quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Giuliana Miranda

folha de são paulo
Uso da terra no país está mais eficiente, porém excludente
GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULO
Um dos mais abrangentes estudos já feitos sobre o uso da terra no Brasil indicou uma separação, sobretudo na Amazônia, entre a alta do desmatamento e o crescimento da produção agropecuária.
"Analisamos as duas últimas décadas. Em 1995, a expansão na agricultura coincidiu com uma alta significativa no desmatamento. Em 2004 e 2005, com o pico da pecuária bovina, ocorreu a mesma coisa. A partir daí, no entanto, observamos que tem havido uma separação maior entre esses eventos", diz David Lapola, professor da Unesp em Rio Claro e autor principal do estudo.
Embora essa mudança já seja bastante positiva, a relação dos produtores com o meio ambiente ainda está longe de ser a ideal, aponta o estudo, que analisou mais de uma centena de trabalhos e foi capa da revista "Nature Climate Change".
"Não foi só boa vontade do setor produtivo. Houve uma intensificação da fiscalização, que foi acompanhada de outras ações na Amazônia", explica Lapola.
Nos outros biomas, que não recebem a mesma atenção dispensada à fiscalização da Amazônia, o próprio setor produtivo foi, em boa medida, responsável pela mudança. "Mercados do exterior, especialmente a Europa, também estão mais exigentes quanto à origem do produto", afirma o cientista.
Mais produtiva, a agropecuária no Brasil também está cada vez mais excludente.
Questão antiga no país, a concentração de terras para a monocultura de exportação está cada vez mais intensa, empurrando mais e mais pessoas para áreas urbanas já saturadas, intensificando problemas sociais.
As grandes propriedades, com mais de mil hectares, são apenas 1% das fazendas brasileiras, mas representam cerca de 50% das terras agrícolas do país.
Além de apontar problemas, o trabalho sugere soluções, como a intensificação das práticas de manejo, a criação de políticas públicas e também o pagamento por serviços florestais.

Paula Cesarino Costa

folha de são paulo
Ódio e paz social
RIO DE JANEIRO - Um adolescente de 15 anos foi espancado, deixado nu e atado a poste por um cadeado de bicicleta no Flamengo. Quem o socorreu recebeu ameaças e e-mails dizendo que não deveria ter chamado os bombeiros, mas, sim, cuspido e até ateado fogo nele. No mesmo bairro, 14 jovens foram acusados de tentar agredir rapazes que supostamente poderiam cometer algum crime. Dois disseram que faziam patrulhas para "limpar" a região.
Um jovem, acusado de ser ladrão, disse que foi chutado e preso com barbante por comerciantes de Copacabana. Outros, em Botafogo, foram xingados após perseguição policial.
A policial Alda Castilho, 22, morreu com um dos tiros dados contra a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Parque Proletário, zona norte. Operações policiais deflagradas depois já mataram oito. A imagem do sangue na escadaria foi comemorada no Facebook com frases como "bandido bom é bandido morto".
São relatos que criam uma perigosa sensação de insegurança, apesar de os principais índices de criminalidade do Rio estarem hoje muito melhores do que há dez anos. Alguns deles deram, recentemente, soluços perigosos, voltando a subir.
A socióloga Julita Lemgruber alerta para este momento em que a política das UPPs provoca indagações sobre seu futuro e sua sustentabilidade. Yvonne Bezerra de Mello, que ajudou o garoto no poste, vê o caso como "consequência de algo maior, do descrédito nas instituições e do ódio de uma sociedade intolerante".
Manifestações de raiva, violência e preconceito em reação a situações de insegurança não são surpresa. Não se pode ceder a tentações autoritárias e desumanas. É preciso dar resposta aos crimes e aos pseudojusticeiros.
Em ano eleitoral, vislumbra-se cenário de pouca racionalidade e muita debilidade sobre tema fundamental para o futuro do Estado. Não há desenvolvimento sem paz social.

Kenneth Maxwell

folha de são paulo
KENNETH MAXWELL
Corrupção à europeia
Nesta semana, a Comissão Europeia lançou seu primeiro relatório anticorrupção (o documento está disponível em em http://bit.ly/corrupcaoUE).
A comissária de assuntos internos, a política sueca Cecilia Malmström, em entrevista coletiva para o lançamento do relatório em Bruxelas, declarou que "a corrupção solapa a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e no Estado de Direito, prejudica a economia europeia e priva os Estados de arrecadação tributária muito necessária".
Estima-se que a corrupção custe à economia da zona do euro cerca de € 120 bilhões (aproximadamente R$ 390 bilhões) ao ano. De acordo com o relatório, 76% da população europeia acredita que a corrupção seja generalizada; 90% a vê como problema na Grécia, Itália, Lituânia, Espanha, República Tcheca, Croácia, Romênia e Portugal; um quarto da população diz que a corrupção afeta sua vida pessoal; e metade da população diz acreditar que a corrupção aumentou nos últimos três anos.
Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo e Suécia têm pouca experiência com propinas. Na Dinamarca, por exemplo, apenas 20% da população considera que a corrupção seja generalizada, enquanto em Portugal o índice é de 90%. Na Dinamarca, apenas 6% acredita que "compadrio e nepotismo sejam problema para os negócios de sua empresa", ante 57% em Portugal. Ainda na Dinamarca, 4% dos entrevistados acreditam que "a corrupção seja problema para os negócios de sua empresa", ante 68% em Portugal.
Um terço das companhias que participam de concorrências públicas para contratos com o governo foram impedidas de fazê-lo por causa da corrupção. O relatório também constatou que os países membros da União Europeia fracassaram sucessivamente em resolver os conflitos de interesses entre políticos e empresas.
Das 7.842 empresas entrevistadas, 69% dizem que pagar propinas e explorar conexões políticas é o caminho mais fácil para obter certos serviços públicos. Malmström observou que a corrupção "custa milhões aos contribuintes, e, em muitos casos, ajuda grupos do crime organizado a fazer seu trabalho sujo".
Acredita-se que a corrupção custe R$ 70 bilhões anuais à economia brasileira. Os escândalos em São Paulo e em Brasília, envolvendo a gigante alemã Siemens e a companhia francesa de transporte e energia Alstom, deixam claro que é na interseção entre políticos, obras públicas e grandes companhias industriais e de construção que a tentação (ou, mais precisamente, a obrigação) de subornar acontece. Será que a nova lei brasileira de combate à corrupção vai impedir isso? Só o futuro dirá.

