quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Não éramos cordiais? - Clovis Rossi

folha de são paulo
CLÓVIS ROSSI
Não éramos cordiais?
O nível impressionante de violência no cotidiano está cada vez mais próximo de uma barbárie intolerável
A morte do cinegrafista Santiago Andrade não configura um atentado à liberdade de imprensa, ao contrário do que tantos apregoam.
É muito pior que isso: é um atentado ao convívio civilizado entre brasileiros, um degrau a mais na escalada impressionante de violência que está empurrando o país para um teor ainda mais exacerbado de barbárie.
O incidente com o cinegrafista é parte de uma coreografia de violência crescente que se dá por onde quer que se olhe.
Nunca se matou com tanta facilidade em assaltos. Nunca se apertou o gatilho com tanta facilidade. É até curioso que as estatísticas policiais no Estado de São Paulo apontem uma redução no número de homicídios dolosos, como se fosse um avanço, quando aumenta o número de vítimas de latrocínio, que não passa de homicídio precedido de roubo.
De fato, em 2013, o número de latrocínios (379) foi o mais alto em nove anos, com aumento de 10% em relação aos 344 casos do ano anterior.
Mas a violência não é um fenômeno restrito à criminalidade. A polícia age muitas vezes com uma violência desproporcional.
A vida nas cidades e, cada vez mais, no interior é de uma violência inacreditável. O trânsito é uma violência contra a mente humana. O transporte público violenta dia após dia. Não é um atentado aos direitos humanos perder às vezes três horas entre ir e voltar do trabalho?
A saúde é uma violência contra o usuário. A educação violenta, pela sua baixa qualidade, o natural anseio de ascensão social.
A existência de moradias em zonas de risco é outra violência.
A contaminação do ar mata ou fere de maneira invisível os habitantes das cidades em que o nível de poluição supera o mínimo tolerável.
Não adianta, agora, culpar o governo do PT ou a suposta herança maldita legada pelo PSDB, ou os crimes praticados pela ditadura militar ou a turbulência que precedeu o golpe de 1964. O país foi sendo construído de maneira torta, irresponsável, sem o mais leve sinal de planejamento, de preparação para o futuro.
Acumularam-se violências em todas as áreas de vida. A explosão no consumo de drogas exacerbou, por sua vez, a violência da criminalidade comum. Não há "coitadinhos" nessa história. Há delinquentes e vítimas e há a incompetência do poder público.
É como escreveu, para Carta Capital, esse impecável humanista chamado Luiz Gonzaga Belluzzo:
"O descumprimento do dever de punir pelo ente público termina por solapar a solidariedade que cimenta a vida civilizada, lançando a sociedade no desamparo e na violência sem quartel".
Antes que o desamparo e a violência sem quartel se tornem completamente descontrolados, seria desejável o surgimento de lideranças capazes de pensar na coisa pública, em vez de se dedicarem a seus interesses pessoais, mesmo os legítimos.
Alguém precisa aparecer com um projeto de país, em vez de projetos de poder. Não é por acaso que 60% dos brasileiros querem mudanças, ainda que não as definam claramente. A encruzilhada agora é entre ideias e rojões.

