domingo, 16 de fevereiro de 2014

O que Joaquim Nabuco aprendeu como correspondente internacional

O jornalista acidental
O que Joaquim Nabuco aprendeu como correspondente internacional
folha de são pauloANGELA ALONSORESUMO Nova coletânea mostra como a atividade de Joaquim Nabuco como repórter internacional, com base em Londres, moldou sua escrita. Os artigos publicados em meios como o "Jornal do Comércio", onde começou essa carreira, após derrota nas urnas, permitem acompanhar o trajeto ideológico do autor de "O Abolicionismo".
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NO MOMENTO em que você lê este artigo, ele já envelheceu. No hiato entre eu o ter escrito e sua publicação, você foi bombardeado por milhares de informações que pululam na internet. Mas não é de agora que o jornalismo impresso perde para novas tecnologias. Joaquim Nabuco (1849-1910), conhecido como figura-chave do movimento pela abolição da escravidão no Brasil, quando se viu jornalista, em 1882, penou da mesma agrura.
Correspondente em Londres, responsável também por Viena e Berlim, Nabuco reclamava de que o telégrafo, inaugurado no Brasil na década de 1870, sabotava o repórter com notícias frescas, enquanto seus artigos mofavam cerca de três semanas no navio até atingirem o leitor.
De modo que notícia velha não é coisa nova. Nos seus 300 artigos como correspondente estrangeiro, coligidos por Leslie Bethell, José Murilo de Carvalho e Cícero Sandroni na recém-lançada edição "Joaquim Nabuco Correspondente Internacional 1882-1891" [ed. Global/Academia Brasileira de Letras; vol. 1, R$ 79, 672 págs.; vol. 2, R$ 65, 512 págs.], Nabuco se houve com a perenidade da informação optando por ser mais analítico que noticioso. Dava mais a visada geral que o fato a fato.
O jornalismo não estava nos seus planos. Filho de político, estreou no Parlamento em 1879 e se destacou chamando para si a causa da abolição. Correu a Europa em busca de apoio e fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Essa estrela política ascendente, contudo, desafiou a liderança de seu Partido Liberal, ao se decidir por abolicionista. E assim, em 1882, não se reelegeu deputado geral pela Província de Pernambuco. Tornou-se, então, correspondente em Londres do "Jornal do Comércio", enquanto esperava as próximas eleições.
A atuação como jornalista nas baixas políticas se configuraria como padrão. O ofício provisório virou ocupação duradoura.
EDITOR Nos tempos em que são comuns os ataques à norma culta em textos que vão direto do computador do autor para o do leitor, a figura do editor perdeu a aura que teve no passado. Editores pautadores, corretores, eruditos. Joaquim Nabuco teve um desses: Francisco Picot, que viveu no Rio, mas, nos anos 1880, editava da capital francesa o maior e melhor dos periódicos brasileiros do século 19, o "Jornal do Comércio". E lia com lupa em Paris o que Nabuco escrevia à pena em Londres.
Quem ligou um homem ao outro foi o barão de Penedo, que era quase um pai substituto de Nabuco e chefe da diplomacia brasileira em Londres. A morte do correspondente do jornal, um experiente analista econômico, abriu o emprego, com o qual Nabuco garantiria sua sobrevivência física e política nos próximos dois anos, independente do Estado escravista que vinha combatendo.
Assim, Picot não escolheu Nabuco, Nabuco não escolheu Picot. O editor esclareceu logo que, em sua escala de valores, o sobrenome Nabuco, seu livro de poemas em francês ("L'Amour et Dieu") e seu brilho político valiam pouco. Diferentemente da maioria das pessoas que Nabuco conheceu, Picot não se rendeu ao seu charme. Ao contrário. Implicava, contrariado por ter o moço inexperiente no lugar de seu velho amigo Clark.
Picot exigia muito, sempre. Além de pautar os artigos, depois os comentava, catando deslizes, ausências, excessos. A relação com Nabuco foi tensa por conta desse olho de águia, atento à menor das faltas. Reclamava da substância e de tudo que a envolvia, até do fecho dos envelopes em que iam os artigos, como nesta carta de 2 de abril de 1882 (que se encontra no acervo da Fundação Joaquim Nabuco): "Teria sido bom dizer na carta de Londres, sem comentário, que o Financier' publicou o artigo sobre garantias de juros [...]. Também teria sido bom dar o resultado do empréstimo do Baring para Buenos Aires.[...] Por último, vou recomendar-lhe que molhe bem molhada a goma que fecha a capa das suas cartas".
Nabuco nunca antes trabalhara e cedo se cansou. Mas, cheio de dívidas, sem alternativas, permaneceu sob ordens de Picot. O editor o disciplinou, incutiu-lhe a ética do trabalho. Cobrava concentração em assuntos áridos para quem antes aspirava a poeta, exigia precisão de um habituado ao diletantismo e sobriedade de um pendente ao derramamento. Pedia acurácia no trato de temas que Nabuco antes não dominava --a economia-- e objetividade naqueles sobre os quais antes divagava --a geopolítica. Quem lê o drama "L'Option", sobre a guerra da Alsácia-Lorena, que Joaquim Nabuco rascunhou nos anos 1870, e vai depois aos artigos sobre a expansão do imperialismo inglês, reunidos nesse volume, enxerga uma metamorfose.
Francisco Picot foi para Joaquim Nabuco o que um bom editor é para um iniciante: uma escola. Obrigou-o a dois aprendizados.
O substantivo diz respeito à profundidade analítica e teve consequências para tudo aquilo que Nabuco escreveria depois, em particular para seu livro londrino, "O Abolicionismo", que saiu às carreiras, em 1884, para ajudar a campanha abolicionista no Brasil e impedir que Nabuco desaparecesse dela, estando do outro lado do Atlântico, enquanto seus companheiros a radicalizavam. O livro é de uma argúcia que seu autor não evidenciara antes.
Outro ganho dos tempos sob Picot foi o apuro do estilo. Basta fazer o "antes e depois". Os discursos parlamentares e os artigos para o jornal "O Globo" (que não estão na coletânea), nos anos 1870, são de sentenças compridas, muitos apostos, afrancesados. Já "O Abolicionismo" [Ed. UnB, R$ 32, 252 págs.] é livro de contundências, de frases que são como tiros.
TEMAS Os artigos reunidos na coletânea não são todos de mesmo tipo. O primeiro volume traz os para o "Jornal do Comércio" e os produzidos quase simultaneamente para o "La Rázon", de Montevidéu. São artigos de jornalista.
A correspondência de Londres para o "Jornal do Comércio" aborda a geopolítica inglesa, sua política doméstica e a candente questão irlandesa. A economia é pauta obrigatória, sobretudo no que tocava os negócios brasileiros. Já os artigos de Viena e Berlim visavam "resumir os acontecimentos" da política local e eram escritos a partir de Londres.
Em conjunto, as três correspondências traçam cenários geopolíticos e perfis e estratégias dos grandes líderes políticos do período, William Gladstone, na Inglaterra, e Otto von Bismarck, na Alemanha. O foco se abre para abarcar Rússia, Prússia, França, políticas dinástica e eclesiástica, reformas modernizadoras, como o voto secreto e a ampliação do sufrágio --Joaquim Nabuco, aliás, não se mostra entusiasta do voto feminino--, e a disputa por territórios na África e mesmo da Europa --caso da Bósnia e da Sérvia.
Os artigos reconstroem as relações de força, o campo de poder internacional cujos desdobramentos alcançariam o século 20. Registram atentados e assassinatos políticos orquestrados pelos "niilistas" (anarquistas); avanços do socialismo, com suas "paredes" (greves); conflitos entre as grandes potências e o Congresso Antissemítico Internacional, de 1882, que, narra Nabuco, tomava os judeus por "animais daninhos".
O fecho dos artigos abriga as variedades: a passagem de um cometa, um banquete com Wagner e Lizst, um naufrágio, um livro, um baile, um obituário --o de Darwin, Garibaldi, Marx. Aí o autor externava mais personalidade, mas, se opinasse muito, Picot cortava suas asas --e o trecho do artigo.
Só ao final de seu período de correspondente, quando o editor amansou, os textos adquiriram tom pessoal. Nabuco inseria referências oblíquas à questão escravista que ardia no Brasil, por exemplo, ao comentar a escravidão no Egito e o livro do norte-americano Henry George, "Progress and Property" (1879), que defendia a socialização da propriedade da terra. Nabuco criticou seu socialismo, que resultaria em Estado "colossal" e ineficiente, colonizado por "classes parasíticas", mas aproveitou para propalar seu próprio ideal liberal, a taxação moderada e progressiva, com vistas a generalizar a pequena propriedade.
No "La Razón", Nabuco escreveu pouco, entre 1883 e 1884, mas opinava mais, em artigos quase normativos sobre liberalismo, democracia, socialismo, nos quais sobressai sua admiração incontida pelo reformismo político inglês.
Aqui e ali, algo de política americana, como o tratado de paz entre Chile e Peru, em 1883, mas o grosso dos textos cozinhava o antes enviado para o "Jornal do Comércio" --a situação desgostou Picot e foi um motivo para interromper sua correspondência em Londres. Outro foram as eleições parlamentares brasileiras de 1884. Nabuco voltou para se jogar de cabeça na campanha abolicionista.
PALANQUE O segundo volume da coletânea traz textos desse tempo, quando enviou do Rio alguns artigos para o "La Razón", e escreveu para "O País". Quintino Bocaiuva, abolicionista e editor do jornal carioca, convidou Nabuco para uma coluna que seria seu palanque abolicionista, com críticas furibundas à política escravista do governo do Partido Conservador.
Entre 1886 e 1888, escreveu cerca de uma centena de artigos. A coletânea, para manter sua unidade como "correspondência internacional", incluiu só os escritos da Europa, para onde foi, como enviado especial, a fim de cobrir tratamento de saúde de dom Pedro 2º.
Como o imperador se restabeleceu, os artigos se concentraram na linha dos anteriores para o "Jornal do Comércio", com foco na política inglesa. Mas, nos textos de 1888, a política brasileira sobressai, como quando narra suas visitas a Glad- stone e ao papa, em busca de apoio para a abolição da escravidão.
Foi justo a política que tirou Nabuco de "O País", quando o republicanismo tornou-se preponderante na linha editorial. Ao contrário de Picot, Bocaiuva não logrou enquadrar Nabuco, que recorreu ao dono do jornal e assim manteve coluna autônoma, "Campo Neutro". Mas o arranjo durou pouco.
Pós-13 de Maio, os abolicionistas se dividiram. Boa parte, como Bocaiuva, foi para a campanha republicana. Nabuco ficou entre os poucos esperançosos de que o Terceiro Reinado, o de Isabel, faria reformas complementares à abolição. Essa divergência encerrou sua participação em "O País" em 1889.
Nesse ano, a monarquia, assoreada por várias frentes de descontentamento, caiu, e Nabuco, recém-reeleito deputado, ficou sem emprego. Voltou à imprensa, em 1891, no "Jornal do Brasil", criado por monarquistas como polo de crítica ao novo regime.
Esses artigos, escritos de Londres e Buenos Aires, como aqueles para o "Jornal do Comércio", produzidos no retorno ao Brasil (por isso excluídos da seleção), são salpicados de antirrepublicanismo e acusam o militarismo não apenas nacional como noutras partes da América Latina --expressão que usa aí por primeira vez.
Na coletânea, o leitor vai encontrar então três Nabucos: o jornalista, o abolicionista e o monarquista.
LIVROS "O Abolicionismo" deve ao jornal, embora não tenha sido escrito nele, mas outros quatro livros de Nabuco surgiram na imprensa e conformam dois pares.
"Balmaceda" [Cosac Naify, R$ 59, 272 págs.], sobre a guerra civil no Chile, e "A Intervenção Estrangeira durante a Revolta de 1893" [Senado Federal, R$ 10, 150 págs.], a respeito da Revolta da Armada, saíram seriados no "Jornal do Comércio", entre 1895 e 1896, anos de florianismo feroz e de reação monarquista à República, com a Armada.
Tempo de militância, para Nabuco, como um dos fundadores do Partido Monarquista. E tempo de governo militar. Por isso, a análise da política interna chilena, em "Balmaceda", serve para criticar o republicanismo do Brasil de esguelha. "A Intervenção Estrangeira", publicado já no governo Prudente de Morais, é explícito em acusar o apoio dos EUA a Floriano como decisivo na vitória dos republicanos sobre os monarquistas.
O outro par de livros é da virada do século. "Escritos e Discursos Literários" (1901) traz artigos publicados aqui e ali, que destilam a adesão cultural ao antigo regime. Nabuco já não propagandeava a monarquia, a República estava consolidada, mas sua fidelidade ao modo de vida aristocrático persistia e está patente na reconstrução precoce da própria trajetória (tinha 40 anos), escrita em outro jornal monarquista,"O Comércio de São Paulo".
A série era explicitamente política, com o cabeçalho "Minha Formação Monárquica". Ao coligi-la em livro, em 1900, Nabuco encurtou o nome para "Minha Formação" [Editora 34, R$ 49, 288 págs.] --ele aceitara cargo diplomático do governo republicano. Mas o livro guardou certa nostalgia do Império, até ao falar da escravidão que tanto combatera. Prosa evocativa e de um lirismo evidente no trecho que Caetano Veloso musicou como "Noites do Norte".
TRAÇA Li por primeira vez o que vai nesta coletânea em cópias nas quais às vezes o filé mignon do artigo tinha sido refeição de uma traça. A edição em livro recupera a íntegra e ajunta o que era preciso caçar em diferentes arquivos. Assim, presta inestimável serviço ao pesquisador. Contudo, o leitor de jornais velhos espera que o livro traga refrigério gráfico. Este não traz. Como o volume de artigos é grande, optou-se pelas letras miúdas --com que o martírio para os olhos não se altera.
Também seria bom um sumário detalhado, que orientasse o leitor entre jornais e datas, e uma advertência sobre a autoria de alguns artigos --os do "Jornal do Comércio" não eram assinados, vinham apenas como "correspondência".
O que se lê é variado em assuntos, épocas e finalidades. Notas de rodapé mais abundantes ajudariam o leitor menos informado sobre Nabuco e seu tempo.
A edição o compensa, porém, com quatro textos introdutórios. O primeiro é o erudito, do historiador Leslie Bethell, professor emérito das universidades de Londres e Oxford, sobre a geopolítica e a política inglesa do século 19.
O também historiador José Murilo de Carvalho, professor emérito da UFRJ, assina o segundo, apresentando a conjuntura política doméstica em que Nabuco se movia. Bethell e Carvalho são especialistas consagrados no período e antes coligiram a correspondência de Joaquim Nabuco com os abolicionistas ingleses. A apresentação do jornalista Cícero Sandroni dá o panorama da imprensa brasileira no período, e a de Adriana Mirel Clavijo, especialista em relações internacionais, informa sobre o jornal uruguaio "La Razón".
Para quem nunca leu Nabuco, a coletânea é oportunidade de adentrar o universo de um de nossos melhores analistas e flagrá-lo em formação e burilamento. Quem o conhece vai dar com novo ângulo da figura e aquilatar o que significava ser jornalista no estrangeiro no século 19.
Boa companhia na leitura deste livro são textos oitocentistas correlatos. O "Times" de Londres enviou William Howard Russel para cobrir os conflitos na Crimeia, em 1854, fazendo dele um pioneiro da correspondência de guerra. José Martí acompanhou a Primeira Internacional socialista para o "La Nación", em 1888. E Eça de Queiroz, de quem Nabuco foi amigo na velhice, escreveu para um jornal suas "Cartas da Inglaterra", mais ácidas que as de Nabuco, mas igualmente saborosas.
A idade dos textos não deve espantar o leitor. Eles nos são mais próximos do que se imagina.
Um tema de Nabuco foram os ataques terroristas perpetrados na Europa por radicais irlandeses e socialistas russos. Em 1884, por exemplo, houve a "conspiração da dinamite". Malas cheias de explosivos foram postas em quatro grandes estações de metrô em Londres, programadas para explodir no mesmo horário. Três falharam, mas uma arrebentou Victoria Station, no coração da cidade. Como se vê, problemas do tempo de Nabuco que persistem no nosso.

