quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Alemanha vive ano difícil na África e no Afeganistão


Alemanha vive ano difícil na África e no Afeganistão

Matthias Gebauer, Gordon Repinski e Christoph Schult




Enquanto a banda marcial se reunia para ensaiar na área de paradas de Berlim, Ursula von der Leyen teve a primeira amostra das dificuldades que a aguardam como nova ministra da Defesa da Alemanha. A pedido dela, o general de quatro estrelas Hans-Lothar Domröse veio ao gabinete dela para fornecer um briefing detalhado no início deste mês –poucas horas antes das forças armadas alemãs realizarem a cerimônia de despedida de seu antecessor, Thomas de Maizière.


Domröse, o mais alto oficial alemão na Otan, não tinha boas notícias para a ministra. A situação no Afeganistão, ele disse, era tensa três meses antes da eleição presidencial em abril. Ele também expressou sua preocupação com a retirada das tropas alemãs, porque ainda não está claro se a Bundeswehr, as forças armadas alemãs, contribuirão com até 800 soldados para uma planejada missão de treinamento no Afeganistão a partir de 2015, após a conclusão da retirada. Primeiro, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, devem chegar a um acordo sobre essa missão –e esse acordo ainda está distante.
O general Domröse alertou à ministra que cada dia que passa sem uma decisão torna mais difícil para a OTAN planejar a missão. E se nenhum acordo sobre tropas for fechado com Cabul, a Bundeswehr terá que realizar uma retirada completa.
Von der Leyen provavelmente ficou preocupada com o que o altamente respeitado Domröse tinha a lhe dizer. Ela é a estrela da União Democrata Cristã conservadora e apontada como uma possível sucessora da chanceler Angela Merkel –mas Von der Leyen será avaliada pela forma como lidar com a retirada das tropas de combate do Afeganistão. A ex-ministra do Trabalho e dos Assuntos Sociais precisa mostrar que suas habilidades vão além da família e da política social.
Ela começou bem. A ministra prometeu transformar a Bundeswehr em uma organização moderna, boa para a família, uma mensagem que as tropas gostaram. Mas as palavras claras de Domröse mostram que o assunto favorito de Von der Leyen –facilitar para os soldados combinar seus deveres com a vida familiar– não será a única política que ditará sua agenda. Longe disso.
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Soldado tem de reaprender a andar após perder as duas pernas no Afeganistão19 fotos

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O sargento Matt Krumwiede aponta arma ao lado do sargento Jesse McCart, que usa próteses, durante caça em um rancho nos arredores de San Antonio, no Texas, em 2 de Novembro de 2013. O oficial de 22 anos, que já passou por 40 cirurgias, perdeu as duas pernas ao pisar em um IED (dispositivo explosivo improvisado, em inglês) quando fazia patrulha no sul do Afeganistão, em 12 de junho de 2012. O artefato arrancou as suas duas pernas, danificou o seu braço esquerdo e rasgou a sua cavidade abdominal. Apesar do que viveu, ele diz estar ansioso para se juntar à infantaria, assim que seus ferimentos permitirem. As tropas norte-americanas estão no Afeganistão desde 2001Jim Urquhart/Reuters

Risco para as tropas alemãs

O resultado incerto do jogo de pôquer entre Cabul e Washington apresenta para a Bundeswehr um desafio de solução quase impossível. Ela precisa fazer planos para dois cenários: a transição em ordem para a missão de treinamento "Apoio Resoluto" e a retirada febril de todas as tropas até o final do ano. A situação é tão difícil que até mesmo Merkel pegou seu telefone na semana passada para ligar para Karzai, para pedir a ele que chegue a um acordo com Washington. Ela não teve sucesso.
Uma retirada às pressas aumentaria o risco para as tropas alemãs. Uma saída mal organizada despertaria as lembranças do Vietnã e moldaria a imagem de toda a missão de 12 anos: o fracasso do Ocidente no Afeganistão.
Muitos já questionam qual foi o sentido da missão de combate, que custou a vida de mais de 50 soldados alemães. Se houver problemas na retirada, Von der Leyen enfrentará um debate difícil sobre uma missão que sempre foi impopular. "A retirada não pode parecer como se estivéssemos fugindo", alerta Agnieszka Brugger, do Partido Verde de oposição.
O Afeganistão, por mais difícil que seja, não será o único desafio diante da ministra. A Bundeswehr também reforçará sua presença na África. A França está pedindo apoio na República Centro-Africana e um maior envolvimento alemão em Mali. Na segunda-feira (20), os ministros das Relações Exteriores europeus concordaram com uma missão da União Europeia na República Centro-Africana, onde a Alemanha provavelmente fornecerá apenas apoio logístico. Merkel descartou a presença de tropas em solo lá. Os soldados da Bundeswehr já estão participando de uma missão de treinamento em Mali.
Mas o presidente da França, François Hollande, quer mais, e Berlim provavelmente não recusará. Por muito tempo, Berlim não estava disposta a reconhecer que soldados alemães poderão arriscar suas vidas na África. De repente, isso não pode mais ser descartado. Nesta semana, tanto Von der Leyen quanto o ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier, deverão visitar Paris para conversar sobre qual seria a contribuição militar alemã.
Está claro para o governo em Berlim que eles não podem simplesmente deixar todo o trabalho sujo para a França. Portanto, a contribuição alemã foi limitada a voos de apoio –e o Ministério da Defesa gostaria que permanecesse assim na República Centro-Africana. Mas Berlim vê uma possibilidade de ajudar a França em Mali. Logo, um contingente maior, mais robusto, de soldados alemães deverá apoiar o esforço em andamento para treinar tropas locais.
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Crise política vira conflito étnico no Sudão do Sul28 fotos

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25.dez.2013 - Em imagem divulgada pela ONU, pessoas com nacionalidade de Uganda, Quênia, Etiópia e Eritreia entram em helicóptero para serem realocados para Juba. Exército do Sudão do Sul luta contra forças rebeldes. Há uma semana e meia, o Sudão do Sul é palco de confrontos sangrentos entre as forças do presidente e as de seu ex-vice-presidente Riek Machar Leia mais Anna Adhikari/ UNMISS/AFP

