sábado, 14 de dezembro de 2013

MOnica Bergamo

folha de são paulo

Paulo Henrique Amorim é condenado a pagar R$ 50 mil a Gilmar Mendes por danos morais

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REPARAÇÃO
O blogueiro Paulo Henrique Amorim, apresentador da TV Record, foi condenado a pagar R$ 50 mil por danos morais ao ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Em 2008, ao criticar decisões do magistrado, Amorim afirmou que ele "transformou o Supremo Tribunal Federal num balcão de negócios".
SEM QUERER
Em sua defesa, Amorim sustentou que as afirmações "não representam ofensa à honra e reputação do autor, caracterizando-se como livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação". A juíza Tatiana Dias da Silva, de Brasília, considerou, no entanto, que "a matéria produzida pelo réu não relatou fato verídico, não teve o intuito apenas de informar a coletividade", mas, sim, "teve o escopo de depreciar a imagem do autor, sem qualquer amparo". O advogado de Amorim informa que vai recorrer da decisão.
DESTINO CERTO
A juíza determinou que os R$ 50 mil a serem pagos por Amorim devem ser destinados à Apae de Diamantino (MT), onde Mendes nasceu.
PETICIONAMENTO
José Renato Nalini, novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz ser "irreversível" a adoção do peticionamento eletrônico no Estado. Na próxima segunda-feira, a OAB-SP vai liderar uma manifestação nacional da classe em defesa da manutenção das petições de papel junto com o sistema digital.
PAPEL PASSADO
Advogados reclamam de falhas técnicas que dificultariam o envio dos processos à Justiça. Segundo Nalini, o aperfeiçoamento do sistema pode ser discutido. "Mas não dá para jogar dinheiro do povo fora. A implementação consumiu R$ 300 milhões ao longo de sete anos." Ele afirma que são gastos R$ 5 milhões por mês em aluguel de locais para guardar arquivos de papel.
DA TERRINHA
A fadista Carminho gravou uma participação especial no próximo disco de Alceu Valença. A música escolhida foi "Frevo nº 1 do Recife", de Antônio Maria.
*
De volta ao Brasil, a cantora portuguesa, que já gravou com Chico Buarque, Milton Nascimento e Nana Caymmi, se apresenta no Tom Jazz, entre segunda e quarta-feira da próxima semana.
FAZENDO CONTAS
Manoel Rangel, presidente da Ancine, retorna de Cuba hoje, depois de acompanhar o Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano, em Havana, que teve mais de 70 filmes brasileiros em sua programação. Na segunda, ele se reúne com o Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, que tem mais de R$ 1 bilhão em caixa, para definir os recursos a serem liberados ainda neste ano. Os editais serão lançados na terça pela ministra Marta Suplicy.
FESTA À FRANCESA
O presidente François Hollande entregou ao ex-jogador Raí Oliveira a Legião de Honra, uma das três principais condecorações do governo da França, anteontem, no hotel Hyatt. O homenageado estava com parentes e amigos, como a mãe, Guiomar, o irmão Sóstenes, a filha Noáh, a neta, Naira Bellissimo, e as ex-mulheres, Danielle Dahoui e Cristina Bellissimo. A primeira-dama francesa, Valérie Trierweiler, o embaixador do país no Brasil, Denis Pietton, e a consulesa em SP, Alexandra Loras, também participaram da festa.

Raí recebe medalha da França

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Bruno Poletti/Folhapress
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O ex-jogador Raí Oliveira recebeu a Legião de Honra, uma das três principais condecorações do governo da França, na quinta (12), no hotel Hyatt
REPARAÇÃO
O blogueiro Paulo Henrique Amorim, apresentador da TV Record, foi condenado a pagar R$ 50 mil por danos morais ao ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Em 2008, ao criticar decisões do magistrado, Amorim afirmou que ele "transformou o Supremo Tribunal Federal num balcão de negócios".
SEM QUERER
Em sua defesa, Amorim sustentou que as afirmações "não representam ofensa à honra e reputação do autor, caracterizando-se como livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação". A juíza Tatiana Dias da Silva, de Brasília, considerou, no entanto, que "a matéria produzida pelo réu não relatou fato verídico, não teve o intuito apenas de informar a coletividade", mas, sim, "teve o escopo de depreciar a imagem do autor, sem qualquer amparo". O advogado de Amorim informa que vai recorrer da decisão.
DESTINO CERTO
A juíza determinou que os R$ 50 mil a serem pagos por Amorim devem ser destinados à Apae de Diamantino (MT), onde Mendes nasceu.
MUNDO DA MODA
"In my Book" (Companhia Editora Nacional), autobiografia da empresária de moda Tamara Mellon, será lançada no Brasil em fevereiro.
CURTO-CIRCUITO
O livro "Memórias de um Caçador", de Ivan Turgueniev, será lançado hoje, às 11h, na Casa do Saber da Mario Ferraz.
O estilista João Pimenta é o novo diretor criativo da marca West Coast.
O Teatro Oficina, no Bexiga, estreia hoje "Cacilda!!!!". 16 anos.
Maria Gal autografa "A Bailarina e a Bolha de Sabão ", hoje, às 13h, no Anhembi.
Betty Gervitz faz show com o grupo Mutrib, amanhã, às 18h, no Sesc Pompeia. Grátis. Livre.
com ELIANE TRINDADE, JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
mônica bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

O Brasil deve proibir torcidas organizadas?