    Memórias que viram histórias

    folha de são paulo
    ARQUIVO ABERTO
    MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
    Nos trilhos de Millôr
    Itabira, 2007
    MARCOS CALDEIRA MENDONÇA
    Nós, do interior, precisamos criar caso para fazer o tempo passar. Foi numa dessas que desafiei-me: seria capaz de conseguir um cartum exclusivo de Millôr Fernandes para a capa do segundo aniversário de "O TREM Itabirano", jornal mensal que edito na cidade mineira, terra de Drummond?
    Sim, queria um desenho do superabundante Millôr, o homenageado da Flip deste ano, ótimo escritor, frasista perfurocortante, jornalista invenal, um dos criadores do mítico "O Pasquim", fustigador da burrice, cartunista de primeira, tradutor de respeito, humorista fino e culto, enfim, um brasileiro que o Nobel de Literatura não teve a honra de ganhar. Pensei: se convidar Millôr para fazer o cartum e ele não aceitar, só duas pessoas saberão da minha derrota, ele e eu. Se topar, o mundo é meu.
    Se é para gastar atrevimento, que seja com graúdos. Mandei um e-mail a ele, fazendo o convite e perguntando preço. Uns dois dias depois, me respondeu: "Topo, desde que você me mande dizer formato, cor e, mais ou menos, o que devo fazer. Meu preço é, adiantado, R$ 55,20. Abracadabraço".
    Brincadeira por brincadeira, pus R$ 55,25 num envelope, e escrevi: "Pagamento ao Millôr. Bom negociar com você. Não queremos o troco". Mandei pelos Correios, com exemplares do jornal.
    Dei uma semana e enviei outro e-mail, perguntando pelo cartum. Resposta: "Que fazer?, como perguntava Lênine. Estou em falta com vocês, brilhantes itabiranos, que me tratam com tanta condescendência --é essa a palavra? Afinal, qual seria o meu compromisso? Um desenho qualquer? Uma obra-prima? Kisses".
    Quero sua visão sobre um trem mineiro, expliquei, refletindo preocupadamente sobre a audácia de pautar um gênio. Senti-me um pouco Rosário Fusco, da revista modernista mineira "Verde", que, ao pedir colaboração a Mário de Andrade, sugeriu ao paulista mandar uma "bosta qualquer".
    Dias depois, chegam-me dois desenhos por Sedex. Bolei a capa, deixei a Redação e, ao retornar, ouvi da nossa secretária: "Ó, um tal Millôr Fernandes ligou para você". Não telefonei de volta, agradeci-o por e-mail e insisti em pagá-lo. "Mesmo sendo você um jornalista sem fins lucrativos' e mesmo não tendo dinheiro que pague, mande-nos a conta, por favor." Não mandou e nem resposta deu.
    Não sei se exagero, mas acho que o caso dá um parágrafo numa boa biografia de Millôr: um gigante que, aos 83 anos, colaborou cortesmente com um novato jornal de interior, que ele nem conhecia.
    Desde então, passei a mandar "O TREM" para o Millôr, e --faço questão de ressaltar--nunca mais o incomodei. Até pensei em contratá-lo para criar a logomarca do jornal, mas me contive. Espontaneamente, porém, ele passou a me dar dicas por escrito.
    Sugeriu melhorar a diagramação. "Ô pessoal d'O TREM Bão, menos matéria, gente! Senão fica ilegível. É como o cara bacana que tem muita ideia e quer dizer todas ao mesmo tempo. Vamos AREJAR o pedaço", aconselhou.
    Também reclamou do tamanho das frases no alto das páginas. "Caro Caldeira (valha a aliteração), o jornal vai de vento em popa (sobretudo, espero, a popa), arejou bastante. Claro, pode arejar mais. Não desculpo as frases estarem com tipos tão pequenos e claros. De modo geral, estão muito bem escolhidas. Mas por que não, uma vez ou outra, dar, entre parênteses, uma ripada no pensador' mais pomposo? AbrAÇO."
    Em outra mensagem, citou um tal Ciro, que até hoje não descobri quem é. "É esse o caminho, Caldeira --apresentar ao mundo o Brasil, o cosmopolitismo da província. Sapato neles! Como diria o Ciro, O TREM é do caralho."
    Outra sugestão foi brincarmos com a escultura de Drummond na capital fluminense. "Por que vocês não pegam a estátua do Drummond, aqui no posto 6 de Copacabana, e fazem dela o embaixador de Itabira no Rio de Janeiro? A estátua, que poderia ficar relegada', já está virando uma integração na paisagem. Itabira hoje é uma estátua alegre ali no posto 6."
    Desconheço se outro jornal mineiro teve a graça de ter uma capa de aniversário feita com exclusividade por Millôr, inspiração permanente para "O TREM". Millagradecimentos e sapato neles!