Kenneth Maxwell

Águas turbulentas
folha de são paulo
O Brasil enfrenta águas turbulentas neste ano. Não só por causa dos desafios mais óbvios: sediar a Copa do Mundo, realizar eleições presidenciais, conter o desencanto continuado das ruas, lidar com a violência arbitrária da vida cotidiana, enfrentar os serviços públicos inadequados e os transportes públicos que sofrem de superlotação crônica.
Encarar qualquer um desses dilemas seria difícil no melhor dos momentos. Muitos desses desafios não têm soluções fáceis e existem há muito. Alguns, é claro, resultam de realizações passadas, especialmente da ascensão de uma classe média expandida, cada vez mais impaciente e dotada de novos poderes e de amplo acesso às mídias sociais. Mas essas preocupações são essencialmente internas e os brasileiros cuidarão delas sozinhos.
Um desafio igualmente sério, porém, são as perspectivas incertas para o Brasil no cenário internacional e a capacidade brasileira de navegar em meio à tempestade internacional que está se formando. A vizinhança sul-americana não é um lugar muito confortável no momento. Argentina e Venezuela enfrentam problemas críticos. Mas isso não é grande novidade.
O que é novidade são as consequências para o Brasil do aperto da política monetária norte-americana e da desaceleração no crescimento econômico chinês. Com a alta nas taxas de juros das duas maiores economias do planeta, o capital que fluiu aos mercados emergentes agora os está deixando, e Brasil, Índia e África do Sul se viram forçados a administrar a instabilidade que isso causa em suas moedas e a elevar suas taxas de juros.
Tanto a China quanto o Brasil passaram por booms de créditos. Mas os preços das commodities caíram, depois de atingirem recordes, e a China está tentando controlar seu sistema bancário paralelo. Isso não é nem um pouco fácil. As instituições chinesas de empréstimos obtêm retornos muito maiores no mercado doméstico informal do que no sistema bancário oficial chinês, fortemente regulamentado e com baixos juros. Administrar essa questão pode representar o maior risco.
Mas a expectativa é que a China ainda cresça 7,5% em 2014. E a projeção de crescimento revisada do FMI para os países de alta renda também subiu. Agora, espera-se que os EUA cresçam 2,8% neste ano, e o Reino Unido, 2,4%.
O ponto mais importante é que o quadro econômico mundial está mudando e de maneiras imprevisíveis, o que tem consequências para o Brasil. A questão será se, com os pensamentos concentrados em seus dilemas internos, terá a adaptabilidade, a capacidade e a visão necessárias para enfrentar esse novo mundo. E a resposta a essa questão continua sendo muito mais problemática.

    Cientistas decifram mais antigo DNA indígena nos EUA - Reinaldo Jose Lopes

    Cientistas decifram mais antigo DNA indígena nos EUA
    Resultados mostram que genes analisados estão presentes nos índios atuais e ajuda a explicar povoamento do continente americano
    REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA DE SÃO PAULOHá 12 mil anos, uma família de caçadores-coletores perdeu um bebê de um ano e meio de vida e o enterrou, onde hoje é o Estado americano de Montana. Talvez não fosse um grande consolo para eles, mas seus genes hoje estão presentes no DNA de boa parte dos habitantes nativos das Américas, entre os quais os índios brasileiros.
    Essa é a principal conclusão do sequenciamento ("leitura") do genoma do bebê do sexo masculino, o mais antigo de um habitante do continente americano a ser totalmente decifrado. O estudo está na edição desta semana da revista científica "Nature".
    As descobertas reforçam a ideia de que, no fim da última Era do Gelo, pioneiros vindos da Sibéria foram os primeiros seres humanos a pisar no continente, mas indicam que essa história ainda está cheia de detalhes complicados e difíceis de interpretar.
    Em resumo, o que os pesquisadores fizeram foi comparar as "letras" químicas do DNA do bebê com as de 143 populações do mundo todo, entre elas tribos do Brasil, como os guaranis, caingangues e caritianas. A semelhança com os grupos indígenas atuais foi impressionante, declarou Willerslev em entrevista coletiva por telefone.
    O curioso, no entanto, é que apesar de ter sido encontrado em Montana, perto da fronteira americana com o Canadá, o menino parece ter parentesco mais próximo com membros de tribos da América do Sul e Central. "Para ser honesto, acho que ainda não sabemos como explicar isso", afirma Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague.
    Os dados devem ajudar a sepultar uma hipótese aparentemente maluca, mas que ganhou adeptos entre os arqueólogos americanos: a de que o povo do bebê, membros da chamada cultura Clovis, descenderia de europeus da Idade do Gelo, os quais teriam atravessado o Atlântico para chegar à América do Norte.
    Para os defensores da ideia, pistas arqueológicas sugeriam conexões culturais entre o complexo Clovis e os europeus da Idade da Pedra. Com a análise de DNA realizada, ficou bem mais difícil defender essa tese.