folha de são paulo
LUÍS FLAVIO SAPORI
O Brasil deve proibir torcidas organizadas?
Antipática, mas necessária
SIM
O episódio recente de confronto entre torcedores do Atlético-PR e do Vasco da Gama é mais um capítulo de uma novela que não tem fim.
A manifestação de violência dentro e fora dos estádios de futebol não é recente, tendo se intensificado a partir do início da década de 1990. E coincide com o surgimento e proliferação das torcidas organizadas por todo o país.
É fato que a violência no futebol brasileiro não pode ser separada da violência que assola a sociedade como um todo. E nos últimos 20 anos, tornamo-nos uma coletividade que banalizou a violência --especialmente os casos de homicídio.
O respeito à vida como valor social deteriorou-se amplamente, de modo que os freios morais para a contenção do impulso da agressividade estão muito fragilizados.
Como consequência, a utilização da força física para imposição de interesses e resolução de conflitos dissemina-se nos mais diversos ambientes sociais: na família, no bairro, na escola, no trânsito e nos eventos esportivos e culturais.
A despeito dessa dimensão social do fenômeno, deve-se considerar que as torcidas organizadas têm potencializado a violência no futebol. Elas constituem focos geradores de práticas violentas, influenciando o próprio contexto social em que se inserem. Ou seja, a violência na sociedade é estimulada também pela violência no futebol.
As torcidas organizadas de modo geral estão estruturadas pelo "ethos" da virilidade, da masculinidade e da afirmação da força física contra torcedores adversários, que podem ser inclusive integrantes de outra torcida do mesmo clube de futebol. Estes, na verdade, são tratados como inimigos --alvos, portanto, do sentimento de ódio.
Quando há tal aversão pelo outro, o impulso da agressividade é dificilmente controlado. Ao contrário, os membros das torcidas organizadas que são capazes de infringir danos físicos aos "inimigos" são respeitados e valorizados pelos companheiros. Os atos de violência desses torcedores compõem a identidade da organização da qual participam. Constituem, portanto, procedimentos institucionalizados na sociabilidade cotidiana desses grupos sociais.
É equivocado, sob tal ponto de vista, o argumento de que a violência é provocada por delinquentes supostamente infiltrados no interior das torcidas organizadas.
O momento exige a adoção de medida legal que não se restrinja ao monitoramento e repressão dos integrantes violentos das torcidas organizadas. Isso deve continuar sendo feito, porém faz-se necessário dar um passo adiante. A simples responsabilização criminal dos torcedores que perpetram atos de violência não será capaz de pôr fim às cenas de brutalidade que testemunhamos no estádio de Joinville (SC).
Está em questão o grau de responsabilidade do coletivo sobre o individual. Considerando que o coletivo torcida organizada molda em boa medida atitudes e comportamentos dos indivíduos que a ela se filiam, é imprescindível que esse coletivo seja desestruturado mediante a expressa proibição de sua existência.
Tal proibição implica a impossibilidade de o grupo se formar como pessoa jurídica, ter sede, arregimentar membros, produzir e vender camisas e outros objetos alusivos e se apresentar junto dentro dos estádios de futebol. É uma medida dura, controversa e antipática, mas necessária diante de nossa realidade.
MAURICIO MURAD
O Brasil deve proibir torcidas organizadas?
Símbolo e ritual
NÃO
As torcidas de times de futebol organizam a festa, os cânticos, as alegorias, a criatividade repentista e constroem rituais e simbologias, marcas de nossa cultura popular, de nossas identidades coletivas. Também fazem trabalhos sociais importantes e muitas vezes apoiam causas cívicas, pontos positivos e pouco divulgados.
Sim a Eros, expressão da paixão, do ócio criativo. Não a Thanatos, que revela a destruição, o ódio, a morte. Não às gangues infiltradas nas torcidas! Essas hordas de vândalos, que se aproveitam desse coletivo historicamente legítimo, popular e democrático.
Não podemos nem devemos generalizar e, por efeito, criminalizar esses coletivos que ajudam a sustentar um dos nossos maiores patrimônios culturais, o futebol.
Torcidas organizadas? Estamos falando de 2 milhões de brasileiros e brasileiras. Já os grupos de delinquentes infiltrados --as imagens da televisão não deixam dúvida-- são minorias, perigosas e violentas, mas minorias, que têm de ser contidas pela mão dura da lei e pela ação enérgica das instituições de segurança pública. Basta de impunidade.
Punição e prevenção, eis o binômio clássico de um planejamento de segurança consistente. E no longo prazo, claro, educação. Sem educação, não há solução para qualquer setor, o futebol inclusive.
Acabar com as torcidas organizadas --ideia que reaparece sempre-- é decretar incompetência: é mais fácil, mais rápido e mais midiático "eliminar" o problema do que aplicar a lei, planejar a ordem pública, reprimir e prevenir, respeitando-se a legislação, a ética e os efeitos pedagógicos das ações de política pública.
É o imediatismo e a extravagância de matar o gado para acabar com o carrapato. Depois não adianta empurrar para a clandestinidade (aí é que não se tem como fiscalizar mesmo!) enormes contingentes de pessoas, pacíficas em sua maioria, porque elas voltam com outros nomes, muitas vezes com a mesma diretoria e no mesmo endereço. Flagrante desmoralização da autoridade pública. Experiências desse tipo, aqui e lá fora, não deram certo. Por que insistir no erro? Desconhecimento?
Está na Constituição brasileira que somos uma sociedade democrática e de Direito. Isso significa que todos devem obediência às leis e para cada transgressão há sanções cabíveis. O sentido ético, pedagógico e jurídico da pena é estabelecer a diferença entre quem cometeu e quem não cometeu o delito. Então, puna-se o infrator. Quando um deputado é pego em flagrante delito, quem é punido (quando é punido) é ele --no limite, com a perda do mandato. Não é o Congresso que é fechado. O mesmo vale para um policial em relação à sua corporação ou qualquer outra pessoa ligada a alguma instituição ou entidade. Não se pode confundir a pessoa física com a pessoa jurídica. São instâncias distintas, em todos os níveis.
O que precisamos de fato é de um plano estratégico nacional de segurança pública para o futebol brasileiro, permanente e que se renove sempre, com três conjuntos de medidas interligadas.
No curto prazo, medidas de punição (prioridades: prisão e processo criminal levado até o fim). No médio prazo, medidas de prevenção (prioridades: ocupar as redes sociais desses segmentos criminosos e desmontar os cenários de guerra previamente combinados). E no longo prazo, medidas de caráter reeducativo (parcerias com as lideranças e os setores majoritários e pacíficos das organizadas e o disque-denúncia das torcidas).
Tudo isso para isolar e punir severamente os praticantes dos atos de selvageria e preservar a cultura legítima, popular e democrática das torcidas de futebol. E não é somente por causa da Copa do Mundo, mas, sobretudo, porque é um direito da cidadania e um dever do Estado, como preconiza a nossa Constituição vigente.
Futebol é bem mais do que um jogo. É uma das expressões profundas da história, da vida social e das culturas que formam o Brasil.