    Raul Juste Lores

    folha de são paulo
    DIÁRIO DE WASHINGTON
    O MAPA DA CULTURA
    Namoradinha nunca mais
    Geena Davis contra a invisibilidade feminina
    RAUL JUSTE LORESprotagonista do clássico feminista "Thelma & Louise" e do extinto seriado "Commander in Chief", no qual interpretou a primeira mulher a ser presidente dos Estados Unidos, a atriz Geena Davis, 58, nunca se submeteu aos papéis subalternos que Hollywood dispensa ao sexo feminino.
    Ela se tornou uma importante lobista no circuito Los Angeles-Washington para aumentar e melhorar a presença das mulheres na TV e no cinema. Davis criou um instituto que estuda políticas de gênero na mídia e pressiona produtores a reverter a invisibilidade feminina nas telas.
    Entre os números divulgados pelo Geena Davis Institute on Gender in Media, descobrimos que, nos últimos 20 anos, de todos os personagens com alguma fala em filmes, 71% eram masculinos e 29% femininos.
    Em uma palestra no mês passado, Davis indicou um aspecto perturbador dessa narrativa. Em uma economia com desemprego relativamente alto e onde os maiores salários (e muitos dos novos empregos) estão em áreas ligadas à tecnologia e às engenharias, as mulheres não veem muitos "role models" (exemplos a seguir) nesses setores promissores.
    Nos filmes lançados nos últimos cinco anos, há 14,25 personagens masculinos que trabalham em engenharia ou computação para cada papel feminino nessas áreas.
    Em um evento na Casa Branca, executivos do Vale do Silício disseram ao presidente Obama que um filme como "A Rede Social" tinha impacto enorme para estimular jovens a buscarem a carreira de programadores. Mas quase todas as personagens femininas eram namoradinhas dos protagonistas.
    O EXEMPLO DE MICHELLE
    Michelle Obama, 50, também acredita no poder do exemplo --o dela próprio. Nos últimos 15 dias, a primeira-dama americana já participou de cinco eventos na região metropolitana da capital para convencer estudantes de baixa renda a tentarem vagas na universidade.
    "Vocês têm de continuar seus estudos", disse a um grupo de estudantes do equivalente americano ao ensino médio. "Há bolsas, programas de crédito escolar e de premiação a melhores alunos", discursou. Aos 16 anos, Michelle gastava três horas de ônibus diariamente para ir e voltar de uma escola secundária para estudantes de altíssimo desempenho, bem longe da proletária zona sul de Chicago em que cresceu.
    Ela acabou estudando sociologia em Princeton e se formou em direito por Harvard. Em ambas, participou de associações de mentores para outros universitários de baixa renda. Michelle já liderou uma campanha por alimentação saudável e mais exercícios para combater a obesidade infantil.
    IOGA NA CATEDRAL
    A Catedral de Washington também busca novo alcance popular. Criada em 1893 pelo governo como templo ecumênico, ela já abrigou sermões de Martin Luther King e funerais de ex-presidentes. Com o corte de verbas federais e uma cara reforma, após o tremor que sacudiu a capital americana em 2011, a catedral quer aumentar o número de doações, que respondem por 65% de seu orçamento.
    O templo passou a cobrar US$ 10 (R$ 24) de entrada de turistas e a organizar aulas de meditação, ioga e tai chi chuan --para isso os bancos são retirados. Segundo o administrador, as novas atividades têm a ver com espiritualidade.
    PROPAGANDAS
    A mídia americana tem pintado um quadro sombrio da Olimpíada de Inverno de Sochi, acusando o presidente russo Vladimir Putin de usá-la para propaganda interna.
    A rede conservadora Fox News deixou a homofobia de lado para criticar a perseguição contra gays na Rússia. Outras emissoras sugerem que atletas e turistas americanos evitem usar uniformes ou bandeiras do país para fugir de agressões.
    Até o "New York Times" tascou um ponto de exclamação e recorreu a Stálin no subtítulo de uma reportagem sobre os jogos. "Bem-vindos a Sochi, um megaprojeto de estilo soviético que faria Josef Stálin orgulhoso!", escreveu.
    A TV NBC, que pagou US$ 775 milhões (cerca de R$ 1,8 bilhão) pelos direitos de transmissão dos jogos, ficou sozinha na promoção do "espírito olímpico". Os demais parecem ter ressuscitado a Guerra Fria.

      Clovis Rossi

      folha de são paulo
      Venezuela, democracia sitiada
      Parte da oposição quer encurralar o governo, que reage como sabe, encurralando a oposição
      Tempos atrás, a Human Rights Watch, importante ONG dedicada à defesa dos direitos humanos, emitiu extenso relatório sobre a Venezuela, para denunciar que, embora o país se mantivesse dentro de parâmetros democráticos, o regime chavista (Hugo Chávez ainda era vivo) estava comendo a democracia pelas bordas.
      Nos últimos dias, o chavismo, agora comandado por Nicolás Maduro, deu mais algumas colheradas rumo ao centro do prato, ao ordenar a perseguição aos líderes opositores Leopoldo López e Maria Corina Machado, supostamente responsáveis por incitar a violência ao convocarem protestos que foram, na prática, comandados pelos estudantes.
      Em qualquer país com teor adequado de democracia, convocar manifestações contra o governo faz parte dos deveres da oposição. Só na Venezuela, sitiada por tremenda crise econômica, é que se pode confundir protestos legítimos com ação golpista. Dá a nítida sensação de que o governo, incapaz de dar respostas às demandas dos estudantes (menos inflação, mais segurança, por exemplo), usa o surrado truque de gritar "é golpe".
      Mas, atenção, por mais legítima que seja a convocação de protestos, parte da oposição não é exatamente santa. López e Maria Corina lideram a corrente mais radical, que prega "La Salida", ou seja, ocupar a rua para pôr o governo contra a parede e forçar sua saída, ao passo que Henrique Capriles, o candidato presidencial duas vezes derrotado, prefere insistir na via eleitoral, que só oferece uma saída, se tudo der certo, a partir do ano que vem.
      A divisão da oposição só torna o quadro mais complicado, no momento em que a Venezuela tem o risco-país mais alto do mundo. Tem que pagar juros 14,6 pontos percentuais acima da taxa dos Estados Unidos, o país que se financia ao menor custo no mundo. Para comparação: a média nos países latino-americanos, que não são exatamente paraísos de estabilidade, é de apenas 4,6 pontos percentuais acima do paradigma norte-americano.
      Significa que os investidores apostam em que a Venezuela não conseguirá cumprir seus compromissos, o que é compreensível quando se sabe que, nos 12 meses até o dia 12 passado, o Banco Central havia perdido 27% de suas reservas, agora estacionadas em alarmantes US$ 20,525 bilhões.
      Pulemos para a inflação: só em janeiro, os preços subiram 3,3%, levando o total em 12 meses para 56,3%, o mais alto índice da América Latina e um dos mais altos do mundo.
      Olhemos agora o desabastecimento: os dados do Banco Central informam que, em janeiro, o índice que mede a escassez de alimentos básicos bateu em 26,2%, oito pontos acima do registrado em janeiro de 2013.
      É evidente que a economia venezuelana está derretendo. Seria estranho que os estudantes e a oposição ficassem quietinhos em seus cantos, sem convocar protestos ou acenar com "La Salida".
      O problema é que o aceno é vazio, pelo menos na visão de Capriles, para quem, "para dobrar o poder, você tem que ser maior que eles, e isto [a oposição] não crescerá se defendermos saídas que não levam a nada".

