sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Governo quer igualar teto de preços de similar e genérico

folha de são paulo
Segundo a proposta, similar custaria até 65% do valor do remédio 'de marca'
Indústria se mostrou surpresa; similar também deve poder substituir remédio de referência na receita
JOHANNA NUBLATDE BRASÍLIA
Diretores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o ministro Alexandre Padilha (Saúde) anunciaram ontem que pretendem igualar os preços máximos de genéricos e similares.
A medida é parte da proposta do governo de unificar a regra para a venda das "cópias" dos remédios de referência. A mudança, antecipada pela Folha em dezembro, permitirá que os similares sejam oferecidos pelas farmácias como alternativa ao medicamento de referência prescrito pelo médico.
Pela regra atual, essa troca só é autorizada se for por um genérico. Uma norma de 2003, porém, previa que até o fim de 2014 os similares apresentassem estudos provando que funcionam da mesma forma que o original, como fazem os genéricos. Por isso, a Anvisa decidiu propor a unificação das normas para a venda dos produtos.
A consulta pública sobre esse tema será iniciada hoje e ficará aberta por 30 dias.
Segundo Padilha, que deve se desligar do ministério nas próximas semanas para concorrer ao governo de São Paulo pelo PT, as mudanças aumentarão a concorrência no setor e levarão a uma queda do preço ao consumidor.
Pela regra atual, o genérico custa até 65% do valor do medicamento de referência. Já o preço máximo dos similares é calculado pela média do mercado em cada classe --pode estar mais próximo do valor do remédio de referência ou do genérico.
A proposta do governo é fixar um teto para os similares também em 65% do valor do remédio de referência.
Esses valores, no entanto, se refletem de forma variada no dia a dia, já que os fabricantes dão descontos sobre o teto máximo.
As mudanças ainda dependem do aval da direção da Anvisa e da alteração no modelo de preços dos similares pela câmara do governo federal que regula os valores.
EM CHOQUE
Entidades do setor farmacêutico reagiram com surpresa e preocupação ao anúncio.
A avaliação geral é que as mudanças mexerão com os modelos de negócio e o mercado, mas não há clareza sobre se as medidas trarão redução de preços.
As entidades também dizem que os genéricos perderão espaço com a declaração de que os similares são "equivalentes". Por outro lado, os similares ganharão espaço, mas perderão com a redução do teto dos preços. E similares que têm marcas conhecidas e gastam com publicidade podem perder mercado, avaliam as entidades.
"Vai desestimular a concorrência, porque a farmácia vai comprar um só produto: o que dá a maior margem para ela", diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de SP).