Cheios de alertas

Os militares alemães já estão envolvidos no treinamento de tropas na cidade de Koulikoro, no sul de Mali. A intenção é abrir um novo centro de treinamento não distante de Segou, localizada às margens do Rio Níger. A Alemanha treinava soldados malineses ali antes do golpe militar de 2012 no país.
Além disso, a Alemanha planeja transferir sua base aérea para voos de transporte de tropas de Dacar, Senegal, para Mali. Isso dará mais flexibilidade para a Bundeswehr responder aos pedidos das unidades militares tanto malinesas quanto francesas no país.
A situação em ambas as regiões –Afeganistão e África– podem piorar assim que Von der Leyen iniciar o exercício de seu cargo. A preocupação é particularmente grande quando se trata do Afeganistão e os memorandos internos dos diplomatas estão cheios de alertas. "2014 pode se tornar um ano fatídico para o Afeganistão", disse o embaixador alemão em Cabul, Martin Jäger, em um cabograma para Berlim em 6 de janeiro.
A razão é a recusa de Karzai em assinar um acordo de segurança de longo prazo com os Estados Unidos. Muitos países, incluindo a Alemanha, deixaram sua presença a longo prazo no país dependente desse tratado –um que determinaria o futuro status das tropas americanas no Afeganistão. "Sem os Estados Unidos, sem nossos parceiros estrangeiros, não pode ser feito", disse uma fonte da Bundeswehr.
Karzai negociou o tratado com os Estados Unidos, mas provavelmente gostaria que fosse assinado por seu sucessor. Mas não haverá sucessor antes de setembro. Em seu cabograma, o embaixador Jägen alertou sobre "incertezas significativas relacionados à missão sucessora da ISAF (Força Internacional de Assistência à Segurança)". Ele escreveu que continua mantendo a esperança de que Karzai mude de ideia, mas que é preciso se preparar para o cenário alternativo. A recusa de Karzai de ceder até o momento força a OTAN a "considerar a opção de retirada completa".
Karzai teme que a assinatura do acordo fortaleça as vozes anti-Ocidente na campanha. Caso a relação do Afeganistão com as tropas dos Estados Unidos e outros lugares se tornar um tema de campanha, "nós podemos ter algumas surpresas desagradáveis", escreveu Jäger.
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O cotidiano dos moradores do Afeganistão42 fotos

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29.set.2013 - Menina transforma rede destruída em balanço, na periferia de Cabul, capital do Afeganistão Ahmad Nazar/AP

Considerando todos os cenários

Berlim teme que os Estados Unidos possam limitar sua presença a uma força mínima em Cabul, caso permaneçam no país. "Nesse caso, nós e nossos países parceiros no norte (do Afeganistão) seríamos os perdedores", escreveu Jäger. A cooperação civil para desenvolvimento também sofreria, ele notou. "Nós temos que impedir isso."
Os planejadores começaram a considerar cada cenário enquanto se preparam para os próximos meses, incluindo a "Opção Zero", como é chamada a retirada completa. Todos os países com tropas no Afeganistão começaram a reduzir o tamanho de seus contingentes. Todo dia, enormes aviões de carga cheios de armas, veículos e outros materiais decolam de Mazar-e-Sharif, Cabul e Kandahar a caminho de casa. Caso venha a ordem para uma retirada completa, a Bundeswehr precisaria de milhões de euros para capacidade adicional de transporte, disse o general Domröse para a ministra Von der Leyen na reunião deles neste mês.
Em uma recente teleconferência com o secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, importantes representantes militares dos países membros da aliança concordaram que começariam a planejar em março para uma retirada completa até o final deste ano, caso Karzai não assine o "Acordo Bilateral de Segurança" até lá. Assim, o pior cenário se tornou um elemento concreto no planejamento da aliança para o ano.
Imediatamente após a cerimônia de despedida do ministro da Defesa de saída, De Maizière, Domröse tomou um avião para Cabul, onde se encontrará com o cada vez mais frustrado comandante da ISAF, Joseph Dunford. O general americano diz que o Ocidente deveria deixar de depositar suas esperanças em Karzai. Se a eleição em abril for realizada com sucesso, ele diz, a OTAN deveria então concluir um acordo sobre a presença de tropas com seu sucessor no segundo semestre. Até lá, as tropas ocidentais deveriam se concentrar em fornecer segurança para a campanha e para a eleição.
A inteligência americana já previu as consequências de uma retirada completa e da suspensão dos bilhões de dólares em ajuda. Uma Avaliação Nacional de Inteligência de 2013, compilada por todas as 16 agências de inteligência americanas, nota: "A perda completa da assistência financeira aceleraria a devolução em um ritmo não administrável". Ela diz que "até 2017, o Taleban provavelmente controlaria quase todo o sul e leste e disputaria a área de Cabul".

'Apenas desaceleraria o ritmo do declínio'

As agências notam que as forças armadas afegãs, que se desenvolveram laboriosamente nos últimos anos, entrariam em colapso já em 2015, o que "muito provavelmente levaria a uma guerra civil, potencialmente uma tomada pelo Taleban e oportunidades para o ressurgimento da Al Qaeda".
O relatório, intitulado "Afeganistão: Perspectivas para o Governo Afegão até 2018", também permanece pessimista em um cenário em que a missão sucessora não é implantada. Mesmo com ela, nota o relatório, "a situação no Afeganistão deteriorará". Apoio adicional apenas desaceleraria o ritmo do declínio. Com ou sem a missão, nota o relatório, "o Taleban expandirá de modo constante sua influência e controlará grandes partes do interior".
Os eventos que ocorreram na sexta-feira (17) ressaltam quão grave a situação se tornou. Três homens-bomba atacaram um restaurante no distrito diplomático de Cabul, frequentado por estrangeiros. Pelo menos 21 pessoas morreram no ataque.
Pouco antes do Natal, durante sua primeira visita ao Afeganistão, a nova ministra da Defesa ainda expressava otimismo quando discutia as condições. Caminhando penosamente em meio ao cascalho e o vento frio de dezembro na base militar alemã em Mazar-e-Sharif, Von der Leyen e o general Dunford emitiram uma declaração conjunta de confiança com as forças armadas americanas. "Muito foi conseguido aqui e queremos proteger isso", disse Von der Leyen. Restam apenas poucos meses para a OTAN cumprir essa meta.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Cine Belas Artes, um avanço fundamental - Nabil Bonduki

