. Depois do "#NãoVaiTerCopa", emergirá o "#NãoVaiTerEleições", prometem esses depredadores da política, enquanto acumulam arsenais de rojões de vara.
    O "protesto" contra a Copa tocou fundo na consciência das pessoas. Contudo, foi represado pela lona impermeável da coalizão governista e, ainda, pela adesão voluntária de governadores e prefeitos dos partidos de oposição à farra da Copa. Na Copa das Confederações, os cordões policiais de isolamento de um "perímetro de segurança" em torno dos estádios atestaram que, no Brasil rendido à Fifa, o direito à manifestação pacífica tem uma vergonhosa cláusula de exceção. Os incautos interpretam o "#NãoVaiTerCopa" como prosseguimento dos protestos de junho. Mas, de fato, o estandarte autoritário funciona como antídoto contra manifestações pacíficas e pretexto ideal para a repressão ao protesto legítimo.
    "Agora, depois que se demonstrou que existem instrumentos outros além de simples manifestações; agora, quando se quebraram as algemas da decência comum, a discussão sobre violência e contraviolência pode e deve começar novamente", escreveu Meinhof. O "#NãoVaiTerCopa" é uma atualização tupiniquim daquela conclamação à "contraviolência". A resposta certa a ela é dizer: #VaiTerCopa --infelizmente.

      O que melhora o país é uma Justiça mais eficiente e rápida.

      folha de são paulo
      FERNANDO RODRIGUES
      Terrorismo
      BRASÍLIA - Numa aula em Londres em 1986 soube que a agência Reuters usava o termo "terrorismo" com parcimônia. Trata-se de uma expressão que contém juízo de valor, sobretudo o adjetivo "terrorista".
      A norma básica da Reuters era usar "terrorismo" quando uma fonte qualificada assim descrevesse um episódio. Até porque, um ato que causa terror pode não ser protagonizado por um terrorista.
      Há no momento uma discussão no Congresso a respeito de o Brasil ter uma lei específica para tipificar atos considerados terroristas. Países como os Estados Unidos têm uma norma legal assim. Tenho dúvidas sobre se esse é o melhor caminho para evitar o terrorismo em solo brasileiro.
      O que não falta por aqui são leis. Um levantamento de 2011 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) indicava haver no Brasil 155.954 normas federais criadas apenas no período a partir de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Dava uma incrível média de 19 novas regras por dia.
      A proposta em discussão no Congresso tem a seguinte definição do crime de terrorismo: "Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa". Como se observa, é muito amplo o escopo desse crime.
      Ocorre que a legislação atual já permite à Justiça aplicar penas a quem comete atos dessa natureza. Quem coloca uma bomba em uma lanchonete está praticando um crime. Quem destrói uma ponte também está infringindo a lei.
      O problema por aqui é fazer a lei ser aplicada. Por exemplo, dezenas de pessoas responsáveis por crimes em manifestações de rua em junho passado foram indiciadas, mas até agora não há notícias de condenações em série. Esse é o ponto. Copiar a paranoia dos EUA não ajudará. O que melhora o país é uma Justiça mais eficiente e rápida.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Dilema do presunto
      SÃO PAULO - É absurda a proposta do deputado estadual Feliciano Filho (PEN-SP) que proíbe faculdades de medicina de São Paulo de usar animais vivos para treinar cirurgiões.
      Não me entendam mal. Acho que faz sentido colocar pressão sobre as escolas para que elas se modernizem e adquiram os manequins e programas de computador que permitem simular situações de emergência e cirurgias. Isso não apenas reduz a necessidade de usar animais vivos como tende a aprimorar o ensino.
      Vou um pouco mais longe e confesso que até eu sou sensível aos charmes da neotenia e, de vez em quando, acho um bichinho fofinho. Isso, contudo, não é motivo para renunciar à racionalidade, que é justamente o que falta ao projeto de lei.
      O problema central é que a proposta causa prejuízos e não traz nenhum benefício. Nossas escolas ainda não estão prontas para migrar de vez para o ensino virtual. Em termos materiais, um bom centro de simulação é investimento de vários milhões de reais. Um boneco de última geração, que responde a ações do médico, pode custar R$ 500 mil.
      Mesmo que houvesse recursos de sobra, as diferenças entre o virtual e o real são marcantes, especialmente do ponto de vista emocional. Ninguém está pronto para uma cirurgia de verdade sem antes sentir na mão como o bisturi rompe uma derme e o que acontece quando uma artéria é seccionada. Para dar conta disso é preciso treinar previamente com bichos ou gente. Por paroquialismo, fico com a primeira opção.
      O aspecto mais importante, porém, é que nem os porcos hoje usados nas escolas médicas ganhariam com o veto. Quando vão parar nas mãos dos estudantes, são anestesiados e sacrificados de forma indolor. Se não fossem para a mesa de cirurgia seu destino seria os matadouros, onde algo bem pior os aguarda. Não faz sentido proibir que os suínos abasteçam cursos de medicina quando aceitamos que virem presunto.

        Tinga, Tinga [editorial folhasp]