        Marcelo Gleiser

        folha de são paulo
        É possível viver sem mistério?
        O que nos torna humanos é a atração pelo desconhecido, a qual comove e inspira nossa criatividade
        Na semana passada, foi publicado um artigo na revista americana "The New Yorker", de autoria de Adam Gopnik, escritor e intelectual muito conceituado nos EUA (http://tinyurl.com/llywzql).
        O artigo trata da questão do ateísmo e sua aparente ascensão, ao menos na América e Europa, resenhando um par de livros sobre o assunto. Gopnik argumenta que a questão ou a dificuldade dela é a seguinte: "Quem semeou o solo é a pergunta fácil para o historiador; o que fez o solo receber as sementes é uma pergunta mais complexa". Ou seja, listar os nomes dos ateus famosos e seus feitos é bem mais fácil do que compreender porque suas ideias são aceitas por tantas pessoas.
        Gopnik identifica três períodos em que o ateísmo teve uma clara ascensão: no século 18, logo antes da Revolução Francesa; no século 20, logo antes da Revolução Russa; e agora. É óbvio que a expectativa é que a nossa época também tenha a sua revolução. Difícil imaginar que, no nosso caso, ela seja também de natureza política, como nas duas antecedentes. Mas então o quê?
        Conforme escreveu Peter Watson em seu "A Era dos Ateus: Como buscamos viver desde a morte de Deus", existem dois grupos --e não os tradicionais crentes e não crentes--: os supernaturalistas, que acreditam que uma explicação estritamente materialista da existência é inadequada para nossas experiências de natureza espiritual; e os autocriadores, que dão à mente humana o poder de explicar todos os aspectos da existência.
        Gopnik aponta para uma convergência entre os supernaturalistas e os autocriadores, mesmo que clandestina. Descontando os que têm fé tradicional, acreditando piamente na Bíblia ou no Corão ou nos textos xintoístas (que são contados em bilhões no mundo), os supernaturalistas modernos acreditam em algo maior do que a matéria, mesmo que não seja caracterizado por uma divindade óbvia, uma celebração do mistério, da complexidade e de coisas que fogem à nossa compreensão ou mesmo a uma descrição puramente racional. Os supernaturalistas respondem à emoção indescritível da experiência humana.
        Por outro lado, Gopnik argumenta que os autocriadores também experimentam algo como a fé.
        Segundo Gopnik, todos têm algum tipo de vida espiritual, seja na adoção de rituais secretos, na ida à igreja no Natal ou na busca por algum tipo de transcendência por meio de atividades diversas, da meditação à corridas em trilhas, surfando ondas, escalando montanhas ou lendo poesia.
        Me parece que o ponto de convergência não está nos detalhes da prática de cada um, mas na inevitabilidade do mistério que todos confrontamos. O próprio Richard Dawkins, o grande sacerdote do novo ateísmo, escreveu um livro com o título "A Mágica da Realidade"; sua autobiografia é "Um Apetite pelo Maravilhamento". Outro ateu conhecido, Sam Harris, está escrevendo um livro sobre espiritualidade.
        Como exploro em meu próximo livro, "A Ilha do Conhecimento" (Ed. Record, que será lançado em agosto de 2014), o que nos torna humanos é precisamente nossa atração pelo desconhecido, atração que tanto comove quanto inspira nossa criatividade, seja ela científica ou artística. Dela, ninguém escapa.

          Antonio Prata

          folha de são paulo
          Estiagem
          Dia desses, vou abrir o jornal e ver alguém defendendo o linchamento como uma forma de democracia direta
          Ontem, por uma dessas coincidências que não guardam nenhum sentido oculto, mas adicionam à vida uma pitada de mistério, peguei para ler "Ai de ti, Copacabana" e, horas depois, a caminho de uma reunião, passei em frente à nossa escola. Pois tenho a infelicidade de te informar que aquele casarão e o pátio em que você me deu o livro do Rubem Braga -o maior presente que já ganhei- agora jazem sob os 19 andares de um equívoco neoclássico chamado Beverly Hills Plaza, com quatro vagas e oito colunas jônicas por andar -prova de que, mesmo 15 séculos após a invasão dos Vândalos, segue em marcha o declínio do Império Romano.
          Fiquei parado ali na calçada, olhando pra cima, pensando que nada poderia estar mais distante das pitangueiras e sabiás do Rubem Braga do que aquelas varandas raquíticas com seus pinheirinhos em formação militar -pobres árvores de clima temperado, vítimas do destempero paulistano em sua luta para anular os trópicos. Lembrei dos recreios ensolarados do colegial, quando nos sentávamos no chão para jogar truco. Se num daqueles recreios eu tivesse tentado te beijar, talvez minha adolescência houvesse sido ensolarada também, mas eu era tímido, e a libido só encontrava vazão no grito desastrado: "Truco, marreco!".
          Usei solar como sinônimo de feliz e me arrependo: ultimamente, o governo do Astro Rei tem sido bem despótico. As reservas de água da cidade estão abaixo dos 20%, e este verão abafado parece a ambientação perfeita para uma desgraça num conto vagabundo, desses em que chove quando o protagonista sofre de amor.
          De amor eu não sofro, mas trago o peito apertado. Nosso país está estranho, minha amiga. Coisas horrendas andam acontecendo e, em vez de as pessoas pensarem em como impedir que coisas horrendas aconteçam de novo, querem é infligir coisas horrendas a quem as infligiu. No fundo, o que exigem não é justiça nem mesmo vingança, mas o direito ao seu quinhãozinho de barbárie, como crianças que reclamam: "Por que ele pode brincar na gangorra e eu não?"; "Por que ele pode brincar de Gomorra e eu não?". Mais dia, menos dia, vou abrir o jornal e ver alguém defendendo o linchamento como uma forma de democracia direta.
          Acho que você ia se sentir bem deslocada por aqui. Na atual estiagem, só o cinismo cresce, como os cactos. Faz sentido: a esperança não tem lugar nessa época que preza tanto a eficiência. A esperança é deficitária. Não é verdade que seja a última a morrer: morre todo dia, toda hora, em toda parte (para renascer, depois, noutro lugar), feito o amor de Paulo Mendes Campos. Já o cinismo é investimento seguro. Como pode se frustrar quem não deseja? O cínico está em paz -como os mortos.
          Acho que por isso tudo, ontem, recorri ao Rubem Braga. Tenho-o sempre à mão, para emergências (quando minhas reservas de esperança descem abaixo dos 20%): vive ora na sala, ora na cabeceira da cama, ora na mesa da varanda, que é onde ele se sente mais à vontade, desfolhando-se ao vento. Pensando bem, talvez não seja o vento que desfolhe o livro, mas as páginas é que tentam, ingenuamente, abanar o mundo. Ai de nós, Rubem Braga. Ai de nós, Beatriz. Vocês fazem mais falta que a água neste escabroso verão.

            Helio Schwartsman

            folha de são paulo
            Especulação precoce
            SÃO PAULO - O interessante nessa polêmica em torno do garoto que foi amarrado a um poste no Rio é que, como em toda disputa ideológica, as pessoas já sacam suas respostas antes mesmo de formularmos uma pergunta.
            Para a esquerda, condições socioeconômicas como pobreza, desemprego, desigualdade e educação são os principais fatores a explicar a criminalidade. Já para a direita, delinquência se resolve é com polícia.
            Precisamos nos conformar que o cérebro abusa mesmo dos automatismos heurísticos. O problema surge quando se considera que muitas questões relativas à criminalidade têm respostas empíricas estabelecidas, mas nossas convicções políticas fazem com que não as enxerguemos.
            Para desgosto da esquerda, é fraco o elo entre economia e violência, como mostra Steven Pinker em "Melhores Anjos". Dados de EUA, Canadá e Europa Ocidental revelam que melhoras econômicas quase não têm efeito sobre as taxas de homicídios. Há, isto sim, uma correlação bem modesta entre os índices desemprego e os crimes contra o patrimônio.
            A desigualdade se sai um pouco melhor. Ela até que prediz os índices de violência quando se comparam países, mas fracassa em apontar tendências dentro da mesma nação. É pouco provável, portanto, que haja aqui uma relação causal. Mais razoável imaginar que falhas institucionais que produzem excesso de desigualdade gerem também violência.
            A solução da direita também traz problemas. É claro que, em algum nível, melhorar o policiamento reduz crimes. Mas isso só funciona até certo ponto. Se você o excede, desperdiça dinheiro público e estraga inutilmente a vida de um monte de gente.
            Os EUA, por exemplo, adotaram a tolerância zero nos anos 90 e reduziram o crime. Mas os índices de homicídio do Canadá, que já eram bem menores que os dos EUA, seguiram as mesmas curvas sem que o país tenha sucumbido à histeria.

              O hino que falta - Carlos Heitor Cony

              folha de são paulo

              O hino que falta
              RIO DE JANEIRO - Fileto morava, naquele tempo, com um rapaz que tentava carreira no mesmo corpo de baile do Theatro Municipal, mas desanimara porque, apesar de muito se esforçar, tinha o corpo desajustado para o balé, um pouco gordo embaixo e muito fino em cima, a cara meio encaveirada, pálida, uma cabeleira negra e farta sempre descabelada.
              Desistiu do Municipal, onde jamais faria carreira, mas insistiu na vocação artística e despertou a paixão de um primeiro violino da orquestra do mesmo Municipal, que se teria suicidado por amor a ele (o rapaz já estava vivendo com Fileto no Edifício São Borja). Do suicida herdou um violino meio esculhambado e inteiramente rachado, de procedência tão duvidosa que nem parecia ter procedência alguma.
              Chamava-se Guedes, acho que Libânio Guedes. Ou qualquer coisa parecida com Libânio. Talvez Afrânio. Não importava. Fileto o chamava, na intimidade, de Da Rosa. Abreviação de "O Espectro da Rosa", balé que fizera a glória de Nijinski. Chamá-lo de Nijinski seria um exagero que nem a paixão de Fileto justificaria.
              Apoderando-se do violino, Da Rosa começou a se apresentar na Cinelândia e conseguia alguns trocados. No inicio, ninguém dava importância, chegavam a xingar seu violino desafinado, que com o tempo ficou mais desafinado ainda. O cronista Rubem Braga, numa reportagem, para a revista "Manchete", classificou o violino de "abominável" e exigia que as autoridades tomassem uma providência contra o atentado que um notório vagabundo cometia diariamente contra um dos cartões-postais da então capital da República.
              Mais tarde, vieram as manifestações do povo contra a ordem vigente, a truculência da polícia contra os manifestantes. Num desses corre-corres, Da Rosa perdeu seu violino, justo no momento em que estava aprendendo a tocar o hino nacional.