Xico Sá

folha de são paulo
Tapetão não é preciso
Que prevaleça o que o garoto do placar anotou ao fim dos jogos. Ele é o dono da narrativa. Ponto
Amigo torcedor, amigo secador, navegar é preciso, como fez a nau lusitana; alçar voo no tapetão, como pode ocorrer com o Fluminense, é inadmissível, injusto com os homens de boa vontade que derramam o mais bíblico e olímpico suor na camisa e sobre a terra.
Amigo legalista, amigo justiceiro, cair no campo de batalha é humano, subir no tapetão da sala da justiça da CBF é imperdoável.
Ninguém que gosta de futebol merece. Nem o Gravatinha, tricolor doente do outro mundo entende, alma penada que visitava as Laranjeiras mesmo depois de ter ido para a cidade de pés juntos.
Justamente o Gravatinha, impagável personagem do tio Nelson Rodrigues, há de alertar o mais passional pó de arroz sobre a ocorrência, há de puxar o pé dos homens do tribunal que sempre castigam com a fria letra da lei os mais fracos e, na cara de pau, aplicam o subjetivismo mais platônico da Grécia antiga aos mais fortes.
Errar pode ter sido, momentaneamente, lusitano. Que benefício Maria levou com isso? Como errar, outro dia, foi inteiramente tricolor e soberano. Os arquivos não mentem. Que prevaleça o que o garoto do placar anotou ao fim dos jogos. O garoto do placar é quem escreve a história, é o dono da narrativa. Ponto.
Qualquer outra decisão da sala da justiça da CBF será desmoralização. Essa história de letra fria da lei é cascata. Nem a nossa suprema corte usa mais. Ser justo é diferente de ser friamente legal e etc.
Se a decisão for baseada nas decisões anteriores da mesma sala de justiça, como chama a vinheta do "Redação SporTV", vale tudo: a jurisprudência, o repertório de casos julgados em outros campeonatos, autoriza qualquer medida. Tanto favorável ao Flu, quanto favorável à Lusa. A decisão, óbvio ululante, meu caro Gravatinha, será entre o mais forte e o mais fraco, o resto é jurisdiquês e fanatismo de torcida.
Esqueça os cartolas, pense nos jogadores da Lusa que enfrentaram todas as tormentas, como escreveu o bravíssimo André Kfouri em texto exemplar no "Lance!".
No que completou, de bate-pronto, o colega Hélio Schwartsman, nesta mesma Folha: "Se a Portuguesa perder os pontos, os cartolas estarão afirmando que o que acontece nos tribunais desportivos é mais importante do que o que ocorre dentro do campo, mensagem que não combina muito com a ideia de esporte".
Navegar é preciso, voar no tapetão é ridículo, como diria o frio Paralelepípedo de Almeida, este desconhecido personagem também do tio Nelson, irmão do Sobrenatural da mesma família. Só o Ceguinho Tricolor, outro genial tipo da galeria rodriguiana, reconhece o STJD como campo de jogo a essa altura.
Segunda divisão não é vergonha. Segundona é "onde os fracos não têm vez". Quem tem dignidade cai e levanta com as próprias forças.
@xicosa

    Raquel Cozer

    folha de são paulo

    Literatura juvenil ganha subdivisões e alimenta discussão sobre perfis dos leitores

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA
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    A ambicionada fórmula da juventude ainda é um mistério. Enquanto ninguém dá um jeito nisso, o público adulto vem se permitindo estender o período de leitura de romances voltados a jovens.
    Exemplo disso está há meses nas listas de mais vendidos. Os romances do americano John Green, autor de "A Culpa É das Estrelas" (Intrínseca), que diz nunca ter pensado em escrever algo que não fosse para jovens, aparecem tanto nas listas juvenis quanto nas de ficção adulta.
    A dupla aparição decorre do modo como as editoras nacionais publicam os livros de Green. A Intrínseca os considera próprios a todas as idades; já WMF Martins Fontes e Rocco catalogaram "Quem É Você, Alasca?" e "Deixe a Neve Cair", respectivamente, como infantojuvenis.
    Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress
    Mas, mais que isso, o fenômeno é sintomático de um segmento, o juvenil, que cresceu tanto nos últimos anos que mal cabe nos rótulos que o mercado tenta lhe pregar, como "young adult" e "new adult" (veja quadro acima).
    "As pessoas entram na adolescência mais cedo e demoram mais a sair. A área juvenil passou de grande a imensa", diz Vivian Wyler, diretora editorial da Rocco, casa que tem desde 2000 o selo Jovens Leitores e prepara agora um selo de "new adult".
    FAIXAS ETÁRIAS
    Para o mercado, o "infantojuvenil" engloba a faixa dos 8 aos 12 anos. Entra aí, por exemplo, "Diário de um Banana" (V&R), de Jeff Kinney.
    Em seguida vem o "young adult" (jovem adulto), para leitores de 13 a 18 anos, com obras como "As Vantagens de Ser Invisível" (Rocco), de Stephen Chbosky, sobre um adolescente descobrindo a vida.
    Essa faixa costuma atrair leitores já na faixa dos 40 anos --como mostra o sucesso do próprio "A Culpa É das Estrelas", livro sobre adolescentes num grupo de apoio a vítimas de câncer que passou todo o ano de 2013 na lista dos mais vendidos no Brasil.
    Em seguida vem o segmento mais controverso, o "new adult" (adulto novo), para leitores de 18 a 25 anos --muitos editores o veem como novo rótulo para velha fórmula.
    O diferencial aqui seria trazer personagens que estão entrando na faculdade e lidam com sexo e violência. Um exemplo é "Belo Desastre" (Verus), de Jamie McGuire, um "50 Tons" recatado.
    Jorge Oakim, editor da Intrínseca, prefere definir grande parte das obras para jovens e adultos como "crossover" (cruzamento). "Desde 'A Menina que Roubava Livros' [de Marcus Zusak, 2007] existe essa discussão. Ele saiu nos EUA como livro jovem, o que irritou o autor. É injusto classificá-lo assim, porque tem leitores de até 70 anos", diz.
    PRECURSOR
    O professor da Unesp João Luís Ceccantini, especialista em literatura infantojuvenil, afirma que, apesar de um precursor no século 18, "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister", de Goethe (1749-1832), o gênero juvenil ganhou força nos anos 1950.
    Foi nessa época que saiu "O Apanhador no Campo de Centeio" (1951), de J.D. Salinger. O Brasil esperaria outros 20 anos por essa mudança -antes, passava-se dos infantis para os clássicos adultos.
    A persistência do leitor adulto no que se define como literatura juvenil é pouco estudada no país. Editores creditam o novo público à ascensão da classe C, mas o fenômeno ocorre no mundo todo.
    A referência incontornável é "Harry Potter", lançado nos anos 1990. "Surgiu com ele um leitor que se formou na literatura transmidiática, que chega aos cinemas e aos games", diz Ceccantini.
    Essa percepção leva ao entendimento de que houve certa infantilização do público. "Com 'Harry Potter', percebeu-se esse público que tem uma leitura mais simples, algo que lá fora chamam de 'leitor relutante'", diz Wyler.
    Ceccantini diz, no entanto, que "nunca se leu como hoje". "Um grande grupo que não tinha acesso ao mundo letrado ingressou nele, enquanto o pequeno grupo que consumia a chamada 'alta literatura' ainda faz isso", diz.
    Dias atrás, o americano Chuck Wendig, autor de juvenis, resumiu assim a questão no Twitter: "Talvez adultos leiam 'young adult' porque bons livros são bons livros e eles podem ler coisas que não podiam na adolescência porque elas não existiam."
    Juvenil lidera crescimento nas vendas em 2013
    Segmento registrou expansão de 24% em exemplares comercializados
    Cinco editoras do país, no entanto, concentram 80% dos negócios que envolvem títulos para jovens, diz pesquisa
    RAQUEL COZERDA COLUNISTA DA FOLHAO segmento juvenil foi o que mais cresceu em vendas nas livrarias em 2013, segundo dados da empresa de pesquisa GfK. Em relação a 2012, passou de 7,4% para 8,4% do total de exemplares vendidos, um aumento de 24%.
    O único segmento maior que o juvenil é o de literatura estrangeira, com 21% das vendas. Mas esse número é inflado pelos juvenis, já que livros lançados lá fora como "young adult" saem aqui como ficção estrangeira, caso de "A Culpa É das Estrelas" (Intrínseca), de John Green.
    Embora as editoras invistam cada vez mais nesse mercado, não há uma fórmula de sucesso. Levantamento da empresa de pesquisa Nielsen mostra que 80% das vendas dos juvenis estão nas mãos de cinco das centenas de casas publicadoras do país.
    São elas Intrínseca ("Os Heróis do Olimpo", de Rick Riordan), V&R ("Diário de um Banana", de Jeff Kinney), Rocco ("Jogos Vorazes", de Suzane Collins), Galera Record ("Cidade dos Ossos", de Cassanda Clare) e Gutenberg ("Fazendo Meu Filme", de Paula Pimenta, raro nacional num cenário de estrangeiros).
    Se na década passada o mercado editorial viveu uma multiplicação dos selos infantis, esta é a dos selos juvenis. Ou, mais do que isso, a de uma reorganização no que se entende por selo juvenil.
    Há um ano, a Companhia das Letras extinguiu seu selo infantojuvenil Cia das Letras e estreou o Seguinte, para público um pouco mais velho. "Concentramos no Seguinte livros com temas mais adultos. Outros, para leitores de 12, 13 anos, migramos para o Companhia das Letrinhas", diz a editora Julia Schwarcz.
    A criação do Seguinte marcou uma guinada comercial do segmento na editora, antes mais focado em livros para escolas. O maior sucesso é "Seleção", de Kiera Cass.
    Na Record, onde o juvenil garante 30% do faturamento total, o selo Galera acaba de passar por uma subdivisão.
    Antes dividido em Galerinha (crianças) e Galera (adolescentes) agora tem o intermediário Galera Junior, para público de 10 a 14 anos, de séries como "Artemis Fowl", de Eoin Colfer. Com isso, o Galera passa a visar jovens com 15 anos ou mais. "Não é tão rígido, mas ajuda a orientar os pais", diz a editora Ana Lima.
    Já a Rocco, que tem o selo Jovens Leitores desde 2000, prevê para 2014 seu selo de "new adult" (18 a 25 anos).
    Curiosamente, embora sejam vendidos como juvenis, nem todos os autores de "new adult" gostam de se ver associados a esse público.
    "Leitores jovens não são o alvo dos meus livros. Menos de 1% dos meus leitores têm de 13 a 15 anos. O resto tem 16 ou mais", diz Jamie McGuire, autora da série "Belo Desastre".