    O Maracanã não existe mais - Roberto Muylaert

    folha de são paulo
    ROBERTO MUYLAERT
    O Maracanã não existe mais
    Sem obedecer à proibição de mexer nas estruturas, o Maracanã foi derrubado e encolheu para 78 mil pessoas. Acabou a majestade
    Em 16 de julho de 1950, o Brasil perdeu para o Uruguai a final da Copa do Mundo no Rio (2 a 1). Ainda não havia televisão e o Cineac Trianon passava filmes dos jogos com alguns dias de atraso. Só quem estava no estádio tinha credibilidade para contar detalhes da partida. O resto era transmissão pelo rádio.
    O centro do Rio era só alegria, com as vitrines exibindo o pôster oficial da Taça do Mundo, um meião de jogador com 28 bandeiras de países participantes. Vieram 12, o resto desistiu. Premonitório, o pé do jogador não chutava, já pisava na bola.
    O jogo Brasil x Suécia (7 a 1) foi de euforia total, o público vibrando com a goleada imposta ao civilizado país nórdico. A próxima vítima seria a Espanha, que levou de 6 a 1. Parecia que o complexo de vira-lata, a que se referia Nelson Rodrigues, tinha acabado.
    No jogo final, só era possível sentar na arquibancada de concreto forçando a traseira como cunha entre dois torcedores já espremidos. Dez por cento da população do Rio no estádio, um prodígio de dimensões e de público, 200 mil pessoas, ou 14 mil toneladas de gente. Na mesma proporção, São Paulo precisaria hoje de um estádio para 1 milhão.
    As fundações recalcaram naquele único dia o que estava previsto para afundar em meses de ocupação. O resto se sabe: o único registro do segundo gol do Uruguai, de cinegrafista ignorado, é exibido à exaustão na TV brasileira.
    O excelente Museu do Futebol de São Paulo comete uma injustiça contra a Copa de 50, mostrada numa sala escura, como um funeral, onde o filme do gol de Ghiggia roda sem parar. Nada sobre a emoção das goleadas anteriores, como no jogo contra a Espanha, onde a multidão afinada cantou sem ensaio a marcha "Touradas de Madri" enquanto acenava com lenços brancos, como a se despedir do país derrotado.
    O cartaz oficial de 2014 parte da mesma ideia do anterior, mas é andrógino. Exibe duas pernas meio femininas de meiões rendados disputando com delicadeza uma bola no mesmo padrão.
    Em 1954, na Suíça, a revanche não aconteceu --a mágica Hungria ganhou do Brasil, em Berna. A redenção só chegou em 1958, na Suécia, quando surgiu um menino fenômeno chamado Pelé.
    Em 2014, a final será de novo no Maracanã. Agora, o estádio tombado pelo Iphan só tem o nome em comum com o original: encolheu para 78 mil pessoas, jogando fora a recente reforma de 2007 feita para os Jogos Pan-Americanos.
    A ideia da Fifa era ter um estádio onde fosse menor a distância do torcedor até o campo de jogo. Sem obedecer à proibição de mexer nas estruturas, o Maracanã foi derrubado, deixando um espaço oco por dentro, mantidas apenas as características colunas externas de concreto e as rampas de acesso.
    Ali foi construído um anel concêntrico, de diâmetro menor que o original, onde ficam as novas arquibancadas. Acabou a majestade: a cobertura agora é de fibra de vidro, com luzes azuis, vermelhas, amarelas, como num circo.
    As reformas de 2007 e 2014 somaram R$ 1,4 bilhão. Com metade desse dinheiro, o Rio construiria um novo estádio: "Pague um e leve dois". Preferiu o "pague dois e leve um". E o Maracanã de tantas emoções, nesta segunda Copa do Mundo no Brasil, não existe mais.

    Degradação legal e Água pelo ralo

    folha e são paulo
    EDITORIAIS
    Degradação legal
    Um dos assuntos inconclusos legados pela ex-ministra Gleisi Hoffmann na Casa Civil chegou a ser apregoado como panaceia para o desmatamento no Brasil: o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
    Previsto desde maio de 2012 pelo novo Código Florestal, esse banco de dados nacional ainda não vingou por falta de regulamentação. Com a omissão do Planalto, o que era para ser instrumento moderno de controle arrisca dar origem a uma barafunda burocrática.
    A meta é formar um registro cartográfico digital de 5,2 milhões de terrenos. Cada proprietário teria o prazo máximo de dois anos, após regulamentado o cadastro federal, para nele inscrever o imóvel, com localização de áreas de reserva legal e preservação permanente.
    Para incentivar essa autodeclaração, a lei faz do cadastramento precondição para obter crédito rural e regularizar a situação ambiental da propriedade (mas deixa de fora a situação fundiária).
    De posse dos mapas e perímetros, autoridades poderiam monitorar com aparelhos de GPS e imagens de satélite se os compromissos de preservação e recuperação assumidos são de fato cumpridos. Pela primeira vez o país conheceria em detalhe o passivo ambiental acumulado.
    O CAR tem o apoio até da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao menos formalmente. Mas não é difícil imaginar que alguns proprietários, sobretudo aqueles que nunca averbaram reservas legais, tenham interesse em protelar o cadastro. Fato é que ele atrasou, e mais do que deveria.
    O esqueleto do Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural), que custou R$ 29 milhões, está pronto. Falta normatizar seu funcionamento e o futuro Programa de Regularização Ambiental, regulamentos em análise na Casa Civil desde meados de 2013.
    O Sicar determina que os imóveis sejam cadastrados nos Estados onde ficam, mas em obediência a padrões que permitam sua inclusão num banco de dados federal. Na ausência desse detalhamento, os governos implantam seus sistemas com formatos e critérios que poderão revelar-se difíceis de tornar compatíveis, a posteriori.
    É do governo federal a obrigação de impedir a transformação do CAR numa Babel que inviabilize uma ferramenta de fiscalização do desmatamento --que de resto já deu sinais de recrudescimento na temporada 2012-2013, com 28% de aumento na Amazônia.
      Água pelo ralo
      Falta de chuvas deixa Grande São Paulo sob risco de racionamento; Sabesp precisa fazer sua parte e combater desperdício no sistema
      Mais uma vez a Grande São Paulo está sob ameaça de racionamento de água. Dados os índices recordes de calor e de falta de chuvas, a notícia, embora incômoda, não chega a constituir surpresa.
      O volume de água no sistema Cantareira, responsável por abastecer cerca de 9 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo, correspondia ontem a 20,9% de sua capacidade.
      O nível está entre os mais baixos registrados nos últimos tempos. Para fins de comparação, nessa mesma época do ano passado, o reservatório operava com 52,6% de seu total. Em 2012, eram 76,1%.
      São notórias as razões para isso. Os paulistanos conheceram, em janeiro, a maior média de temperaturas máximas (31,9°C) desde que a série começou a ser feita, em 1943. O sistema Cantareira, é claro, também se ressente da estiagem. O índice pluviométrico do mesmo janeiro, 87,8 mm, equivale a um terço da média histórica do mês.
      Diante desse cenário, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) decidiu lançar uma campanha para estimular a economia de água.
      Quem diminuir o consumo médio mensal em pelo menos 20% na comparação com os últimos 12 meses terá 30% de desconto na conta. O plano se aplica a moradores da Grande São Paulo abastecidos pelo Cantareira.
      A iniciativa, voltada para os usuários, é uma reação imediata aos caprichos da natureza. Mudanças de hábitos da população podem, sem dúvida, preservar preciosos recursos hídricos e, talvez, evitar o racionamento.
      A Sabesp, no entanto, precisa fazer a sua parte. Mas, ao menos no que diz respeito a combater o desperdício, a companhia ainda deixa a desejar. Um quarto da água captada na Grande São Paulo se perde no percurso entre a represa e os domicílios da região.
      Estima-se que a maior parte desse prejuízo seja devida a vazamentos na rede; o restante seria fruto de desvios ilegais --para os quais a fiscalização, de todo modo, tem se mostrado ineficiente.
      Verdade que a Sabesp tem melhorado. Em 2006, o desperdício era de 33%, e os atuais 24,7% estão abaixo da média nacional (40,7%). No Brasil, contudo, sete Estados mostram-se mais esmerados que São Paulo --Paraná é o que se sai melhor, com 21,1%, ainda longe de Alemanha (11%) ou EUA (16%).
      O órgão paulista, portanto, precisa avançar ainda mais --no mínimo, porque dinheiro do contribuinte escorre pelo mesmo ralo da água extraviada.
      Além disso, qualquer economia de recursos hídricos poderá fazer a diferença nos próximos anos. Se se confirmarem as previsões dos pesquisadores do aquecimento global, fenômenos climáticos extremos, como secas e ondas de calor, serão cada vez mais frequentes.