              Suzana Singer

              folha de são paulo
              OMBUDSMAN
              Ação e reação
              Cobertura inflamada da morte do cinegrafista rende acusações de corporativismo à imprensa
              A imprensa reagiu com força à morte de Santiago Andrade, atingido por um rojão que lhe estourou a cabeça, enquanto filmava um protesto no centro do Rio.
              Na quarta-feira, quando houve a captura de um dos rapazes que acenderam o artefato, o "Jornal Nacional" dedicou 16 minutos ao caso. Na Bandeirantes, onde Santiago trabalhava, foram 15 minutos. Em televisão, é uma eternidade.
              Quando Caio de Souza ainda estava foragido, o jornal "O Globo" estampou uma imensa foto sua na capa, com a palavra "Procurado".
              Um pouco mais discreta, a Folha dedicou três manchetes ao caso e colocou na Primeira Página uma imagem grande do rapaz, cabisbaixo, sendo apresentado pela polícia.
              Muita gente acusou a imprensa de corporativismo. "A Folha acompanha todos os órgãos de imprensa que destacaram a triste morte do jornalista como única digna de ser esclarecida e de ter seus culpados punidos. A luta contra a violência deve ser universal. A bandeira do 'injustificável' não deve ser desfraldada por sopro corporativista", criticou o médico Ricardo Cohen, 52.
              Entendo quem enxerga espírito de corpo no noticiário inflamado dos últimos dias, mas, pelas circunstâncias, a morte de Santiago é diferente das anteriores. Ele foi a primeira vítima direta da violência dos "black blocs". As outras mortes registradas em protestos ocorreram por acidentes, como queda de viaduto e atropelamento.
              É significativo também que Santiago estivesse ali a trabalho, exercendo o papel de informar o público. O exagero está em considerar a sua morte um atentado à liberdade de imprensa, como fizeram editoriais da Folha e do "Globo".
              Não foi um ataque direcionado a Santiago. O rojão poderia ter atingido um policial, um transeunte, um manifestante. É diferente, por exemplo, de Tim Lopes, jornalista da Rede Globo que, em 2002, quando apurava uma reportagem sobre abuso sexual de menores e tráfico de drogas, foi executado por bandidos.
              Tim foi morto por ser jornalista; Santiago não. Por mais que a imprensa venha sendo hostilizada nos protestos, não dá para dizer que a morte do cinegrafista seja a exacerbação dessa atitude autoritária.
              É essencial manter o sangue-frio para não perder a isenção no dimensionamento das notícias, uma das funções mais importantes do jornalismo. Caio de Souza e Fábio Raposo devem ser punidos pela morte trágica que provocaram, mas sem linchamento midiático.
              Da mesma forma, não se deveria dar destaque a acusações vazias. O nome do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) foi parar no noticiário sobre a morte de Santiago com base no disse que disse.
              Na quarta-feira, o advogado dos dois presos afirmou que eles foram aliciados por políticos. Não citou um nome e, mesmo assim, foi manchete da Folha ("Manifestante foi pago para tumultuar, diz advogado").
              Tocados pela morte do colega e cansados de serem maltratados pela turba e pela polícia quando estão apenas trabalhando, os jornalistas não podem perder a racionalidade.
              Não somos justiceiros.
              NO FACE, GAYS VERSUS FOLHA
              Uma reportagem que tinha tudo para agradar aos gays acabou rendendo ao jornal o slogan "Evite a Folha para evitar a homofobia".
              A capa de "Cotidiano" de domingo passado mostrava como os homossexuais que frequentam a região da avenida Paulista estão acuados desde os últimos casos de agressão. A celeuma se deu por causa do quadro "Estratégias de segurança", que listava, entre outros itens, "não dar pinta", "evitar andar de mãos dadas e beijar em locais públicos".
              Em parte dos exemplares, esse quadro saiu sem a explicação de que eram táticas citadas pelos gays. A versão errada do quadro foi reproduzida no Facebook, sem a reportagem, e obteve 2.155 compartilhamentos. Como costuma acontecer nas redes sociais, espalhou-se uma onda de indignação, baseada em desinformação. Dizia-se que a Folhaestava recomendando aos gays serem menos gays.
              Alguns militantes afirmaram que, ao repassar dicas como essas, sem ouvir quem propõe estratégias de enfrentamento, o jornal está promovendo o preconceito.
              Folha apanha por vários motivos nas redes sociais, mas precisa conhecer muito pouco do jornal para considerá-lo homofóbico. Uma dica: "Antes de xingar, siga aFolha por um tempo".

              Elio Gaspari

              jornal o globo
              O terrorismo da banca sobre o STF
              O Credit Suisse avisa: bancos exageram quando dizem que perderão R$ 150 bi, vale a pena comprar suas ações
              No final do ano passado a banca fez uma ofensiva sobre o Supremo Tribunal Federal capaz de dar inveja às tropas do marechal Zhukov durante a Segunda Guerra. Queriam derrubar o pleito dos poupadores tungados nos planos econômicos da época da hiperinflação. Quem tinha mil cruzeiros novos (a moeda de então) na poupança em janeiro de 1989 deixou de receber 204 cruzeiros por causa da mudança do indexador. Esse dinheiro vale hoje R$ 880.
              Por mais de uma década a banca fez de tudo, inclusive manobras tenebrosas no Supremo. Quando chegou a hora do julgamento, apareceu um número mágico: se os tungados prevalecessem, os bancos perderiam R$ 150 bilhões e iriam à breca. Outro cálculo falava em R$ 600 bilhões e o procurador-geral do Banco Central chegou a mostrar uma conta de R$ 1 trilhão. Os interesses da banca chegaram a produzir um manifesto de 13 ex-ministros da Fazenda. Cinco signatários tinham em suas biografias a glória de terem copatrocinado a ruína da hiperinflação. Falavam com a autoridade do fracasso.
              O julgamento do Supremo foi adiado e recomeçará no fim do mês. A repórter Karin Sato revelou que uma equipe de economistas do Banco Credit Suisse estimou que a pancada da devolução do dinheiro tungado está longe dos R$ 150 bilhões. Ficaria entre R$ 8 bilhões e R$ 26,5 bilhões.
              Há um aspecto relevante nessa iniciativa. Ela não se destinou a decifrar arcanas questões do direito, nem a defender o andar de baixo, mas a orientar grandes investidores internacionais. Se houvesse um risco de R$ 150 bilhões, os grandes bancos brasileiros estariam vulneráveis e seria arriscado comprar suas ações. É o contrário. O Credit Suisse informa que "a preocupação com o resultado do julgamento do Supremo Tribunal é exagerada e, a nosso ver, cria uma oportunidade de compra (de suas ações)".
              Beleza de situação: banca cria o pânico e, se o Supremo vota com ela, tudo bem. Se acontece o contrário, meia dúzia de maganos do mercado financeiro que conhecem os números alegram-se com a queda do valor da ações, compram-nas e ganham um dinheirinho fácil.
              MANTEGA
              Pode-se atribuir a Lula tudo o que a doutora Dilma faz ou deixa de fazer, mas não se deve botar na conta de Nosso Guia a manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda.
              Ele não defende sua permanência nem sua saída. Simplesmente já mostrou à doutora que deveria fazer o que achasse melhor.
              PALPITE
              É possível, apenas possível, que a Comissão Nacional da Verdade leve em conta um sinal de fumaça visto no céu por alguns de seus membros.
              Os comandantes militares produziriam um documento reconhecendo a prática de crimes durante a ditadura. A iniciativa é despicienda, visto que os crimes estão perfeitamente documentados, mas teria a virtude de tirar dos ombros da cúpula militar do século 21 uma cumplicidade continuada com delitos ordenados, estimulados e louvados pelos hierarcas do século 20. Ao calar sobre a tortura e os assassinatos, os atuais comandantes comportam-se como se o presidente do Banco Central não tratasse da hiperinflação na história da instituição.
              Além desse reconhecimento, seriam abertos ao público novos documentos. A ver.
              Em troca, seria deixado de lado o tema da mudança na Lei da Anistia de 1979, que protegeu torturadores e assassinos. Só estão vivos oficiais que, à época, eram, no máximo, majores. Os generais que puseram a roda em movimento nada têm a temer, pois morreram.
              Ademais, para que a Lei da Anistia seja mudada, seriam necessários o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, coisa difícil de acontecer.
              LEWANDOWSKI PISCOU
              A História é uma trapaceira. Às vezes passa na porta da biografia de uma pessoa e ela não percebe. Na quarta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski presidia a sessão do Supremo Tribunal Federal quando a multidão convocada pelo MST colocou-se diante do prédio. Temendo uma invasão, suspendeu a sessão e foi para seu gabinete. Nenhum manifestante entrou no tribunal.
              A biografia do ministro seria outra se tivesse outra atitude e dissesse: "Ninguém neste país interrompe uma sessão do Supremo Tribunal. Prossigamos". A doutora Dilma, alertada, transferiu sua agenda do Planalto para o Alvorada.
              Faz tempo, Juscelino Kubitschek dizia que a capital devia ir para o cerrado goiano porque um quebra-quebra de bondes no Rio era suficiente para sitiar o governo. Com exemplos como os de Lewandowski e da doutora, um dia a capital vai para Roraima.
              AVANÇOS SOCIAIS
              Durante o governo de Lula o ministro Fernando Haddad anunciou a criação do Enem, que ofereceria à garotada dois exames por ano. A novidade diluiria a tensão que obriga milhões de jovens a jogar um ano de suas vidas num só exame. Em 2012 uma portaria do MEC oficializou a melhoria e, em 2013, a doutora Dilma reiterou o compromisso. Cadê? Ao assumir o Ministério da Educação, o doutor José Henrique Paim informou que a realização do segundo exame está fora de questão. Sobrou a lorota.
              Haddad, por sua vez, está na Prefeitura de São Paulo, onde sua administração cortou a cota de lápis dos alunos das escolas públicas de seis para quatro.
              Gestão de avanços sociais é isso aí.
              PAIM NADA TEVE A VER COM O SURTO HISTÉRICO
              Estava errada a informação segundo a qual o senador Paulo Paim (PT-RS) é o autor do projeto que tipifica os crimes de terrorismo com uma definição ambígua e penas mínimas superiores àquelas impostas pela Lei de Segurança Nacional da ditadura. Há dois projetos em andamento no Senado. Um é do senador Pedro Taques (PDT) e outro de Romero Jucá (PMDB).
              Paim nada tem a ver com eles. Pelo contrário, uma iniciativa sua retarda a votação dos projetos. O senador Jorge Viana (PT-AC) propôs que eles fossem discutidos logo e pediu "um entendimento de líderes" para pôr "em apreciação já, no plenário, essa matéria".
              Felizmente isso ainda não aconteceu e o presidente do PT, Rui Falcão, dissociou o partido da iniciativa, contrariando a doutrina dos autores da Lei de Segurança da ditadura.
              Enquanto o Senado teve um surto de histeria, veio do secretário de Segurança do Rio uma proposta que racionaliza o debate. Em vez de criar fantasmas, é um texto básico que trata de coisas elementares. Proíbe mascarados, muda alguns dispositivos do Código Penal e repete leis já existentes. Fica faltando na proposta de Beltrame algo que responsabilize sua polícia por agressões a manifestantes. Por exemplo: jogar gás de pimenta nos outros como se os seus PMs fossem propagandistas de perfume. Nunca será demais lembrar que o governador Sérgio Cabral não mexeu nas tarifas dos transportes sob sua jurisdição.