      José Simão

      folha de são paulo
      Ueba! Fita crepe na Simone!
      E já imaginou tucanos na Papuda? 'Tem concierge?' 'De que safra é o vinho?' 'A quentinha é do Fasano?'
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E adorei a dieta do Roberto Jefferson: salmão, geleia real e água de coco! Papuda Gourmet! Spapuda! E o resto na quentinha com dois "zóiudos" fritos! Rarará!
      E o funeral babado do Mandela?! Sabe o que o Obama prometeu pra Michelle? "No próximo funeral, eu sento entre a Dilma e a Angela Merkel". Rarará!
      E o intérprete dos discursos para surdos é impostor! Só fazia sinais sem sentido! E o Kibeloco: era a dança dos dedinhos da Eliana! Rarará.
      E diz que a Globo vai contratar o intérprete esquizofrênico pra traduzir o Bial no "BBB"! E adorei a charge do Xalberto! Obama: "Mandela is a great man". E o tradutor dos sinais: "O que esse tal de Collor tá fazendo aqui?". Rarará!
      E o helipóptero dos Perrella? Tão dizendo que: a fazenda é do pai, o helicóptero é do filho e a cocaína é do Espírito Santo! Então: amém! Rarará!
      E atenção! Faltando dez dias pro Natal, ainda não ouvi a Simone, entrei em shoppings, supermercados, padarias e presídios, e não ouvi a Simone, resta alguma esperança? Será que eu escapei dessa vez? E um amigo: "PQP, fudex! Meu vizinho ouvindo a Simone. Vou passar o Natal na Síria". DOIS! Rarará.
      Na internet, taparam a boca da Simone com uma fita crepe. Prateada! E um tuiteiro: "Gostaria que na cela dos mensaleiros tocasse dia e noite num alto-falante a Simone cantando Então É Natal'". Isso fere a Convenção de Genebra! E não tem pena de morte no Brasil!
      E sabe o que eu vou dar de presente de Natal pro Dirceu? Um par de havaianas listrado de preto e branco. Verão na Papuda! Rarará!
      E essa: "Procurador que engavetou pedido da Suíça reassume inquérito do caso Alstom". Gaveta de novo! Tapetão do Trensalão! Tem o tapetão e o gavetão! Petista é na Papuda e tucano é na gaveta! E já imaginou tucanos na Papuda? "Tem concierge?" "De que safra é o vinho?" "A quentinha é do Fasano?" "Tem cela para éticos?". Rarará!
      O Brasil é Lúdico! Corre na internet um vírus: "Seu cartão foi cronado". O hacker não fez Enem! "Cronado em Frorianóporis na estreia do filme CRÔ?". Rarará!
      E olha o que apareceu na tela do "Cidade Alerta": "Presos queimam colhões em motim". Rarará! Corta pra mim! Põe na tela! Põe na tela! Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza.
      Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Antologia de Ana Cristina Cesar traz voz poética única

        folha de são paulo
        CRÍTICA POESIA
        RODRIGO GARCIA LOPESESPECIAL PARA A FOLHASe a biografia de um poeta são seus versos, como sugeriu o escritor russo Joseph Brodsky, o leitor brasileiro tem agora acesso a da carioca Ana Cristina Cesar, cuja carreira foi interrompida com seu suicídio em 1983, aos 31 anos.
        "Poética" tem o mérito de reunir livros esgotados, como o fundamental "A Teus Pés" (1982), que chacoalhou a poesia brasileira daquela década.
        Voz única entre os poetas de sua geração, Ana C. escreveu uma poesia que se destaca pela inteligência, fragmentação e autoironia, tendo ousado gêneros literários "marginais" como o diário íntimo e a carta, forjando uma poesia imitadíssima pelas poetas que vieram depois.
        Voz poética que é construída, paradoxalmente, por meio de uma apropriação frenética de outras vozes.
        Se tivesse vivido mais, sua escrita desembocaria no romance, já ensaiado nas prosas poéticas de "Luvas de Pelica" e esboçado nos fragmentos de "O Livro", publicado aqui pela primeira vez.
        Seria o caminho natural para uma autora cuja poesia é assumidamente discursiva, invadida pela prosa, que se faz através de um diálogo com outros autores, num tom de falsa intimidade que oscila entre o coloquial e erudito, entre a ficção e confissão.
        Ana C. criou um espaço próprio e uma terceira via na poesia brasileira da época, polarizada entre a poesia concreta e a poesia marginal.
        Se para os fãs o livro é uma festa, por outro lado, como é frequente em antologias póstumas, o lançamento nos faz pensar se muitos poemas reunidos no livro passariam pelo crivo rigoroso da autora.
        POÉTICA
        AUTOR Ana Cristina Cesar
        EDITORA Companhia das Letras
        QUANTO R$ 48 (504 págs.)
        AVALIAÇÃO bom