folha de são paulo
NABIL BONDUKI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Cine Belas Artes, um avanço fundamental
A reabertura de um cinema de rua simboliza a reversão do processo de abandono do espaço público, um passo rumo a uma cidade mais humana
Sem a mobilização, a persistência e a capacidade de diálogo do Movimento Cine Belas Artes (MBA), não estaríamos hoje às vésperas de comemorar a histórica reabertura do cinema, em São Paulo.
Há três anos, quando publiquei, neste mesmo espaço, o artigo "Não deixe o cine Belas Artes fechar" (12/1/2011), muitos disseram que a batalha estava perdida, que os cinemas de rua estavam morrendo e que a vida era assim mesmo, que "a força da grana destrói coisas belas".
Essa história mostra que podemos reverter o "curso natural" das coisas. Mesmo sem o cinema (fechado em março de 2011), o MBA resistiu graças à sua extraordinária liderança, que combinou mobilização social com diálogo permanente junto aos órgãos de preservação, Judiciário e Legislativo, promoveu a abertura de processos de tombamento, CPI na Câmara Municipal, audiências na Assembleia Legislativa, propostas para o Plano Diretor Estratégico da cidade e abaixo-assinados.
Em um persistente diálogo com os atores envolvidos, o MBA conseguiu impedir que o prédio da rua da Consolação se transformasse em um estabelecimento comercial e mantiveram a luz acesa no final de um túnel escuro. A chama foi fundamental para que, a partir do início de 2013, na conjuntura criada pela eleição de Fernando Haddad (PT-SP), a Prefeitura de São Paulo pudesse pavimentar o difícil caminho que viabiliza agora a reabertura do cinema.
Sob a coordenação das secretarias municipais de Cultura e de Desenvolvimento Econômico, buscou-se uma solução que não gerasse custos para a prefeitura, garantisse um cinema com programação e processo de gestão diferenciados e contribuísse para a nova etapa do audiovisual em São Paulo, com a criação da SP Cine e a reabertura dos cinemas de rua.
Um verdadeiro presente de aniversário, a reabertura do Belas Artes não deve ser entendida como o ponto de chegada dessa luta, mas uma referência para o avanço na criação de mecanismos de proteção para os espaços culturais da cidade. Ao longo desses três anos, amadureceu a tese de que São Paulo precisa se proteger da valorização imobiliária, preservando lugares significativos inscritos como patrimônio imaterial, espaços de acesso público relevantes como teatros, cinema, bares e restaurantes.
Sem esses lugares, a cidade perde sua memória, seus pontos de encontro e sociabilidade. Fica sem referências. Foi esse o nosso sentimento quando o cinema fechou, interrompendo uma inovadora forma de se relacionar com o público, que incluía o "noitão" --sessões madrugada adentro com filmes surpresa, café da manhã e alguma paquera.
Deveremos acolher no substitutivo do Plano Diretor propostas sugeridas pelo Movimento Cine Belas Artes no processo participativo promovido pela Câmara Municipal, como instrumentos de proteção legal para os lugares representativos na cidade e a criação de um corredor ligando os diversos espaços culturais localizados entre a avenida Paulista e o centro.
Esses lugares são fundamentais para a ocupação do espaço público, elemento que dá vida e segurança à cidade. Eles precisam ser estimulados pelo poder público com mecanismos como a lei nº 13.712, de minha autoria, que dá incentivos fiscais aos cinemas de rua, articulados a um programa de ampliação do acesso ao audiovisual, priorizando jovens e idosos de baixa renda.
Embora possa parecer um evento na contramão da história, a reabertura de um cinema de rua simboliza a reversão de um processo de abandono do espaço público na cidade. Está coerente com a proposta do novo Plano Diretor, que valoriza os serviços e comércio de rua. Por isso, o novo Belas Artes não é um evento isolado, mas uma pedra importante na construção de uma cidade mais humana.

Condenada à mediocridade - Rogerio Cesar de Cerqueira Leite

folha de são paulo
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
TENDÊNCIAS/DEBATES
Condenada à mediocridade
Para melhorar a gestão das universidades brasileiras, é preciso coragem política para adotarmos a fórmula da Organização Social
Desde seus tribulados primeiros passos, talvez em Bolonha (Itália), a instituição que hoje chamamos de universidade teve uma missão monolítica, a saber, gerar e difundir conhecimento. Embora ainda haja equívocos quanto à sua missão, um grande progresso foi alcançado quanto à compreensão da sua importância para a civilização.
Após 40 anos de proselitismo, parece que algumas verdades finalmente se tornaram autoevidentes. Hoje todos reconhecem que sem capacitação tecnológica não há desenvolvimento econômico, como também que sem atividade de pesquisa em ciência não há inovação. Concluímos que sem universidades de qualidade não há desenvolvimento econômico e social.
Pois bem, enfrentemos a trágica realidade. O ranking de universidades de maior credibilidade do mundo, o "Times Higher Education", examinou as 400 melhores. A USP ficou entre a 226ª e a 250ª posição. A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) entre a 301ª e a 350ª.
A humilhação é maior quando se compara universidades de países em desenvolvimento. O Brasil não está entre as dez primeiras e possui apenas uma entre as 20 primeiras, a USP. Já a Turquia, por exemplo, cujo PIB é um terço do brasileiro, tem três universidades entre as dez primeiras e cinco entre as 20 melhores.
Entre as cem melhores, o Brasil tem à sua frente a China, Taiwan, Turquia, África do Sul e Rússia. Não é uma vergonha? A universidade brasileira se tornou um organismo em que quem decide não são os neurônios, mas o tecido adiposo.
Resta-nos, pois, a tentativa de identificar as razões do fracasso. Alguns vão dizer que é a falta de apoio de governos. Não conheço um projeto qualificado que tenha ficado sem financiamento. Conheço, sim, vários projetos medíocres que apenas desperdiçam recursos preciosos.
O desempenho de nichos de excelência no Brasil e de pesquisadores brasileiros no exterior mostra que aptidão para a pesquisa não é problema. É possível que a razão fundamental seja a gestão. Vamos, pois, comparar as características institucionais das universidades brasileiras com as das melhores do mundo.
Aqui, elas costumam ser estatais. Lá, em geral, são instituições privadas ou autarquias independentes. Aqui, o funcionário, por ser público, tem estabilidade prematura. Lá, a estabilidade é precária e só é obtida no final da carreira. Aqui, o Conselho Universitário é corporativo e gigantesco. Lá, o Conselho de "Trustees" tem representantes da sociedade civil, externos à universidade. Aqui, o processo de escolha de dirigentes se dá por eleição interna. Lá, é mista. Aqui, ocorre uma proliferação de comissões e comitês. Lá, o número é limitado, concentrando o poder.
Uma solução, mantendo-se a administração direta, é impossível. Portanto, só resta uma possibilidade: a adoção da fórmula Organização Social, já testada com sucesso no setor de pesquisas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, cujas características de gestão são idênticas àquelas das melhores universidades do mundo. Todavia, essa iniciativa não depende apenas de vontade política, mas, antes, de coragem política.

