sábado, 7 de junho de 2014

Otimismo e pessimismo - Jose Miguel Wisnik

jornal o globo

Otimismo e pessimismo

Foi o futebol que promoveu o encontro dos remédios do país com os seus venenos

O pessimismo entrou na moda, como uma onda comportamental de grandes proporções que vai bater contra a Copa. Não me refiro propriamente às críticas ativas contra a Copa do Mundo, contra seus desmandos, suas prioridades suspeitas e suas inconsequências, seus usos e abusos do que há de atrativo e apaixonante no futebol. O que eu quero focalizar, mais especificamente, é uma tendência cultural: a liberação, enquanto atitude, do pessimismo tout court em relação ao Brasil, que acompanha o niilismo de massas.
Nunca me identifiquei com o par opositivo otimismo versus pessimismo. Otimismo e pessimismo são crenças sentimentais, intercambiáveis com sinal trocado — crenças em que eu não acredito. Não sei o quanto vai dar de certo ou errado na grande encrenca que está em jogo no mundo. Não sei se o Brasil afunda na sua incapacidade de dar um sentido e um projeto aos nós que o constituem (desigualdade, violência, renitência à transformação real, manutenção do privilégio e infantilismo inconsequente) ou se está vivendo consequências, afinal bem-vindas, de mudanças democráticas e de uma ampliação de consciência que têm trazido à tona estruturas antigas, surdas, com muitos aspectos terríveis, da sociedade brasileira. O fato irônico é que se a Copa no Brasil não deixar nenhum legado material, como sintoma do pior do Brasil, ela terá introduzido esse inesperado legado imaterial: o escancaramento de questões críticas que é inevitável encarar.
Um exemplo de otimismo explícito e patético é o de Carlos Alberto Parreira, que nem tem o “physique de rôle” de animador de festa, dizendo que estamos com a mão na taça e que a CBF é “o Brasil que deu certo”. Ou das peças publicitárias, como a do banco Itaú, patrocinador da seleção, apresentando multidões eufóricas e unânimes se dirigindo aos estádios, por todos os meios de transporte imaginários, numa evidente simulação invertida dos movimentos de rua de junho passado.
Sobre o pessimismo da moda, é preciso fazer, no entanto, uma distinção mais sutil. Em boa parte, o pessimista faz pose crítica com seu negativismo. É o reflexo espelhado do otimismo, com muito de cacoete e de orgulho nacional às avessas. Negativismo (comprazimento na negação) é diferente de negatividade, a potência crítica que não exclui a afirmação de uma aposta. O já famigerado artigo de Nuno Ramos, por exemplo, que comentei na semana passada, foi tomado por muitos dos que discordaram e dos que concordaram com ele como um exemplo rematado de pessimismo. Mas seu impacto está ligado ao fato de não estar preso às avaliações negativas que faz.
É um texto mais perceptivo, intuitivo e pensante do que sentimental (aquele que se prende à oposição entre o bom e o mau). Distingue-se mais até pela enunciação (o jeito de chegar aos pontos) do que pelo enunciado. Mobiliza recursos ensaísticos e poéticos para fazer um diagnóstico enviesado e discutível sobre o estado do Brasil, mas arriscado e ambicioso, no sentido de buscar fulgurações de totalidade, mesmo que precárias, a que não se chega pelas vias convencionais. Em suma, traz para dentro da discussão, deslocadas, as armas da arte. Permeada de negatividade, é uma afirmação, rara de se ver hoje nos artistas, da potência da cultura e da singularidade complexa da linguagem, num tempo em que tudo parece ser obrigado a ter um sentido literal oposto a outro, em relação aos quais é preciso se posicionar.
Marcelo Coelho, também na “Folha de S.Paulo”, viu bem que o texto se parece com as instalações do próprio Nuno, mas achou isso impróprio (como assim, uma instalação na página “Tendências e debates”?), e não entendeu os alvos que ele atinge. Precisaríamos saber lê-lo, se estivéssemos vivendo uma discussão pública menos achatada, em sua relação com o ensaio de fôlego que o próprio Nuno Ramos publicou na revista “Piauí” sobre as energias criativas que refluem sobre si mesmas, ao longo de um período significativo da arte brasileira, na forma da fita de Moebius. Não baratear a ambição da arte, testemunhá-la em ato na sua desmedida, atirá-la contra a cultura dócil à lógica da vendagem, moda, comportamento e polêmica de superfície, é uma atitude intrinsecamente afirmativa, que não se confunde com o pessimismo negativista, mesmo quando vai fundo na negatividade.
Negativista, para mim, é aquele que dá por concluídos os processos, antes que acabem. Que decreta o fim da cultura, o fim do Brasil, o fim da Copa. Foi o futebol que teve o poder, como incógnita crucial do Brasil, de promover o encontro dos remédios do país com os seus venenos, que estarão em jogo agora. Que haja a Copa desse embate, a nossa Copa das Copas.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