          Feijoada radical - Ruy Castro

          folha de são paulo
          No Rio, em 1960, Jean-Paul Sartre foi levado a uma feijoada no apartamento do jornalista José Guilherme Mendes. A folhas tantas, resolveu ir à cozinha e inspecionar o famoso prato brasileiro, que não conhecia. Pediu licença e destampou a panela. Contemplou aquela sarabanda de carnes indefinidas borbulhando no feijão preto e exclamou: "Mais... C'est la merde!".
          É por essas e outras que o prestígio de Sartre não para de cair, e o de seu rival e desafeto Albert Camus, de subir. Camus era "pied-noir", habituado às agrestias da Argélia --deve ter comido coisa até pior na Casbah, a megafavela de Argel. Já Sartre era esnobe, só comia carne branca e jovem, e não se passava nem pela Simone de Beauvoir. Bem, pior para Sartre. Com ou sem a sua opinião, a feijoada está prestes a se tornar patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
          O espantoso é que ainda não fosse. Com tudo que já fez por nós nos últimos 200 anos, por que nos esquecemos de elegê-la fundamental na nossa cultura? Será porque, ao contrário da capoeira, do jongo e da Folia de Reis --todos entronizados--, ela não corra risco de extinção e inunde o país a cada sábado e quarta-feira? Pois, até por isso, a feijoada deveria ser louvada --ela não precisa de subsídio.
          Quanto a mim, toda semana, em casa ou na rua, debruço-me sobre o grande prato nacional. Principalmente --que minha médica não me leia-- se, em vez dos rotineiros paio, linguiça e carne-seca, ele vier enriquecido com costela, pé, orelha, focinho ou bochecha.
          Sou íntimo de algumas das maiores feijoadas cariocas: a de Leila, na quadra do Salgueiro; a de Tia Surica, na Portela; e a de Jorge Ferraz, no Renascença. Mas, neste verão, pretendo radicalizar: a qualquer hora dessas, vou encarar uma feijoada vegetariana.
          ruy castro
          Ruy Castro, escritor e jornalista, já trabalhou nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas, quartas, sextas e sábados na Página A2 da versão impressa.

          Painel da letras - Raquel Cozer

          folha de são paulo

          Sertão russo

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          Um trabalho de 30 anos de Jerusa Pires Ferreira, professora da pós-graduação em Comunicação e Semiótica PUC-SP, com a colaboração do marido, o tradutor Boris Schnaiderman, ganhará forma em março pela Ateliê Editorial. "Conto Russo no Sertão" trata do percurso do conto popular universal desde sua coleta pelo russo Aleksandr Púchkin (1799-1837) até sua chegada ao Nordeste brasileiro, na forma de literatura de cordel. De Boris, estão presentes traduções, feitas há duas décadas, de "O Conto do Czar Saltan", de Púchkin, e "O Trovador Kherib", de Mikhail Lérmontov (1814-1841).
          Aos 96, Schnaiderman, tradutor pioneiro do russo no Brasil, não trabalha mais sozinho. Apenas refaz antigas traduções, diz Jerusa. O casal vem relendo textos do semioticista Yuri Lotman. "Boris lê em russo, eu anoto, discutimos as formas e vamos aprimorando."
          As donas do National
          Já têm donas no Brasil os vencedores das duas principais categorias do prestigioso National Book Award, anunciados no fim de novembro.
          Após disputa entre editoras, o romance "The Good Lord Bird", do músico e escritor James McBride, vencedor em ficção, ficou com a Bertrand Brasil. Do autor, a casa publicou, em 1998, as memórias "A Cor da Água". O novo livro, sobre um pioneiro abolicionista, sai aqui no primeiro semestre de 2014. Desbancou, no prêmio, "Bleeding Edge", de Thomas Pynchon.
          Já o vencedor em não ficção, "The Unwinding", de George Packer, sobre o declínio econômico americano, está previsto para junho pela Companhia das Letras.
          HQ
          Divulgação
          'Trinity', do americano Jonathan Fetter-Vorm, conta a história da corrida pela criação e da decisão de lançar a primeira bomba atômica, em 1945; o livro, a primeira graphic novel da Três Estrelas, sai em janeiro.
          Quadrinhos digitais
          O site Mais Gibis deve estrear nos próximos meses com a proposta de vender e-books de quadrinhos sem o mecanismo de segurança DRM (sigla em inglês para gerenciamento de direitos digitais, que impede cópias).
          Quadrinhos digitais 2
          Em fase de testes, o projeto de Fabiano Denardin --editor da linha de HQs adultas Vertigo, na Panini, e criador do site Outros Quadrinhos, com Érico Assis-- já conta com a adesão de duas casas, a Mythos e a Balão Editorial.
          Raízes
          Um thriller que junta a tradição "noir" francesa com uma história tipicamente brasileira --o assassinato de um líder sindical no Nordeste-- resultou da experiência de oito anos do tradutor francês Hubert Tezenas como morador de Pernambuco. Publicado em maio na França, "L'Or de Quipapá" (o ouro de Quipapá) foi comprado pelo selo Vertigo, da Autêntica, e sai aqui no segundo semestre do ano que vem.
          Raízes 2
          Tezenas é tradutor de Alberto Mussa e Edney Silvestre na França.
          Clássico
          A coleção Clássicos Zahar, que já publicou em edições de luxo obras como "Alice", de Lewis Carroll, e "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas, terá seu primeiro título em língua portuguesa. O escolhido foi "Os Maias", de Eça de Queiroz.
          Clássico 2
          A edição terá apresentação de Mônica Figueiredo, notas, cronologia e anexo sobre as ilustrações, inéditas em livro. Elas foram criadas pelo arquiteto Wladimir Alves de Souza, integrante do grupo de fãs do autor que, nos anos 1950, criou o chamado Clube do Eça.
          É meu
          O anúncio de que a Companhia das Letras publicará quatro títulos de Millôr Fernandes (1923-2012), homenageado da Flip 2014, não interfere nos planos da Nova Fronteira de demarcar terreno na obra do autor.
          É meu 2
          A casa informa que "ainda reúne a maior parte das obras autorais" de Millôr e prepara dois inéditos. E ainda promete um "belo plano editorial de lançamento e renovação da obra", tudo sob curadoria de Ivan Fernandes, filho do autor.
          painel das letras
          Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de literatura, mercado editorial e políticas de livro e leitura. É colunista e repórter da "Ilustrada", na Folha, desde 2012, com passagem anterior pelo caderno de 2006 a 2009. Foi repórter do "Sabático", no "Estado de S. Paulo", e do jornal "Agora", do Grupo Folha. Também trabalhou nas editoras Abril, Globo e Record. Escreve a coluna Painel das Letras, aos sábados.

