quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

"Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos", dizem promotores alemães

"Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos", dizem promotores alemães

Benjamin Schulz
Promotores alemães estão atualmente preparando a apresentação de queixas contra vários homens que teriam sido cúmplices de assassinatos em Auschwitz. Algumas pessoas na Alemanha se perguntam se justiça ainda pode ser feita quase 70 anos depois da guerra.
Poderia proporcionar alguma satisfação, mas ela provavelmente será pequena e virá tarde demais. Décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, os promotores públicos em Stuttgart, Frankfurt e Dortmund abriram investigações contra nove idosos que supostamente teriam sido cúmplices de assassinato em Auschwitz.
Os procedimentos legais ainda estão nos estágios iniciais e os homens ainda não foram formalmente indiciados. Dada a idade avançada dos homens e as acusações potenciais, é no mínimo curioso o fato de juízes terem ordenado a prisão de três suspeitos em Baden-Wurttemberg, que agora estão detidos em hospitais-prisão. Nesses casos, o risco deles cometerem crimes adicionais pode ser descartado. Além disso, eles dificilmente apresentam risco de fuga e é improvável que escondam evidência.
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Homenagens marcam o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto13 fotos

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27.jan.2014 - Homem visita memorial coberto de neve em Berlim no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O genocídio promovido pelo regime nazista é lembrado na data de libertação do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, há 69 anos Leia mais Markus Schreiber/AP
Os detalhes precisos dos casos deles variam, mas as intenções dos investigadores permanecem as mesmas: eles querem indiciar e julgar os homens por crimes que teriam cometido na juventude.
Alguns críticos dos procedimentos estão dizendo que é hora de um basta. A guerra acabou há 70 anos, esses homens estão fragilizados e, em alguns casos, até mesmo sofrem de demência. Na melhor das hipóteses, lhes restam poucos anos de vida. Essas vozes argumentam que eles deveriam ser deixados em paz e que os promotores públicos deveriam cuidar de problemas atuais.
"Eu entendo que em alguns casos as pessoas não achem que esses procedimentos são justos", disse Kurt Schrimm, chefe do gabinete da promotoria especial em Ludwigsburg, que se concentra nos crimes de guerra alemães cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. Ele diz que muitos "consideram nosso trabalho como sendo anacrônico". Mas, ele acrescenta, ele tem recebido muitas mensagens de apoio.
Do ponto de vista legal, há dois argumentos para rebater os céticos. Segundo a lei criminal alemã, não há limite máximo de idade para julgar alguém. Além disso, homicídio não é um crime sujeito a prescrição. Os promotores públicos são obrigados a perseguir os suspeitos e não lhes é permitido discrição.
O argumento moral é formulado por Andreas Brendel, que comanda a unidade central de investigação de crimes de guerra em Dortmund desde 1995. Ela já cuidou de dezenas de casos como esses, incluindo alguns poucos ligados a campos de extermínio. Ele também é responsável por um dos atuais casos. "Nós temos uma obrigação com as famílias das vítimas e com as próprias vítimas de buscar isso", ele disse. "Isso é incontestável. Não importa para mim se o acusado tenha 25 ou 92 anos. As pessoas acham honestamente que não deveríamos processar pessoas que fizeram parta da máquina nazista?"
Schrimm também responde aos céticos. "Nós deveríamos nos abster de processar agora só porque não conseguimos processá-los no passado?", perguntou. Ele cita o exemplo de um caso no qual as listas de transportes para Auschwitz foram peças de evidência decisivas. "Elas incluíam tanto bebês de seis meses quanto idosos", disse Schrimm. "Os perpetradores na época não tinham nenhuma compaixão, de modo que é justo perguntar se eles merecem alguma piedade hoje."

A culpa individual deve ser provada?

