segunda-feira, 19 de maio de 2014

Inquérito NSA: Snowden pode ser interrogado na Alemanha?

Inquérito NSA: Snowden pode ser interrogado na Alemanha?

Hubert Gude e Jörg Schindler
  • Imagem de vídeo registra visto temporário de Edward Snowden para entrar na Rússia
    Imagem de vídeo registra visto temporário de Edward Snowden para entrar na Rússia
Um comitê investigativo especial do parlamento federal alemão, o Bundestag, está investigando alegações publicadas inicialmente na Spiegel de que o aparato da Agência Nacional de Inteligência dos Estados Unidos espionou o telefone celular da chanceler Angela Merkel e também os dados de comunicações de milhões de cidadãos alemães. As alegações se tornaram fonte de tensões significativas entre a Alemanha e os Estados Unidos.
Uma das questões centrais que o comitê enfrenta é se e como questionará o denunciante e ex-funcionário da NSA Edward Snowden, cujo arquivo foi a fonte de inúmeras reportagens investigativas sobre as atividades da agência de inteligência.
O governo alemão da chanceler Angela Merkel é fortemente contrário a levar Snowden para testemunhar na Alemanha. Em um documento confidencial fornecido ao comitê - que vazou para o jornal Süddeutsche Zeitung e outros meios de comunicação no final de abril - o governo argumentou que se Snowden testemunhar na Alemanha, isso colocaria em risco "o bem-estar do estado". Ele acrescentou que o questionamento de Snowden na Alemanha seria "contrário a interesses políticos importantes da República Federal", e que se o ex-funcionário da agência de inteligência recebesse permissão para viajar para a Alemanha, os serviços secretos dos EUA "iriam pelo menos temporariamente" limitar a cooperação com seus colegas alemães. De fato, de acordo com a reportagem da Spiegel, Merkel prometeu ao presidente dos EUA Barack Obama que o denunciante da NSA não seria levado à Alemanha.
Os pontos de vista políticos na Alemanha são variados quanto à possibilidade de levar Snowden a Berlim para ser interrogado sobre o assunto, mas membros do comitê investigativo já estão explorando formas alternativas de falar com o homem que trouxe o escândalo à tona.
Patrick Sensburg, 42, membro do partido da União Democrática Cristã (CDU) de Angela Merkel, é presidente do comitê investigativo da NSA. Em entrevista à Spiegel, ele discutiu os planos do parlamento para interrogar Snowden.
Spiegel: Você já está em contato com a testemunha, o ex-funcionário da NSA Edward Snowden?
Sensburg: Não diretamente. O comitê investigativo da NSA no parlamento concordou unanimemente em interrogá-lo, possivelmente já em 3 de junho. Agora discutiremos com o advogado alemão de Snowden onde e sob quais circunstâncias isso poderá acontecer.
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9.jun.2013 - Edward Snowden, 30, ex-técnico da CIA que trabalhou como consultor da Agência Nacional de Inteligência (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, assumiu a responsabilidade pelos recentes vazamentos sobre a espionagem americana, conforme divulgou neste domingo (9) o jornal britânico "The Guardian" Leia mais Ewen MacAskill/The Guardian/AP
Spiegel: Snowden - que pode contar com o asilo político em Moscou até o final de julho - disse que quer vir para a Alemanha e ficar disponível para os membros do parlamento. O que há de errado com isso?
Sensburg: Não se trata apenas do que ele quer, mas também do que é viável. Vamos discutir os possíveis e diferentes cenários. Por que Snowden tem reservas em ser interrogado em Moscou diretamente ou via vídeo-conferência? Como podemos afastar suas preocupações? Essas preocupações são justificadas ou simplesmente representam o que ele vê como a melhor alternativa em outro processo sobre seu futuro status de residência? Para nós, isso não diz respeito a atender um desejo. Se chegarmos à conclusão, em, nossas discussões com o advogado de Snowden, Wolfgang Kaleck, de que há um plano de ação viável, então ele se pronunciará a favor disso, mesmo que não seja o caminho preferido por Snowden.
Spiegel: Há uma certa apreensão de que Snowden não seria totalmente livre para responder se fosse interrogado na Rússia.