          Drauzio Varella

          folha de são paulo
          Suelen Michele
          Faustino jazia rodeado por homens em silêncio, como costumam se comportar na presença da morte
          Suelen Michele tinha uma borboleta tatuada no pescoço e um morango em cada nádega. Na adolescência, começou a tomar hormônio e virou travesti.
          Apaixonou-se por Messias, o líder do pavilhão, ao vê-lo, sozinho e desarmado, apartar uma briga de faca com mais de 20 participantes.
          Quando ia à enfermaria, nunca estava sozinha. Messias a acompanhava, mas não entrava, deixava-a aos cuidados de Faustino, estelionatário que fazia as vezes de enfermeiro.
          O respeito de Faustino pelo outro vinha desde que aparecera na cadeia seu Xavier, um vizinho da Baixada do Glicério, ladrão de cabelos brancos, do tempo dos batedores de carteira.
          Ao chegar ao pavilhão, seu Xavier contou para um amigo que, além dos cheques falsificados, Faustino estava condenado pelo estupro de uma enteada de 12 anos.
          Assim que a notícia correu, um grupo do Capão Redondo pediu autorização para executar o enfermeiro. Messias se opôs, alegou haver outros estupradores que viviam em paz no pavilhão, e que Faustino aplicava injeção e arranjava remédio para os doentes a qualquer hora da noite.
          A consulta médica era a única oportunidade para Suelen sair do xadrez. Passava os dias a portas fechadas, à espera de que o amante se dignasse a visitá-la. Queixava-se da prisão dupla, mas Messias insistia que lugar de mulher de cadeia casada era dentro do xadrez, para evitar derramamento de sangue.
          Não viviam na mesma cela. Homens de respeito podem visitar travestis em seus xadrezes; morar com elas, entretanto, é colocar a masculinidade sob suspeita.
          Suelen era a primeira-dama do pavilhão. Não havia malandro que não abaixasse o olhar diante dela.
          Um dia, uma travesti conhecida como Giovana chegou na cadeia, precedida pela fama de modelo na Itália, cobiçada em todos os presídios pelos quais passou.
          Mal entrou na cela, Giovana caiu num choro convulsivo diante das companheiras. Jurava que um ex-namorado iria matá-la naquela noite. Não tinha como escapar. Diante do desespero, chamaram Messias para acalmá-la. Ele a encontrou na cama com o rosto escondido entre as mãos. As outras se retiraram e encostaram a porta.
          Ela, então, contou ter passado dois anos amasiada com um traficante na cadeia de Sorocaba, que acabou transferido para São Paulo. Depois de três meses, ela casou com outro. Agora viera parar na cadeia do ex-marido enciumado. Tinha certeza de que ele viria matá-la.
          Messias garantiu que o malandro rejeitado jamais ousaria invadir o pavilhão sob seu comando. Giovana enxugou os olhos com um lencinho bordado e lhe revelou uma intimidade: na Itália, havia feito a operação de mudança de sexo. Na prisão, a cirurgia era o inferno da vida dela, os homens enlouqueciam.
          Messias pediu para ver. Ela corou, envergonhada. Ele insistiu: se ia protegê-la, custava mostrar?
          Dias mais tarde, uma travesti da cela vizinha contou para Suelen que Messias tinha um caso com a ex-modelo. Não saía do xadrez dela.
          Suelen correu enlouquecida atrás da outra. Encontrou-a debruçada na pia tingindo o cabelo. As duas rolaram pelo chão com o frasco de tintura. A galeria ficou lotada de curiosos. Messias não estava entre eles. Avisado do tumulto, mandou dizer que não se metia em briga de mulher.
          Uma noite, depois da tranca, Suelen pediu para o carcereiro de plantão levá-la à cela de Faustino. Precisava com urgência de uma injeção para dor. Parece que demorou mais do que devia, no xadrez do enfermeiro. Dizem que não era a primeira vez que o fazia.
          Pela manhã, Faustino recebeu recado para atender um asmático no terceiro andar. Quando entrou no xadrez com o frasco de inalação, não encontrou o doente acamado. Tentou sair depressa, mas percebeu que era tarde: oito ladrões lhe fechavam a passagem.
          Faustino jazia na galeria rodeado por homens em silêncio, como costumam se comportar na presença da morte. Tinha o rosto congestionado e os olhos arregalados. No pescoço, a marca do laço fatídico.
          Então, os cabelos brancos de seu Xavier abriram caminho entre os que contemplavam o falecido. Ajoelhou-se ao lado do corpo, cerrou-lhe os olhos, cruzou-lhe as mãos sobre o peito, fez o sinal da cruz e saiu de cabeça baixa pela galeria.

            Veveta e a imprensa fã clube - Malu Fontes

            Veveta e a imprensa fã clube 

            Malu Fontes*

            Entre as milhares de frases deixadas como legado pelo brilhante Millôr Fernandes, uma delas é especialmente cara aos jornalistas que respeitam informação: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados". Diante do show de comemoração dos 20 anos de carreira de Ivete Sangalo, esta semana, impressiona perceber, sobretudo nos posts aqui, o quanto os jornalistas da terra precisam puxar explicitamente o saco da cantora e de sua assessoria. Ok, se é para falar da estrutura, onde mora a dificuldade de falar disso sem parecer que, na Bahia, o jornalismo que cobre qualquer coisa parecida com um novo disco ou um show de um artista local tem que se confundir com uma grande ovação típica de um grande fã clube? Por que não se consegue ler um post que seja de um jornalista falando dos bastidores e da estrutura da festa, dos seus números, sem parecer que quem escreveu está de joelhos porque recebeu um ingresso de cortesia ou precisa aproveitar a oportunidade para divinizar o show de uma para espinafrar o livro da outra? A coisa tá ficando tão feia e exagerada que, mesmo se tratando de uma mulher linda como Ivete, a deformação da imprensa local chega ao ponto de publicar na capa de cadernos de cultura imagens tão fotoshopadas da cantora que fazem o leitor sensato (ou esse tipo de gente inexiste entre quem lê jornal em Salvador?) arregalar o olho. Para que fotoshopar Ivete? Na foto, nem joelho Ivete tem. Sim, até as divas (ainda) têm joelho... Se ainda fosse numa página de publicidade... Mas é justamente aí que mora a coisa: quando se trata da música local, na imprensa local, processos tão distintos como informação, divulgação e publicidade há muito se tornaram uma coisa só. 
            Tantos elogios de forma tão "fã clube way of writting" serão motivados pelo medo dos jornalistas de que o entourage do marketing da cantora puna quem não elogie tudo, não enviando no próximo evento outra credencial? Calma, minha gente, o esquema de assessoria da cantora é profissional e não usaria esse tipo de artifício, tão primário. Como diria Lula, na hora de babar ovo, para usar uma expressão local, menas, minha gente, menas... 
            E para arrematar, uma frase entreouvida dia desses num grupo formado por gente dessa categoria social que se auto-intitulou em Salvador como GENTE BONITA. Alguém do grupo se queixava ao saber que a "pista" do show, no gramado da Fonte Nova, seria acessível aos fãs comuns, aqueles mortais que não ganham credencial, ingresso para o camarote top com direito a um head phone branco com a marca IS20 e nem podem pagar uns mil caraminguás por um lugar privilegiado atrepado do estádio, reservado à "gente bonita". O naipe da queixa merece uma tese acadêmica: "É claro que isso não pode ser verdade. Imagine se uma artista nacional como Ivete iria fazer um show de gravação de DVD dando acesso à pista a quem não comprou camarote! Imagina se ela iria permitir que as câmeras filmassem, na frente do palco, um monte de gente feia, desarrumada e sem dente que não tem dinheiro pra comparar camarote..." Apois! 