Aprovado por cotas, morador de favela teme não conseguir se manter

folha de são paulo

MINHA HISTÓRIA JONATHAN DEREK SOUZA E SILVA, 20
Tão perto, tão longe

Morador de favela em SP, Jonathan Silva, 20, foi aprovado na federal de Sergipe por meio das cotas para alunos de escola pública e de baixa renda, previstas em lei federal. Ele, porém, não tem dinheiro para viajar e fazer a matrícula, que deve ser presencial (R$ 470 de avião ou R$ 340 de ônibus, em viagem de 35 horas). O aluno tem que se inscrever até terça. Mesmo que consiga, não sabe como se manterá em outro Estado.
*
Depoimento:
Moro no Grajaú, no extremo sul de São Paulo, bem na beira da represa Billings. Para construir nossa casa, fomos atrás de entulho.
Minha mãe faz bicos de faxineira em casa de família. Eu e meu pai também fazemos bicos. Conseguimos pagar apenas coisas de necessidades mais básicas.
Aqui na minha comunidade há uma presença cultural forte, com o hip hop, o skate. O rapper Criolo saiu daqui. Desde moleque, me chamou a atenção também o grafite.
Essa presença cultural me incentivou a dar atenção aos estudos. Meu sonho era a universidade pública. E, por causa do grafite, me interessei pelo curso de artes visuais.
Só que a escola básica pública aqui é defasada. Alguns professores me incentivaram, mas a estrutura é péssima.
Já fiquei um semestre inteiro sem professor. Fui atrás da Educafro [ONG que oferece cursinhos a alunos de baixa renda], para compensar.
Lá, me deram a noção de que a família com boa condição paga escola boa para o filho estudar em universidade pública depois. O pobre, que paga impostos, faz uma escola básica ruim e depois tem de ir para faculdade privada.
Danilo Verpa/Folhapress
Jonathan Silva, 20, foi aprovado na federal de Sergipe pelo sistema de cotas
Jonathan Silva, 20, foi aprovado na federal de Sergipe pelo sistema de cotas
Lutei muito e disputei uma vaga em artes visuais na Universidade Federal de Sergipe pelo programa de cotas para alunos de escola pública com renda de até 1,5 salário mínimo. Eram três vagas. Passei em segundo lugar.
Parece um sonho, nem consigo acreditar direito. Sou do Grajaú, cara. E aqui a molecada precisa de exemplos de glória. Precisam ver que se pode vencer sem pistola.
Mas agora apareceu um monte de problemas. Tenho até terça-feira para viajar até Sergipe para a matrícula. Não tenho dinheiro para isso.
E, se eu conseguir ir, também não sei como vou ficar lá. O resultado da seleção para bolsas de moradia sai só em março. Não consigo voltar para São Paulo depois da matrícula e voltar para lá novamente para as aulas. E nem é garantido que conseguirei a bolsa, porque tem muito mais gente do que vaga.
Entre a matrícula e as aulas, o frei David [Santos, coordenador da Educafro] está vendo se alguma família católica pode me acolher. Mas não faço ideia de como conseguirei ir fazer a matrícula.
Quando me inscrevi no Sisu [sistema de seleção das universidades federais], não sabia que ia ser essa confusão. Pensei que seriam dadas condições para os pobres.
As cotas são uma grande conquista para nós. Mas a minha impressão é que o governo dá o doce, mas depois quer tirar. Alunos carentes deveriam ter garantia de bolsas, senão não adianta.