      PCC é uma criação dos 20 anos de governo do PSDB [Alexandre Padilha]

      folha de são paulo
      ENTREVISTA - ALEXANDRE PADILHA
      PCC é uma criação dos 20 anos de governo do PSDB
      Pré-candidato ao governo de SP, ex-ministro ataca política de segurança de Alckmin e defende gastos com publicidade
      VALDO CRUZJOHANNA NUBLATDE BRASÍLIA
      Em sua primeira entrevista após deixar o Ministério da Saúde para disputar o governo paulista, Alexandre Padilha (PT), 42, atacou a política de segurança do governo Geraldo Alckmin (PSDB): "O PCC é uma criação dos 20 anos do governo do PSDB".
      Repetindo o que deve ser o mote de sua campanha --explicitar as duas décadas de poder tucano no Estado mais rico do país--, ele afirmou que "acabou a bateria" dos tucanos e que "falta coragem ao governo de São Paulo" para enfrentar a violência.
      O ex-ministro, cujo nome foi lançado pelo ex-presidente Lula para a disputa do governo paulista, defendeu sua política de combate à Aids --criticada pelos movimentos sociais-- e disse que vai manter a posição da presidente Dilma, de não mexer na lei para liberar o aborto no país.
      Sobre a cubana que deixou o programa Mais Médicos e pediu asilo, disse que os direitos individuais devem ser respeitados, mas afirmou que o acordo firmado com Cuba, por intermédio de um órgão da ONU, segue regras similares às de outros 60 países.
      Folha - Onde está a origem de tanta violência em São Paulo, que atinge até o filho do governador Geraldo Alckmin?
      Alexandre Padilha - Quando soube o que aconteceu com o filho do governador, eu quis prestar absoluta solidariedade a ele e sua família.
      Agora, os grandes símbolos da violência em São Paulo são outros, não é o que aconteceu com o filho do governador. Mais de 500 carros são roubados por dia no Estado, 200 mil por ano. Temos uma situação muito clara de a administração penitenciária em São Paulo ser praticamente dominada por facções.
      O desafio que o Estado tem, para as pessoas se sentirem mais seguras, é termos uma política de segurança pública que garanta uma polícia mais presente nas ruas nas áreas mais críticas, que opere cada vez com mais inteligência.
      A população vive insegura. O sentimento das pessoas é de insegurança. E, nestes 20 anos, o que nós vimos foi a criação do PCC, em vez de o PSDB conseguir criar uma política de segurança, uma polícia mais presente, mais próxima da população, com ações cada vez mais inteligentes.
      O PCC é uma criação dos 20 anos do governo do PSDB, não existia antes e hoje tem.
      Para o sr. o PCC, organização criminosa que opera a partir dos presídios paulistas, é criação dos tucanos?
      Foi uma criação no governo deles. Vinte anos atrás, quando assumiram o governo, não tinha PCC, agora tem. Falta coragem ao governo de São Paulo para enfrentar o que precisa ser enfrentado. Eu diria que, hoje, a bateria do PSDB de São Paulo acabou.
      São Paulo enfrenta um problema na segurança, mas o Distrito Federal, governado pelo PT, tem situação semelhante. Não é uma questão nacional e não há omissão do governo federal em atuar com os Estados?
      São Paulo tem um potencial que não pode ser comparado com nenhum outro Estado. Pelo seu potencial, tem de se comparar com as melhores práticas internacionais, inclusive na área de segurança. Além disso, o governo federal sempre deu demonstrações de oferecer cooperação com o Estado de São Paulo.
      Será possível andar um dia em São Paulo com os vidros do carro abaixados?
      Temos de perseguir isso. Quero falar de outra área, a educação. O Estado de São Paulo perdeu nestes 20 anos a oportunidade de se transformar numa Xangai, que é vista como a Província que tem os melhores resultados internacionais na educação. Por quê? Porque criou um plano com políticas duradouras, permitindo avanços na área de educação que São Paulo não teve neste período.
      Antes de o PSDB assumir o governo, São Paulo estava em segundo lugar no ensino médio no país. Hoje está em oitavo lugar.
      Em 2013, o Ministério da Saúde aumentou gastos com publicidade, inclusive do Mais Médicos. Era necessária tanta divulgação de um programa já conhecido? Esta publicidade não beneficia sua imagem?
      É um programa que precisava de explicação e orientação para a população. Em nenhum momento fala do meu nome, não apresenta o ministro.
      E a ONG do seu pai, que teve um convênio com o Ministério da Saúde? O sr. acabou suspendendo o convênio. Não foi uma forma de reconhecer que foi um descuido?
      Qual foi minha decisão? Apesar de ter todo o processo legal, regular, orientação dos técnicos para fazer o convênio com a ONG, que é uma ONG histórica, para não gerar exploração política tomei a decisão de cancelar o convênio, antes de qualquer repasse de recursos.
      O sr. deve fechar a meta de 13 mil médicos [para o Mais Médicos] com cerca de 75% deles sendo cubanos. Por que vocês não foram mais transparentes e reconheceram que o convênio com Cuba seria a alternativa, sabendo que os médicos brasileiros não iriam se inscrever?
      Primeiro porque não tenho bola de cristal. Tenho capacidade de planejamento, de visão de futuro, era um problema que a gente apontava havia muito tempo. Muita gente dizia que os prefeitos não iam aderir ao programa, mas superou a expectativa.
      Segundo, acreditamos que a forma como foi divulgado, convocado, chamado, era importante para não desestimular a participação dos médicos brasileiros.
      O governo do PT foi tachado de conservador pelo Dirceu Greco, quando saiu da diretoria da Aids. O sr. foi criticado por não fazer campanhas que deveriam ser dirigidas para um público muito vulnerável ao HIV. Por que o sr. não teve essa postura reivindicada por esses grupos?
      Primeiro lugar respeito as opiniões que as pessoas possam ter. Agora, como ministro da Saúde, tomei um conjunto de decisões sobre quais são as mensagens que o ministério tem de reproduzir.
      Eu, por exemplo, não deixei o ministério ter uma campanha que fazia inferências sobre a felicidade ou não de uma profissional do sexo. Não cabe ao ministério fazer uma campanha para as profissionais do sexo felizes ou para as infelizes.