        folha de são paulo
        Tinga, Tinga
        Muitos meninos brasileiros já sonharam em ter um pai que brilhasse como jogador de futebol profissional. Aos nove anos de idade, o filho do jogador Paulo César Tinga, do Cruzeiro, sofreu um baque injustificado, repentino e colateral ao sonho que viu se realizar.
        Assistindo pela televisão ao jogo do Cruzeiro com o Real Garcilaso, pela Copa Libertadores, o menino foi confrontado com os insultos racistas que partiam da arquibancada peruana, dirigidos a Tinga quando ele tocava na bola.
        Torcedores do Real Garcilaso --nome que homenageia um escritor mestiço do século 16, cronista dos abusos espanhóis contra os incas-- faziam sons e gestos de macaco.
        Não é a primeira vez que um jogador recebe esse tratamento inaceitável. Para ficar entre os brasileiros, Roberto Carlos, na Rússia, Daniel Alves, na Espanha, Vágner Love, no Equador, foram alvo de ofensas semelhantes.
        Quando o corredor negro Jesse Owens, na Olimpíada de 1936, em Berlim, derrubou o mito da superioridade racial nazista, vencendo seus concorrentes brancos, até os adeptos de Adolf Hitler reagiram com mais contenção do que esse tipo de torcedor futebolístico.
        Tinga reagiu com serenidade à violência. "Acredito que esse ato seja coisa de uma minoria, que não é um comportamento geral do povo deles", declarou, acrescentando que trocaria os títulos que conquistou "por um mundo com igualdade entre todas as raças".
        O episódio que viveu poderia ser um marco para que se dê um passo decisivo nessa direção.
        Além da necessária punição aos times cujas torcidas se entregam a tais atitudes, cogita-se de homenagear, amanhã, o jogador insultado. Alguns partidários do Atlético Mineiro, arquirrival da equipe de Tinga, mobilizam-se para gritar seu nome no estádio.
        Num país que, apesar de renitentes casos de racismo, orgulha-se de ter padrões mais razoáveis de convivência entre pessoas de todas as origens, valeria que o nome de Tinga ecoasse hoje e amanhã nas vozes de todas as torcidas, em todos os estádios --e não apenas no jogo entre Atlético e Cruzeiro.
        Sede da Copa do Mundo, o Brasil tem papel importante a desempenhar na luta contra o racismo nos campos de futebol --e em todos os campos. Somos todos --brasileiros, peruanos, espanhóis ou russos-- os atingidos quando alguém é insultado por sua origem ou sua cor. Tinga somos todos nós.

          'Dois Mil e Catarse' - João Wainer

          folha de são paulo
          JOÃO WAINER
          'Dois Mil e Catarse'
          O discurso em que Gabriel García Márquez afirmou que o realismo mágico não é nada ante a realidade da América Latina nunca fez tanto sentido. Enquanto Manoel Carlos sua para construir uma história de ficção para a novela, a realidade dá um banho e transforma o biênio 2013/2014 em um dos mais surreais da história recente do Brasil.
          Daria um filme. O povo vai em peso para as ruas durante a Copa das Confederações, balança as estruturas e quase provoca mudanças significativas na sociedade. Bate na trave, recolhe-se, assiste aos que continuam protestando e espera a faísca que os fará voltar à rua.
          Esse seria o prólogo do filme ambientado em 2014, ano de Copa do Mundo e de eleição presidencial, combinação tão perfeita e explosiva que nem o mais criativo dos roteiristas de Hollywood poderia ter escrito.
          O clima é tenso. Em cenas no estilo de "Um Dia de Fúria", usuários do metrô se revoltam por um problema técnico e destroem o que encontram pela frente, mostrando uma impaciência com os serviços públicos nunca antes vista na história do país. Ônibus são queimados quase diariamente numa contagem regressiva pirotécnica para o jogo de estreia da Copa, Brasil contra Croácia.
          Notícias que parecem saídas da ficção surgem quase todos os dias. O Batman aparece no Leblon, um cineasta é morto a facadas pelo filho, uma ex-vedete é enterrada de maiô e fantasiada aos 93 anos e em uma cadeia do Maranhão presos aparecem felizes segurando a cabeça de seus desafetos.
          Para piorar, a trama é ambientada no período mais quente dos últimos 40 anos sob a ameaça de apagão e racionamento de água. Os ânimos se acirram e o espectador gruda na cadeira.
          A sequência de ação no hotel da Augusta, em que o policial entorta a porradas o pino de titânio da prótese dentária de um rapaz, é digna de Tarantino, e a morte do cinegrafista Santiago Andrade, filmada por vários ângulos, faria do filme candidato ao Oscar de efeitos especiais. O prêmio de melhor ator/atriz seria o mais concorrido. Não faltam bons candidatos com atuações brilhantes.
          Nos palácios, os governantes não sabem como agir e os políticos estudam formas de tirar proveito das manifestações nas eleições para governo estadual, Senado e Presidência. O clima é de "House of Cards". Os cargos mais importantes do país estão em aberto. Se tudo pode acontecer em qualquer eleição, imagine nesta.
          O roteiro se constrói a cada dia. Qualquer movimento pode ser decisivo para o futuro do país. Todos os elementos para um "grand finale" estão presentes, os olhos do mundo estão fixados na tela para ver como um país decide seu futuro com uma bola no pé e uma pedra na mão. O filme é bom, mas o final pode ser trágico.

            Ruy Castro

            folha de são paulo
            De volta aos cachinhos
            RIO DE JANEIRO - Minha velha amiga Margarida Sarda detestava Shirley Temple. Sua mãe a penteava como Shirley Temple --fazia-lhe todo dia os 56 cachinhos dourados de Shirley Temple. Metia-a em casaquinhos, saiotes e marinheiras de Shirley Temple. Calçava-lhe as meias curtinhas ou três quartos de Shirley Temple. E a inundava de bonecas, brinquedos e adereços de Shirley Temple. Só não lhe aplicou as covinhas de Shirley Temple. Em represália, Margarida passou a infância dedicando-se a não ser Shirley Temple. Conseguiu.
            Por causa de Shirley Temple, todas as mães do mundo exigiam o impossível de suas filhas. A própria Shirley também só foi Shirley Temple enquanto não teve escolha. Dos quatro aos 12 anos, ela foi um produto de sua mãe, Gertrude --e de si própria, porque ninguém a ensinou a representar. Aos seis, já sabia fazer tudo que a venerada Ethel Barrymore levara 60 para aprender.
            Seus filmes, a uma média de quatro por ano, entre 1934 e 1939, rendiam milhões e podiam ser intoleráveis, mas ela não era. Na verdade, era quase impossível não admirá-la. E o quase vai por causa de Graham Greene, então crítico, para quem Shirley só podia agradar a gagás pedófilos. Não é verdade. Confira em "Dada em Penhor" (1934), "A Mascote do Regimento" (1935), "A Queridinha do Vovô" (dirigido por John Ford) e "Heidi" (1937) e "Sonho de Moça" (1938).
            Aos 12 anos, em 1940, foi abandonada pelo público. Gertrude tirou-a do cinema e a botou para estudar. Shirley suspirou aliviada e nunca fez muita força para voltar ao estrelato. Tocou sua vida e, no futuro, sem ser da "carrière", tornou-se embaixadora dos EUA em Gana e na então Tchecoslováquia, em épocas conturbadas desses países. Shirley Temple finalmente chegara à idade adulta.
            Mas bastou-lhe morrer, na segunda-feira, aos 85 anos, para ser devolvida aos cachinhos.