      Janio de Freitas

      folha de são paulo
      Sem resposta
      Mesmo as denúncias vazias podem ter caroços; se não surgem com caroços, logo aparece quem os ponha
      O advogado Jonas Tadeu enveredou por caminhos pedregosos e de direção incerta. Tanto se pode supor que levem a mais desvios da verdade para servir a seus dois clientes do momento como se pode suspeitar de objetivos muito maiores.
      Ainda bem que o estranhíssimo percurso feito ontem por Jonas Tadeu foi demarcado por sugestões involuntárias de precaução dos seus ouvintes, quanto ao que ouviam. Fossem reconhecimentos de inverdades ditas nos dias anteriores, fossem respostas burladas, na longa entrevista à excelente Leila Sterenberg, da GloboNews, estava a mensagem: inverdades de antes previnem contra as verdades de hoje.
      "Ninguém pagará" a Jonas Tadeu pela defesa de Caio Silva de Souza e Fábio Raposo Barbosa, os causadores da morte de Santiago Andrade. Por quê? Resposta obscura. Já defendeu outros manifestantes acusados de violência? Resposta tortuosa. Não conhecia Caio, só se falaram por telefone duas vezes sobre fuga e prisão, mas cita até o valor do aluguel pago pela mãe de Caio. "Fabinho", sim, conhece-o há muito tempo, é amigo dos seus assistentes. A propósito, aquilo dito sobre Fábio ser tatuador era mentira, ele mora sozinho, mas é desocupado.
      Já que era o capítulo dos desmentidos, outro dos vários: "Eu sabia desde o começo que Fábio conhecia o Caio". Apesar de corrigir-se, tornou ainda maior o alegado número de intermediários até identificar Caio, rapidamente, inclusive com RG, CPF e dois endereços, para dar à polícia. "Um miserável." "Não no sentido ruim." Miserável por precisar do que recebe para ir às manifestações. "R$ 150."
      Foi a entrada no trecho sempre reto, longo, de aceleração invariável. "Os manifestantes violentos são pagos." Quem paga? "Vão buscá-los em casa." Quem vai? "Tem organização por trás deles." Quem? "É preciso investigar vereadores, deputados, diretórios regionais de partidos." Quem? Quais? "Minhas conversas indicaram, é preciso investigar vereadores, deputados, diretórios regionais, não só do Rio, de São Paulo e outros Estados também." "Vereadores, deputados, diretórios", "vereadores, deputados, diretórios" --sem fim. Quem e quais? "Não me disseram."
      Jonas Tadeu é reconhecido como muito habilidoso nas artimanhas próprias da advocacia que pratica. Para quem duvide, uma credencial de peso, no gênero: já foi advogado de Natalino Guimarães, preso em 2008 sob acusação de chefiar uma das mais poderosas milícias da Baixada Fluminense. Não é provável que acrescentar aos dois clientes atuais a condição de mercenários convenha à defesa. Poderia, sim, abrir caminho, por exemplo, para uma delação premiada, com os dois implicando alguém ou determinadas pessoas. Mas essa é uma especulação útil apenas para lembrar que mesmo as denúncias vazias podem ter caroços. Aliás, tê-los é da sua natureza: se não surgem com caroços, logo aparece quem os ponha.
      Cedo ainda, ontem já aparecia no rádio um comentarista a falar na "extrema esquerda" como a possível pagadora das arruaças. Por que não também o possível interesse da direita, que toma outras muitas providências de organização encoberta para impor-se na sucessão presidencial? Jonas Tadeu recomenda não responder a certas perguntas.