      União de FHC com Patrícia, oficializada na semana passada, superou ressalvas dos filhos do ex-presidente, dizem amigos

      folha de são paulo
      De papel passado
      União de FHC com Patrícia, oficializada na semana passada, superou ressalvas dos filhos do ex-presidente, dizem amigos
      DANIELA LIMADE SÃO PAULOHá cerca de três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixou de chegar sozinho à casa de amigos como o historiador Boris Fausto e o filósofo Arthur Giannotti, nas noites de domingo, quando se reúnem para jogar pôquer. Ao convescote somou-se Patrícia Kundrát, de 36 anos, com quem FHC namora desde 2011.
      Na semana passada, o ex-presidente decidiu oficializar o relacionamento. Chamou um escrivão em seu apartamento, no bairro de Higienópolis, na capital paulista, e, em cerimônia discreta, na presença apenas dos advogados, celebrou um contrato de união estável com Patrícia.
      Embora já esperassem --desde o ano passado FHC passou a falar com pessoas mais próximas sobre o assunto--, amigos e políticos com quem ele se relaciona há anos só souberam do enlace pela imprensa. Apesar da surpresa, dizem que a união se deu de forma natural, tal como começou a relação dos dois.
      FHC tem 82 anos. Conheceu Patrícia no instituto que preside e que leva o seu nome. Ela trabalhava na entidade e, não raro, despachava com o ex-presidente. Os dois se aproximaram.
      De início, FHC despistava quando perguntado sobre a relação. No fim de 2011, deixou de fazer segredo. Viajou com Patrícia para Ibiúna, no interior de São Paulo. Os dois foram namorar em uma casa de campo.
      No começo, dizem amigos do ex-presidente, os filhos de FHC viram o relacionamento com algumas ressalvas.
      Viúvo desde 2008, quando Ruth Cardoso morreu, o sociólogo escolheu uma mulher muito mais jovem, com jeito informal e despojado.
      Mas o namoro passou a ser admirado. Quando FHC comunicou que faria o contrato de união estável, todos os filhos foram favoráveis.
      O motivo da mudança? "A Patrícia cuida do Fernando. Cuida mesmo. E ele gosta. Ela cuida das consultas médicas, das roupas, das compras. Lembra aquela história dele exibindo um sapato furado? Então, hoje jamais se repetiria!", exemplifica um ex-ministro do tucano.
      Com ela, dizem, FHC rejuvenesceu. Patrícia o chama carinhosamente de "cara" na frente dos amigos. Também não deixa de fazer chamegos em FHC, mesmo em ambientes públicos.
      Ano passado, no Dia dos Namorados, o casal saiu para jantar à luz de velas. Patrícia deu beijinhos em FHC durante toda a noite. No fim do jantar, posaram para "selfies" tiradas com o celular dela. Foram aplaudidos antes de deixar o restaurante.
      Política é assunto que não faz parte da rotina do casal. Ela também não opina sobre assuntos do PSDB e eleições.
      Patrícia sempre defende que FHC ache tempo para ele e para os dois. Gosta de preservar a intimidade do ex-presidente e é discreta em suas aparições públicas ao lado dele. Os dois moram em apartamentos separados --ela vive no mesmo bairro que ele. Fazem questão de sair para jantar toda semana. Também gostam de cinema. Ano passado, foram à Europa.
      FHC e Patrícia selaram a união estável com separação de bens. Amigos dizem que, em relação a dinheiro, ela sempre foi "extremamente despojada".
      Ainda hoje, ela participa de algumas atividades do Instituto FHC, mas não como funcionária. Faz estudos para um comitê de políticas antidrogas. Não raro, relata projetos considerados inovadores nessa área nas periferias das grandes cidades.
      A predileção pelo tema é uma das afinidades com o ex-presidente, que se dedica a ele e, há alguns anos, passou a defender a descriminalização das drogas.
      Pelas posições arrojadas, FHC é celebrado, no PSDB, como "a mente mais jovem do partido". Ontem, um dia após a divulgação do enlace, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) fez referência ao ex-presidente num discurso sobre a longevidade. "Perguntem ao FHC: a vida começa aos 83", disse.