Nos casos em que as investigações se tornam acusações e vão a julgamento não é incomum os promotores perderem. Em alguns casos, o julgamento é suspenso e as acusações são retiradas, como no caso de um ex-membro da SS, Siert B., que foi absolvido por um tribunal em Hagen em janeiro. Os promotores acreditam que ele assassinou um membro da resistência holandesa em 1944, mas os juízes o absolveram citando falta de evidência.
Em outros, o réu morreu antes do veredicto ser proferido, como aconteceu no caso de John Demjanjuk. Ele morreu em março de 2012, antes do Tribunal Federal de Justiça da Alemanha proferir a decisão final de sua apelação de uma condenação pela acusação de ser cúmplice no assassinato de 28 mil pessoas.
O caso Demjanjuk é digno de nota porque marcou um momento de virada. Apesar dos promotores não terem conseguido provar envolvimento direto, um tribunal regional de Munique condenou Demjanjuk após ter concluído que todo guarda no campo de extermínio de Sobibór que cumpriu seus deveres foi cúmplice nos assassinatos.
Antes, a culpa individual era considerada necessária para uma condenação. Essa ao menos era a percepção da comunidade legal após uma decisão de 1969 do Tribunal Federal de Justiça, na qual a condenação de um dentista de um campo de concentração da SS, Willi Schatz, foi anulada. Mas o Tribunal Federal de Justiça também chegou a outros veredictos que abriram a porta para considerar os guardas culpados. Milhares de casos não tiveram andamento por causa da abordagem legal conservadora do gabinete da promotoria especial.
Diante da dificuldade extrema em provar a culpa individual décadas depois, muitos processos foram abandonados. Mas se os argumentos legais feitos pelo tribunal regional de Munique na condenação de Demjanjuk fossem aplicados a outros casos, haveria uma nova chance de conseguir as condenações.

"Nosso trabalho não é político"

Atualmente, documentos estão sendo revistos em várias investigações de suspeitos de serem criminosos nazistas, que foram encerradas pelos promotores por sentirem que havia pouca chance de condenação.
Em alguns casos, os investigadores não estavam cientes de material potencialmente incriminador. "Eu nem mesmo sabia que ainda existiam listas de perpetradores antes da unidade de investigação de crimes de guerra nazistas entregar material para mim", disse Brendel. "O mesmo se aplica a outros promotores públicos. Poderia ser debatido se alguém deveria ou não ter olhado mais atentamente essas listas 25 ou 30 anos atrás."
Certamente as investigações de crimes nazistas tiveram um começo lento na Alemanha pós-guerra. Até 1950, os aliados que ocupavam o país se encarregaram de processar os crimes nazistas. Depois disso, "havia a suposição de que o assunto seria resolvido em questão de poucos anos", ele disse, porque o prazo para prescrição de um crime de homicídio era de 20 anos, o que significava que os crimes nazistas teriam que ser julgados até 1965. Posteriormente, a prescrição foi ampliada para 30 anos e depois eliminada.
Também há casos que só vieram à tona décadas depois. Em 1997, Schrimm se envolveu na investigação de crimes nazistas na condição de promotor. A pista veio na forma de um cartão postal que incluía informação sobre "um crime do qual ninguém ainda sabe". O perpetrador acabou sendo processado mais de 50 anos após o fim da guerra.
Schrimm rejeita a afirmação repetida com frequência de que a Justiça alemã fechou seus olhos para suspeitos, adiou intencionalmente os procedimentos ou até mesmo ignorou alguns casos. "É tolice dizer que faltou vontade política", ele disse.
O Ministério da Justiça alemão declara que foram 106 mil processos relacionados a crimes nazistas. Algumas estimativas chegam até a 170 mil. "Realmente não dá para dizer que a Justiça dormiu no trabalho", disse Schrimm. Ele também defende contra a insinuação de que os procedimentos são motivados por alguma agenda pré-estabelecida. "Nosso trabalho não é político", disse. "Eu não gostaria se eu fosse descrito como um caçador de nazistas. Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos."
Diferente dos anos 50, hoje nós sabemos que em breve os processos contra suspeitos de serem criminosos de guerra nazistas chegará ao fim; os últimos perpetradores vivos em breve morrerão de velhice. Ao ser perguntado se, a essa altura, os promotores públicos ficarão expostos a acusações de que permitiram que os nazistas escapassem impunes por seus crimes de guerra, ele dá uma resposta circunspecta. "Falando objetivamente, erros foram cometidos ao longo de décadas, a partir de 1950", disse Schrimm. "O Judiciário não pode dar um tapinha em suas próprias costas."
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Julia Sweig