Francisco Daudt

folha de são paulo
Algo em mim
O inconsciente reprimido se manifesta em sonhos, atos falhos e 'bobagens' que nos encrencam 'à toa'
"Nós somos como um cavaleiro montado: pensamos ter as rédeas nas mãos, mas às vezes o cavalo tem ideias próprias e nos leva a lugares surpreendentes", disse Freud para mostrar a influência do Id ("das es"; "le ça"; o isso) sobre nós. É mais uma tradução latina do alemão corrente, e mesmo estudantes de psicologia não fazem ideia do que significa.
Traduzi-lo para o inglês é fácil, pois corresponde ao pronome neutro da terceira pessoa do singular "it", como usado em "it made me do it". Em português, ficaria aproximadamente assim: "Não sei o que deu em mim, mas algo em mim fez com que eu fizesse essa besteira".
Realmente, se trata de algo misterioso em nós "que sinto que é mais forte do que eu", como habitualmente, em nossa linguagem do dia a dia, reconhecemos esse motor poderoso e desconhecido dentro de nossas mentes, que nos faz querer muitas coisas, mas não nos deixa escolher o que querer. Um típico exemplo é nosso desejo sexual: não somos nós que decidimos a quem vamos desejar, é "algo em nós".
Freud, quando fez um desenho representando nossa mente, deu ao "algo" um espaço gigantesco, várias vezes mais amplo do que o "eu" (uma pequena interface entre o "algo" e o mundo externo), e disse que lá morava o nosso inconsciente, aquilo que sabíamos existir, mas não fazíamos ideia do que continha.
Hoje temos uma ideia do que contém nosso inconsciente. A psicologia cognitiva e a evolucionista deduzem que moram lá programas (softwares) que vêm na genética, como medos ancestrais, a janela gramatical (entre os 2 e os 11 anos permite que absorvamos a construção de frases "de ouvido"), os que nos direcionam ao prazer (carboidratos, gordura, beleza, sexo etc.), tendência para vícios, entre outros.
Moram também as fundações dos nossos aprendizados, para o bem (nossa língua de origem, que nunca mais saberemos como foi aprendida, p. ex.) e para o mal (as crenças infantis que atrapalham nossas vidas, desejos antigos que foram apagados --reprimidos-- da memória por serem vistos como horríveis).
Para o bem, esse inconsciente se faz notar em cada coisa que fazemos com gosto, ou sem que nos perturbe.
Para o mal, o inconsciente reprimido se manifesta (sem que a gente o compreenda) em sonhos, atos falhos, lembranças remotas que parecem triviais, "bobagens" que nos encrencam "à toa" com pessoas ou lugares, e, finalmente, os sintomas de doenças psíquicas.
Mora também a modelagem sofisticada que nossos instintos animais e primitivos sofreram, porque somos capazes de aprender (somos animais culturais), resultando no chamado Desejo (com "D" maiúsculo), o grande motor singular das nossas vontades e ações.
Talvez você tenha passado pela intriga por não saber responder à pergunta feita com a canção "À flor da pele", de Chico Buarque (O que será que me dá, Que me bole por dentro, Que brota à flor da pele, E que me sobe às faces e me faz corar, E que me salta aos olhos a me atraiçoar, Que dá dentro da gente e que não devia...).
Pois agora já sabe: é o Desejo, esse "algo dentro de você".