Neste momento, estou à deriva, é desesperador. Lutei até aqui, estudei, consegui passar. Parece que estou tão perto de algo que quero muito, mas, na verdade, isso pode escapar. E não falo só por mim. Falo por milhares. 

Testemunha da máfia do ISS diz que Kassab recebeu 'fortuna' da Controlar

folha de são paulo

Testemunha da máfia do ISS diz que Kassab recebeu 'fortuna' da Controlar

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Uma testemunha ouvida pelo Ministério Público na investigação da máfia do ISS disse que o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) recebeu uma "fortuna" da Controlar, empresa responsável pela inspeção veicular na capital.
Segundo ela, esse dinheiro ficou no apartamento do então prefeito e foi transferido de avião para uma fazenda em Mato Grosso, numa operação capitaneada pelo empresário Marco Aurélio Garcia.
A informação foi revelada na noite desta quinta-feira pelo "Jornal Nacional" e pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Ex-prefeito diz que o depoimento é "falso e fantasioso"; a Controlar nega "veementemente".
Marco Aurélio é irmão de Rodrigo Garcia, ex-secretário da gestão Kassab que emprestava um imóvel no centro para os integrantes da máfia do ISS se reunirem. Rodrigo é hoje secretário do governo Geraldo Alckmin (PSDB).
De acordo com o promotor Roberto Bodini, a testemunha disse não saber o valor supostamente dado pela empresa ao prefeito. Mas afirmou que o volume era tão grande que o avião teve dificuldades de levantar voo.
A versão da testemunha, identificada como Gama, é baseada em conversas ouvidas por ela dos integrantes da máfia do ISS, principalmente Ronilson Bezerra Rodrigues, subsecretário da Receita da gestão Kassab. O grupo é acusado de reduzir o ISS de empresas, em troca de propina.
A transferência do dinheiro do apartamento para a fazenda ocorreu, conforme a testemunha, após a Promotoria iniciar investigação contra Kassab e a Controlar.
Em 2011, a Justiça chegou a determinar o bloqueio de bens do prefeito e de empresas e empresários ligados à Controlar. A medida foi revertida tempos depois.
Em 2007, a gestão Kassab desengavetou um contrato com a Controlar que estava parado havia dez anos.
Isso ocorreu contrariando alertas sobre irregularidades feitos por técnicos da prefeitura. Um parecer da Secretaria de Negócios Jurídicos, de 2006, recomendou a rescisão do contrato. Kassab responde judicialmente por isso.
Editoria de Arte/Folhapress
BOLSA
A testemunha também disse que Mauro Ricardo, que foi secretário de Finanças da gestão Kassab, recebeu propina para diminuir o ISS pago pela Bolsa de Valores de São Paulo em suas operações.
Com a ajuda de Ronilson, eles teriam reduzido o valor máximo cobrado para o mínimo. "E isso de fato aconteceu. Desde 2011", disse Bodini.
É a primeira vez que Kassab e Ricardo são acusados de receber propina.
Antes, ambos tinham sido implicados indiretamente numa conversa por telefone entre Ronilson e Paula Nagamati, fiscal investigada por ter recebido dinheiro do grupo.
Eles falavam da investigação da Controladoria Geral do Município sobre a quadrilha.
"Tinham que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei. Eles tinham ciência de tudo", disse Ronilson.
Gama também afirmou ter ouvido que a máfia do ISS pagou mais de R$ 5 milhões, em parcelas, para os vereadores Antonio Donato (PT) e Aurélio Miguel (PR) não abrirem uma CPI do caso. 