        Janio de Freitas

        folha de são paulo
        A lei que varia
        O TSE deve algum sinal orientador entre afrouxar o rigor legal ou cobrar sua aplicação sem concessões
        As diretrizes do programa de governo lançadas por Eduardo Campos e Marina Silva não saíram da mais pobre obviedade, mas, talvez como compensação, os dois saíram da linha: foi um ato de propaganda eleitoral explícita, até anunciado e com convocação da imprensa, quando a legislação ainda o proíbe.
        Se não pretende lançar também as suas diretrizes, o Tribunal Superior Eleitoral deve aos seus sucedâneos estaduais algum sinal orientador entre afrouxar o rigor legal ou cobrar sua aplicação sem concessões. Do contrário, as eleições começam a desmoralizar-se antes mesmo de iniciado oficialmente o direito de propaganda: tanto há procuradores e juízes eleitorais vigilantes e aplicando sanções, muitas delas noticiadas, como em outros Estados a complacência prevalece.
        Para a imprensa política, todo ato de Dilma Rousseff é relacionado com propósito eleitoral. Não seria tão difícil, porém, para os experimentados procuradores e juízes distinguir os que são atos de governo e os que seriam dispensáveis como governo, mas se prestam a propaganda. O mesmo para com atos dos governadores aspirantes a eleição ou reeleição. Logo, se a tolerância com os outros pré-candidatos se deve a um pretendido equilíbrio deles com as vantagens dos governantes, a solução estará em mais vigilância e disposição do Ministério Público e da Justiça Eleitoral para reprimir os abusos do poder. Não em relaxar aqui e endurecer ali.
        Não deu para entender a afoiteza de Eduardo Campos e Marina Silva com suas diretrizes sem recheio. A menos que tenha sido para Marina proclamar Eduardo Campos, como fez com explicitude propagandística total, "o futuro presidente do Brasil". Uma aparente e inconvincente resposta, com tanta disputa política ainda por vir, à dúvida sobre qual deles disputará com Dilma.
        À parte o propósito de ambos, se houve algum, foi quase uma provocação que Eduardo Campos decidisse lançar suas diretrizes de presidente em Brasília, nos domínios do Tribunal Superior Eleitoral. A cinco meses do início legal da propaganda, em 6 de julho.
        DE FORA
        Henrique Pizzolato preso na Itália por estar usando o passaporte do irmão. Mas Pizzolato é italiano, não precisa usar passaporte na Itália. Tem documento específico da dupla nacionalidade.
        A médica cubana levou quatro meses entre "descobrir que ganha muito pouco" e procurar o deputado Ronaldo Caiado para pedir asilo, em vez de um dos três ministérios apropriados no seu caso. Interessante, aliás, a escolha que fez, de um deputado pouco conhecido até dos brasileiros e que nem é do Pará, onde ela estava. Sabe das coisas a brava senhora, ao menos quanto a parlamentares.
        Mas ou não sabe o quanto ganha ou mentiu com persistência. Nas insistentes e diferentes menções à sua remuneração, omitiu sempre o pagamento que recebe da prefeitura para a alimentação, como os demais integrantes do Mais Médicos. E ainda há a moradia.
        Essa história da doutora Ramona dá rumba.

          José Simão

          folha de são paulo
          Socuerro! A Dilma apagou a luz!
          E o ministro da Energia? O Lobão! Com aquela cara de porteiro de necrotério. Não tem energia nem pra ele!
          Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador Geral da República!
          Continua a Frente Frita! Test drive pro inferno. O calor é tanto que até dá saudades daquele amigo que falava cuspindo! Rarará! E o calor é tanto que se alguém me tratar com frieza, eu até agradeço!
          E atenção! Olha essa barbaridade: "Quem nunca deu um murro na cara do outro?', pergunta presidente da Gaviões da Fiel!". EU!
          O cara fala como se isso fosse a coisa mais normal, já deu seu soco hoje? Campanha Gaviões da Fiel: Já Deu Seu Soco Hoje?
          E o povo no Twitter: "Nunca dei, mas agora deu vontade, e olha que eu sou corintiana". "Então a polícia pode dar um murro na cara dele?" "Claro, normal, pode até levar foguete pro estádio." "Eu já tomei, serve?". Rarará. E mais: "Eu já, mas foi em treino de muay thai". Por isso que eu chamo essas torcidas organizadas de "trucidas". Trucidas organizadas!
          E a manchete do Piauí Herald: "Torcedores do Corinthians protestam de punhos cerrados contra o time". Fiéis aos mensaleiros! Rarará!
          E o Apagão? Foi a Cristina Kirchner que puxou um gato pra tomar um banho e apagou o Brasil. Apagão! Foi o Sarney carregando o marca-passo! Apagão! Culpa dos brasileiros que botaram todos os iPhones pra carregar ao mesmo tempo! Apagão! A Dilma apagou a luz do fim do túnel! E o ministro da Energia? O Lobão! Com aquela cara de porteiro de necrotério. Esse não tem mais energia nem pra ele. E lobão gosta de lua cheia. Luz do luar!
          E o secretário dos Transportes Quebrados de São Paulo: "A pane no metrô é culpa de vândalos orquestrados". Culpou a vítima pelo estupro! E o tuiteiro elgroucho: "Vândalos orquestrados eu imagino um monte de vândalo de fraque com um vândalo de fraque e batuta na frente". Rarará! E o metrô vândalo de São Paulo: superfaturado, roubado, descarrilado, trilho podre e vagão velho! Foram os vândalos da Alstom! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
          O Brasil é Lúdico! Olha essa placa em Abaeté, Minas, num restaurante por quilo: "Atenção! Não é permitido comer duas pessoas no mesmo prato!". Gulosos sacanas. Pode comer duas pessoas. Mas em pratos diferentes. Rarará!
          Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