folha de são paulo
Que diferença faz uma década
Na Venezuela, o medo é que governo e oposição percam o controle não das bases, mas dos extremos
Conheci Leopoldo López em Caracas em 2002, semanas após o golpe que derrubou Hugo Chávez por pouco tempo, mas acabou por fortalecê-lo. Falando na velocidade da luz, López exalava energia, intensidade e ansiedade extrema quanto ao futuro de seu país. Falou da economia, do petróleo, da política e dos planos socialistas de Chávez, mas não sobre o envolvimento de Cuba.
Na época, o grande dilema geopolítico da região era como o conflito na Colômbia ia afetá-la. No planejamento de uma viagem de pesquisa aos vizinhos colombianos, uma visita à Venezuela, com sua enorme fronteira e seus então importantes laços comerciais com a Colômbia, poderia me trazer algum insight --ou era o que eu esperava.
Mas os venezuelanos, 12 anos atrás, estavam focados na Venezuela. E, como hoje, o conflito em Caracas chamou a atenção de Washington e da América Latina; condenações do golpe vieram de virtualmente todas as capitais e da OEA. Não fugindo de sua praxe, os EUA se apressaram a saudar o novo governo, composto por pessoas de cujos nomes hoje poucos se lembram.
Mas que diferença faz uma década. A política internacional na América Latina ficou mais nitidamente definida e mais complicada. Embora a Usaid [agência americana de cooperação] ainda lide com programas de "promoção da democracia", dificilmente se poderia imaginar que Washington possua meios para orquestrar protestos na Venezuela. Não se trata de desestabilização como nos tempos do papai, à moda da que derrubou Allende no Chile.
Tendo quase inteiramente expurgado os EUA de suas instituições diplomáticas regionais, os países latino-americanos ainda não descobriram como falar da dinâmica interna uns dos outros sem suscitar alegações de violação de soberania.
O respeito pela "diversidade" que ouvimos na cúpula da Celac no mês passado pode encontrar eco no discurso do movimento LGBT, mas o realismo subjacente é nada menos que kissingeriano. As declarações mornas ou inexistentes emitidas pelas chancelarias da região devolvem a superioridade moral retórica aos EUA, o país menos bem posicionado para contribuir para a "détente" democrática na Venezuela.
Quando ouço Maduro ou Raúl Castro tachando os protestos de "fascistas" e descrevendo os acontecimentos como um golpe em câmara lenta, minha alergia à retórica em alto volume compete com a historiadora que existe em mim e que quer primeiro examinar a alegação com cuidado. Mas, deixando de lado os adjetivos e as referências históricas, no prazo imediato o medo maior é que tanto governo quanto oposição percam o controle não de suas bases, mas dos extremos.
Não é a primeira vez que os venezuelanos levam seu conflito interno ao que parece ser a perigosa beira do precipício, ou que Washington e Havana ficam em lados opostos em relação à Venezuela. Mas, na medida em que há interesse numa Venezuela não violenta, economicamente viável e democrática, e é esse o caso das duas capitais, talvez seja o momento para John Kerry telefonar ao chanceler cubano Bruno Rodríguez. Imagine essa conversa.