              Janio de Freitas

              folha de são paulo
              O novo antigo
              O que aconteceu foi terrível como se deu, quando e com quem se deu, mas não foi surpreendente que se desse
              Novidade, mesmo, só a que vive a família de Santiago Andrade. No mais, a retumbância provocada pelas circunstâncias chocantes da morte de Santiago, e muito também por ser um profissional do jornalismo, compôs-se assim: uma bagagem de realidades já fartamente conhecidas, mas postas com embalagem de fatos novos. As razões de tal transfiguração podem ser encontradas, segundo a preferência do freguês, tanto no jornalismo atual como nos atuais enfrentamentos políticos. Difícil pode ser a separação das sutis diferenças entre uma coisa e outra. O que não será novidade no jornalismo, na política e muito menos para a cabeça do leitor/espectador/ouvinte.
              No depoimento sem o advogado que o deu como recebedor de R$ 150 por manifestação violenta, Caio Silva de Souza negou receber esta ou outra quantia. Sabe de dinheiro para passagens, de quentinhas, outros auxílios operacionais. Fatos, portanto, que textos e imagens noticiaram com abundância durante o acampamento na Cinelândia, a bagunça diante do apartamento de Sérgio Cabral e a invasão da Assembleia Legislativa.
              Novidade seria a remuneração de R$ 150. Da qual a família de Caio também nunca teve conhecimento. E não mencionada pelo outro acusado, Fábio Raposo. Nem pelo advogado Jonas Tadeu até a prisão de Caio. Assim como não confirmada pelo delegado Maurício Luciano. Não existe tal remuneração?
              Sem resposta. A hipotética novidade, por ora, só figura em afirmação e em desmentido de Caio Souza, e na insistência do advogado Jonas Tadeu em citá-la sem indicar alguma base para tanto. Se for novidade, só o será se e quando envolta em elementos mais seguros do que um preso que se contradiz e um advogado que já disse recorrer a inverdades.
              Os partidos PSOL e PSTU são os apontados como fomentadores e apoiadores materiais dos atos de violência, acampamentos e invasões. Sérgio Cabral, comentaristas, editoriais e políticos já diziam isso há oito meses, desde as badernas iniciais em vários estados. Os serviços de informação das polícias investigam o grau dessa vinculação há muito tempo. Sem conseguir até agora, que se saiba, mais resultados do que já era notório. Novidade, nenhuma.
              Nem sequer a ocorrência da morte em meio à arruaça violenta trai a regra do episódio. Mesmo aqui neste espaço, onde a futurologia não goza de prestígio, a tendência a um episódio fatal foi acentuada como efeito do desatino black bloc e dos choques com a PM. O que aconteceu foi terrível como se deu, quando e com quem se deu, mas não foi surpreendente que se desse. Seguiu a lógica previsível.
              FORAS
              Reinaldo Azevedo, na Folha de sexta-feira, incluiu este trecho: Janio de Freitas "referiu-se a mim -- um comentarista que já aparecia na rádio...' -- porque perguntei a Jonas, na Jovem Pan, se grupos de extrema esquerda financiavam arruaceiros". Admito perder muito, mas não sou ouvinte da Jovem Pan e das ponderações de Reinaldo Azevedo. O comentário por mim citado foi transmitido pela CBN, em torno de 12h20 de quarta-feira, como pode ser comprovado por meio do saite da emissora.
              Também não é verdadeiro que "Janio de Freitas especulou sobre a honorabilidade de Jonas Tadeu Nunes, advogado dos assassinos de Santiago, porque já foi defensor de Natalino Guimarães, chefe de milícia". Para quem lê sem má-fé, ficou claro que citei Jonas Tadeu como ex-advogado de Natalino Guimarães para uma informação de entrelinha: os advogados de milicianos, e similares, em geral são definidos no meio advocatício, por suas artimanhas, com palavra que não desejei aplicar.
              Por mim, Reinaldo Azevedo pode continuar tentando.

              José Simão

              folha de são paulo
              JOSÉ SIMÃO
              Ueba! Vaquinha na Papuda!
              E um amigo me perguntou: 'Já comprou sua fantasia de black bloc pro Carnaval?'. NÃO VAI TER CARNAVAL!
              Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Novidades da semana: o Pizzolato virou Prezolato, o Azeredo virou Azarado e o Zé Dirceu tá criando um novo bichinho de estimação na Papuda: uma vaquinha. A Mimosa! E quem vai contribuir pra Mimosa ficar gordinha? Rarará!
              E depois do Apagão, vem o Sujão! Falta d'água! São Paulo virou uma grande piscina vazia!
              Dica para economizar água: proibido lavar calcinha no chuveiro! Dica para economizar água: você não entra no chuveiro, você PASSA pelo chuveiro.
              Por isso que aquela minha amiga colocou a placa no box do chuveiro: "Favor só lavar o que for usar HOJE!". Rarará.
              E o meu amigo Ciro Botelho dá mais duas dicas: 1) O Corinthians só pode levar uma LAVADA por mês. 2) A Alstom só pode MOLHAR as mãos dos secretários do Alckmin a cada 15 dias!
              E essa piada pronta: "Bebedouro adota racionamento de água". Rarará!
              Aliás, quem inventou o chuveiro foi um francês chamado Merry Delabost! Então devia ter inventado a privada e não o chuveiro! Rarará!
              E adorei o Marco Feliciano no Twitter: "O AUTO índice de analfabetismo". Gente! Nem Jesus salva! Seria uma autoavaliação? Ele vai culpar o ALTO corretor! O auto índice de analfabetismo do Feliciano é automático e automotivo?
              E adorei a charge do Zop: "Olimpíadas de Inverno: saltos de esqui, snowboard e patinação. E aqui Olimpíadas do Inferno: ônibus queimado, rojão assassino, apagão e falta d'água". Olimpíada de Inferno!
              E essa expressão agora: "Fulano usa tática black bloc". E eu já disse que qualquer banda de heavy metal perto dos black blocs vira Galinha Pintadinha!
              E um amigo me perguntou: "Já comprou sua fantasia de black bloc pro Carnaval?". NÃO VAI TER CARNAVAL! Rarará!
              É mole? É mole, mas sobe!
              O Brasil é Lúdico! Olha esse cartaz na padaria: "Pudim de Leite Condenado". Sobremesa da Papuda! Pudim de leite condenado feito com crime de leite! Rarará.
              E esse cartaz num restaurante por quilo: "Devido a trabalheira pra fazer a panqueca, hoje não teremos ovo frito".
              Mas eu quero! Não consigo viver sem OVO FRITO! Rarará.
              Nóis sofre, mas nóis goza!
              Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