Barbara Gancia

folha de são paulo
Partiu, equipe Jolly!
Em 67, em Salvador, Piero Gancia e Emilio Zambello venceram a primeira prova em dupla pilotando uma Alfa
Não quis nem saber. Na larga­da, mandei o pé lá para baixo e saí desviando dos "mar­cha lentas". Não tinha tempo a per­der, eu era uma mulher com uma missão. Quando cheguei na beirada do precipício do "S" do Senna já ti­nha papado uns dois ou três. A mim pouco importava se a maioria dos meus "adversários" estava ali só pa­ra tomar ar no rosto e rever os ami­gos ou se os carros deveriam ser poupados, posto que eram relí­quias e nos haviam sido gentilmen­te cedidos pelos donos.
Quando soube que teria de defen­der a honra da família ao volante, no solo amigo da pista de Interla­gos, achei melhor estabelecer um objetivo claro que pudesse tirar qualquer outra distração do cami­nho. Não queria que minha hipófi­se, já tão bombardeada em 56 car­navais, acabasse sendo fragilizada de antemão por emoções indevi­das, entre elas, o fato concreto de que aquele evento traria fartas lembranças a todos os envolvidos.
O convite ao qual eu respondera (com grande entusiasmo, diga-se), fora o de reviver a equipe Jolly-Gancia junto com os filhos dos ou­tros membros do "team" em uma "corrida" de 5 voltas que deveria ocorrer antes do início dos 500 Quilômetros de Interlagos.
Nos anos 60, a Jolly competia com as berlinetas da equipe Dacon, as carreteiras do Camillo Christófaro, o Fitti-Porsche dos irmãos Wilson e Emerson, brasincas e DKWs no campeonato nacional.
Tudo começara quando meu pai, Piero, levou uma Alfa Romeo de passeio para consertar em uma ofi­cina no Brás e o mecânico que o re­cebeu, uma figura cuja perna direi­ta foi extraída de um filme de Felli­ni e a esquerda de um filme de Ma­rio Monicelli, imediatamente or­denou que ele colocasse o carro pa­ra correr.
Como Piero sempre fora admira­dor de Ascari e Nuvolari e conhecia um pouco de velocidade, e o mecâ­nico, Giuseppe Perego, tinha traba­lhado com Fangio na Maserati, a coisa engrenou.
Juntaram-se a eles Manolo, as­sistente de Giuseppe, Celso Lara Barberis, o melhor piloto da época, que viria a falecer logo em seguida, e Emilio Zambello, que de 1962 em diante acompanhou Piero dentro e fora das pistas em uma trajetória admirável como co-piloto, sócio, amigo e irmão.
A Jolly passou por altos e baixos. Em 1967, em Salvador, Piero e Emilio venceram a primeira em dupla. Em 1969, de 24 corridas, a equipe ganhou 23. Houve uma cor­rida na Bahia em que fizeram as seis primeiras colocações.
Giuseppe, sua bituca no canto da boca e seu chapelão de palha, todo sujo de graxa, Manolo, sempre com olhar grave, mais os bons rapazes Piero e Emilio montaram uma equipe pela qual passaram José Carlos Pace, Marivaldo Fernandes, Wilson Fittipaldi Jr., Tite Catapa­ni, Ubaldo César Lolli, Graciela Fernandes, Ciro Cayres, Afonso Giaffone, os irmãos "Abillion" e Ci­dão Diniz, Lulla Gancia e Felice Al­bertini, que vinha a ser nosso motorista particular e também, não sei como conseguia tempo, sargento do juizado de menores.
Foi na subida do laranjinha que eu finalmente consegui mandar pela janela um vistoso dedo ao meu ir­mão, enquanto ultrapassava a alfi­nha GTA que o Marcelo, filho do Manolo, arrumou para ele pilotar naquele dia. O evento era uma ho­menagem ao Emilio, não uma pro­va de vida ou morte, ninguém esta­va pisando fundo, mas eu não pude conter minha dick-vigarice.
Nem tampouco contive as lágri­mas, minutos depois, já nos box, na hora em que o sujeito ao microfone descrevia as glórias de Zambello e ele discretamente se aproximou do camarada e sussurrou ao seu ouvi­do: "Agora fala do Piero".
Não imaginava que aquela linda manhã de outubro em que a gente se divertiu tanto seria a última vez que o viria. Emilio Zambello nos deixou na última quarta-feira, aos 87 anos.