    Jairo Marques

    folha de são paulo
    Gente rara
    Pessoas com doenças raras querem o cuidado do afeto, da atenção, do toque sincero e carinhoso
    Raridade é palavra controversa. Ao mesmo tempo que é algo que se busca --afinal, está intimamente ligado ao valioso, ao precioso e inédito--, o raro é algo que se teme, pois envolve mistério, inabilidade para tratar e desconhecimento.
    Pessoas com doenças raras costumam conhecer em sociedade apenas o segundo ponto de interpretação, embora adorassem ganhar o valor dos grandes diamantes, de obras de Leonardo da Vinci ou de autógrafos do Pelé.
    Ser vítima de uma enfermidade que acomete cerca de 80 pessoas no planeta, como é o caso do mineirinho Pedro, de seis anos, que tem uma raridade chamada síndrome de Aicardi-Goutières, que afetou todos os seus movimentos, é ter de sair de um casulo todos os dias.
    Entendam-se como casulo vestimentas de ignorância, de preconceitos e de olhares enviesados que são projetados sobre ele o tempo todo. O desconhecido, o diferente, tem potencial de vendaval para uma folha seca no desencadear de um baile de conceitos não reais e excludentes.
    Raridade como doença não gera interesse de grandes investimentos em pesquisa ou de padrões de condutas médicas. Provoca, sim, buscas incansáveis em torno de si mesma: O que é isso? Como é isso? O que faço com isso? Para onde vai isso? O que será de mim, da mãe, do pai e do meu futuro?
    Pelo Ministério da Saúde, é doença rara aquela que afeta 1,3 pessoa em cada 2.000. Ser "premiado" implica repercussão que pode afetar o aspecto físico (envelhecimento precoce ou a ausência de dor), o intelectual (dificuldade de aprendizado), o comportamental (compulsão por limpeza ou riso frequente), o neurológico (perda progressiva de neurônios) e também a combinação entre eles.
    Ser raro significa ter cuidados --às vezes intensos, às vezes moderados-- com o bem-estar do corpo e da cachola, mas esse povo reivindica um cuidado que não pode promover por contra própria.
    Pessoas com doenças raras querem o cuidado do afeto, da atenção, do toque sincero e carinhoso. Elas querem deixar o "único" de suas situações e passarem a criar o "dois" em preciosidade de entender a diversidade humana.
    Famílias de gente rara também costumam valer fortunas, uma vez que se unem em torno de promover a sobrevivência, a evolução e o espaço de seu ente incomum. Essas, sim, lapidam imperfeições e inabilidades e transformam tudo em amor, em "serumano", em aprendizado e em ensinamento.
    Pedras preciosas degeneram ao sabor do tempo, pessoas raras degeneram em razão de suas "sortes", muitas vezes com origem genética. É uma corrida frenética em busca de sempre viver melhor, de aproveitar mais, de evitar perdas.
    E de refletir sobre o quanto a ignorância, o medo do diferente e o pânico do desconhecido podem incrementar a velocidade que se quer frear nessas pessoas. Por isso, mais cuidado, mais carinho, mais atenção com a palavra e com os olhos.
    Em 28 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Doenças Raras. Momento ideal para ser alguém valioso com o próximo tanto na cobrança de políticas públicas e de saúde efetivas como rompendo os "não me toques" íntimos e abraçando aqueles de quem os braços sempre teimam em desviar-se.
    jairo.marques@grupofolha.com.br

      Elio Gaspari

      jornal o globo
      Do Valongo ao Deutsche Bank
      O banco alemão e a Siemens fazem pelos brasileiros do século 21 o que fizeram os ingleses do 19
      A Portela vai para a avenida cantando o Cais do Valongo. Até 1831 passaram por ele um milhão de escravos, vindos "de Angola, Benin e do Congo". O tráfico de escravos só foi proibido em 1850, mas anos depois um dos magnatas do Império foi apanhado contrabandeando negros que eram levados para um viveiro na Restinga da Marambaia. No século 21 o presidente da República passava feriadões nessa propriedade como se ela fosse apenas um ponto aprazível do litoral do Rio.
      A Inglaterra aboliu a escravidão em 1833 e inaugurou a primeira rua com luz elétrica em 1878. O avanço tecnológico levou cinco anos para chegar ao Brasil, em Campos. Já o avanço social, a abolição, levou 55 anos. Tendo sido o primeiro país da América do Sul com iluminação elétrica na rua, foi o último a acabar com a escravidão. A pressão veio de fora para dentro.
      De fora para dentro vem outro benfazejo progresso social. O Deutsche Bank acaba de aceitar um acordo pelo qual indenizará em US$ 20 milhões a Prefeitura de São Paulo por ter sido o conduto pelo qual o ex-prefeito Paulo Maluf expatriou US$ 200 milhões da Viúva. Esse dinheiro foi achado em 2001 pela polícia da Ilha de Jersey, um pequeno território autônomo do canal da Mancha. (Ganha uma viagem à Coreia do Norte quem achar que operações desse tipo nunca passaram pela banca nacional.)
      Some-se a esse ato de contrição a conduta da Siemens ao colaborar com o Ministério Público nas investigações do cartel dos fornecedores de equipamentos para os governos tucanos de São Paulo. Nessa rede operava a francesa Alstom. Trata-se de uma ladroeira denunciada pela primeira vez em 1995, que se arrastava na burocracia nacional, mas ganhou um novo (e letal) alento com a decisão da Siemens.
      O Deutsche Bank e a Siemens não foram convertidos à causa da moralidade pelas lições do papa Francisco. Fizeram o que fizeram porque temeram as leis de seu país e as normas de organizações internacionais. Como ocorreu no século 19 com o tráfico, tornou-se melhor negócio sair dele. Durante as farras da ditadura, o presidente do Deutsche Bank foi um queridinho do Milagre. Já a Siemens fartou-se no ruinoso acordo nuclear dos anos 70.
      É comum que empresas americanas mobilizem suas embaixadas para sinalizar que estão sendo prejudicadas por transações misteriosas na burocracia nacional. Há alguns anos, uma licitação da Infraero foi posta nos trilhos depois de uma palavrinha da diplomacia americana. Em outros casos, há diretores que acham que podem dançar pela melodia nativa. Assim fez o grupo Brookfield, que opera no mercado de shoppings. Em 2012, uma ex-diretora da empresa denunciou que ela pagara R$ 1,6 milhão em propinas à rede de Hussain Aref Saab, o encarregado da liberação de obras na Prefeitura de São Paulo. O doutor amealhara um patrimônio de 106 imóveis. A Brookfield informou que não sabia de "supostos atos de suborno". Ficaria tudo na mesma, mas entrou no caso a Securities and Exchange Commission, que vigia o comportamento das empresas americanas. Bingo. Quando a prefeitura detonou a quadrilha dos fiscais, a Brookfield mudou suas regras e confirmou ao Ministério Público um capilé de R$ 4,1 milhões. Podiam ter feito isso em 2012.