"Estou bonita que é um desperdício ..." - Ana Cristina César



."Estou bonita que é um desperdício.
Não sinto nada
Não sinto nada, mamãe
Esqueci
Menti de dia
Antigamente eu sabia escrever
Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída
com desvelo técnico.
Freud e eu brigamos muito.
Irene no céu desmente: deixou de
trepar aos 45 anos
Entretanto sou moça
estreando um bico fino que anda feio,
pisa mais que deve,
me leva indesejável pra perto das
botas pretas
pudera" 


De Ana Cristina Cesar no livro 'A teus pés', 

p.62(Editora e Livraria Brasiliense)

foto e poema via Marcia Tiburi

domingo, 1 de junho de 2014

Um debate acalorado: cientistas climáticos são obrigados a concordar?

Um debate acalorado: cientistas climáticos são obrigados a concordar?

Axel Bojanowski
  • Kacper Pempel/Reuters
    16.nov.2013 - Globo terrestre gigante é visto em protesto contra o aquecimento global do centro de Varsóvia, na Polônia
    16.nov.2013 - Globo terrestre gigante é visto em protesto contra o aquecimento global do centro de Varsóvia, na Polônia
Depois entrar para um grupo de lobby que critica a ideia de mudanças climáticas, o meteorologista Lennart Bengtsson alega que foi marginalizado pelos colegas, fazendo com que deixasse o grupo. Alguns cientistas reclamam que a pressão para se conformarem à opinião de consenso se tornou um obstáculo sério no campo.
A notícia de que Lennart Bengtsson, o respeitado ex-diretor do Instituto Max Planck de Meteorologia da Alemanha, havia entrado para a Global Warming Policy Foundation (GWPF), chocou toda a comunidade de pesquisa climática. A GWPF é mais conhecida por seu ceticismo quanto à mudança climática e seus esforços para minar a posição do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança Climática (IPCC). O abalo que sua decisão provocou por toda a comunidade científica deixou Bengtsson perplexo.
O cientista disse que os colegas o pressionaram tanto depois que entrou para a GWPF que ele se retirou do grupo por temer por sua própria saúde. Bengtsson acrescentou que o tratamento que recebeu lembra o da perseguição de suspeitos de comunismo nos Estados Unidos durante o macartismo dos anos 50.
Nem todos seus colegas climatologistas concordam. Gavin Schmidt, climatologista e pesquisador de modelos climáticos na Nasa descreveu a "suposta associação com a era McCarthy" como "ridícula". "Como alguém que foi de fato ameaçado com sanções penais por um senador dos Estados Unidos só por causa de artigos científicos publicados, eu não vejo como a liberdade de Bengtsson de se associar a quem quiser – e deixe-me ser claro, ele tem essa liberdade – possa ter sido comprometida de alguma forma", disse ele. 
Mas Bengtsson insiste que até seus colegas próximos o marginalizaram. Ele diz que um parceiro de pesquisa, aparentemente com medo de prejudicar a própria reputação, retirou-se de um estudo que eles vinham realizando juntos. Bengtsson não acrescentou mais detalhes além de declarar que o incidente foi prejudicial.
Schmidt, da Nasa, também criticou essa afirmação. "Isso é tão vago que não chega a significar muita coisa, e sem um exemplo de fato, é impossível saber o que está sendo alegado."
Nuvens antes da tempestade
Está ficando claro que as nuvens de controvérsia já estavam se juntando antes da tempestade atual. Em fevereiro, Bengtsson passou por um revés significativo. A revista científica Environmental Research Letters se recusou a publicar um estudo de autoria dele que previa um efeito estufa mais brando. A revisão de pares descreveu as descobertas do relatório como "pouco úteis" e acrescentou: "Na verdade, são prejudiciais uma vez que abrem a porta para acusações exageradamente simplificadas de 'erros' e coisas piores da parte cética da mídia em relação às mudanças climáticas."
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Veja as consequências do aquecimento global31 fotos