Elio Gaspari

O Globo
O rolezinho pode acabar em rolão
Era diversão, virou protesto e acabou em palhaçadas, estimuladas por uma visão policial da ordem pública
O neto saiu para um rolezinho. O pai lembrou-se: "Eu fui ao comício das Diretas". O avô acrescentou: "E eu, à Passeata dos Cem Mil". Se há algo de novo na praça é a degradação do que se considera como manifestação. O rolezinho é a manifestação em torno do nada. Contrapôs-se a ela uma visão policial da ordem pública.
Na sua origem, os rolês podiam ser chamados de divertimento. No século passado os Mamonas Assassinas já cantavam:
"Esse tal Chópis Cêntis
É muicho legalzinho
Pra levar as namoradas
E dar uns rolezinhos"
No último fim de semana dois deles foram claramente instrumentalizados. Em São Paulo, 150 pessoas mobilizadas pelo Uneafro levaram o shopping JK Iguatemi a fechar suas portas. Uneafro é o nome da "União de Núcleos de Educação Popular para Negros". Em Niterói, um rolê de 50 pessoas, liderado por um ex-candidato a vereador do PSOL, zoou o Plaza Shopping. No Leblon, um evento foi enfeitado por dois cidadãos que se vestiram de Batman e Coringa.
Quem vai aos shoppings é o povo e quem atende nas lojas são trabalhadores, quase sempre remunerados por comissões sobre suas vendas. Um domingo de shopping fechado custa milhões de reais aos comerciantes e aos seus vendedores.
Se de um lado há manifestações em torno do nada, do outro, o da liderança da guilda dos shoppings, há uma postura tonitruante, inútil. Primeiro chamaram a polícia. Deu em pancadaria. Depois foram à Justiça buscar liminares e ameaças de multa. Deu em nada. O doutor Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, pediu uma reunião com a doutora Dilma para "proibir que façam esse tipo de convocação, caso sejam menores, responsabilizar os pais". Faltou explicar como. Talvez, chamando o companheiro Xi Jinping, que tem brigadas de chineses vigiando a internet, prende quem quer e solta quando quer.
Nesse diálogo de canibais com antropófagos, veio de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, uma palavra de sensatez, numa entrevista ao repórter Marcelo de Moraes. Ele diz que é preciso conversar, procurar entender: "Se eu falar que tem uma resposta é bobagem".
Enquanto rolavam rolês, um grupo de trabalhadores foi barrado num centro comercial da Barra da Tijuca porque traziam "poluição visual e mau cheiro". Isso na cidade onde o Réveillon da praia teve tenda VIP para convidados e, uma passeata, cercadinho para celebridades. Nos últimos anos pelo menos três correntistas de banco foram assassinados por seguranças. A maior rede de lojas de varejo do país classificou de "incidente" o assassinato de um freguês. No Rio, uma rede de supermercados tinha convênio com a quadrilha do tráfico da Cidade de Deus. Em Campinas e Salvador, cidadãos foram mortos por seguranças de shoppings depois de atritos banais. Nenhuma guilda empresarial pronunciou-se.
O melhor ponto de partida para lidar com os rolês é o descarte das soluções que agravam o problema. Em junho passado a polícia de São Paulo jogou gasolina no fogo durante uma passeata e incendiou o país. Pode-se pensar numa solução policial, afinal, a ordem precisa ser mantida. Tudo bem, troca-se o rolezinho pelo rolão.

Helio Schwartsman

folha de são paulo
Limites do humor
SÃO PAULO - Até onde o humor pode ir? Vale gozar da religião dos outros? E quanto a piadas francamente racistas, sexistas e homofóbicas? Sou da opinião de que, enquanto o alvo das pilhérias são instituições e mesmo grupos, vale tudo. Balanço um pouco quando a vítima é uma pessoa física específica, hipótese em que talvez caiba discutir alguma forma de indenização.
Tendemos a ver o humor como um aspecto lateral e até menor de nossas vidas, mas isso é um erro. Ele desempenha múltiplas funções sociais, algumas delas bastante importantes, ainda que não muito visíveis. O filósofo Henri Bergson, por exemplo, observou que o temor de tornar-se objeto de riso dos outros reprime as excentricidades mais salientes do indivíduo. O humor funciona aqui como uma espécie de superego social portátil. Nisso ele até se parece com as religiões, só que vai muito além.
O psicólogo evolucionista Steven Pinker atribui aos gracejos a propriedade de azeitar as relações sociais. O tom de brincadeira nos permite comunicar de modo amigável a um interlocutor uma informação que, de outra maneira, poderia ser interpretada como hostil. Isso pode não apenas evitar o conflito como ainda dar início a uma bela amizade.
Talvez mais importante, o humor é uma formidável arma que os mais fracos podem usar contra os mais fortes. O riso coletivo é capaz de sincronizar reações individuais, o que o torna profundamente subversivo. As piadas que se contavam no Leste Europeu sobre as agruras do socialismo, por exemplo, ao possibilitar que as pessoas revelassem suas desconfianças em relação aos governos sem expor-se em demasia, contribuíram decisivamente para a derrocada dos regimes comunistas que ali vigiam.
Temos aqui três excelentes razões para deixar o humor tão livre de amarras legais quanto possível. Quem não gostar de uma piada sempre pode protestar, dizer que não teve graça ou até caçoar de volta.

Igor Gielow

folha de são paulo
"Um ministério de Chioros"
BRASÍLIA - Depois de ganhar a eleição de 1994, FHC prometeu que teria um "ministério de Jatenes", referência a Adib Jatene, sumidade no campo médico que trouxe para a Saúde. Criou involuntariamente uma piada: apenas o próprio Jatene acabou no time, só para sair depois por bater cabeça com a área econômica e o Congresso.
Desde então, a pasta virou ora trampolim, ora depositário de ilustres desconhecidos. José Serra foi único: político famoso e reconhecido no cargo, ainda que ele não lhe tenha servido na eleição de 2002.
Alexandre Padilha sai cacifado devido ao Mais Médicos, mais um golpe de marketing do que programa de gestão de saúde pública. Entrará na campanha mais encarniçada de 2014. Não tem a perder: sairá ou coroado como outro "poste do Lula", ou endurecido para embates futuros.
Seu sucessor é, hoje, uma incógnita. Isso é potencialmente até bom: Arthur Chioro pode mostrar-se um técnico sério e conhecedor dos problemas do sistema em sua ponta.
Neste momento, seu currículo não inspira grandes expectativas. Tirado da cartola por Lula, sempre ele, tem na defesa enfática do Mais Médicos a sua principal credencial pública. De quebra, um caso ainda a esclarecer sobre uma empresa com contratos na área de saúde municipal que, segundo o Ministério Público, é dele.
Autor de livros esotéricos, também verá críticas na corporação médica. Se não misturar crenças com política pública, contudo, sem problemas.
Chioro, é claro, pode ser apenas mais um ministro-tampão de ano eleitoral --embora petistas digam que não. A impressão que fica ao fim é a de que a impermanência domina a condução da saúde no país.
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Falando em pasta poderosa, soa falsa a questão sobre o autocontrole de Aloizio Mercadante nos limites da Casa Civil. Não se trata de "se", mas de "quando" ele irá extrapolá-los.