      O detalhe e o essencial [editorial folhasp]

      EDITORIAIS folha de são paulo
      editoriais@uol.com.br
      O detalhe e o essencial
      Prisão de Roberto Jefferson é fim de um ciclo no processo do mensalão; decisão do STF sobre formação de quadrilha não vai alterar o principal
      Fechou-se um ciclo no processo do mensalão. O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), primeiro a falar abertamente sobre o esquema --em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, publicada por esta Folha no dia 6 de junho de 2005--, foi o último personagem de peso a ter sua punição executada.
      Dos 25 réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2012, 20 já estão presos, três cumprem penas alternativas e dois recorrem em liberdade.
      Trata-se de saldo notável em qualquer circunstância, mas em particular num país onde a Justiça se mostrava especialmente cega ao deliberar sobre os altos escalões.
      Resta agora ao STF julgar os embargos infringentes, recurso cabível contra decisões tomadas com ao menos quatro votos divergentes. Estão nessa situação os crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, e acerca deste último a corte deve se pronunciar hoje.
      É grande a incompreensão teórica em relação a esse tipo penal. Embora existam fortes razões jurídicas para aplicá-lo no mensalão, insurgem-se contra isso raciocínios igualmente respeitáveis --e há sinais de que a maioria dos ministros se incline nesse sentido.
      Na legislação brasileira, é clara a diferença entre a conduta criminosa realizada com o concurso de várias pessoas (por exemplo, um assalto em que diversos comparsas agem em conjunto) e a figura autônoma da formação de quadrilha.
      Neste caso, o que conta não é o crime de fato cometido, mas a mera constituição de organização estável e permanente, com vistas à realização de delitos. Um grupo com tais objetivos representa atentado à paz pública, podendo ser punido com até três anos de reclusão.
      Para José Dirceu e Delúbio Soares, uma mudança no entendimento do STF acarretaria redução de suas penas, que então não seriam cumpridas em regime fechado.
      Seus defensores sustentam que os réus estão sendo condenados duplamente pelo mesmo crime. Não haveria organização autônoma, mas tão só coordenação entre os atores que, segundo narrativa da Procuradoria-Geral da República, cometeram delitos específicos --pelos quais já foram punidos.
      A formação de quadrilha, para além do mensalão, sem dúvida tem sido usada de modo automático, como meio de buscar penas mais severas.
      O STF terá ocasião de fixar uma interpretação clara sobre esse ponto da doutrina. Seja qual for sua decisão, entretanto, em nada alterará o essencial do que já se concluiu sobre o esquema escandaloso.
      Seus participantes desviaram recursos públicos, foram corruptos e corruptores, operaram pela fraude e pela mentira instituições bancárias, sempre jurando inocência e cinicamente dizendo-se vítimas de perseguição política.
      A farsa foi desmontada e punida. A questão da quadrilha é acessória, embora relevante, nesse contexto.