    Raul Juste Lores e Rodrigo Salem

    folha de são paulo
    Melhor de 3
    'Trapaça', correndo por fora, fica emparelhado com 'Gravidade' e '12 Anos de Escravidão' numa disputa acirrada pelo Oscar
    RODRIGO SALEMCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELESA briga esperada entre "Gravidade" e "12 Anos de Escravidão" pelo Oscar 2014 se confirmou com o anúncio dos indicados ao prêmio, na manhã de ontem, em Hollywood. Mas "Trapaça", também virou um concorrente sério à estatueta.
    O longa de David O. Russell foi indicado em dez categorias, mesmo número de "Gravidade", de Alfonso Cuarón. "12 Anos de Escravidão", de Steve McQueen, teve nove indicações.
    Os três disputarão com mais seis produções: "Capitão Phillips", de Paul Greengrass; "Ela", de Spike Jonze; "Nebraska", de Alexander Payne; "O Lobo de Wall Street", de Martin Scorsese; "Clube de Compras Dallas", de Jean-Marc Vallée; e "Philomena", de Stephen Frears. Os dois últimos foram as surpresas da lista.
    Tom Hanks, considerado um forte concorrente como melhor ator por "Capitão Phillips", foi esquecido, enquanto o colega Barkhad Abdi papou uma indicação em ator coadjuvante --Robert Redford, outro veterano, também ficou de fora por "Até o Fim", de J.C. Chandor.
    O documentário "Blackfish", sobre os maus tratos às baleias orcas no Sea World, não entrou na lista, que tem como favorito "O Ato de Matar", de Joshua Oppenheimer, sobre a reencenação de atos de extermínio na Indonésia.
    "The Square", sobre a Primavera Árabe, rendeu ao Netflix a primeira menção no Oscar. Já Jennifer Lawrence, 23, se ganhar como atriz coadjuvante por "Trapaça", se tornará a atriz mais jovem a ganhar dois Oscar --ano passado, ela levou o de atriz principal por "O Lado Bom da Vida".
    A comédia "Jackass Apresenta: Vovô Sem Vergonha" tem uma indicação (maquiagem), o mesmo número que recebeu o classudo "Walt nos Bastidores de Mary Poppins" (trilha sonora), com Emma Thompson --que acabou não indicada para melhor atriz. A categoria ficou livre para Cate Blanchett levar a indicação por "Blue Jasmine", de Woody Allen. A produção também concorre aos prêmios de atriz coadjuvante (Sally Hawkins) e roteiro original.
    O anúncio serviu para algumas ressurreições. Martin Scorsese, que há dois meses se defende nos Estados Unidos por causa das cenas de nudez e referências a drogas de "O Lobo de Wall Street", foi indicado para melhor diretor, roteiro e filme --Leonardo DiCaprio e Jonah Hill entraram nas listas de ator e ator coadjuvante, respectivamente, pela produção.
    Já "Nebraska", de Alexander Payne, veio por fora e, além de melhor filme, direção e fotografia, também rendeu indicações a Bruce Dern (ator) e June Squibb (atriz coadjuvante), dois veteranos esquecidos pela indústria.
    Entre os filmes estrangeiros, "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino, deve levar o Oscar para a Itália, mesmo enfrentando o dinamarquês "A Caça" e "Omar", a segunda indicação de uma produção palestina na história.
      ANÁLISE
      Distinção entre três favoritos mina teorias sobre tendências de Hollywood
      RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTONAs indicações ao Oscar são acompanhadas pela indústria do cinema como uma milionária corrida de cavalos.
      Quem faz a melhor corrida pode conquistar uma bilheteria maior nos mercados internacionais onde os filmes ainda não estrearam. Além disso, cacifa diretores, atores e demais envolvidos a maiores cachês e poder em seus próximos projetos.
      A corrida deste ano está embolada. Três filmes muito diferentes são os favoritos, o que impede que os críticos e especialistas inventem uma grande teoria sobre as tendências em Hollywood.
      Com dez indicações, "Gravidade", que custou US$ 100 milhões e já arrecadou US$ 670 milhões em todo o mundo, é o único supersucesso entre os nove longas indicados a melhor filme. Mas as bolsas de apostas dizem que só vai levar prêmios técnicos e o de melhor diretor --para o mexicano Alfonso Cuarón-- e não o de melhor filme.
      O prêmio deve ficar entre "Trapaça" (dez indicações) e "12 Anos de Escravidão" (nove). Este último é o menor entre os três (custou US$ 20 milhões, menos do que o vampiro Robert Pattinson ganha por filme da série "Crepúsculo") e arrecadou apenas US$ 40 milhões. Há dúvidas se fará boa carreira internacional O fato de o distribuidor italiano ter colocado no cartaz uma foto de Brad Pitt, que faz apenas uma pequena ponta no filme, diz muito.
      Mas Hollywood vai assumir que filme realista de escravidão ainda é tabu e vai deixá-lo de lado, mesmo sendo considerado o melhor dos três?
      "Trapaça", de David O. Russell, o mesmo diretor de "O Lado Bom da Vida", que custou US$ 40 milhões (e já arrecadou US$ 103 milhões só nos EUA), é o grande rival.
      Sem o sofrimento (ou a importância) de "12 Anos", é uma diversão sexy e esperta com toques de Scorsese. Ou seja, grande entretenimento, que Hollywood deve há anos.
      E premiar a ótima e sapeca Jennifer Lawrence, que está nesse filme, é garantia de rara espontaneidade na cerimônia (apesar da queniana Lupita Nyong'o, de "12 Anos", e da veterana June Squibb, 84, de "Nebraska", merecerem mais levar o Oscar).
      Outros filmes muito bons se contentarão com prêmios técnicos ou com o reconhecimento ao elenco, como "Clube de Compras de Dallas", "Philomena", "Ela" e "Blue Jasmine". Em um ano especial, há muitos puro-sangue.