Ruy Castro

folha de são paulo
Aqui, d'El-Rei!
RIO DE JANEIRO - Em 11 de julho de 1605, a Santa Casa da Misericórdia do Rio dirigiu ao rei Filipe 3º da Espanha e 2º de Portugal uma petição em que relacionava os serviços que "há 60 anos" (desde 1545) prestava à pequenina Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e pedia equiparação aos "privilégios e graças" de que gozavam as Santas Casas da metrópole.
Entre esses serviços, estavam dois hospitais, uma sacristia, um parlatório, "muitas esmolas", a "educação de expostos" (abrangendo a roda dos enjeitados e o recolhimento das órfãs) e o "consolo extremo, seguido de piedoso funeral aos padecentes". Aliás, a ela cabiam todos os enterramentos. Providenciava-se também que, verificada a pobreza e o desamparo de um preso, se tomasse conta de sua causa --ou seja, uma defensoria pública-- e mesmo a "diligência do perdão".
A 8 de outubro de 1605, Filipe respondeu: "Eu, El-Rei, faço saber aos que esta alvará virem que [...] me apraz que eles [o provedor e os Irmãos da Santa Casa da Misericórdia da Cidade do Rio de Janeiro] possam usar e gozar de todas as provisões e privilégios concedidos à Casa da Misericórdia de Lisboa. Cumpram como nela se contém, o qual hei por bem que valha como carta" etc.
De 1545 --desde sua fundação pelo padre Anchieta junto à Praia Vermelha, sob as flechas dos tupinambás, e, depois, sua transferência por Estácio de Sá para onde ainda hoje se encontra, no Castelo-- até nossos dias, foram 469 anos de uma história de que o Rio se orgulha.
História que não merecia a mancha de sua atual administração, acusada pelo Ministério Público de estelionato, formação de quadrilha, apropriação indébita, falsidade ideológica e corrupção, configuradas na venda fraudulenta de imóveis de seu patrimônio e de negociatas com sepulturas em 13 cemitérios da cidade. Aqui, d'El-Rei!

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo
    MÔNICA BERGAMO
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    ROBERT MCKEE
    "NO BRASIL, A INTELIGÊNCIA DO PÚBLICO É SUBESTIMADA"
    O professor e roteirista Robert McKee, 73, nunca ganhou um Oscar, enquanto mais de 50 alunos seus já levaram a estatueta de melhor roteiro. Reconhecido como um dos maiores gurus da narrativa, o americano está no Brasil pela quarta vez para ministrar seu famoso curso e falou com a coluna.
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    Folha - A TV americana vive um ótimo momento com séries como "Breaking Bad". Qual a razão do sucesso?
    Robert McKee - É simples: os melhores roteiristas estão indo do cinema para a televisão. Os motivos são liberdade, poder e dinheiro. No cinema, o aspecto comercial é muito forte. Eles não têm liberdade. Especialmente na TV a cabo, podem falar o que querem, sobre qualquer tema obscuro, sexual. Ainda podem virar produtores. Os agentes barganham cargos. Se os executivos querem aquele roteirista, acabam cedendo às exigências.
    E o dinheiro?
    A quantidade de dinheiro que os roteiristas de TV estão ganhando é infinitamente maior. Se você faz US$ 1 milhão como roteirista de cinema, fará US$ 10 milhões na TV. Televisão é o futuro. Ninguém mais quer ter um horário certo para ver as coisas. Ir ao cinema dá trabalho, é quase como um emprego [risos]. As pessoas querem o conforto de casa.
    Já viu séries brasileiras?
    Sim. São Ok, mas ainda precisam melhorar muito! Assisti a "O Canto da Sereia" [Globo]. O problema é a falta de subtexto. As séries boas têm algo que não é dito, mas somente sugerido. O espectador entende a expressão do rosto do personagem. No Brasil, não existe isso. Eles fazem os personagens explicarem os sentimentos e as ações. A inteligência do público é subestimada. Os roteiristas acham que, se não fizerem isso, as pessoas não irão entender. Quando confiarem no telespectador, a qualidade vai melhorar.
    As novelas brasileiras repetem as mesmas fórmulas?
    Elas são exibidas na TV aberta e fazem dinheiro com comerciais. Na TV a cabo, pelo menos nos EUA, o dinheiro vem das assinaturas. Isso dá mais margem para criação. Quando vende comerciais, você tem que tomar cuidados para não ofender ninguém. Por isso, a fórmula se repete e fica antiquada.
    Qual o melhor conselho para um novo roteirista?
    Não copie. Novos roteiristas estão desesperados por sucesso e acabam imitando muito! Inspirar-se em algo de vanguarda continua sendo uma cópia. É difícil fazer coisas novas. É preciso coragem.
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    LULA NA ESTRADA
    O ex-presidente Lula vai botar o pé na estrada a partir de fevereiro, quando inicia visitas a municípios que são marcos dos principais programas sociais do governo. Deve começar pelo Nordeste, em comunidades de destaque do Luz para Todos e Bolsa Família. Ele já tinha se colocado à disposição do partido para iniciar o périplo a partir de março, mas deve antecipar a agenda.
    NA ESTRADA 2
    Em ano eleitoral, a estratégia é tomar a dianteira na pré-campanha, enquanto Dilma Rousseff não pode vestir o figurino de candidata.
    BATENDO MARTELO
    Entre os sete ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Marco Aurélio Mello (da cota do STF e atual presidente da corte) e Henrique Neves da Silva (indicado pelos advogados) são os que analisaram mais processos em 2013. Lideram o ranking com 2.414 e 2.102 decisões, respectivamente, de um total de 10.686. Seguidos de Dias Toffoli (1.534), Laurita Vaz (1.439) e Luciana Lóssio (1.393).
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    Até encerrar o mandato, a ministra Cármen Lúcia emitiu 482 decisões. João Otávio Noronha, que tomou posse em outubro, proferiu 89.
    PARE E SIGA
    Um a cada três novos ônibus escolares que serão entregues a municípios paulistas foi reprovado em teste do Ipem-SP (Instituto de Pesos e Medidas do Estado). Dos primeiros 200 veículos analisados, 34% apresentaram irregularidades como problemas na plataforma para pessoas com deficiência, nas portas e nos para-brisas e ausência de local para pôr material escolar. Os coletivos, recém-comprados, serão ajustados pelas montadoras.
    PARE E SIGA 2
    A inspeção é uma parceria do Ipem-SP com a Secretaria de Estado da Educação. Até março, 1.500 ônibus serão vistoriados. Os fiscais verificam 107 itens por veículo.
    CANTEIRO
    Rodrigo Faro é o mais novo apresentador a investir em um quadro de reformas de casas. Assim como na atração de Luciano Huck e no extinto "Programa do Gugu", um telespectador será escolhido para ter, no caso, um cômodo repaginado em "O Melhor do Brasil". A Record fechou patrocínio com a Leroy Merlin.
    NA PISTA
    Um clube focado em flashbacks vai ser inaugurado na Vila Leopoldina no fim do primeiro semestre. Com o nome de The Years, a balada terá projeto assinado pelo arquiteto Guto Requena, que já fez casas como Disco e Hot Hot. Começam em março as obras no galpão de 700 m², que vai ganhar pistas interativas, com sensores de movimento.
    BATISMO
    O acréscimo da palavra Caixa ao nome do Cine Belas Artes é uma das contrapartidas que o banco estatal apresentou para patrocinar a reativação do cinema, na rua da Consolação. O contrato com a administração será firmado nesta semana.
    INSTANTÂNEO
    Um suíço foi confundido com Leonardo DiCaprio na praia de Pipa (RN). Uma foto dele em um restaurante foi parar na internet. O sósia ganhou notoriedade local e passou a ter de explicar que não é o astro de Hollywood.
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    SEM ADITIVO
    Francisco Cuoco, 80, que namora Thaís Almeida, 27, há quatro anos e meio, diz não se interessar por mulheres da faixa etária dele. "Gosto dessa juventude exuberante", afirma sobre a estilista, na revista "Contigo!".
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    No sexo, o ator usa a criatividade e, por medo, dispensa remédios estimulantes. "Têm efeitos colaterais. Assisto a filmes eróticos, pornôs mesmo."
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    FAZ POSE DE ARTISTA
    Fátima Toledo, preparadora de elenco de filmes como "Tropa de Elite", "Cidade Baixa" e "Cidade de Deus", lançou o livro "Interpretar a Vida: Viver o Cinema", com depoimentos colhidos pelo pesquisador de cinema Maurício Cardoso. Os atores Vinícius Tardio e Letícia Zapata e a bailarina Tatiana Stingel foram anteontem ao evento na Livraria Cultura da Paulista.
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    CURTO-CIRCUITO
    O Instituto Tomie Ohtake inaugura exposição de Junko Koshino e Go Yayanagi, hoje, para convidados. Abre ao público amanhã.
    Costanza Pascolato faz palestra hoje na Câmara de Comércio França-Brasil.
    A relojoaria suíça IWC lança hoje em Genebra relógios da coleção Aquatimer, em prol de Galápagos.