Sensburg: Não vejo dessa forma. Seu advogado deixou claro para o comitê investigativo que Snowden não respondeu a certas questões até agora porque elas não foram feitas pelo Parlamento Europeu. E ele agora quer responder a perguntas mais concretas do Senado francês. E ele quer fazer isso de Moscou, então não há motivo para não interrogá-lo lá.
Spiegel: Onde o interrogatório de Snowden poderia acontecer?
Sensburg: Se Snowden quiser testemunhar sem estar sob o escrutínio do líder russo Vladimir Putin e de seu serviço secreto, FSB, ele poderia passar pelo questionamento na embaixada de Moscou ou em um terceiro país. A Suíça, por exemplo, tem excelentes tecnologias de segurança a seu dispor. Certamente seria possível estabelecer uma vídeo-conferência livre de escuta com a Alemanha. Também seria possível arranjar um encontro entre os membros do comitê investigativo sobre a NSA e Snowden na embaixada suíça, desde que a Suíça concorde. Em todo caso, também dependemos da cooperação do governo russo.
Spiegel: Por que não pedir que ele visite a missão diplomática alemã:
Sensburg: Eu considero isso problemático. O que aconteceria se ele dissesse que não se sente seguro lá também? E se ele disse que queria ir para a Alemanha e não testemunharia até chegar no país? O que aconteceria? A questão de asilo político dentro do contexto de uma embaixada é uma questão legal complicada. Nós também temos que olhar de perto se podemos garantir a segurança de Snowden em nossa missão em Moscou. E se ele fosse sequestrado de lá pelos norte-americanos? O que aconteceria se ele deixasse o prédio e fosse colocado em um ônibus por agentes norte-americanos? Isso seria muito constrangedor.
Spiegel: Um sequestro pelos norte-americanos, bem no centro de Moscou? Isso não soa um pouco absurdo?
Sensburg: Eu não quero descartar nenhuma possibilidade neste caso. É por isso que defendo que o interrogatório aconteça dentro da missão diplomática de um terceiro país. Também poderia ser em uma embaixada sul-americana.
É possível que Snowden fique então preso em uma situação similar à do fundador da WikiLeaks Julian Assange, que está preso na embaixada equatoriana em Londres há quase dois anos. Não seria um ato mais humano trazer Snowden para a Alemanha?
Sensburg: Um interrogatório na Alemanha ainda é uma opção. Mas eu duvido muito que ele aceitaria isso porque há um pedido de extradição dos Estados Unidos baseado na acusação grave de que ele cometeu atos de traição. Não há qualquer base para garantir asilo político a ele na Alemanha. Com a opinião de especialistas, o governo federal alemão deixou claro que Snowden deveria esperar procedimentos de extradição no momento em que saísse do avião aqui. Mas talvez esta não fosse uma solução ruim, no fim das contas.
Spiegel: O que você quer dizer com isso?
Sensburg: Não consigo imaginar que uma vida sob as asas da FSB seja confortável. Também considero a alternativa promovida pela oposição alemã - de colocá-lo em um programa de proteção de testemunhas alemão e assim escondê-lo durante anos - muito pouco atraente. Se ele se entregasse para procedimentos de extradição na Alemanha, poderia negociar as condições de seu retorno aos EUA daqui. Eu preferiria uma sentença de prisão de cinco anos nos Estados Unidos do que uma vida inteira fugindo.
Spiegel: Outros membros de seu partido, a União Democrática Cristã (CDU), criticam o fato de que o comitê está considerando interrogar Snowden como testemunha. Eles argumentam que há pouco que ele pode fazer como técnico da NSA para esclarecer (o escândalo de espionagem da NSA).
Sensburg: O testemunho é fundamentalmente a prova mais fraca mas ele serve, entre outras coisas, para substanciar a prova. É por isso que submetemos uma moção para Snowden fornecer ao comitê acesso a seus dados ou para que aqueles que tenham acesso a documentos da NSA os entreguem ao comitê. Absurdamente, representantes da oposição votaram contra esta moção. Na minha opinião, documentos escritos são preferíveis. Entretanto, acho que seria útil questionar Snowden.
Tradutor: UOL