            A ditadura recontada - Raquel Cozer

            folha de são paulo
            A ditadura recontada
            Após o elogiado 'K.', Bernardo Kucinski publica contos sobre repressão, raro exemplar da atual produção ficcional sobre traumas do período
            RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
            "Você vai voltar pra mim" é uma daquelas falas propensas a enternecer o interlocutor --a não ser, é claro, que venha de alguém como um agente da repressão após infindáveis sessões de tortura.
            A narrativa em que ela aparece nomeia o novo livro do jornalista e cientista político Bernardo Kucinski, 76, "Você Vai Voltar pra Mim e Outros Contos". Foi inspirada em depoimento que o autor ouviu, no fim de 2013, ao assistir a uma sessão da Comissão da Verdade paulista.
            São 28 histórias que têm a ditadura como pano de fundo e marcam a chegada do paulistano à Cosac Naify, após elogiada e tardia estreia na ficção com o romance "K.", (Expressão Popular, 2011) --que ganha, simultaneamente, edição pela nova casa.
            Lançado sem alarde por uma editora independente, "K." teve duas edições esgotadas (somando 5.000 cópias), foi traduzido para o alemão, o espanhol e o inglês (com edições previstas em hebraico e italiano) e concorreu a dois dos maiores prêmios literários do país, o Portugal Telecom e o SP de Literatura.
            Um diferencial do romance foi sua temática: um pai em busca da filha desaparecida nos anos de repressão, recriação de um trauma familiar de Kucinski, cuja última notícia da irmã foi sua prisão pelos militares, em 22 de abril de 1974, em São Paulo.
            No ano em que se completa meio século do golpe de 1964, com as livrarias recebendo diversas obras de não ficção a respeito da ditadura, "K." e "Você Vai Voltar pra Mim e Outros Contos" são raros exemplos da produção ficcional feita hoje no país sobre traumas daquele período.
            Apesar de grandes romances sobre o tema, lançados inclusive durante a ditadura --como "Quarup", de Antonio Callado, e "Pessach: A Travessia", de Carlos Heitor Cony, ambos de 1967--, a literatura brasileira atual é bem mais comedida nesse sentido que a feita nos vizinhos Argentina, Uruguai e Chile.
            "Acredito que o Brasil tenha uma incapacidade de enfrentar a ditadura num contexto maior, o que tem a ver com uma tradição brasileira de elaborar pouco os traumas sociais", diz o professor da Unicamp Marcio Seligmann, que por quatro anos coordenou um grupo de pesquisa sobre cultura e violência.
            O professor de história da USP Marcos Napolitano lembra que, após aquele primeiro olhar dos anos 1960, a ficção nacional passou por uma fase de "balanço da derrota", em obras como "Zero" (1975), de Ignácio de Loyola Brandão, e "Em Camera Lenta" (1977), de Renato Tapajós.
            "Daí para a frente floresceram as memórias, mas na ficção o tema foi sendo deixado de lado, com poucas exceções. Na América Latina veem-se mais exemplos do trauma derivado, de quem viveu a época, mas não passou diretamente pelos fatos", diz.
            Para Kucinski, a abordagem literária permite mostrar, com mais clareza do que na não ficção, o clima da época.
            Permite também enfrentar tabus, como o do machismo predominante no período --num dos contos, "Recordações do Casarão", dois amigos lembram um caso em que uma militante foi obrigada pelo namorado a abortar para não prejudicar a causa.
            "O que me comove é que, quando você pega histórias individuais, é sempre muito chocante", diz Kucinski.
            VOCÊ VAI VOLTAR PRA MIM E OUTROS CONTOS' e K.'
            AUTOR Bernardo Kucinski
            EDITORA Cosac Naify
            QUANTO R$ 29,90 (192 págs.) cada um