    José Simão

    folha de são paulo
    CBF! Como Bagunçar o Futebol!
    E o ministério da Dilma não é um ministério, é uma rave! Plataforma da estação de metrô da Sé às 18h!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Aniversário de SP: Caminhada no Tatuapé". E uma amiga falou que o Galeão inventou um novo tipo de aeroporto, o AEROFORNO! Você compra uma passagem e ganha uma sauna. Ela estava se sentindo uma costela no bafo! Aeroporto Costela no Bafo!
    E tô adorando o François Hollande, presidente da França, ser amante da atriz Julie Gayet! Ele só pega gatas, e com aquele cara de bolacha Maria! E isso é notícia? Já viu algum francês sem amante? E Gayet é "galho" em francês? Rarará!
    E o próximo ministro da Casa Civil vai ser o Mercadante, com aquele bigode estilo rodapé de periquita! Ministro Rodapé de Periquita! Rarará!
    A Dilma tá reformando o cemitério! Ops, o ministério. Ops, o Sinistrério! Ministério dos Sinistros! A Dilma Grande Chefe Touro Sentado tem uns 800 ministros! Duvido ela lembrar o nome de todos! Sabe como ela vai dar posse pro próximo ministro? "Tenho orgulho de empossar no ministério... que ministério é esse mesmo?". Qualquer um!
    Parece aquela funcionária no aeroporto de Salvador: "Atenção, passageiros da Gol, voo número 9789, portão... qual é o portão mesmo, Rosângela?". E o aeroporto caiu na maior gargalhada, é verdade!
    E o ministério da Dilma não é um ministério, é uma rave! Plataforma da estação de metrô da Sé às 18h!
    A próxima reunião ministerial será no estádio Mané Garrincha. Tá vendo pra que serve estádio multiuso? Rarará!
    E continuo estarrecido com esse escândalo da CBF: "CBF oferece R$ 4 milhões para a Lusa continuar na série B e calada". Se fosse o Vasco, eles iriam oferecer um caminhão-pipa. E se fosse o Flamengo eles iriam oferecer 4 milhões de tijolos pra construir um estádio. Rarará! E se fosse o Corinthians eles iam usar o dinheiro pra pagar as fianças.
    E CBF quer dizer Como Bagunçar o Futebol! Rarará.
    É mole? É mole, mas sobe!
    O Brasil é Lúdico! Sábia pichação num muro em São Paulo: "Não pise em ninguém para subir de DREGAL!". Rarará! E essa aqui em Conde, na Bahia: "Pastelaria Vai Demorar". Não resta a menor dúvida. E se pedir caldo de cana, é só pra 2015! Rarará! E em Porto Alegre tem uma acompanhante travesti chamada Bruna MASTROnelli! Rarará!
    Nóis sofre, mas nóis goza.
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Marcelo Coelho