          Mia Farrow recorre a comparsas na mídia - Michael Wolff

          folha de são paulo
          Articulista que publicou depoimento da filha adotiva com acusações a Woody Allen é amigo da ex-mulher do cineasta
          Após textos na 'Vanity Fair' e no 'New York Times', suposto abuso cometido pelo diretor volta a ser debatido
          MICHAEL WOLFFDO "GUARDIAN"Nicholas Kristof, articulista da página de opinião do "New York Times", tem um tema singular: a escravidão sexual. É sua paixão. Kristof se vê como vingador, e se tornou instrumento das vítimas.
          Como ele explica em sua mais recente coluna, foi recrutado por Mia Farrow, a mãe de Dylan Farrow, 28, e por seu irmão Ronan Farrow. Eles se tornaram aliados por seu envolvimento nos esforços de assistência a Darfur. Ele já escreveu antes em termos elogiosos sobre Mia, e os dois viajaram juntos à África.
          Agora, ele serve como canal para a carta de Dylan Farrow sobre a lembrança de um ataque sexual de 21 anos atrás de seu pai adotivo Woody Allen, então namorado de Mia. As alegações em questão receberam cobertura de mídia em 1992, e Allen foi eximido delas. Kristof diz que deveríamos presumir que ele não seja culpado, mas acrescenta:
          "Quando as provas são ambíguas, será que precisamos nos erguer para celebrar um suposto molestador?"
          (Allen é celebrado pelos seus filmes, e não por ser um molestador, como Kristof parece insinuar.)
          Kristof está servindo tanto como editor das alegações renovadas --ele publicou a carta de Dylan em seu blog-- como quanto divulgador do caso, em sua coluna regular na página de opinião do jornal.
          Ele não oferece contexto --Dylan não é retratada de modo muito diferente das vítimas que o colunista defende-- nem antecedentes ou pontos de vista alternativos.
          Kristof não explica que sua coluna está rebatendo uma detalhada e poderosa refutação pelo documentarista Robert Weide sobre a recente onda de tweets e insinuações de Mia e Ronan Farrow, postado no site Daily Beast.
          O contexto desse escândalo requentado não está em um padrão de abuso ou nas disfunções continuadas de uma família célebre, mas sim nas demandas de uma campanha publicitária. Passados 21 anos, e depois de um longo silêncio, a história foi retomada.
          O ímpeto parece ser estabelecer Mia como celebridade ativista e lançar uma carreira pública para Ronan.
          CAMPANHA
          A campanha começou na edição de novembro da revista "Vanity Fair", com um perfil de Mia por Maureen Orth, velha amiga da atriz, na qual Mia revelava que o pai de Ronan talvez fosse Frank Sinatra, e não Woody Allen.
          Os termos do artigo certamente teriam sido negociados com antecedência. Em troca da cobertura positiva da imprensa ao seu trabalho de caridade e do tratamento bajulador ao seu filho, ainda desempregado, ela teria tido de concordar em voltar ao assunto do lendário escândalo.
          Voltar, e bem mais. O preço da publicidade que ela e Ronan receberam era, na verdade, Allen.
          O artigo é uma peça de propaganda política. Orth é a autora do artigo da "Vanity Fair" em 1992 sobre a separação entre Woody e Mia, e sobre seu relacionamento com Soon-Yi, filha adotiva de Mia e sua futura mulher; o artigo também tratava das acusações de Mia sobre o abuso sexual de Allen contra Dylan --ou seja, exatamente o mesmo material das acusações atuais.
          O texto é explícito, implacável. Mia: boa, ótima, nobre. Woody: malévolo, dúplice, perigoso.
          Nem a Mia ávida por aparecer na imprensa e determinada a se vingar, nem Allen, casado há muito e pai de filhas adolescentes, sempre dedicado ao seu trabalho, estão presentes no artigo.
          Há algumas semanas, durante a cerimônia do Globo de Ouro na qual Allen recebeu um prêmio, Mia expressou seu desagrado no Twitter e Ronan escreveu sobre a acusação de ataque sexual.
          No artigo do Daily Beast, Weide respondeu com um trabalho de demolição do artigo da "Vanity Fair", desconstruindo a cronologia, a oportunidade e as circunstâncias do ocorrido. Ele inclui o fato de que o irmão de Mia está preso por molestar crianças e que seu filho Moses não fala com ela e a acusa de "lavagem cerebral" contra ele.
          Por isso, Mia buscou a assistência de seu amigo Kristof para que ele oferecesse um fórum para a carta de Dylan.
          É uma história de transações de mídia interligadas e do cultivo de comparsas na mídia. Todos estão em busca de ganho. Duas décadas se passaram, mas a traição, separação e acusações de abuso sexual do caso Allen-Farrow subitamente estão tão vivas quanto no passado.
          Eis uma certeza: quando você joga seus dramas pessoais na mídia, é sempre uma confecção. É sempre planejado. Tudo isso é ensaiado. É uma manobra técnica. Uma estratégia. Isso é manipulação. Isso é distorção.
            Escândalo pode prejudicar musical de Woody Allen
            Produtores de 'Tiros na Broadway' temem reação negativa de espectadores
            Com estreia prevista para março nos EUA, espetáculo deve ser divulgado sem se apoiar na imagem do cineasta
            ISABEL FLECKDE NOVA YORK
            Na primeira cena de "Tiros na Broadway", de Woody Allen, David Shayne (John Cusack) tenta convencer seu produtor a emplacar uma de suas peças na Broadway. Ouve de Julian Marx (Jack Warden) que seria muito mais fácil fazê-lo se eles contassem com um grande diretor.
            Em março, "Tiros na Broadway" será lançado como musical --com roteiro adaptado por Allen-- em Nova York.
            A ironia é que, desta vez, o grande nome à frente do espetáculo pode se tornar um obstáculo para a obra.
            A estreia do musical tem sido vista como o primeiro teste para Allen após ressurgirem as acusações de que ele teria molestado a filha adotiva Dylan Farrow quando ela tinha sete anos, em 1992.
            O tema, que foi central no ano seguinte, durante a disputa judicial pela guarda dos filhos após o rompimento do namoro de Mia Farrow e Allen, foi retomado em entrevista de Mia à "Vanity Fair", em outubro.
            Mas o caso só ganhou grande repercussão após a publicação de uma carta de Dylan, hoje com 28, em um blog do "New York Times", na qual descreve os supostos abusos. Na época, exames feitos com Dylan foram inconclusivos. Em um comunicado, Allen classificou a versão como "mentirosa e infame".
            Antes da carta, porém, produtores de "Tiros na Broadway" já temiam que Mia e o filho Ronan aproveitassem a estreia do musical para atacar o diretor novamente.
            Segundo o "Daily News", a produção convocou uma reunião emergencial para discutir como poderia divulgar o musical sem se apoiar tanto na imagem do cineasta.
            "O público da Broadway é muito diferente do público do cinema. É mais intimista e, nas estreias, reúne a nata da cultura em Nova York", disse ao tabloide uma fonte da produção. O temor é que estes espectadores sejam mais influenciados pelas denúncias contra Allen.
            Procurada pela Folha, a produção do musical não quis se manifestar sobre o caso.
            ARTE E ARTISTA
            A tentativa de Mia, Ronan e Dylan de atingir Allen por meio de sua obra ficou evidente desde a homenagem no Globo de Ouro. Na carta divulgada no último sábado, Dylan cobra um posicionamento de atores que trabalharam com Allen, como Cate Blanchett e Alec Baldwin, de "Blue Jasmine", o filme mais recente do diretor.
            E tenta intimidar o leitor perguntando: "Qual seu filme preferido de Woody Allen?".
            Baldwin respondeu a um espectador que lhe cobrou uma reação por Twitter: "Você está enganado se acha que há um papel para mim ou qualquer outra pessoa de fora nessa questão de família". Blanchett disse esperar que a família chegasse "a uma resolução em paz".
            Para Mark Bauerlein, especialista em crítica literária, ainda é incerto o impacto do escândalo sobre o trabalho de Allen, que teve seu roteiro por "Blue Jasmine" indicado ao Oscar, a ser anunciado em 2 de março. "Às vezes Hollywood se mobiliza em torno da pessoa, protegendo-a, outras vezes, a evita."
            Ele diz que é preciso "separar a arte do artista". "Se não fizermos isso, considerando coisas horríveis que tantos artistas fizeram em suas vidas, teríamos que descartar algumas das maiores conquistas da civilização."
            Para a psicóloga Michelle Stevens, colaboradora da "Time", contudo, é impossível ficar indiferente. "Ao atacar os fãs de Allen e os atores que seguem trabalhando com ele, Dylan está reagindo à negação sistemática da nossa sociedade sobre o abuso sexual", diz Stevens. "Esse tipo de atrocidade exige que as pessoas assumam um lado."