        Paula Cesarino Costa

        folha de são paulo
        Quem são eles?
        RIO DE JANEIRO - Desde que as manifestações tomaram as ruas do país, muitas perguntas ficaram sem resposta. Quem são os manifestantes? Quais tipos de pessoas e motivações se misturam nesses protestos?
        Houve os que protestavam fantasiados, em clima de Carnaval com cartazes bem-humorados; havia os que pleiteavam educação de qualidade, moradores de favela que gritavam contra a violência policial; alguns arriscaram ir com bandeiras de partidos, um grupo de preto com rosto coberto se colocou na linha de frente; tinha a turma do quebra-quebra.
        Ao se ampliarem os gritos de "Fora Cabral", o vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) acusou PR e PSOL de darem "viés político" às manifestações no Rio. Sem provas.
        Ontem, o advogado dos jovens presos por acender o rojão que matou o cinegrafista disse que os dois foram aliciados e recebiam dinheiro de ativistas. Sem dizer de quem.
        O governador Sérgio Cabral voltou a dizer ontem que "há partidos políticos e organizações embutidos nessas ações". Sua polícia ainda não concluiu nada que indique isso.
        Em menos de uma semana, Caio Silva de Souza, 23, e Fabio Raposo Barbosa, 22, foram presos. A rapidez da polícia é elogiável, mas surpreendente. Caio é morador de Nilópolis, na Baixada Fluminense, e trabalhava em hospital público na zona oeste. Fabio morava no Méier, bairro de classe média da zona norte, e dizia-se tatuador. Não parecem "filhinhos de papai mimados", como os chamou o prefeito Eduardo Paes. Tampouco "ativistas profissionais".
        As autoridades continuam perdidas e escorregando no discurso. Quase oito meses após o início dos protestos poucos dos que destruíram prédios públicos ou saquearam lojas foram reconhecidos, processados ou punidos. Faltam método de investigação e busca de diálogo para maior compreensão. Sobram os oportunistas eleitorais e pregoeiros do caos.

          Dupla de rap Macklemore & Ryan Lewis desbanca veteranos e compra briga com hit sobre amor gay