      folha de são paulo
      Metrossexualidade para todos
      Não estão livres da vaidade os velhos que não cuidam dos pelos na orelha e no nariz
      A velhice tem suas injustiças, e não me refiro apenas à comparação que possamos fazer com as pessoas mais moças. Surgem desequilíbrios internos, que a ciência por certo há de explicar. Um caso me intriga especialmente.
      Você já reparou nas canelas dos senhores de mais idade? Para meu espanto, são em geral lisas e cerosas como as de uma noviça.
      Ainda mais se, como se torna ademais um curioso hábito dos idosos, eles passam a usar bermudas no verão, combinando com o velho par de meias sociais dos tempos de escritório, e o humilhante tênis sem cadarço da Rainha, cor azul-marinho.
      Trata-se de um hit da terceira idade, talvez porque amarrar o sapato dê muito trabalho, e porque o mocassim de couro tradicional não mais se adapte ao inchaço dos tornozelos.
      Sim, mas onde está a injustiça? Está no fato de que, enquanto caem os pelos das canelas, os de outros lugares não param de crescer. Falo de orelhas, narizes e sobrancelhas.
      Fosse algum decréscimo hormonal em todo o organismo, por que então essas orelhas de lobisomem, os pelos como labaredas, crepitando em torno de ouvidos surdos? Será para disfarçar melhor o aparelho auditivo?
      Passo bem na ausência desse problema, mas tenho reparado, nas minhas sobrancelhas, aparições esporádicas de verdadeiras cerdas de javali. Uma ou duas por semana, como as baionetas de algum soldado em desespero a destacar-se de seus camaradas na trincheira.
      Aprendi a utilidade da pinça.
      Bom, mas por que você não deixa sua sobrancelha quieta, e que os pelos nasçam com a liberdade dos bambus? É que passei a vida inteira desconfiando daqueles varões de velha cepa, homens de Estado, capitães da indústria, professores de direito, os quais gostava de reunir imaginariamente no "clube dos sobrancelhas grossas".
      Quem não os encararia sem estremecimento? No mundo mais pacífico das ideias e da música, o sociólogo Zygmunt Bauman e o compositor Hans-Joachim Koellreutter são as figuras que me vêm à memória, acrescentando furiosos escovões brancos às eriçadas consoantes de seus nomes.
      Quantos mais membros desse clube havia! Um rigoroso e lacônico ministro da Indústria e Comércio, um pertinaz e tradicionalíssimo jornalista, o dono imperturbável de um cartel do aço ou do cimento.
      Seriam, quem sabe, os prussianos paulistas; por natureza sérios e enérgicos, ganhavam com aquela marquise cabeluda um suplemento de severidade que acentuava, temivelmente, a vivacidade de um olhar imune aos avanços do tempo.
      Não; melhor arrancar esses pelos um a um, antes de me transformar num articulista com ar de porco-espinho. Pois aqui vai um segredo. No salão que passei a frequentar, quase uma casa de repouso para a terceira idade, o barbeiro (não mais jovem que os fregueses) perguntou-me se devia aparar também as sobrancelhas.
      Presumo que seja o usual naquele ambiente, tão distante dos metrossexuais quanto a navalha do raio laser. Uma vez ele aparou; senti-me esquisitíssimo, uma espécie de Cristiano Ronaldo que tivesse entrado no corpo do técnico Felipão. Esse ainda precisa, aliás, de sobrancelhas mais espetentas.
      Fico de fora. Mas não há saída; a vaidade masculina existe o tempo todo. Mário de Andrade dizia que publicar livros é vaidade, mas não publicar também é. Vaidoso também, lá com seus botões, é o sexagenário que faz da orelha o seu pequeno casaco de vison; o que expulsa de suas narinas dois pincéis da marca "Tigre" (para acabamento em verniz); o que cultiva sobre os olhos um canteiro de cactos.
      Vaidade. Por isso cresce também o mercado dos hidratantes, dos cremes antirrugas, das "fórmulas anti-idade" para o público masculino. O processo é sutil, mas poderia ser mais ainda.
      Tudo começa com o filtro solar, indicado na prevenção contra o câncer de pele. O uso do pós-sol também é recomendado nesta época. Uma vez achei um produto, não direi que era um creme de beleza, que fez maravilhas não para a minha estética facial, mas para abolir a sensação de calor na pele durante o dia.
      Disseram-me depois que todo hidratante era capaz disso. Ótimo, desde que não tenha cheiro de jasmim ou de goiaba. Ah, conhece a nossa linha masculina? Pronto; eu estava a um passo da metrossexualidade.
      A sutileza que ainda falta é a de deixar esses produtos mais ao alcance da mão. As farmácias em geral protegem seus cremes de beleza atrás de vidros, em redutos exclusivos. Ponham-nos ao lado dos barbeadores e das loções --e ninguém mais haverá de segurar os marmanjos deste Brasil na corrida no caminho da, hum, saúde facial. E sebo nas canelas.

      Marcelo Leite

      folha de são paulo
      Derrame leva jornalista de ciência de volta à música e a gravar primeiro disco
      MARCELO LEITEDE SÃO PAULO"É muito fina a linha que separa a destreza da incapacidade", escreveu o jornalista americano Andrew Revkin, 57, após sofrer um acidente vascular cerebral em julho de 2011. O derrame lhe deixou a mão direita paralisada por algumas semanas.
      Dois anos depois, entre fevereiro e setembro de 2013, ele dedicou boa parte de seu tempo num estúdio para gravar o primeiro disco, com dez canções de sua autoria. Título do álbum: "A Very Fine Line" (uma linha muito fina).
      "Crises de meia-idade vêm de várias formas", escreveu Revkin. "A minha veio na de um derrame imprevisto, do tipo que às vezes pega pessoas que não são os suspeitos de sempre."
      A música, contudo, sempre acompanhou o repórter, que trabalhou por 15 anos cobrindo temas ambientais para o jornal "The New York Times", para o qual ainda escreve o blog Dot.Earth. Canhoto, aprendeu a tocar violão sem trocar as cordas de posição, como o guitarrista brasileiro Edgard Scandurra.
      Canções "folk" são a paixão musical de Revkin. O jornalista costuma acompanhar, vez por outra, ninguém menos que Pete Seeger, uma lenda das canções de protesto e do movimento por direitos civis nos EUA, autor do sucesso "Where Have All the Flowers Gone" (para onde foram todas as flores).
      Após o derrame, as prioridades mudaram, conta Revkin. Decidiu dedicar-se mais à música, que hoje emprega também para falar de ambiente e ciência, como nas bem-humoradas canções "Liberated Carbon" (carbono liberado) e "Blame it on Biology" (culpa da biologia).