            CRÍTICA HISTÓRIA
            Livro de Carlos Chagas narra traições na cúpula do regime
            Em algumas passagens, o livro parece um acerto de contas de Chagas com aquela época
            (RICARDO MENDONÇA)DE SÃO PAULO
            Na literatura sobre a ditadura militar, convencionou-se chamar o Ato Institucional nº 5, de 1968, de "o golpe dentro do golpe". Nessa concepção, o golpe original é o de 1964, quando os militares expulsaram João Goulart. E o golpe "de dentro" é o endurecimento do regime, com o fechamento do Congresso. Ambos os golpes são principalmente contra a sociedade.
            Dessa forma, o título "A Ditadura Militar e os Golpes Dentro do Golpe: 1964-1969", livro que o experiente jornalista Carlos Chagas está lançando, pode induzir ao erro.
            Só após algumas dezenas de páginas percebe-se que os golpes aos quais ele se refere não são aqueles perpetrados contra a sociedade, mas os de militares contra militares: as sabotagens internas, as manobras desleais, as traições.
            Chagas era um jovem repórter de "O Globo" no início dos anos 60, numa época em que o Brasil era bem diferente. Ele lembra como era fácil entrevistar Tancredo Neves em 1962, quando o então primeiro-ministro vivia no Flamengo: "Bastava cumprimentar o porteiro, subir ao 6º andar, apresentar-me para a empregada doméstica e aguardar na varanda que o primeiro-ministro aparecesse".
            Alguns anos depois, Chagas aceitou um convite de Costa e Silva e tornou-se secretário de Imprensa da Presidência --cargo equivalente ao que sua filha Helena Chagas ocupava até janeiro no ministério de Dilma Rousseff.
            Em algumas passagens, o livro parece um acerto de contas de Chagas com aquela época, como se tentasse justificar seu ingresso no governo no instante de maior endurecimento. Ele afirma que só aceitou o convite porque estava convencido de que Costa e Silva patrocinaria o início de um processo de descompressão. Hoje é fácil perceber que não foi assim. Mas na época lideranças da oposição também faziam essa avaliação.
            Para o jornalista, o maior de todos os golpes internos foi a solução que os militares encontraram em 1969 para não entregar o poder ao vice Pedro Aleixo, um civil, após o afastamento de Costa e Silva por motivos de saúde. No lugar de Aleixo, quem assumiu foi uma Junta Militar.
            Fiel ao ex-chefe, Chagas garante que, no instante em que foi afastado, Costa e Silva estava prestes a revogar o AI-5.
            Outra impressão equivocada sugerida pelo título é sobre o período abordado no livro. De suas quase 500 páginas, mais de 400 tratam do biênio 1964-65. Os quatro anos seguintes ficam espremidos nas páginas finais.
            Feitas essas ressalvas, "A Ditadura..." é uma obra fácil e interessante de ser lida. Ele guia sua narrativa a partir do noticiário da imprensa diária, reproduzindo e contando bastidores das reportagens feitas no calor dos eventos.
            Em várias passagens, ele coloca o ex-patrão Roberto Marinho e um de seus irmãos, Rogério Marinho, em situação desconfortável, ora descrevendo uma capa de "O Globo" após o golpe, ora resgatando reportagens de sua autoria censuradas por Rogério.
            A DITADURA MILITAR E OS GOLPES DENTRO DO GOLPE: 1964-1969
            AUTOR Carlos Chagas
            EDITORA Record
            QUANTO R$ 60 (490 págs.)
            AVALIAÇÃO regular
            A estante de 1964
            Livrarias recebem obras que reveem o período da ditadura em ano que marca o cinquentenário do golpe
            O cinquentenário do golpe de 64, no próximo dia 31 de março, estimulou editoras a colocarem no mercado novos estudos e obras revistas sobre o regime militar no Brasil (1964-1985). Livros como "A Ditadura que Mudou o Brasil" (Zahar), organizado por Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta, e "1964:História do Regime Militar Brasileiro" (Contexto), de Marcos Napolitano, reveem aquele período turbulento, seus antecedentes e seu legado para o país.
              Pesquisa aborda a atuação de editoras de oposição à ditadura
              'Livros Contra a Ditadura' vê florescimento de obras contestadoras
              RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
              Com tantos recados políticos transmitidos via festivais de música na TV, tantas entrelinhas nos textos de jornais e revistas, e tantas peças e filmes contestadores, a produção de livros não foi das áreas intelectuais mais visadas no período da ditadura.
              Se desde os anos 1960 filmes, discos e peças eram escrutinados, só em 1970 o Ministério da Justiça passou oficialmente a examinar livros, como relata Sandra Reimão em "Repressão e Resistência: Censura a Livros na Ditadura Militar" (Edusp, 2011).
              No entanto, embora o alcance limitado de público reduzisse o interesse do Estado nessa área, as editoras que se opuseram ao regime deixaram seu legado no país.
              Foi esse cenário que o historiador e editor Flamarion Maués investigou em seu mestrado na USP, apresentado em 2006, trabalho que originou o recém-lançado "Livros Contra a Ditadura: Editoras de Oposição no Brasil, 1974-1984" (Publisher).
              Maués identificou 40 editoras de oposição no período, consideradas aí tanto as mais explícitas, com obras críticas à situação do país, como outras que ajudaram a colocar nas listas de mais vendidos, até o começo dos anos 1980, autores como Marx e Lênin.
              Apenas oito das editoras levantadas por Maués poderiam ser consideradas médias ou grandes (Alfa-Omega, Brasiliense, Civilização Brasileira, Codecri, Global, Paz e Terra, Vozes e Zahar).
              Das outras 32, pequenas ou micro, mais engajadas, saíram as três que estão no centro da pesquisa de Maués: a Ciências Humanas, ligada ao Partido Comunista, a Brasil Debates, ao Partido Comunista do Brasil, e a Kairós, ao grupo trotskista Libelu.
              Estas publicavam e vendiam pouco, já que somavam às tradicionais dificuldades de distribuição das independentes o fato de atuarem de maneira semiclandestina.
              O período subsequente à pesquisa, marcado por uma inflação alta e uma redução no interesse por obras políticas, levou à extinção muitas casas do período. Outras, como a Global e a L&PM, souberam explorar nichos para crescer, como os clássicos, no caso da primeira, e os livros de bolso, no da segunda.
              Mas alguns sucessos, como "A Ilha" (Alfa-Omega, 1975), de Fernando Morais, e "O que É Isso, Companheiro?" (Codecri, 1979), de Fernando Gabeira, ambos hoje editados pela Companhia das Letras, deram o pontapé numa tendência ainda perceptível e vendável no mercado.
              "Especialmente a partir da metade da década de 1970, passados os anos mais duros do regime, começam a florescer os chamados livros-reportagem, marcando o renascimento de um trabalho de levantar o tapete e mostrar o que estava escondido, e grandes relatos pessoais de impacto político", diz o autor.