            CASOS DE FAMÍLIA
            Cronologia dos conflitos de Woody Allen e Mia Farrow
            FEV.1992
            Mia Farrow descobre fotos de Soon-Yi Previn, filha adotiva com o pianista André Previn, nua na casa de Allen. Ela teria 20 anos (a idade é incerta por conta das circunstâncias da adoção). Allen confessa ter caso com a jovem
            4.AGO.1992
            Dylan, filha adotiva de Allen e Mia, teria contado à mãe sobre o abuso. Segundo a "Vanity Fair", Mia e Allen iriam assinar um acordo sobre a custódia dos filhos no dia seguinte
            AGO.1992-MAI.1993
            A polícia de Connecticut e promotores investigam as acusações de abuso
            MAI.1993
            O médico John M. Leventhal, que entrevistou Dylan nove vezes, disse que ela teria dado diferentes versões. Em relatório, o médico afirma que a criança teria inventado a história ou teria sido influenciada por Mia
            JUN.1993
            Um juiz dá a guarda das crianças a Mia, e diz não estar convencido de que não haja abuso. Ele diz que a equipe que entrevistou Dylan estaria influenciada por "lealdade" a Allen
            SET.1993
            O promotor do caso anuncia que, apesar de ter elementos para processar Allen, estava desistindo por conta da "fragilidade" de Dylan para enfrentar o julgamento
            DEZ.1997
            Allen se casa com Soon-Yi Previn
            OUT.2013
            Mia e os filhos dão entrevista à "Vanity Fair". Mia diz que o pai do filho Ronan poderia ser o cantor Frank Sinatra e não Allen
            12.JAN.2014
            Após homenagem a Allen no Globo de Ouro, Mia e Ronan Farrow voltam ao tema do abuso em mensagens no Twitter
            27.JAN.2014
            Robert Weide, diretor de documentário sobre Allen, sai em defesa dele em artigo para o "Daily Beast"
            1º.FEV.2014
            Dylan publica carta no site do "New York Times", em que conta os supostos abusos
            3.FEV.2014
            Por meio de um comunicado, Allen classifica as acusações como "mentirosas e infames"
              Entre um ataque e outro, filho ganha programa
              DE NOVA YORK
              Quase tão em evidência quanto a jovem Dylan Farrow no escândalo sobre o possível abuso cometido contra ela por Woody Allen, está Ronan Farrow, 26, o irmão que saiu em sua defesa.
              O filho biológico de Mia --e que, até outubro passado, acreditava-se ser de Allen também-- foi quem adotou o discurso mais inflamado contra o cineasta após a homenagem feita ao diretor no Globo de Ouro, em 12 de janeiro.
              "Perdi a homenagem a Woody Allen: eles colocaram a parte em que uma mulher publicamente confirmou que ele a molestou aos sete anos, antes ou depois de Annie Hall'?", atacou Ronan, por meio de sua conta no Twitter.
              Não foi a primeira vez que Ronan (que pode ser filho de Frank Sinatra, segundo Mia revelou à "Vanity Fair" em outubro) se posicionou publicamente contra Allen, com quem não fala há 20 anos.
              Também pelo Twitter, em 2012, ele alfinetou: "Feliz Dia dos Pais, ou como eles dizem na minha família, feliz dia do cunhado". Referiu-se ao fato de Allen ter se casado com sua irmã adotiva, Soon-Yi.
              Mas para Robert Weide, que dirigiu um documentário sobre Allen, o endurecimento no discurso de Ronan teria não só a intenção nobre de defender a irmã, mas também de catapultar sua imagem pouco antes da estreia de seu programa na MSNBC. Para o advogado Alan Dershowitz, que defendeu Mia e a filha em processo contra Allen nos anos 90, "é ultrajante dizer que ele está fazendo isso por publicidade e dinheiro".
              Outro irmão adotivo, Moses Farrow, afirmou em entrevista à revista "People" que Allen não molestou Dylan e que Mia "instigou o ódio contra o pai" nos filhos. (IF)