        Uganda volta ao passado [editorial folhasp]

        folha de são paulo
        Uganda volta ao passado
        Apesar das pressões internacionais, o presidente Yoweri Museveni sancionou uma lei que amplia a repressão a gays em Uganda, onde a homossexualidade é ilegal desde 2009. As punições agora cabíveis incluem até prisão perpétua.
        A legislação ugandense não está isolada na África. Segundo a Anistia Internacional, relações homossexuais são ilícitas em 36 países do continente, e em alguns deles gays podem ser condenados à morte.
        Em defesa da regra, Museveni adota um discurso nacionalista, que rechaça as interferências culturais do Ocidente. Como outros, o presidente de Uganda considera que os colonizadores europeus foram os responsáveis por levar a homossexualidade para a África. Combatê-la seria um modo de restaurar uma identidade original.
        Se o propósito é abominável, sua justificativa é um equívoco. Historiadores atestam que comportamentos homossexuais faziam parte da vida de tribos africanas antes desse período. A "questão gay" levada pelos europeus relaciona-se mais com a pregação religiosa e a adoção de normas homofóbicas, como as leis antissodomia impostas pelo Reino Unido.
        Não deixa de ser irônico que a assinatura da norma em Uganda tenha coincidido com um episódio simbólico nos EUA envolvendo o jogador de basquete Jason Collins.
        O atleta afro-americano rompeu, no ano passado, com a tradicional hipocrisia do meio esportivo ao se declarar homossexual. No último domingo, tornou-se o primeiro gay assumido a atuar numa partida da liga profissional do país --e foi aplaudido ao entrar em quadra.
        O avanço não esconde a existência de controvérsias sobre o tema. Na Europa e nos EUA --bem como no Brasil--, segmentos conservadores ainda se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a violência homofóbica continua a se manifestar de forma intolerável.
        A despeito disso, o governo americano e autoridades europeias com bons motivos foram categóricos ao criticar a decisão de Museveni, considerando-a uma afronta à comunidade homossexual e uma violação aos direitos humanos.
        A legislação de Uganda, não há dúvidas, representa enorme retrocesso. A tendência, em diversas partes do mundo, tem sido a de reconhecer cada vez mais direitos aos gays. Eliminar a injustificável discriminação, este é o caminho a ser seguido.

        Ruy Castro

        folha de são paulo
        No vácuo do Estado
        RIO DE JANEIRO - Se há uma característica a que o Estado brasileiro se aferra é a da ineficiência. Não se sabe em qual setor ele é mais conspícuo pela invisibilidade --se no transporte público, na educação, saúde, defesa do ambiente, segurança ou em todos. Neste último, sua atuação quase ectoplásmica tem feito com que, há 40 anos, forças paralelas tentem substituí-lo. E, incrível, para pior.
        Começou nos anos 60 com o Esquadrão da Morte, um grupo de policiais que se dedicava a eliminar elementos "indesejáveis" --ou seja, executando bandidos sem maiores formalidades. Confiante na impunidade, o Esquadrão logo se ofereceu para vender segurança a contraventores e traficantes, e, com sua prática em interrogatório e tortura, prestou muitos serviços ao governo militar.
        As milícias são outra forma de substituir o Estado. Podem limpar uma comunidade dos traficantes que a escravizam, mas não demoram a se pôr no lugar deles e a monopolizar os serviços locais, do gás ao mototáxi e à gatonet. O mesmo princípio de se sobrepor ao Estado se aplica aos "justiceiros do Flamengo", que capturaram, deixaram nu e imobilizaram o jovem bandido com uma trava de bicicleta.
        Os atuais profissionais do protesto também têm suas soluções para a ineficiência do Estado. Se não há escolas, incendeiam-se carros. Se os bancos cobram juros altos, depredam-se orelhões e lixeiras. Se os estádios da Copa são um acinte, saqueiam-se lojas. E, se a polícia avança contra eles, mata-se um inocente.
        Há no ar uma tentativa de aliviar os assassinos do cinegrafista Santiago Andrade. Por não estarem de preto, eles não seriam "black blocs". E daí se estavam de cinza? --talvez fosse o seu uniforme nº 2. E daí se nunca leram Godwin ou Proudhon, ou se nem sabem ler? E daí se não estão com as mensalidades do Fundo de Pensão do Black Bloc em dia?