              José Simão

              folha de são paulo
              Socuerro! Não Vai Ter Carnaval!
              Dica de economia de água: A Alstom só pode MOLHAR as mãos dos secretários do Alckmin a cada 15 dias!
              Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! "Casamento de Latino terá bloqueador de celular". Sem fotos! Graças a Deus! Pelo bem do Brasil!
              Como disse uma amiga: já basta o que sofremos com as imagens do casamento do Naldo! Rarará!
              Casório com bloqueador de celular! Vai ser no presídio? O casório vai ser na Papuda? Devia ter bloqueador de som pras músicas do noivo!
              E o Sujão? A falta d'água! Dicas de economia de água do amigo Ciro Botelho: 1) O Corinthians só pode levar uma LAVADA por mês. 2) A Alstom só pode MOLHAR as mãos dos secretários do Alckmin a cada 15 dias!
              E eu acho que o Lula deixou uma herança maldita pra Dilma: a Copa! Pelo jeito, quem vai precisar de Mais Médicos é a Dilma!
              E médicos cubanos fugindo pra Miami pelo Brasil? Miami via Brasil. O Brasil virou escala! Vou sugerir um pacote pra CVC: "Cuba-Brasil-Miami! Balseros, não fujam pelo mar, fujam pelo Brasil!"
              Só que em Miami eles não vão ser médicos, vão limpar banheiro. Vão limpar banheiro de apartamento de brasileiro!
              E torno a repetir aquela placa na padaria: "Temos Pudim de Leite Condenado". Sobremesa na Papuda! Já imaginou o Genoino e a Palmirinha dando receita de pudim de leite condenado? "Pegue uma lata de crime de leite e o creme não compensa". Rarará!
              E eu só acredito na regeneração do Adriano se ele passar o Carnaval em Curitiba! Verdadeiro Rehab! Diz que o trio mais animado de Curitiba é o caminhão da Liquigás tocando "Pour Elise". Rarará!
              Em compensação, olha o e-mail que eu recebi de um amigo baiano: "O Carnaval tá quase acabando e você ainda não veio!". O Carnaval na Bahia já começou. Em 1500! Quando os portugueses gritaram "Ivete à Vista!". Rarará!
              É mole? É mole, mas sobe!
              E a clássica pergunta de todo ano: "Onde você vai passar o Carnaval?". Em Minas! Em escola de samba mineira as passistas são de fora, o mestre-sala dança no Municipal e o mestre de bateria dá aula no conservatório! Uma explosão de desânimo! Rarará!
              Aliás, NÃO VAI TER CARNAVAL! Rarará!
              Nóis sofre, mas nóis goza.
              Hoje, só amanhã!
              Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.

                Lula convidou recentemente Datena para almoçar - Mônica Bergamo

                folha de são paulo
                MÔNICA BERGAMO
                GARFO E FACA
                Com a agenda aberta para empresários e políticos, o ex-presidente Lula convidou recentemente uma estrela da televisão para almoçar em seu escritório: o apresentador Datena, da TV Bandeirantes.
                O PRIMEIRO
                Datena confirma o encontro. E diz que nada se falou sobre política, candidatura presidencial ou campanha de reeleição de Dilma Rousseff. "O Lula foi a primeira pessoa que ligou para o hospital quando eu operei o pâncreas [em 2006]. Acordei da cirurgia e minha mulher me deu o celular: 'É o presidente'. Fui visitá-lo para retribuir. Ele está muito bem de saúde, fiquei feliz. O Lula é um sujeito iluminado."
                MALHAÇÃO
                Datena diz que vai até começar a caminhar e a fazer ginástica por causa de Lula. "Ele me disse que não ligava para isso, mas que agora, faça chuva ou faça sol, se dedica à atividade física todas as manhãs." O apresentador diz que tentará fazer o mesmo.
                CONTA ABERTA
                O ator José de Abreu, da TV Globo, doou R$ 1.000 para a campanha de arrecadação de José Dirceu. O dinheiro ajudará o petista a pagar a multa por causa da condenação no mensalão.
                HISTÓRIA DE FILME
                O filme "Isso É Calypso", baseado na vida do casal de músicos Joelma e Chimbinha, recebeu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 8 milhões em patrocínio, via Lei Rouanet.
                HISTÓRIA DE FILME 2
                De acordo com o diretor do longa, Caco Souza, o projeto, iniciado em 2012 em parceria com a produtora Black Maria, agora será tocado pela ViraLata Filmes. As gravações serão feitas em Belém (PA) e no Recife (PE).
                DE VOLTA PRA CASA
                A Confederação Brasileira de Handebol quer repatriar jogadoras que atuam no exterior, visando à preparação da equipe para a Olimpíada de 2016. A entidade estuda contratar as atletas para jogarem pelo Brasil Handebol Clube, equipe que será criada só para disputar jogos preparatórios dentro e fora do país.
                DANÇANDO
                Estreia em 9 de setembro no Tuca o terceiro espetáculo do projeto Chega de Saudade, dos diretores Sergio Ignacio e Rubens Oliveira. Depois de "Carretel" e "Grão", o grupo formado por homens e mulheres, de diferentes profissões, que decidiram voltar a dançar começa a ensaiar 12 novas coreografias.
                NO DIVÃ
                Na estreia da série de episódios especiais sobre futebol do programa "Viva Voz", do GNT, Ronaldo revela à apresentadora Sarah Oliveira que fez análise, "em uma época complicada", com um psicanalista argentino. A terapia durou um ano e meio. "E funcionou. Aprendi muito sobre minha personalidade, meus atos e a tirar muita culpa e peso das minhas costas", conta o Fenômeno. A entrevista vai ar em 19 de março.
                DIRETO DE NOVA YORK
                Nos EUA há 12 anos, o apresentador Pedro Andrade chegou a Nova York "sem grana e sem acesso a nada". Mais tarde, o trabalho como repórter em um canal de TV americano o fez conhecer o lado considerado mais glamouroso da cidade.
                O resultado dos dois momentos está em "O Melhor Guia de Nova York", lançado pela editora Rocco. Integrante da bancada do "Manhattan Connection" (GloboNews), o carioca vê na possibilidade do debate uma das qualidades do programa.
                E comenta o recente bate-boca entre o colega Diogo Mainardi e a convidada Luiza Trajano, do Magazine Luiza, sobre dados de inadimplência no país. "Ela não é uma coitadinha e se expressou muito bem." Com a elegância do terno Gucci que usou no lançamento do livro em SP, completa: "Admiro os dois por exporem suas opiniões".
                NA VOZ DE TULIPA
                A cantora Tulipa Ruiz e sua banda se apresentaram anteontem no Cine Joia, no centro de São Paulo. O público do show incluía convidados como a diretora artística Joana Mazzucchelli, o rapper Sombra, a cantora Manalu e o apresentador e radialista Edgard Piccoli.
                A ALMA DO NEGÓCIO
                Jose Roberto D'Elboux foi um dos anfitriões da abertura da mostra fotográfica "NY Under", que reúne trabalhos de artistas do meio publicitário, na galeria apArt, nos Jardins. O artista Marcus Kawamura e a atendente da Cápsula Filmes, Jana Kam, conferiram a exposição.
                CURTO-CIRCUITO
                O Teatro Oficina tem ingressos a preços populares (R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia) a partir de hoje em seus dois espetáculos em cartaz. 16 anos.
                O bloco Movimento de Rua, que sai hoje no Cidade Jardim, destina parte da renda dos abadás à Liga Solidária.
                O iatista Eduardo Souza Ramos será homenageado com uma regata pelo Iate Clube de Santos.
                A banda Capela toca hoje na praça Victor Civita, às 16h. Grátis. Livre.
                A exposição de Kalina Juzwiak no espaço cultural do Hilton Morumbi fica em cartaz até maio.