              'Não vai ter milagre', diz Marta sobre adesão ao Vale-Cultura

              folha de são paulo
              'Não vai ter milagre', diz Marta sobre adesão ao Vale-Cultura
              Ministra da Cultura faz viagens pelo país para divulgar programa
              FELIPE AMORIMDE RIBEIRÃO PRETOA ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse ontem que "não vai ter milagre" para o aumento do número de adesões ao programa Vale-Cultura e que a pasta não trabalha com metas para este ano.
              O Vale-Cultura é um cartão de R$ 50 mensais que pode ser distribuído a funcionários por empresas --algumas receberão abatimento no Imposto de Renda--, para gastos com atividades culturais. O valor é cumulativo.
              "A gente não está trabalhando com temos que fazer tanto'", disse. "Não vai ter milagre. Não vamos ter milhões no primeiro ano. É vagaroso [o processo de adesão ao programa]. Tem um trabalho de formiga, como o que eu estou fazendo", completou.
              A meta divulgada pelo ministério é de ter 42 milhões de trabalhadores participantes do programa até 2020. Ontem, a ministra disse que há 357 mil pessoas inscritas.
              Marta esteve em Franca, no interior de São Paulo, para uma apresentação do programa a empresários e sindicatos do setor calçadista. A cidade tem 1.100 fabricantes de calçados com 28,4 mil funcionários, segundo o sindicato.
              O presidente do Sindifranca (sindicato das indústrias de calçado de Franca), José Carlos Brigagão do Couto, disse ver o programa como "positivo", mas que as empresas precisam "estudá-lo melhor" para implementá-lo junto aos funcionários.
              VIAJANTE
              A ministra disse que está viajando o país para divulgar o programa. As apresentações já aconteceram em São Paulo, Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR) e Chapecó (SC), todas com representantes do setor produtivo.
              "Estou fazendo o máximo que posso de viagens e estudando formas para que a gente possa implementar [o programa]. Mas a gente sabe que não é uma implementação de imediato", afirmou a ministra.
              Marta disse que tem conversado com federações estaduais da indústria, além de sindicatos, para que eles incluam a participação no programa nos acordos coletivos das categorias. "Já andei muito para falar com os empresários. Agora, o trabalhador tem que dizer eu quero'."

                Contardo Calligaris

                folha de são paulo
                Rolezinhos
                O que os shoppings têm de mágico e desejável? Qual é seu valor simbólico para os jovens do 'rolezinho'?
                Na Europa da minha juventude, não havia shopping centers --e, se não me engano, isso não mudou. Havia, isso sim, lojas de departamentos: a Rinascente em Milão, Harrods em Londres e, em Paris, o Bazar de l'Hôtel de Ville, a Samaritaine, as Galeries Lafayette, o Bon Marché.
                As lojas de departamentos são os primeiros grandes templos do consumo, como Zola contou deliciosamente no "Paraíso das Damas". Nelas, pode haver um café/restaurante no último andar, mas não há uma área de alimentação, nem cinemas, nem teatros: são lugares funcionais --para comprar, não para passear. Ninguém, em Milão, teria a ideia de dar um rolê na Rinascente. O rolê seria no Corso Vittorio Emanuele, fora da loja.
                Em Manhattan também há lojas de departamentos (Saks, Lord and Taylor, Bergdorf, Barneys, Bloomingdale's, Macy's etc.), mas não são lugares para rolê --eventualmente, para expedições quase militares em dia de liquidações anuais. O único shopping center de Manhattan é o Manhattan Mall, do qual, aliás, os nova-iorquinos tendem a fugir.
                Nas áreas suburbanas e rurais dos EUA, os shopping centers se parecem com os do Brasil. Mesmo assim, foi no Brasil que eu aprendi que dar rolês em shopping é um programa. Passeamos pelos shoppings, e não é para comprar nem para lamber vitrines. Por quê, então?
                Uma amiga me diz que ela passeia pelos shoppings para ter a impressão de estar fora do Brasil, ou seja, num espaço público que não seja ansiógeno e violento. Claro, é uma ilusão fugaz; basta olhar para as vitrines para constatar que tudo é brutalmente mais caro do que no exterior --pelos impostos, pela produtividade medíocre ou pela corrupção endêmica, tanto faz. Mesmo assim, insiste minha amiga, a ilusão de civilidade é um alívio.
                Hoje, à brutalidade de impostos, corrupção e mediocridade produtiva acrescentam-se os "rolezinhos" dos jovens da periferia. O que eles querem, afinal?
                Talvez eles gostem de apavorar. Não seria de se estranhar. É um axioma: para quem vive na incerteza (de seu status, do reconhecimento dos outros, de seu lugar no mundo), apavorar é um jeito de encontrar no medo dos outros uma confirmação de sua própria relevância. Apavoro, logo existo: espelho-me na preocupação dos seguranças e na cara fechada dos clientes que voltam correndo para o estacionamento.
                Mas apavorar é um efeito colateral. Os jovens dos "rolezinhos" pedem sobretudo uma bola branca: a admissão ao clube. A prova, a roupa que eles preferem e que grita para ser reconhecida como luxo.
                Tudo bem, alguém perguntará, eles pedem acesso a quê? À classe privilegiada? Ao consumo de quem tem grana?
                Não acredito em nada disso, aposto que eles pedem acesso ao próprio lugar para o qual eles vão: eles pedem acesso ao shopping. O que esse lugar tem de mágico? De desejável? Qual é seu valor simbólico?
                Na nossa cultura (justamente pela quase inexistência de espaços públicos minimamente frequentáveis, ou seja, pelo horror que a rua é para todos, ricos e pobres), os shoppings integram a lista histórica dos refúgios.
                Ao longo da história, nem todos os refúgios foram democráticos. Na época de minha adolescência, discutia-se para saber quem ganharia um lugar no refúgio antiatômico (os critérios eram variados, mas, por exemplo, a idade avançada não era um ponto a favor). Mais tarde se discutia para saber quem subiria na única nave espacial que levaria um grupo seleto para outro planeta, visto que a morte da Terra ou do Sol era próxima e inelutável --apreciem minha coragem: para as duas seleções, escolher ciências exatas seria uma vantagem considerável.
                Mas, antes disso tudo, houve uma época em que os refúgios eram abertos. Por exemplo, as igrejas em épocas de pestilência ou de invasão por exércitos saqueadores: todos podiam entrar. Duvido que eles acreditassem numa intervenção milagrosa que salvasse a todos, mas a própria civilidade do ato de rezar em comum era provavelmente um gesto de resistência contra a barbárie, que reinava lá fora.
                Agora, o primeiro refúgio da história foi elitista: na Arca de Noé, era só um casal por espécie, e uma família de humanos, a do próprio Noé.
                Falando nisso, como é que funcionou a Arca de Noé? Os lobos, as hienas, os chacais etc. declararam trégua e comeram só sucrilhos durante o tempo das águas ou então, irresistivelmente, eles comiam um cordeiro ou um bezerro de vez em quando?