        José Simão

        folha de são paulo
        Ueba! 'BBB', a Turma do Friboi!
        O problema do 'BBB' é de Vigilância Sanitária. Rarará! Abriram o açougue! Bíceps, tríceps, bundas!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Polícia flagra racha de charretes em Botucatu". Mas o que é isso? Refilmagem de "Ben Hur"? Racha de charretes! E como eles dão cavalo de pau com a charrete? Rarará!
        E um leitor me manda uma dúvida econômica: os materiais escolares subiram acima da inflação, alimentos sobem acima da inflação, tudo sobe acima da inflação, então a única coisa que ficou abaixo da inflação foi a inflação?!
        Essa é a grande manchete econômica: "Inflação fica abaixo da inflação". Rarará! E notícia econômica é a coisa mais democrática que existe: ninguém entende absolutamente nada! Rarará!
        E socuerro! Todos para o abrigo! Me mate um bode! Começou o Big Bagaça Brasil! O problema não é gostar ou não gostar do "BBB". O problema do "BBB" é de Vigilância Sanitária. É com a Anvisa! Rarará! Abriram o açougue! Bíceps, tríceps, bundas!
        E as gostosas têm selo Friboi de qualidade? Esse povo é friboi? Agora vou chamar esse povo do "BBB" de: A Turma do Friboi! Ou: Turma da Frifranga! FRIBBBOI 14! Rarará! E se o peitão daquela loira explodir, vai ter avalanche de gel no "BBB"! Prova do líder: luta no gel! Rarará!
        E a primeira pérola do programa: "A maldade está no olho de quem vê e no volume da sua sunga". Os rinocerontes de sunga! Como disse uma amiga: "Estou torcendo por aquele malhado tatuado". Quais deles? Ali, comeu um, comeu todos! Rarará! Malhados BigMac!
        E no site Yahoo lançaram uma enquete: "O que você espera ver no BBB 14'?". 1) Muito barraco. 2) Sexo debaixo do edredom. 3) Os discursos do Bial. Ganhou: os discursos do Bial!
        Eu já disse que a próxima geração no Brasil vai nascer falando "Oi, Bial". Papai, mamãe e oibial. Oibial é uma palavra só! Rarará! E como aquele cartomante não previu que ia sair do "BBB"? Rarará!
        É mole? É mole, mas sobe!
        O Brasil é Lúdico! Placa no supermercado Extra: "Queima de aves natalinas". Tadinhas! Vai ter fogueira de peru? Rarará! E o brasileiro é cordial! Olha essa num portão em Pinheiros, aqui em São Paulo: "Promoção! Estacione aqui e ganhe uma multa, quatro pontos na carteira e 20 pontos na testa!". Rarará.
        Nóis sofre, mas nóis goza!
        Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Humor e ofensa - Michel Laub