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2011: Pinguins migram do Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, devido às mudanças climáticas Schalk van Zuydam/AP
O respeitado meteorologista alemão Hans von Storch, do Instituto para Pesquisas Costeiras do Centro Helmholtz, descreveu a justificativa como "escandalosa" e acusou a revista de tomar decisões de motivação política sem base em critérios científicos. Em uma declaração ao site IOP Science, a editora Nicola Gulley enfatiza que o estudo foi recusado por motivos científicos. Ela argumentou que o trabalho de Bengtsson não atendeu aos altos critérios da publicação. 
Os pesquisadores do clima agora estão debatendo se seus trabalhos científicos estão sendo obstruídos por uma compulsão para o consenso. Eles se perguntam se a pressão para atingir um consenso é grande demais. Eles questionam se as críticas estão sendo suprimidas. O que está em jogo é nada menos do que a credibilidade das evidências científicas sobre a mudança climática e a própria questão da confiabilidade da pesquisa climática.
Bengtsson disse em entrevista ao Spiegel Online que queria abrir o debate sobre a mudança climática ao entrar para a GWPF. Ele disse que em vista dos grandes hiatos no conhecimento, a pressão para chegar a um consenso na pesquisa climática "não faz sentido".
Contudo, ao entrar para o grupo de lobby político, Bengtsson abriu a porta para as críticas por ter assumido uma posição inapropriada para um cientista de sua estatura.
"Não somos um grupo de interesse"
O climatologista Eric Steig, da Universidade de Washington, disse que as atividades da GWPF lembram mais o macartismo do que o caso de Bengtsson. Steig diz que a GWPF se vangloria de investigar os pesquisadores do clima. "Eles também publicaram artigos de opinião em seu site acusando importantes cientistas do clima de manter 'sociedades secretas' e agendas políticas criadas com metas de esquerda em mente", acrescentou. "Eles acusaram as escolas britânicas de fazer 'lavagem cerebral' ao ensinar os alunos sobre as mudanças climáticas." A GWPF, por sua vez, se autointitula uma organização de pesquisa que documenta argumentos sobre o porquê a mudança climática é um problema superestimado.
Rerto Knutti, da universidade técnica ETH Zürich, também tem uma postura crítica. "Organizações como a GWPF contribuem para transformar o debate científico numa guerra religiosa", argumenta. "Elas distribuem relatórios pseudocientíficos, muito embora estejam na verdade perseguindo um objetivo político", diz Knutti. Jochem Marotzke, que é sucessor de Bengtsson no Instituto Max Planck de Meteorologia, diz: "a GWPF trabalha deliberdamente de forma seletiva. Ela menciona apenas argumentos que servem aos seus propósitos. Os contra-argumentos são encobertos."
O professor Myles Allen, pesquisador do clima em Oxford, diz: "o problema é a agenda anticientífica deles, claramente ilustrada pelo fato de que recusam, sem hesitar, submeter seu relatório recente criticando o Relatório de Avaliação do 5º IPCC ao mesmo tipo de revisão por partes que o relatório do IPCC é submetido." 
O diretor da GWPF, Benny Peiser, contesta afirmações como essa. "Não somos um grupo de interesse; nossos cientistas não têm uma opinião oficial ou coletiva - em relação a nenhum tópico. Se não houvesse tabus na ciência do clima ou na política climática, a GWPF provavelmente não existiria."
"Defesa camuflada"
Mas até um professor que há muito critica a divisão partidária no debate climático, Roger Pielke Jr., cientista ambiental da Universidade do Colorado, diz que o grupo usa a ciência para camuflar sua agenda política. Pielke enfatiza, contudo, que, como um grupo de lobby, a GWFP "tem todo o direito de defender quaisquer argumentos que queira. Ela com frequência se concentra na defesa camuflada – encobrindo suas políticas com a ciência - uma estratégia comum em toda a questão climática, encontrada de todos os 'lados', e muito comum em muitos assuntos." 
Von Storch concorda que outros campos políticos, como os grupos ambientalistas, também usam "defensores camuflados" para influenciar o debate científico. Pielke elabora que "em uma democracia, as pessoas se organizam em torno de todo tipo de interesses em comum, como deveriam, e muitas compartilharão valores diferentes dos meus. E daí? As justificativas de Bengtsson para se associar à GWPF são perfeitamente legítimas. O fato de ele ter sido pressionado por seus colegas com sanções sociais e de outros tipos reflete a natureza profundamente politizada deste assunto."