        José Simão

        folha de são paulo
        Ueba! Dilma lança Bolsa Abadá!
        E já saiu o corno elétrico: atrás da sua mulher, só não vai quem já morreu! Essa é velha, mas é minha! Rarará!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta direto de Maceió: "Aécio Neves vaiado no Pinto da Madrugada". Gente, quando o Pinto da Madrugada vaia o Aécio é porque a balada não é mais a mesma! O pinto vaiou o garanhão! Rarará!
        E essa tropa da PM pra reprimir protestos: "Tropa do Braço"? Devia mudar de "Tropa do Braço" pra "Tropa do Abraço". Já imaginou levar um abraço da PM? Rarará!
        E a manchete do Piauí Herald: "Dilma distribui Bolsa Abadá para a base aliada". E a oposição? A oposição fica na pipoca mesmo!
        E a marchinha oficial do PMDB: "Mamãe eu quero! Mamãe eu quero! Mamãe eu quero mamar! Dá ministério/ Dá ministério? Dá ministério pro PMDB não chorar". O PMDB é aquele que, mesmo mamando, chora! Rarará!
        E pelo preço do abadá, a Dilma tinha que distribuir Bolsa Abadá! Tirar os brasileiros da pipoca! Ops, tirar os brasileiros da linha da extrema pipoca. Rarará!
        E o pior do Carnaval é o banheiro químico. Nesse calor, banheiro químico vira um forno crematório. Abadá de lata! Rarará!
        E já saiu o corno elétrico: atrás da sua mulher, só não vai quem já morreu! Essa é velha! É velha, mas é minha! Rarará!
        E atenção! Faltam três dias pro Carnaval! E os blocos? Os blocos estão bombando! Direto de Olinda, o famoso bloco Já que Tá Dentro, Deixa. Rarará!
        E no Recife, umas professoras universitárias se reuniram e lançaram o bloco Cansei de Ser Profunda. Eu também! É Carnaval! Rarará!
        E direto do Rio, o bloco desgovernado: Perereca Sem Freio. Já imaginou essa perereca descendo a ladeira, sem freio e na banguela? Rarará! Perereca sem freio provoca engavetamento! Como disse um amigo: "Eu quero ser atropelado por essa perereca sem freio". Rarará.
        E em Mossoró, Rio Grande do Norte, umas coroas sessentonas criaram o bloco AS FISCAIS DO SARNEY! Rarará. Que ano é hoje? Rarará.
        É mole? É mole, mas sobe!
        Os Predestinados! Mais dois para a minha série Os Predestinados! Chefe do Departamento de Parques e Jardins do DF: Rômulo ERVILHA! E o chefe de segurança do São Caetano Futebol Clube: CARRASCO! Medo! Pânico! Suando frio! Rarará!
        Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã.
        Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

          História de 'Último Tango em Paris' abre temporada no Curta!

          folha de são paulo
          Em 16 capítulos, série narra os bastidores de filmes clássicos
          História de 'Último Tango em Paris' abre temporada no Curta!
          DE SÃO PAULOFamoso sobretudo pela cena em que o personagem de Marlon Brando usa manteiga para fazer sexo com a jovem Jeanne, interpretada por Maria Schneider, "Último Tango em Paris" abre hoje, às 23h, a série francesa "Filmes que Marcaram Época".
          Sempre às quartas-feiras, o programa terá 16 capítulos, cada um sobre um longa.
          Dirigido por Bernardo Bertolucci, "Último Tango em Paris" (1972), causou controvérsia em todo o mundo. Na Itália, Bertolucci foi condenado por obscenidade e perdeu os direitos civis. O filme só foi liberado no país em 1987.
          Intérprete do viúvo Paul, que se encontra com Jeanne num apartamento em Paris, Brando (1924-2004) contou a Bertolucci que se sentiu, "do começo ao fim do filme, violentado". Schneider (1952-2011), que teve problemas com drogas, disse em entrevistas posteriores que o filme havia arruinado a sua vida.
          No documentário, há entrevistas com Bertolucci e com o diretor de fotografia, Vittorio Storato, entre outros.
          A série também irá tratar de produções como "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, "Um Estranho no Ninho", de Milos Forman, e "Quanto Mais Quente Melhor", de Billy Wilder.
          NA TV
          Filmes que Marcaram Época
          Estreia da série
          QUANDO hoje, às 23h, no Curta!
          CLASSIFICAÇÃO não informada