            P. S.: Há uma falha neste post. Parte da imprensa baiana acha quase uma heresia chamar a cantora de Ivete. Íntimos como são, só os estranhos não sabem que o nome dela é Veveta. E ela não dá mais entrevistas: chama a imprensa para um bate-papo.

            *Malu Fontes é jornalista e professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia

            Obs: Texto originalmente publicado no Facebook da autora no dia 13 de dezembro de 2013 (Salvador, BA)

            “Fim”, o livro de Fernanda Torres – (Ou, um post inviável para quem não gosta de ler)

            “Fim”, o livro de Fernanda Torres – (Ou, um post inviável para quem não gosta de ler) 

            Malu Fontes*

            Prescrição: não curtir 1 minuto após a postagem, pois ninguém consegue ler três páginas de word neste tempo. E é isso que torna tanta curtição pouco verossímil. Um avatar posta um texto looongo e, em segundos, há 100 curtidas. Como, se não houve tempo hábil para ninguém ler aquilo?


            Sim, talvez eu sequer tocasse em "Fim" para folheá-lo numa prateleira de livraria, mesmo que sua capa criativa seja uma atração à parte, não fosse o nome da autora: Fernanda Torres. Não, a atração também não se deveu apenas à curiosidade por se tratar da atriz global, sempre em evidência, a Fernandinha cria da Fernandona, imagem íntima de quem cresceu vendo TV. A atração pelo livro, sim, se deu pelo fato de a autora ser Fernanda, a Torres, mas por motivos outros. Por gostar do estilo do texto na coluna que ela escreve na Folha de S. Paulo, talvez. Ou, quem sabe, tenha lançado o primeiro olhar sobre o livro por outros percursos do imaginário... O fato de, durante tanto tempo, por exemplo, ter me identificado hilariamente com as histerias e comicidades de sua Vani dentro de suas calcinhas box. Quem nunca gargalhou com uma cena de Os Normais, bom sujeito não é.

            Assim, desarmada de intenções óbvias - ler um livro de ficção da atriz da Globo para depois dizer frases feitas do tipo "ah, duvido que, se fosse uma desconhecida, a editora publicasse isso", ou "como não teme se expor, arriscando-se no mundo incerto da escrita ficcional, já tendo os pés tão bem fincados na dramaturgia?" - comprei "Fim" e li suas exatas 200 páginas de uma sentada, num domingo. E tenho dito: o livro contém um grau alarmante de surpresa para o leitor. É deslumbrante.

            Como, para quem gosta de literatura, é impossível ler um romance sem buscar ou encontrar nele referências outras, literárias ou não, sem esforço esbarra-se talvez na mais facilmente encontrável em “Fim”: a comédia de costumes. Mas, no livro, talvez seja mais correto ou adequado renomeá-la como tragédia de costumes. Nessa primeira percepção, o leitor escorrega numa casca de banana que o leva a revisitar um quê dos tipos cariocas de Nélson Rodrigues, mas em um Rio de Janeiro de outras décadas, quando os modos de vida amorosa e sexual já não eram ditados pela bolinação, ora frígida ora culpada, das engraçadinhas da vida e, tampouco, pela sonsidão brejeira e perversa das cunhadas virgens ou dos maridos cafajestes encharcados de álcool. O tempo de Fernanda Torres é outro: sexo, drogas e nem tanto rock'n roll assim: a loucura que veio com os anos 60, teve seu apogeu nos anos 70 e morreu de overdose ou Aids nos anos 80. O tempo dos tipos de Fernanda já estavam na fase da ressaca saudosista, melancólica e solitária nos anos 80 e são o que hoje os cariocas identificam fácil como os velhinhos e as velhinhas de Copacabana. Ah, o buraco da fechadura desvelado por "Fim" revela o que os respeitáveis senhores e as curiosas senhoras que hoje claudicam nas calçadas da Cidade Maravilhosa foram capazes de fazer nos verões passados.

            Não, não se compara a aqui Fernanda com Nélson, nem os tipos de uma com os tipos do outro, afinal não é porque as redes sociais existem - e servem para que qualquer um publique um texto como este - que a gente pode se autorizar sem pudor a sair por aqui dizendo asneiras. Mas quem leu Nélson percebeu que Fernanda também o leu e que seus personagens também são, como os dele, besuntados em metade comédia e metade tragédia.

            Mas "Fim" tem prenhez em série de referências, todas elogiáveis e dessas que fazem bem para o alargamento da consciência que vamos adquirindo na vida e que pode até nos deixar mais sorumbáticos, mas mal não faz, nunca. Fernanda, em seu livro de estreia, tripudia das fronteiras estabelecidas no mundo pela ideologia da correção política e fala com autoridade e absolutamente nenhuma sisudez de temas que são caros a todos nós, mulheres e homens, jovens e velhos, solteiros e casados. Sim, é boa além da conta e do esperado quando ironiza, e mesmo assim emociona, narrando as dores e delícias da condição feminina, do peso insustentável que o homem de qualquer tempo sempre se impôs carregar para, falsamente, convencer a si mesmo que é o tal, descrevendo o horror, o humor, a euforia, a alegria trágica e o luto certeiro que sempre rondam uma das mais perversas e indescritíveis formas de pacto social que a humanidade inventou: o casamento. 