Ele argumenta que a pesquisa científica deve se ater rigidamente a critérios mais altos do que os grupos de lobby, mas mesmo esses critérios agora são alvo de um escrutínio maior.
Muitos climatologistas há anos vêm se queixando tacitamente de perseguição e exclusão. Mas será que a situação é pior neste campo científico do que em outros? Roger Pielke Sr., da Universidade do Colorado, diz: "infelizmente, a ciência do clima se tornou muito politizada e os pontos de vista que diferem dos daqueles que estão no controle do processo de avaliação climática são ignorados ou ridicularizados. A partir da minha experiência, concordo 100% com as alegações feitas pelo distinto Lennart Bengtsson."
Mas quem está politizando o debate? Knutti diz que é muito fácil dizer. "Se você está politicamente à esquerda, você acredita no aquecimento global", diz ele. "Se você está na direita, isso é bem menos provável." Ele acrescenta que a linha entre os fatos e as opiniões costuma ser borrada, mesmo entre os cientistas.
"Sujo, sórdido, destrutivo"
"Cada lado sustenta que o outro está politizando o debate", explica Werner Krauss, etnologista ambiental do Centro Hemholtz para Pesquisa Costeira e de Materiais em Geesthacht, Alemanha. Ele diz que a pesquisa climática é dominada por "figuras influentes" que sabem como explorar a mídia sempre que querem. Krauss alega que Bengtsson encenou sua mudança para a GWPF na mídia e afirma que a pesquisa climática caiu vítima de um equivalente científico do fervor religioso. Ele diz que não é de admirar que Bengtsson se tornado vítima de fogo cerrado por sua decisão.
Ao mesmo tempo, Heinrich Miller, do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha, diz: "acho que a forma como seus colegas reagiram é chocante. Aparentemente existe agora uma frustração geral porque um brilhante exemplo científico está tornando públicas suas dúvidas científicas", disse ele. Miller acrescentou que o caso de Bengtsson faz com que ele se lembre de quando os políticos usam "truques sujos" para amordaçar seus oponentes.
Pielke Jr. confirma que a pesquisa climática é um campo duro. "Nós vemos uma política implacável", diz ele. "Eu pessoalmente senti pressões sociais e profissionais muito fortes ao longo dos anos. Entre elas, ameaças ao meu emprego, ostracismo profissional, interpretações públicas equivocadas de minhas pesquisas e opiniões, esforços para impedir que eu falasse em público e ameaças pessoais, muitas das quais foram documentadas publicamente". Ele aconselha "que qualquer um que queria participar do debate público sobre mudança climática deve fazer isso sabendo como o jogo político é hoje – sujo, sórdido, destrutivo." 
"Aquecimento global é tomado como um dogma"
O climatologista Michael Mann fala até mesmo em "guerras climáticas". Durante anos, ele disse que foi alvo de ataques por parte de grupos conservadores céticos em relação às mudanças climáticas, especialmente depois do escândalo "Climagate", quando seus e-mails foram publicados ilegalmente. O outro lado tampouco mede forças – pelo menos no que diz respeito à mordacidade. Um professor austríaco chegou ao ponto de pedir a pena de morte para os céticos do clima.
Miller diz que os cientistas estão politizados principalmente por terem de buscar um consenso sobre os resultados para o relatório do 5º IPCC. "O aquecimento global é tomado como um dogma. Qualquer um que duvide dele é mau", diz o renomado pesquisador, que foi rotulado de "cético do clima" depois de questionar a validade científica de simulações computadorizadas.
Knutti, por outro lado, alerta sobre a enfatização excessiva da falta de certeza sobre as evidências. Ele diz que as críticas severas de Bengtsson contra as previsões de mudanças climáticas são enganosas, explicando que os modelos fornecem resultados úteis que foram testados em mudanças climáticas históricas. O Relatório do 5º IPCC que levou anos para ser produzido por centenas de cientistas, diz Knutti, documenta amplamente a variedade de resultados. Ele diz que ficar sentado e esperar que todas as questões sejam respondidas não é uma alternativa, e descreve uma grande parte do que veio a ser chamado de ceticismo como um egano deliberado.
(Traduzido do alemão por Taryn Toro.)
Tradutor: Eloise De Vylder