        folha de são paulo
        Humor e ofensa
        Uma vertente do humor opera no limite dos valores aceitos, confrontando gosto e ideologia do público
        Toda vez que um humorista se mete em uma controvérsia, surge alguém para dizer que o problema não são as piadas ofensivas, e sim a falta de graça do autor. É mentira. Ninguém vai aos jornais falar mal de humoristas respeitosos, tenham eles talento ou não.
        É mais ou menos o caso do arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, em relação a um especial de Natal do grupo Porta dos Fundos. "Será que isso é humor?", ele escreveu no Twitter. "Ou é intolerância religiosa travestida?" No vídeo, assistido 4,4 milhões de vezes até a última terça (http://migre.me/hr3jz), os esquetes citam Jesus, Deus, drogas, Luciano Huck, um carteiraço na Santa Ceia e crucificados que usam Bepantol nas feridas.
        A indagação do cardeal tem história. De um lado da briga estão os que não consideram a liberdade um valor absoluto. Entre eles, cristãos que propõem boicote e medidas legais contra o Porta dos Fundos.
        Um argumento que deve ser usado no processo é clássico: deve haver restrições ao discurso contrário à democracia ou que faz apologia do crime. O humor ofensivo não teria conteúdo análogo, pois pode incentivar a intolerância (e a violência) contra determinados grupos?
        Nos Estados Unidos, uma das grandes derrotas judiciais dessa corrente se iniciou com uma sátira religiosa --uma falsa peça publicitária, publicada na revista do pornógrafo Larry Flynt, em que o pastor Jerry Falwell conta que perdeu a virgindade com a própria mãe.
        Retratado num bom filme de Milos Forman, e tendo como objeto a imagem de figuras públicas, o caso discutiu a Primeira Emenda --que trata de liberdade de expressão-- e ajudou a firmar princípios como o de que o humor pode ser ruim, burro, grotesco, repulsivo. Mas proibi-lo seria dar ao Estado a prerrogativa de uma escolha --ignorar a revista, não assistir ao vídeo-- que é individual.
        Daria para acrescentar que uma vertente importante do humor, como uma vertente importante da arte, opera no limite dos valores aceitos, confrontando gosto e ideologia do público. Pense em piadas que reproduzem estereótipos racistas. Elas podem confirmá-los ou, por meio da exacerbação irônica ou recurso semelhante, fazer o contrário.
        De um modo ou outro haverá reações como a de d. Odilo. Que poderiam ser mais complexas de se lidar, digamos, trocando-se os personagens. Se o cardeal é um alvo até fácil para o establishment cultural progressista e laico --na Vila Madalena ou no Leblon, ninguém tem pena de um homem branco e poderoso na hierarquia da igreja--, o que aconteceria se o indignado fosse muçulmano, judeu, gay, mulher?
        Uma resposta possível teria algo de casuístico. Certos grupos são menos ou mais vulneráveis de acordo com as circunstâncias. O Brasil é um país com passado recente de escravidão. Gays ainda são agredidos na avenida Paulista. Mulheres sofrem o diabo nas classes pobres. Já os cristãos, diferentemente do que ocorre em outras partes do mundo, são maioria e nunca foram perseguidos por aqui.
        O problema desta abordagem caso a caso, que dependeria de uma sensibilidade política sempre discutível para dirimir conflitos, é ser discriminatória por princípio.
        Às vezes, a democracia faz ginástica para se adaptar a distorções do gênero --caso das cotas em universidades, que têm como recompensa anunciada a diminuição de desigualdades históricas.
        Tentar fazer esse tipo de reparo na esfera do humor, permitindo-se zombar da fé cristã, mas não de outras crenças e grupos, e considerando que tudo se resume a meia dúzia de piadas (que, ademais, passam pelos filtros de qualidade e conveniência da sociedade), já está além do razoável.
        Restam, então, as alternativas a partir de uma regra única e universal. A primeira, que proíbe tudo o que parecer incômodo por via das dúvidas, é pior: o cerceamento do discurso do humorista, do artista ou de qualquer cidadão tende a limitar o debate público e formar uma audiência infantilizada.
        A segunda alternativa, com todos os problemas que acarreta, é a da liberdade. Nos Estados Unidos, além do caso Larry Flynt, o modelo venceu batalhas difíceis e legitimou uma tradição de comediantes incisivos, de Lenny Bruce e Andy Kaufman a Louis C.K. e Chris Rock, e uma prática de confronto e oxigenação das ideias que fortalece a democracia. Se o Porta dos Fundos acabar nos tribunais superiores, seria bom que o mesmo acontecesse no Brasil.