                  'O Pequeno Príncipe' ganha tradução de Ferreira Gullar

                  folha de são paulo
                  'O Pequeno Príncipe' ganha tradução de Ferreira Gullar
                  Texto em português é atualizado; versão de 1954 continua a ser vendida
                  Clássico francês passa por trocas como 'você' no lugar de 'tu' e 'adultos' em vez de 'pessoas grandes'
                  ÚRSULA PASSOSDE SÃO PAULO
                  "Você é eternamente responsável por aquilo que cativou." Essa é a versão de Ferreira Gullar para o "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", de Dom Marcos Barbosa.
                  Publicado pela primeira vez em 1943 e lançado no Brasil em 1954, "O Pequeno Príncipe" seguiu desde então com a tradução de Barbosa. Agora, a história ganha nova versão em português.
                  A tarefa coube ao poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar. "Foi um convite da editora [Agir], nunca tinha pensado em traduzir este livro porque já tem uma tradução, que eu li quando era jovem", diz ele.
                  Segundo Gullar, a ideia é atualizar a história, "para que o leitor de hoje se sinta mais identificado com o modo de narrar do livro e das falas".
                  "Saint-Exupéry, quando fez o livro, foi num tom de quem está conversando, contando uma história para alguém, criança ou adulto, porque o livro tem essa ambiguidade", afirma. A nova versão refere-se aos "adultos" e não mais às "pessoas grandes".
                  Gullar recupera a edição de 1943, preparada nos EUA. A tradução de Barbosa, a partir da edição francesa de 1945, lançada após o fim da ocupação nazista, continua nas prateleiras, com a tradicional capa do Pequeno Príncipe em fundo branco. A de Gullar mantém o mesmo desenho, mas tem fundo azul.
                  A tradução do poeta está disponível também no volume "A Bela História do Pequeno Príncipe", com depoimentos de amigos do autor e um dossiê sobre a obra, montado pelos editores da Gallimard (casa francesa do livro) a partir de pesquisa na Biblioteca Nacional da França e em outras instituições.
                  No Brasil, o livro já vendeu mais de 2 milhões de cópias, segundo levantamento até novembro passado, e segue na lista de mais vendidos entre as obras infantojuvenis.
                  A obra de Saint-Exupéry, que morreu em 1944, entra em domínio público no Brasil a partir do ano que vem.
                  A BELA HISTÓRIA DO PEQUENO PRÍNCIPE
                  AUTOR Antoine de Saint-Exupéry; Alban Cerisier e Delphine Lacroix
                  TRADUÇÃO Ferreira Gullar; Maria Helena Rouanet (dossiê)
                  EDITORA Agir
                  QUANTO R$ 59,90 (224 págs.)

                  O PEQUENO PRÍNCIPE
                  AUTOR Antoine de Saint-Exupéry
                  TRADUÇÃO Ferreira Gullar
                  EDITORA Agir
                  QUANTO R$ 34,90 (96 págs.)

                  Painel das Letras - Raquel Cozer

                  folha de são paulo
                  Terminais concorridos
                  A crise da Laselva, maior livraria de aeroportos do país, abriu um filão e tanto para a concorrência.
                  Depois da Saraiva, que desde o ano passado vem ganhando licitações e abrindo lojas terminais aéreos, é a vez de a Fnac inaugurar a sua primeira do gênero por aqui. O braço brasileiro da varejista francesa terá espaço no Terminal 3 de Guarulhos, cujas operações devem ser iniciadas em maio. Como a Fnac também trabalha com eletrônicos, a loja -a 12ª do grupo no país- ficará na área de embarque, na zona livre de impostos.
                  Só talvez não consiga faturar muito no período da Copa, já que poucas companhias aéreas têm previsão de ocupar o novo terminal antes do evento.
                  SEM EXPLICAÇÃO
                  A Iluminuras tirou da Amazon seus 12 e-books -incluindo "Catatau" e "Agora É que São Elas", de Leminski- após saber que títulos vendidos pela loja eram pirateados no site Knol.pw, conforme notícia veiculada nesta coluna.
                  O Knol.pw até saiu do ar (ou mudou de nome, como fazem sites de pirataria ao ser identificados), mas Samuel Leon, editor da Iluminuras, não deve recuar. "A Amazon nos devia explicações, mas não teve esse cuidado." Os e-books seguem à venda em outras lojas.
                  José Mário Pereira, da Topbooks, não chegou a tirar e-books da Amazon, mas também questiona a loja. "Quando precisei de ajuda, a conversa ficou vaga", diz o editor, sobre a pirataria de "Assassinato de Reputações", de Romeu Tuma Jr.
                  EFEITO FLIP
                  Se a produção do israelense Etgar Keret, 46, passou incólume pelo Brasil, apesar de repercutir em mais de 30 países, a confirmação de sua vinda à Flip muda esse cenário. Antes mesmo do livro de contos que a Rocco programa para junho, com o título provisório "De Repente, uma Batida na Porta", sai pela SM Edições o infantil "Filhote de Gato-Peludo", com ilustrações de Aviel Basil. Está previsto para maio, no Salão da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
                  Da banca à livraria Reportagens das revistas "Claudia", "Nova", "Superinteressante" e "Nova Escola", do grupo Abril, serão reunidas em livros a serem vendidos pelas editoras Agir e Nova Fronteira, do grupo Ediouro. Os conteúdos serão atualizados para as edições, que começam a sair neste ano.
                  Sem Sherlock Após lançar a coleção completa de Sherlock Holmes, em nove volumes de contos e crônicas, a Zahar lança em agosto "Terra das Brumas" (1926), um dos seis livros que Arthur Conan Doyle dedicou ao personagem professor Challenger. A ficção é marcada pelo espiritismo que influenciou o autor após a morte de familiares na Primeira Guerra.
                  Horror Pit Agarmen é o autor de "A Noite Devorou o Mundo", aposta da Rocco para este semestre. Trata-se do pseudônimo do francês Martin Page, autor do hit "Como me Tornei Estúpido", que assina com um anagrama de seu nome a trama de zumbis.
                  Prolífica O mais recente título da best-seller Sylvia Day, "Spellbound", lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, sai com 20 mil exemplares pela LeYa, em março, como "Enfeitiçados pelo Desejo". Trata de dois feiticeiros que lutam pela sobrevivência. É claro, o viés erótico da produção da autora também estará lá.
                  Prolífica 2 A superprodutiva autora ficou conhecida no Brasil pelos títulos publicados pela Companhia das Letras, casa pela qual já vendeu 700 mil exemplares e que anunciou, recentemente, a aquisição dos direitos dos dois livros da série "Blacklist", prevista para 2015.
                  Adaptação Num mercado cheio de versões de romances em histórias em quadrinhos, a Novo Século faz o caminho inverso. Programa para este ano seis romances adaptados de HQs da Marvel. Entre eles, estão "X-Men: Dark Mirror", de Marjorie M. Liu, e "Iron Man: Virus", de Alex Irvine.