            Marcelo Coelho

            folha de são paulo
            Robôs
            Logo estaremos rodeados de bichos com luzinhas e sensores, celulares alados e aspiradores aracnídeos
            Eles estão entre nós. Muito diferentes, contudo, do clássico modelo em que se incluem a doméstica Rosie, dos Jetsons, a "lata velha" da família Robinson em "Perdidos no Espaço", ou o R2-D2 de "Guerra nas Estrelas".
            Para preencher esse modelo de robô típico, o indispensável seria, provavelmente, ter rodinhas, ou trilhos, no lugar de pés. Quanto ao resto do corpo, embora sólido como uma máquina de lavar, o robô se divide em partes correspondentes às do corpo humano.
            Os braços, ainda que terminem em forma de chave inglesa, haverão de ser braços de gente. A cabeça, podendo girar em 360 graus, ainda assim é cabeça; boca e olhos serão de zinco e titânio, mas funcionarão como os órgãos de qualquer humano.
            Assim era Rosie, que para melhor indicar sua função na família de desenho animado, mantinha o avental e a touquinha de uma empregada da primeira metade do século 20.
            Pegue-se, em suma, uma assalariada normal, substitua-se seu corpo de carne por uma estrutura de ferro cinzento, eliminem-se as suas pernas. Eis o robô das imaginações gerais, e provavelmente não o conheceremos em nossa vida cotidiana. Vale repetir, todavia: logo teremos todos robôs em casa. Talvez já os tenhamos sem perceber. Não falta muito.
            Temos notícia de geladeiras que já avisam o proprietário se falta algum produto; podem inclusive encomendar diretamente ao supermercado a reposição do estoque familiar.
            Qualquer carro nos avisa quantos quilômetros podemos rodar ainda com a reserva do tanque de combustível. Com o GPS acoplado, ele também fala, explicando o caminho até o próximo posto. Outros estacionam automaticamente na vaga.
            Em parte, esse carro já é um robô; a luz do espírito, da linguagem, do diálogo, já se vislumbra em seus circuitos e atravessa a lataria. Logo chegará o dia em que o motorista de táxi humano deixará de existir.
            O que teriam imaginado os escritores de ficção científica ou os produtores de desenho animado? Provavelmente, em vez de um carro inteligente, teriam criado um motorista de lata. Pensava-se na anatomia de um ser humano; não se antecipou a ideia de que o segredo para fazer robôs estava em outro lugar.
            A saber, no processamento de informações, na resposta a estímulos. É assim que funciona, por exemplo, um modelo já disponível no mercado brasileiro, ao preço de R$ 1.500 mais ou menos.
            Trata-se do aspirador-robô. Ele elimina todo traço humano. Seu formato é de uma embalagem térmica redonda, do tipo que os entregadores de pizza carregam no compartimento da motocicleta.
            Essa pizza média deve ser carregada na tomada e, ao toque de um botão, começa a andar sozinha pela casa. Sabe subir no tapete, desvia-se das paredes e dos móveis, girando a esmo, enquanto na parte de baixo uma vassourinha circular empurra a poeira a ser sugada.
            Não tem arestas, prolongamentos, olhos ou pezinhos. Sua "robozice" está no fato de que não precisamos controlá-lo. É, em suma, um eletrodoméstico que se move --não um empregado de metal.
            Construa um telefone que se aproxime de você quando alguém estiver chamando; um cabide de roupas que o acompanhe até a piscina; uma geladeirinha que traga um copo d'água até a poltrona, um micro-ondas em miniatura que leve sacos de pipoca a cada espectador do cinema: serão robôs.
            O que os caracteriza, do ponto de vista físico, é a mobilidade --e não a imitação do humano. Do ponto de vista tecnológico, sua capacidade está em atender a uma demanda específica do consumidor, num esquema de demandas e respostas.
            Verdade que vi recentemente, num aeroporto brasileiro, um robô ao velho estilo. Não tinha boca nem olhos de metal, mas sim uma tela, onde se via um rosto feminino desenhado. Oferece, na barriga, serviços de informação: mapa do aeroporto, contato com táxis, não sei se emissão de passagens.
            Deslocava-se lentamente com rodinhas, num corpo esmaltado e branco que evocava a figura de uma mulher de saia. As crianças adoravam o brinquedo. De fato, a geringonça não tinha muita razão de ser; poderia ser apenas um posto de informação fixo, sem imitar a mobilidade humana.
            Tratava-se, apenas, de uma homenagem "pós-moderna", isto é, irônica e lúdica, a um futuro imaginado antigamente, que não existe mais. A imagem do humano, que se projetava naqueles seres de rodinhas, dissolveu-se da tecnologia contemporânea.
            Logo estaremos, isso sim, rodeados de bichos com luzinhas e sensores, celulares alados e aspiradores aracnídeos, cortadores de unha semoventes, laptops à espreita, patinetes em nosso encalço. Será, para recorrer a outra fábula de ficção científica, uma verdadeira invasão de marcianos.