        O ninho vazio - Ruy Castro

        folha de são paulo
        O ninho vazio
        RIO DE JANEIRO - Uma amiga está triste porque sua filha se mudou para Nova York. Foi estudar na Universidade Columbia e não deve voltar tão cedo. O filho mais velho, também há pouco, foi trabalhar em outra cidade. Os dois moravam com ela. De repente, minha amiga ficou sozinha em casa. Está passando pela "síndrome do ninho vazio", uma figura da psicologia para definir a depressão que se apossa de alguns pais --ou, quase sempre, mães-- quando seus filhos vão à vida.
        Estava pensando nisso quando, pouco antes do Natal, percebi certos movimentos alados no terraço. Uma rolinha ia e vinha, com matinhos no bico, e pousava numa viga alta do caramanchão. Mesmo à distância, constatei que estava construindo um ninho. No Natal, o ninho ficou pronto. Ela sossegou e sentou-se nele pelos dias seguintes. Batizei-a de Lola, a Rola, e saboreei a expectativa de, em breve, ser avô.
        Não entendo de passarinhos, mas calculei que, por sua circunspecção no ninho, Lola devia estar sentada sobre três ou quatro ovos --e, se assim fosse, merecia respeito pelo que lhe devia ter custado botá-los para fora. Mas Silvania, minha funcionária, aproveitou-se da temporária ausência de Lola --numa das poucas vezes em que ela saiu, certamente para ir às compras--, subiu a um banquinho, espiou o conteúdo do ninho e me informou de que eu era avô de um único ovo.
        Bem, não sejamos soberbos, um já estava bom. Dias depois, constatamos que, em certos momentos, o rabo e a cabecinha para fora do ninho eram menores. O bebê nascera. Dei-lhe o nome de Lolita, a Rolita, e esperei que ela e sua mãe nos brindassem com algumas piruetas, mesmo desajeitadas, como parte do aprendizado aéreo de Lolita.
        Que nada. Ontem, Lola, a Rola, e Lolita, a Rolita, foram embora bem cedo. E sem se despedir. Agora entendo a síndrome do ninho vazio.

        São só "rolezinhos" - Editorial Folha SP

        folha de são paulo
        São só "rolezinhos"
        Reação destemperada da polícia e liminares judiciais podem alterar o caráter despretensioso de encontros de jovens em shoppings
        "Não perco meu tempo em manifestações, os políticos vão continuar roubando", afirma Lucas Lima, 17, frequentador dos chamados "rolezinhos". Ele garante que, em dois desses eventos recentes, beijou "16 ou 17 meninas".
        Os encontros servem, segundo as convocações nas redes sociais, para "zoar, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir". Realizados em shoppings centers paulistanos, atraem centenas de adolescentes, em geral da periferia.
        A despeito de seu caráter festivo e despretensioso, a novidade logo incomodou lojistas, consumidores e políticos. Durante os "rolezinhos", os adolescentes, divididos em vários grupos, caminham ou correm pelos corredores do centro de compras, cantando funk.
        Não é só o corre-corre que assusta. Houve casos isolados de furto e depredação, que obviamente devem ser punidos. Além disso, diante de qualquer multidão, e de um fenômeno que só agora começa a se compreender, chega a ser automática a reação defensiva que, a princípio, muitos tiveram.
        Passado o susto inicial, no entanto, essas reuniões poderiam, sem nenhum prejuízo, ser incorporadas à rotina da cidade.
        Alguns proprietários de shoppings não pensaram dessa maneira. Imaginando que os "rolezinhos" ameaçavam a segurança de clientes e lojas, recorreram à Justiça para impedir sua realização.
        Pior, alguns juízes consideraram bem fundamentada a preocupação e fixaram multa de até R$ 10 mil a quem participasse de determinados encontros. Em certos casos, jovens foram proibidos de entrar nos estabelecimentos.
        Decisões desse tipo são indefensáveis. Baseiam-se na maldisfarçada e injusta noção de que moradores da periferia, reunidos em grupos, pretendem furtar ou roubar.
        Embora privados, os shoppings são locais de acesso público. Funcionam menos como a casa de um particular e mais como hotéis ou restaurantes. Podem, se quiserem, criar regras para os clientes --por exemplo, dizendo que não aceitarão pessoas em trajes de banho.
        Tais normas, porém, precisam valer para todos, e sua aplicação prática pode facilmente se confundir com crimes de preconceito.
        De resto, como defender a priori que jovens, por serem da periferia, perturbarão a paz pública? Se incorrerem nessa contravenção, devem ser punidos, assim como se cometerem um crime mais grave. O veto prévio, todavia, tem natureza claramente discriminatória.
        Dadas as intenções originais, esses eventos, como testemunho das transformações por que passa o Brasil, dificilmente fariam mais que evidenciar a carência de espaços públicos de convívio social.
        A exemplo do que se deu com as manifestações de junho de 2013, no entanto, a reação destemperada da polícia, desta vez auxiliada pelo Judiciário e apoiada por proprietários de shoppings, pode dar aos "rolezinhos" uma dimensão que eles não têm --ou não tinham.