                  NÃO FICÇÃO
                  CIÊNCIA
                  A Dupla Hélice: Como Descobri a Estrutura do DNA
                  James D. Watson
                  EDITORA Zahar
                  TRADUÇÃO Rachel Botelho
                  QUANTO R$ 39,90 (216 págs.)
                  Em 1953, quando Watson tinha 24 anos, ele e Francis Crick decifraram a estrutura do DNA. A descoberta deu aos dois o prêmio Nobel. Ele narra os bastidores dessa corrida contra a natureza e outros pesquisadores, como o Nobel de Química e da Paz Linus Pauling (1901-1994).
                  LITERATURA
                  Livro 3 - Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição
                  Plinio Martins Filho e Marisa Midori Deaecto (editores)
                  EDITORA Ateliê Editorial
                  QUANTO R$ 48 (384 págs.)
                  A publicação do núcleo da USP reúne artigos voltados aos estudos sobre o livro e a leitura no Brasil e no mundo. Entre os autores estão Marisa Lajolo, Nuria Amat e Walnice Nogueira Galvão. O volume conta ainda com intervenções artísticas de Marcelo Cipis e Ciro Yoshiyasse.

                  Álvaro Pereira Júnior

                  folha de são apulo
                  Somos todos irmãos
                  Em um debate sobre jornalismo e crítica musical, ninguém sabe o que é ou para que serve isso
                  Debate sobre jornalismo. Na plateia, centenas de olhos sem rugas se perguntam: do que esses caras estão falando?
                  O tema é reportagem e crítica de cultura, mais especificamente música. Na mesa, alguns amigos. São jornalistas, digamos, "do papel" (embora muito ativos, e com destaque, no mundo on-line).
                  Eles ressaltam que na expressão "jornalismo cultural" existe a palavra jornalismo, e que essa palavra carrega algumas premissas, como distanciamento, espírito critico, a necessidade de ler muito para aprender a escrever, a obrigação de escutar bastante música para conseguir avaliar etc.
                  Pode parecer óbvio, mas para a tropa presente foi uma revelação, cada jornalista tiozinho um novo Fernão de Magalhães provando às massas que a Terra é redonda.
                  Definidas as posições, uma barreira de gelo ergueu-se entre público e debatedores, ou pelo menos parte destes. Imagine perguntar as horas para uma pessoa que nem sabe que existe relógio. Tente falar de aritmética com alguém que ainda não aprendeu os algarismos. É pior do que discordar, ser superior ou inferior, saber menos ou mais. É não ter uma base comum para discussão.
                  Fim do debate, a sessão foi aberta para perguntas. Um sujeito tomou a palavra, falou sem parar, não deu vez a mais ninguém. Acabaram o tempo e a possibilidade de diálogo.
                  Nos últimos segundos, já todo mundo se levantando, um jovem gaiato da plateia ainda fulminou os participantes: "Não foi o que eu esperava, mas pelo menos valeu pelo saudosismo".
                  Fui convidado, não pude ir, tomo por base depoimentos de quem estava lá. Peço desculpas por eventuais imprecisões, mas garanto que o espírito foi esse. Jornalistas "das antigas" falando para um pessoal que acha que não é nada disso, que estamos todos juntos nessa: jornalistas, músicos, "críticos", blogueiros, executivos da área cultural, campeões do Facebook, reis do Instagram. Que o negócio é se unir, uma mão lava a outra, caminhar juntos para "construir a cena".
                  Afinal, para que jornalista perder tempo ao falar de coisas de que não gosta, ser crítico em relação ao que está em evidência? Que mal há em exercer o jornalismo e, ao mesmo tempo, fazer curadorias no Sesc, falar bem dos amigos no blog e no "Face", tocar o site de um evento corporativo (ou o próprio evento corporativo), escrever catálogos, dirigir uma compilação para uma gravadora, bajular um político que o premiou com um edital, assinar material de divulgação (os chamados "press-releases") para governos, editoras, o que pintar?
                  E já que tudo isso está liberado, por que não, entre uma tuitada e outra sobre o estado das coisas, sobre o Brasil e o mundo, encaixar uma propagandinha, um "tuíte" favorável a alguma grande empresa, ainda que seja uma daquelas com lugar cativo nos "top ten" de reclamações do Procon?
                  Não tem problema. Basta acrescentar no final do jabá a notação #ad. Claro que todo mundo sabe que "ad" é abreviação de "advertisement", e que "advertisement" é palavra inglesa que significa "anúncio". E que todos os leitores vão entender que existe uma separação precisa, um muro de Berlim entre o conteúdo que realmente expressa o pensamento do autor e os elogios que ele esta sendo pago para escrever.
                  (Informo que os três parágrafos acima foram irônicos)
                  Em redes sociais, não são poucas as figuras que vejo se descreverem como "jornalista e publicitário". E não só picaretas, gente talentosa também. Isso dá uma boa ideia da desdita reinante, no debate sobre jornalismo que iniciou esta coluna, entre a audiência, afeita a essa liberalidade digital, e alguns dos convidados, ainda seguidores de um certo balizamento "analógico".
                  Em meio a tanta confusão entre jornalismo e propaganda, uma boa notícia vem do "New York Times". O site do jornal finalmente aderiu ao polêmico conteúdo patrocinado ("branded content"), ou seja, anúncios concebidos para parecer reportagens normais.
                  Claro, melhor que não tivesse entrado nessa. Mas conseguiu, pelo menos nos textos que vi, fazer com tanta transparência, deixando tão claro que aquele conteúdo foi produzido pelo anunciante, que talvez tenha matado a premissa. Ponto para o jornalismo, só não sei se os anunciantes gostaram.
                  P.S. Voltando ao assunto música, recebi uma dica de vídeo esta semana que, se me perguntarem "o que é música", respondo com o link: youtu.be/WubFQrd-meo. E isso não é um #ad. É só opinião, de graça.