            Também, para quem viu os filmes do canadense Denys Arcand, "O declínio do império americano" e "Invasões bárbaras", é impossível dissociar a rota de vida dos personagens dos dois filmes da rota traçada pelos dos de "Fim". O nó dramático da narrativa é o mesmo: a velha pergunta para a qual só os ingênuos acham que já têm ou encontrarão a resposta. O que fizemos ou faremos de nossas vidas e em que ponto exato delas escolhemos a esquina errada que nos levou ou levará ao fim? Sim, pois só os auto-santificados ou auto-enganados vivem certos de que fizeram ou estão fazendo a escolha certa. A única certeza possível é: duvidar é preciso. Nos filmes de Arcand, a pergunta aparece, no primeiro, entre um grupo de jovens amigos intelectualizados reunidos em clima de euforia. No segundo, no reencontro dos mesmos amigos, anos depois, agora em torno de um deles moribundo, irreversivelmente à beira da morte. 

            "Fim" reúne cinco homens à beira da morte - todos, exceto um, septuagenários ou octogenários, levados da vida pelos males inerentes da velhice; um único por um câncer desses que não permitem sequer tempo para refletir sobre o diagnostico. Nisso, no fato de ser uma narrativa em retrospectiva, um flash back sobre a contabilidade da vida, surge algo de Machado em Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas um “algo” de responsa, com tanta picardia quanto. Se mulheres não podem narrar suas vidas eclipsando os homens que por ela passaram, com os velhinhos morrentes da zona sul do Rio as coisas não são diferentes. A história do livro se dá no cruzamento da vida deles com as mulheres que lhes marcaram ou foram marcadas, em meio à loucura que era a vida da classe média que colocou em prática a revolução sexual pós pílula e o culto às drogas como quase uma religião que dava à vida o sentido que a sobriedade e a abstinência em relação a elas parecia negar. 

            Há poucos dias, embora falando de outra coisa, o sempre bom e velho Ney Matogrosso reduziu e definiu em entrevista no Programa do Jô o que acontecia nas surubas do Rio de Janeiro, orgias que a geração dele pegou do ápice à rebarba (o medo da ou a morte pela Aids) e das quais 15 era o número médio de participantes. "Nada, Jô. Não acontecia nada", respondeu Ney gargalhando, descrevendo que, enquanto se tentava beijar a boca de um, a perna de outro atrapalhava, a bunda de um terceiro já escapulia por sobre a cabeça de um quarto e assim o bolo de gente inviabilizava tudo. Caetano, embora falando de outra coisa, na canção "Odeio você", também descreve como oca, ao final, a busca desmesurada de prazer sexual com deus e o diabo: "veio a maior cornucópia de mulheres/todas mucosas pra mim/o mar se abriu pelo meio dos prazeres/dunas de ouro e marfim/foi assim, é assim, mas assim é demais também".

            Sim, como me dizem sempre pessoas que parecem gostar de mim (ou assim o dizem), talvez a minha descrição de "Fim" seja melhor que o livro em si. Tenho esse aleijão da hipérbole diante das coisas que me encantam e elas as vezes me traem. Mas, como escreveu Pirandello, “assim é, se lhe parece”. “Fim”, então, me parece um excelente presente para quem gosta de leitura. Se assim o for, para quem me lê agora e já leu o livro, ou o fizer movido pela curiosidade despertada por minha opinião, não há de ser nada. Peço desculpas. Sigamos adiante. Na próxima, quem sabe, eu me aproximo de algo mais consensual, quem sabe... Mas, como essa não é uma resenha comercial, ou seja, não fui paga pela editora ou por quem quer que seja para escrevê-la, e esse é um período do ano em que as pessoas adoram escrever coisas com o sentido de compartilhamento, etc. e tal, resolvi escrever sobre "Fim", antes que passasse o impulso, ainda sob o impacto das primeiras impressões pós leitura, enquanto os capítulos e personagens ainda estão frescos e o livro não foi parar na lista dos mais vendidos das vejas da vida. Escrevo, acho, por três razões: de fato achei-o incrível e o recomendo sem restrições; as redes sociais são esse quadro em branco onde se pode escrever quase tudo (quem não tem bom senso esquece sempre o quase); e, por fim, escrevo porque é dezembro.

            Em dezembro, o povo desperta uma vontade adormecida de escrever e sai por aí desejando felicidade a todo mundo. Não só felicidade, mas, sobretudo prosperidade, essa palavra morta, mas ressuscitada nessa época do ano. As redes sociais assassinaram os cartões de Natal e Feliz Ano, mas não a febre de manifestações de desejos supérfluos dessa natureza. Preparem-se para ver e ler aqui, “no feice”, as coisas mais insanas e fora de propósito, desejadas a você e por pessoas que, no fundo, não fariam a menor diferença se desaparecem de vez de nossas vidas, os típicos amigos que podemos chamar de bola de sabão: vivem explodindo e sumindo no ar. Quando aparecem, ou reaparecem, uma vez por ano e olhe lá, dando algum sinal de vida, dizem que nos adoram, nos admiram, amam, blá blá blá, que somos foda. Mas, se um dia você tiver um infarto, um avc, fraturar uma vértebra cervical, amputar um pé ou tiver um diagnóstico de tumor maligno no centro do cérebro, não espere uma visita dos bolas de sabão. Sequer um telefonema. Conte com um whatspp insosso e pouco original, no máximo. Mas aí, vindo deles, não vale, porque o mérito é todo da tecnologia, of course. Sim, sou daquelas que riem de quase tudo e com quase todos, mas acho graça, aqui com meus botões, de, com e em muito poucos. Admiro profundamente os inteligentes e os afetuosos, a ponto de praticamente situá-los na mesma categoria. Não falo dos pegajosos. Esses não fazem parte da categoria humana e só fazem sentido para quem crê em karma. Sou dessas capazes de dar, literalmente, uma córnea ou um rim para quem um dia atravessou a cidade para encontrar um hidratante sem álcool na botica mais antiga e charmosa de Salvador porque sabia que eu precisava mesmo de um e não era por estética. Reconheço de longe um gesto amoroso e, principalmente, gentil e delicado. Mas, na mesma proporção, vou ao subsolo do inferno, sem escada e no escuro, só para dar um sorrisinho de canto de boca ao me certificar que um desafeto está lá e vai demorar a sair. Se sair. 

            Ou seja, enquanto a Bamor, Os Imbatíveis, os militantes do PSOL e as amigas velhinhas de Monsenhor Sadoc serão inundados simultaneamente pelo espírito natalino e novidadeiro pró 2014 e sairão por aqui nos próximos dias postando desenhos de árvores, frases australianas traduzidas de cartões retirados do mercado e desejando a todos nós uma infinitude de coisas que não vão nos acontecer, eu, do centro da minha fé curtinha nas coisas e no semelhante, quero apenas desejar que as pessoas leiam um livro. É um desejo razoável. Eu acho.

            *Malu Fontes é jornalista e professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia

            Obs: Texto originalmente publicado no Facebook da autora no dia 05 de dezembro de 2013 (Salvador, BA)