          folha de são paulo
          Deu branco
          Dupla de rap Macklemore & Ryan Lewis desbanca veteranos e compra briga com hit sobre amor gay
          GIULIANA DE TOLEDODE SÃO PAULONo lugar de um carrão novo, um patinete ou um velho DeLorean. Em vez de roupas de marca, um casaco de pele que parece da avó. No lugar de garotas em trajes mínimos, casais gays se beijando. Assim são os clipes da dupla americana de rap Macklemore & Ryan Lewis.
          Brancos, com um hit sobre amor gay ("Same Love") e outro sobre compras em brechó ("Thrift Shop"), o duo venceu a categoria de artista revelação e os três principais prêmios de rap do último Grammy, quebrando expectativas.
          Com uma carreira que ganhou força só no último ano, Macklemore & Ryan Lewis desbancaram, não só no Grammy mas também na parada da "Billboard", concorrentes veteranos como Kanye West e Jay-Z e geraram controvérsia entre os puristas do estilo. Macklemore --fora dos palcos, o americano Ben Haggerty, 30, de Seattle--, aliás, alimentou a polêmica.
          O rapper, logo após receber o prêmio de álbum do ano, por "The Heist", publicou no Instagram uma mensagem de desculpas ao amigo Kendrick Lamar, negro e um dos favoritos com seu "Good Kid, M.A.A.D City".
          Para Macklemore, ele e a outra metade menos conhecida da dupla, o produtor Ryan Lewis, 25, "roubaram", por serem brancos, o prêmio de Lamar, que teria feito um disco melhor.
          "Em termos das pessoas que estão votando, preenchendo as urnas [do Grammy], temos uma vantagem injusta devido à raça, devido ao fato de que tivemos grande sucesso de rádio, devido ao fato de que o nosso nome estava circulando mais na indústria dessas pessoas que preenchem as cédulas", disse o rapper à rádio nova-iorquina especializada em hip-hop Hot 97.
          Desde que a categoria de álbum de rap foi criada, em 1996, outras cinco vezes o gramofone dourado ficou com um branco --todas com Eminem, que se diz admirador de Macklemore.
          "Eu ouvi todo o álbum dele. Ele é realmente da hora'", disse o branco de maior sucesso da história do estilo, em entrevista à revista americana "Rolling Stone". "Ele é um ótimo compositor. Conceitualmente, as coisas que ele faz são incríveis."
            No Brasil, rap sobre gays seria atacado, avaliam músicos
            Para artistas, movimento ainda rejeita tema homossexual, abordado por Macklemore & Ryan Lewis em 'Same Love'
            Nos EUA, Snoop Lion disse que gays não são 'bem-vindos' ao estilo; colega vê preconceito contra Frank Ocean
            GIULIANA DE TOLEDODE SÃO PAULO
            Com o hit "Same Love", que apoia o casamento gay, a dupla Macklemore & Ryan Lewis mexeu no vespeiro do mundo dos machões do rap.
            Snoop Lion (ex-Snoop Dogg), 42, um dos principais nomes do estilo, já disse que gays não são bem-vindos. "Rap é masculino. É como um time de futebol. Você não pode estar num vestiário cheio de caras durões e, do nada, dizer Ei, cara, gosto de você", afirmou ao "Guardian".
            A declaração, em abril passado, era sobre a saída do armário do rapper californiano Frank Ocean. "Ele não é um rapper. É um cantor. Isso é aceitável no mundo dos cantores, mas, no mundo do rap, não sei se isso vai ser aceitável algum dia", completou.
            Nesta semana, o preconceito contra Ocean voltou à tona. O rapper T-Pain, em entrevista ao site VladTV, sem citar nomes, disse conhecer rappers que já se negaram a trabalhar com Ocean.
            Heterossexual, Macklemore --que se recupera do vício em drogas-- diz dar a cara a tapa por convicção na causa.
            Em "Same Love", com vocais da cantora Mary Lambert, ele lembra que, quando criança, chegou a achar que fosse gay porque sabia desenhar e manter o quarto organizado. Contou aos prantos à mãe, que lhe fez ver além dos rótulos, diz a canção.
            No Grammy, o duo "causou", com Madonna e Queen Latifah, ao promover um casamento gay coletivo ao cantar a música, que foi adotada como uma espécie de hino em Estados americanos que buscam a aprovação da união.
            'HIPOCRISIA'
            E se um rapper brasileiro falasse sobre casamento gay? "Tenho certeza de que a polêmica seria muito maior [do que nos EUA] e receberia muitas críticas das pessoas do próprio movimento", diz o rapper paulistano Projota, 27.
            "Estamos atrasados. Aqui a gente recém começou a assimilar o fato de termos raps que não falem somente da periferia e não sejam voltados só para o periférico'", avalia.
            Para Gabriel O Pensador, 39, que citou o amor gay em "Se Liga Aí", a questão é tratada com hipocrisia no país. "Putaria pode, mas amor entre pessoas do mesmo sexo, não. Não faz sentido", diz.
            "O trabalho [de Macklemore e Lewis] tem conteúdo e personalidade, o que já é um diferencial enorme num cenário onde muitos usam e abusam de fórmulas de comportamento, postura, marra, ostentação", avalia o carioca.
            Apesar do "atraso" brasileiro, para Thaide, 46, um rap com tema gay poderia ser bem-sucedido, com as portas já abertas pela canção americana. "Same Love' é uma música que mexe com a valorização do ser humano. Pessoas que não se sentiam apoiadas até então provavelmente vão fazer músicas assim agora."