                    Cientistas criticam esqueleto-robô a ser exibido na Copa - Rafael Garcia

                    folha de são paulo
                    Cientistas criticam esqueleto-robô a ser exibido na Copa
                    Interface não teria informação cerebral suficiente para fazer deficiente controlar estrutura que o permita andar
                    Ex-funcionário de laboratório do projeto diz que demonstração é 'prematura' e tem como objetivo a 'propaganda'
                    RAFAEL GARCIADE SÃO PAULOPesquisadores que estudam a transmissão de informação do cérebro para os músculos estão questionando a promessa do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que anunciou que fará um jovem com lesão de medula espinhal dar o pontapé inicial da Copa do Mundo.
                    Em uma ilustração promocional do programa "Andar de Novo", liderado por Nicolelis, uma mulher vestindo uma armadura robótica aparece levantando-se de uma cadeira de rodas, caminhando até a bola e chutando-a.
                    Um cientista que chegou a trabalhar com Nicolelis no IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal), porém, diz que essa cena, caso se concretize, é mais bem descrita como um robô controlando os movimentos de uma pessoa do que o inverso.
                    "Essa demonstração é prematura e, na melhor das hipóteses, será só uma propaganda daquilo que ele espera que aconteça um dia", diz Edward Tehovnik, americano que deixou o IINN após uma cisão interna em 2011.
                    Hoje professor na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), ele diz que Nicolelis ainda não publicou estudos suficientes para mostrar que sua técnica está pronta para reabilitar pessoas com problemas neuromotores. "Eu não digo que isso jamais acontecerá, mas a esta altura é prematuro", diz.
                    BITS POR SEGUNDO
                    Segundo artigos publicados recentemente por Tehovnik, nenhum grupo de pesquisa consegue ainda extrair uma quantidade de informação no cérebro com velocidade suficiente para controlar movimentos complexos.
                    Segundo o pesquisador, com uma taxa menor de "bits" de informação por segundo, uma interface que conecte um cérebro a uma máquina já é capaz de tarefas simples, como ligar/desligar um aparelho, mas não conseguiria controlar uma perna eletromecânica com precisão.
                    "Não dá para obter nada que se pareça com um ser humano andando na rua", diz Tehovnik. Segundo o cientista, o campo de pesquisa das interfaces cérebro-máquina foi "corrompido" pela oferta de dinheiro para os grupos de pesquisa, que hoje estariam mais preocupados em levantar verbas do que em solucionar problemas científicos que ainda se apresentam como barreiras à sua evolução.
                    Para ele, demonstrações públicas de uma tecnologia tão incipiente alimentam falsas expectativas em pessoas paralíticas. "Acho que isso deveria estar restrito ao laboratório nesse ponto", diz. Tehovnik explica pormenores técnicos de sua argumentação em um artigo de opinião na revista "Mente&Cérebro".
                    Outros cientistas que trabalham na linha de pesquisa de Tehovnik são menos contundentes na crítica a Nicolelis, mas também veem um excesso de entusiasmo.
                    Michael Graziano, da Universidade de Princeton, diz ver excesso de ênfase na engenharia dos projetos, em detrimento das questões de ciência básica. "Dizer que dentro de dez anos resolveremos esses problemas soa muito implausível para mim."
                      OUTRO LADO
                      Nicolelis diz que sofre tentativa de ataque pessoal
                      DE SÃO PAULOO cientista Miguel Nicolelis respondeu às declarações de Edward Tehovnik dizendo que se trata de "mais uma tentativa de ataque pessoal, agora por parte de um pesquisador que foi desligado do IINNELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra) por falta de produtividade científica e que jamais realizou nenhum trabalho digno de nota na área de interfaces cérebro-máquina".
                      O pesquisador brasileiro afirmou à Folha que Tehovnik cometeu "vários equívocos" nas suas críticas, "mesmo porque ele desconhece completamente qual será a estratégia de controle cerebral usada para movimentar o nosso exoesqueleto".
                      "Além disso, ele se engana ao afirmar que o voluntário escolhido para a demonstração será uma criança quadriplégica'. Esclareço que todos os aspectos e procedimentos envolvidos no nosso projeto foram aprovados pelo comitê de ética local da AACD e do Conep", afirma.
                      "Dessa forma, as insinuações maliciosas levantadas na carta assinada pelo Dr. Tehovnik são totalmente infundadas e levianas. Nós, de nossa parte, continuamos a fazer aquilo que sabemos fazer bem: trabalhar pelo avanço da ciência brasileira."
                      A AACD foi procurada para comentar o assunto, mas disse que o trabalho é de autoria do cientista Miguel Nicolelis e só ele poderia falar a respeito.