                Costanza Pascolato na Mônica Bergamo

                folha de são paulo
                MÔNICA BERGAMO
                Constância...
                ...É o que define a consultora de moda Costanza Pascolato, que, aos 75 anos, venceu o câncer duas vezes e diz ter desligado a chave das paixões e do sexo
                Os quadros flamengos do século 16 e os tapetes herdados da mãe, dona Gabriella, assim como os móveis robustos, são "restos de várias casas italianas", diz Costanza Pascolato à repórter Eliane Trindade enquanto posa para fotos na sala de seu apartamento em Higienópolis.
                A dona da casa repousa as pernas em um apoiador de pés na forma de um porquinho de couro inglês. Herança do avô. Tudo ali é antigo, tem história, mas flertando com a a atualidade, sinalizada pelos livros de arte e moda sobre a mesa de centro.
                É como seu guarda-roupa. "Sou craque em usar tudo o que é vintage e bom. E atualizar com uma bobagem, um acessório", diz a autora de "O Essencial - O que Você Precisa Saber para Viver com Mais Estilo" (editora Jaboticaba), a versão atualizada de seu manual de estilo, que acaba de ser relançado.
                Unanimidade quando se fala em elegância, Costanza prefere um outro adjetivo para definir o seu estilo clássico: constante. "A consistência na maneira de viver e fazer escolhas", define.
                Aos 75 anos, ela prefere viver sozinha. Arquivou as grandes paixões e abdicou do sexo diante da "perda do frescor". A seguir, trechos de uma conversa com a papisa da moda brasileira, para quem luxo é "saúde e tempo".
                O CÂNCER
                "Tive câncer duas vezes. O Drauzio [Varella, médico e colunista da Folha] me xinga quando digo isso: toda vez que perco alguém que amo, adoeço. O primeiro apareceu após perder meu segundo marido, o Giulio, aos 58 anos. O outro, depois que minha mãe morreu, aos 93, há três anos. Fiz as contas. Passados dois anos e pouco, as calcificações [nas mamas] cresceram."
                "Foi muito pior na primeira vez. Só o nome já era um terror. Eu tô falando de câncer 20 anos atrás, quando não se tinha tanto conhecimento. A primeira vez foi monstruosa. Era um fantasma. Quando se entende melhor, não se sofre tanto. Não tem desespero."
                "Fiz duas quadrantectomias [cirurgia para retirada de um quadrante da mama]. Numa idade que já tinha desistido da ideia de casar de novo. Mexer no seio é uma coisa fortíssima para a mulher. Mas já não tinha aquele temor de ficar menos interessante para o marido. Disse ao médico que preferia sobreviver do jeito que fosse: Se quiser arrancar tudo, pode'."
                "Não sei se o caso da Jolie [Angelina, atriz que retirou as mamas preventivamente] foi exagerado ou não. Ela gosta de ser heroína dentro da própria vida. Acho complicado, ela é jovem, está com aquele moço [Brad Pitt, o marido]. Talvez, para algumas mulheres, possa ser interessante para evitar ter a doença."
                AMORES
                "Giulio [Cattaneo, italiano] foi o grande amor da minha vida. É nas grandes paixões que você se constrói. Ficamos juntos 21 anos. Ele tinha um defeito congênito no coração, que eu não fazia ideia, e morreu no meu colo. Foi horrível [se emociona]. Penso nele todos os dias. O tempo todo me refiro a ele. É uma presença."
                "Depois, eu me apaixonei de novo por um personagem fora do meu mundo, o Nelsinho [Motta, escritor e produtor musical]. Foi muito legal. Sofri pra burro quando decidi que ia embora. Entendi que tinha chegado ao fim. Meu frescor estava acabando antes do dele. A questão era mais física mesmo. Eu não suportava mais o confronto físico, essa decadência minha, sabe? Além de os hormônios também terem ido embora. Ficou o afeto, mas o sexo não rolava de jeito nenhum."
                "Não sentia mais paixão por nada. Foi claro pra mim, quando mudou essa chave do sexo. Parece que desligou uma tomada. Vendo filmes, com tudo exposto, eu penso: gente, fiz tudo isso aí [risos]."
                "Deus me livre de casar de novo. Gosto de viver sozinha. Sempre tive umas histórias. Agora, eu me apaixono teoricamente. Aquela coisa de salão literário do século 19. É intelectual. Continuo seduzindo e me deixando seduzir, mas não quero nada com ninguém. E tem gente interessada, incrivelmente. Mas fico aflita. Minha prioridade não é essa. Durante a juventude e boa parte da vida, eu me atrapalhei priorizando as paixões.
                ESTAR NA MODA
                "Não é preciso fazer esforço para estar na moda. Você tem que entender o seu tempo. Saber acompanhar, se interessar. No momento em que você não entende mais o seu tempo, fica cristalizado ali."
                "Eu não tenho Facebook, só Instagram. Nasci lá atrás. Então, faço um esforço para colocar alguma foto minha para saberem que o perfil é meu mesmo. As pessoas não têm noção de quanto o exibicionismo pode ser letal. Minha vida é quase pública, não faço grandes segredos, mas detesto mostrar as intimidades. É uma neurose essa coisa a mídia sou eu': vou fotografar minha unha, minha orelha. Acho chato, cafona. Eu não olho."
                "Os blogs de moda também são um fenômeno formidável. Aqui e no mundo. As blogueiras são modelos a serem copiados, com as quais as meninas se identificam. Elas resolvem tudo para suas seguidoras. Elas se fotografam e mostram o que vestem, comem, como malham... Montam o look todo. Facilitam."
                "Respeito algumas blogueiras. Porque elas representam um movimento. Eu prefiro isso do que copiar personagem de novela. É mais interessante e inteligente. E todas conseguem fazer algum tipo de business."
                BRASIL FASHION
                "A roupa brasileira é cara e malfeita. O fio é caro, o tecido também. Tem muito imposto. Além do custo, falta técnica. Os americanos fazem melhor. Os italianos, divinamente. E os chineses aprenderam importando os italianos. A nossa cadeia produtiva ainda é muito crua."
                "A classe média e média alta vai para Miami comprar. Mas o Brasil é gigantesco. Na fábrica [tecelagem Santaconstancia, de propriedade de sua família], temos sete segmentos, entre eles o da periguete'. É a moda das poderosas. Lógico que entramos nesse nicho. É o que vende."
                "Eu até ganhei o disco da Anitta [funkeira], de tanto que estudo ela. Anitta é business. Sempre produzimos stretch [tecido elástico], mas agora as cores são mais exuberantes. As estampas, tridimensionais [risos]. E ainda tem brilho por cima. Uma coisa espantosa, mas tudo bem. Vende tudo."
                SER CONSTÂNCIA É...
                "Elegância é adequação. Só uma imagem muito consistente e assinada de acordo com o que você vive será capaz de se cristalizar como estilo. Tem a ver com acompanhar um certo tipo de raciocínio o tempo todo. O cabelo pode ser diferente, a idade também. Mas permanece a consistência na maneira de viver e de fazer escolhas. Eu sou constante."
                "Dentro do universo da minha idade, eu tô ótima. O meu problema não é envelhecer. Todo mundo diz: Você tá linda'. O que me preocupa é não ter mais energia. Adoro trabalhar. Ficar doente é realmente algo que me alucina. Tenho 400 tipos de doença autoimune, que vou desenvolvendo alegremente. Por isso, me cuido. Obviamente, você não é onipotente e não vai adiantar muito."

                  Versão de vedete para a morte de Getúlio Vargas era deliciosa - Ruy Castro

                  folha de são paulo
                  OPINIÃO
                  Versão de vedete para a morte de Getúlio Vargas era deliciosa
                  Virgínia Lane, que morreu na segunda, contava lenda sobre assassinato do presidente
                  RUY CASTROCOLUNISTA DA FOLHA
                  Na madrugada de 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas estava na cama em seu quarto, no Palácio do Catete, quando quatro homens embuçados entraram pela janela e o mataram a tiros. Não ria. Com ele, sob os lençóis, estava a vedete Virgínia Lane, com quem Getúlio tinha um caso de amor havia 15 anos. Da entrada dos assassinos pela janela até o fatal tiro no coração, Getúlio teve tempo de tomar importantes providências.
                  A primeira foi pedir a Virgínia que jurasse nunca contar a ninguém que ele fora assassinado --juramento que ela só quebrou há pouco. A segunda foi chamar seu guarda-costas Gregório Fortunato, certamente dormindo no aposento ao lado, para que tirasse Virgínia dali. Magicamente, Gregório materializou-se no quarto do presidente e, fiel às ordens do chefe, pegou Virgínia nos braços e a atirou pela janela.
                  Virgínia caiu no jardim do palácio, dois andares abaixo --naturalmente, nua, como estava na cama. Tendo completado o serviço, dois dos embuçados também pularam pela janela e, ao passar por Virgínia, ainda tiveram tempo de ofendê-la, dizendo, "Volta agora para o presidente, sua vagabunda". Ato contínuo, Gregório também pulou para o jardim, talvez para perseguir os criminosos pela rua do Catete e adjacências. E só então Virgínia se deu conta de que tinha fraturado um braço, uma perna e quatro costelas.
                  Esse relato consta de uma entrevista concedida em 2012 por Virgínia à Rádio Globo, fácil de encontrar no YouTube. Seu depoimento altera tudo que os repórteres, historiadores, biógrafos, ensaístas e memorialistas escreveram nos últimos 60 anos sobre a morte de Getúlio. Até então, todos podiam jurar que Getúlio tinha se suicidado. Afinal, foi encontrado morto, ao lado de um revólver fumegante, com uma bala no peito e um buraco no paletó do pijama.
                  Se ele foi morto pelos disparos de quatro homens, como disse Virgínia, significa que vários tiros se perderam pelo quarto e apenas um o acertou --alguém deve ter varrido os demais projéteis para debaixo da cama. E por que Getúlio não queria que soubessem que fora assassinado? Porque o povo precisava pensar que ele se matara --e, para tanto, deixara até uma "Carta-Testamento", segundo a qual saía da vida para entrar na história ou vice-versa, o que acontecesse primeiro.
                  Pelas declarações de Virgínia, não ficou muito claro o papel de Gregório nesse episódio. Por que ele dera preferência a salvar a vedete e não a defender o presidente? E o que aconteceu aos outros dois homens que ficaram para trás? Aliás, quem eram esses homens? Eram os asseclas de Carlos Lacerda, claro, diz ela. E como Virgínia conseguiu sair do Catete pelada e cheia de fraturas, e tomar um táxi na rua sem ninguém perceber?
                  Além de Gregório, estavam em palácio naquela noite Alzirinha, filha de Getúlio, e vários ministros. Era uma noite de grave crise institucional, e se temia até que o presidente renunciasse --ideal, portanto, para brincar de papai-mamãe com a namorada. Mas alguma coisa não deve ter funcionado porque, se Virgínia, no auge de seus 33 aninhos e 1,50 metro, estava gloriosamente nua, Getulio vestia o sólido pijama listrado com que passaria à eternidade.
                  A querida Virgínia, que morreu na segunda-feira em Volta Redonda (RJ), aos 93 anos, também passou à eternidade. Primeiro, por sua gravação da marchinha "Saçaricando", de Luiz Antonio, Zé Mario e Oldemar Magalhães, um estouro do Carnaval de 1952. E, depois, por sua deliciosa versão da morte de Getúlio, muito melhor do que a verdadeira, culminando a lenda de um romance que também só existiu na sua imaginação. Getúlio não gostava de baixinhas.

                  Mauricio Stycer

                  folha de são paulo
                  'Marginalzinho amarrado'
                  SBT também é responsável pelo comentário em apoio ao grupo que amarrou um jovem nu ao poste
                  Por ter sido um dos primeiros a tratar, em meu blog no UOL, do comentário de Rachel Sheherazade sobre o "marginalzinho amarrado ao poste" por um grupo de "vingadores", acabei ouvindo uma crítica recorrente.
                  Fui "acusado", por diversos leitores, de ter dado espaço e relevância a uma personagem de menor importância. O raciocínio, aparentemente lógico, leva em conta os baixos índices de audiência do telejornal que ela apresenta e a relativa relevância do jornalismo da emissora de Silvio Santos.
                  Mas esta crítica ignora o aspecto, na minha opinião, mais grave do episódio. Já no título da nota em que falei do assunto ("SBT divulga mensagem de apoio a grupo que amarrou homem nu em poste") procurei sublinhar o que entendi como o tema principal.
                  Sheherazade difundiu sua mensagem ("Num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível") numa rede de TV aberta, uma concessão pública, sem que a emissora tenha oferecido qualquer contraponto a ela.
                  É uma opinião dela? Sim. Ela é a âncora do telejornal? Sim. Ela pode falar o que quiser? Tudo que o SBT considerar aceitável.
                  Ao justificar uma ação criminosa, do seu púlpito, a apresentadora contou com o endosso (silencioso) da emissora que a colocou no lugar em que está.
                  Lamento se, ao tentar chamar a atenção sobre a responsabilidade (ou irresponsabilidade) do SBT no episódio, eu tenha ajudado uma figura que muitos consideram não merecer os holofotes. Faz parte.
                  Woody Allen e BBB'
                  Muita gente torce o nariz para programas como o "Big Brother Brasil" sem entender, de fato, qual é o fascínio que ele exerce. A recente discussão pública entre Mia e Dylan Farrow, de um lado, e Woody Allen e Moses Farrow, do outro, pode ajudar a explicar.
                  A chance de espiar o outro, o voyeurismo, é um dos atrativos do "BBB", mas não o principal. O que ele oferece de "melhor" é a possibilidade de ser juiz da moral e do caráter alheio. Da poltrona, assistindo às conversas, às trapaças e aos conluios entre os participantes, vamos formando opiniões "sólidas" sobre pessoas que não conhecemos.
                  Para quem assiste ao programa, a grande questão, no fundo, é conseguir determinar quem está sendo "falso" e quem é "verdadeiro" dentro da casa onde se passa o programa. "A máscara caiu", repete-se sempre que algum comentário ou gesto permite inferir que algum participante foi "fake".
                  Ao tornarem público um drama de natureza privada, ainda que com alcance policial e jurídico, os personagens do caso Farrow-Allen convidaram os espectadores a participar do julgamento. Iniciada no Twitter, no dia do Globo de Ouro, e depois levada às páginas do "New York Times", a lavagem de roupa suja teve audiência mundial.
                  Assim como no "BBB", o que mobilizou muita gente nas redes sociais e nos comentários de notícias não foi o prazer de ver figuras famosas brigando em público, mas a chance de julgar os envolvidos.
                  A facilidade com que muita gente chegou a um veredicto, condenando ou inocentando o cineasta da acusação de ter molestado uma menina de sete anos, lembra muito a decisão de quem vota num paredão do "BBB".

                  Ferreira Gullar

                  folha de são paulo
                  Tragédia desnecessária
                  Hoje, muitas clínicas psiquiátricas possuem campos de esporte e salas de leitura e de jogos
                  A morte de Eduardo Coutinho chocou o país e particularmente os seus amigos. Morrer assassinado era a última coisa que alguém poderia prever que ocorresse com ele. Por isso mesmo, ao chegar em casa e ver seu rosto na televisão, me detive pensando que se tratava de alguma notícia relacionada com sua atividade de cineasta. Não era, logo ouvi o locutor dizer que ele havia morrido, e fiquei surpreso. E logo acrescentou que havia sido morto por seu filho Daniel, de 41 anos.
                  Não dava para acreditar naquilo, era absurdo demais. Não obstante, aos poucos, aquele quadro trágico ia se completando e ganhando realidade. O filho era doente mental e consumia drogas. Matara o pai a facadas e tentara fazer o mesmo com a mãe; em seguida, esfaqueou-se a si mesmo, mas não morreu.
                  Teria declarado a um vizinho que fizera aquilo para libertar os pais e a si mesmo. Sem dúvida, é preciso estar louco e surtado para pensar e agir dessa maneira. Depois de saber essas coisas, não restava dúvida: Daniel agira tomado por um surto esquizofrênico.
                  Não sabia que Eduardo Coutinho tinha um filho com esse problema. Segundo ouvir dizer, parece que ele não admitia que o filho fosse doente mental e, se isso for verdade, certamente evitava tratá-lo com tal. Pode não ser verdade mas, se for, não seria o único caso de uma família não admitir que algum de seus membros seja louco. Conheci uma família que manteve trancado num quarto, por mais de uma década, um filho com problemas psíquicos.
                  Esse tipo de comportamento decorre quase sempre de uma visão preconceituosa da doença mental, como se sua incidência na família fosse uma espécie de maldição. Era assim no passado. Hoje, no entanto, são pessoas avançadas que negam a existência da doença mental. Segundo elas, trata-se apenas de um relacionamento diferente com o mundo real. Admitir que alguém é louco seria nada mais nada menos que um preconceito.
                  Certamente, quem pensa assim nunca viveu de fato o problema. Como pega bem mostrar-se avançado, aberto, antirrepressivo, muita gente não apenas nega que a loucura seja doença como, coerentemente, se opõe à internação nos chamados "manicômios". Criaram até um movimento que se intitula "antimanicomial", que visa, de fato, acabar com as clínicas psiquiátricas, uma vez que o que se chama de manicômio não existe mais.
                  É verdade que, no passado, a internação nesses hospitais implicava em agressão física e choques elétricos, mas não por simples crueldade e, sim, pelo desconhecimento das causas da doença e de medicamentos apropriados.
                  Com a descoberta dos remédios neuroléticos, os hospitais psiquiátricos mudaram radicalmente. Hoje, muitas dessas clínicas possuem campos de esporte e salas de leitura e de jogos. Já não lembram em nada os hospícios de antigamente, que mais pareciam prisões.
                  Os adeptos da nova psiquiatria fazem por ignorar essa mudança para justificar sua tese contra a internação. Essa tese surgiu em Bolonha, onde foi implantada com resultados desastrosos: os doentes pobres terminavam nas ruas como mendigos.
                  Isso já começa a acontecer no Brasil que, tendo adotado a tal nova psiquiatria, levou à extinção de mais de 30 mil leitos em hospitais públicos. Quem tem recursos interna seus doentes em clínicas particulares, enquanto os doentes pobres morrem na rua. E isso é obra de um governo que diz trabalhar em favor dos necessitados.
                  Tive oportunidade de conversar com pessoas que se opõem à internação de doentes mentais e me dei conta de que nada sabem da doença e aceitam a nova psiquiatria por acreditarem que favorece aos doentes. Na verdade, a internação só tem cabimento quando o doente entra em surto e consequentemente torna-se um perigo para si mesmo e para os outros. Foi o que aconteceu no caso de Eduardo Coutinho.
                  Desconheço a situação por que passava sua família naquele momento, mas não resta dúvida de que o filho Daniel, que é esquizofrênico, entrou em surto. Não sei por que os pais não solicitaram atendimento médico para interná-lo, mas não tenho dúvida de que, se o tivessem feito, aquela tragédia dificilmente teria ocorrido.
                  Espero que esse exemplo terrível leve as pessoas refletirem melhor sobre essa questão.