            José Simão

            folha de são paulo
            Ueba! Bravobosa e Lesmandovski!
            Dos grandes ministros do Supremo: ministro da Birra e ministro da Picuinha! Deve ser tudo combinado
            Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E adorei essa placa na padaria: "Pudim de Leite Condenado". Deve ser a sobremesa na Papuda! Rarará! Pudim de leite condenado com crime de leite!
            E o tuiteiro Hassur: "Imaginei o Genoino de avental ao lado da Palmirinha, falando: Hoje vou ensiná-los a fazer um pudim de leite condenado'". Rarará!
            E nesta semana teve o Dia do Zelador. Diz que foi em homenagem ao PMDB, o zelador do Brasil. Rarará!
            E STF quer dizer Supremo Telecatch Federal: Bravobosa X Lesmandowski! Parece dupla cômica tipo Oscarito e Grande Otelo, O Gordo e o Magro, Valéria Bandida e Janete! Uma Zorra Total!
            Dois grandes ministros do Supremo: ministro da Birra e ministro da Picuinha! Deve ser tudo combinado. De propósito.
            "Devido ao grande sucesso no Mensalão 1, voltamos com a dupla dinâmica no Mensalão 2, 3 e 4: Os Geriátricos da Breca". Esse Bravobosa tem fixação no Zé Dirceu!
            E o futebol? O site Futirinhas diz que a fase do Corinthians tá tão ruim, mas tão ruim, que seria vice numa final com o Vasco! O Vice do Vice Vasco! Esse seria o próximo título do Corinthians: Vice do Vice Vasco! Rarará!
            E essa do FuteboldaDepressão: "Adriano assina com o Atlético-PR e para comemorar bebe até a tinta da caneta". Porre de Bic! E esse deveria ser o primeiro item do contrato do Adriano: passar o Carnaval em Curitiba! Rarará!
            E essa Frente Frita? Sensação térmica: garrafa térmica. Sensação térmica: ovo frito! Sensação térmica: quero ir pra praia! Sensação térmica: Fudex!
            E essa seca? O Brasil tá mais seco que língua de papagaio! O mar vai virar sertão. E ontem eu disse que nessa economia de água não dá mais nem pra bater uma no chuveiro. Esse é o lado péssimo do racionamento: o chuveiro agora só serve pra tomar banho. E rápido! E por enquanto! Rarará!
            É mole? É mole, mas sobe!
            Os Predestinados! Mais dois para a minha série Os Predestinados! Funcionário da TAM do departamento de Receita Voada: Flavio Piloto. E esse instrutor de paraquedismo? Fernando Pombo. Vulgo Pombinho! Rarará!
            Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã!
            Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

            Contardo Calligaris

            folha de são paulo
            Amor de máquina
            Quem diz que as relações virtuais são menos complexas, autênticas e sinceras do que as reais?
            Como seriam nossas relações com uma máquina que fosse capaz de crescer, evoluir, aprender igual a um ser humano? E essa máquina, que talvez se tornasse autônoma, como ela se relacionaria conosco?
            Uso uma distinção famosa, entre apocalípticos e integrados, feita por Umberto Eco em 1965. Os apocalípticos achariam que, se as máquinas se tornassem autônomas, elas planejariam o fim da humanidade: numa revanche parricida contra seu criador, elas seriam exterminadoras do futuro.
            Os integrados pensariam que máquinas autônomas serão nossos companheiros e companheiras ideais, numa nova era em que nunca nos faltarão amigos.
            Não sou nem apocalíptico nem integrado. Mais próximo do "Blade Runner, O Caçador de Androides", de Ridley Scott, acho que os robôs quase humanos são igualmente inquietantes e adoráveis.
            Enfim, estreia amanhã "Ela", de Spike Jonze. É a história de um escritor profissional de cartas de amor (Joaquin Phoenix), o qual se relaciona amorosamente com um sistema operacional, que lhe faz companhia, organiza sua vida, interessa-se realmente por ele e fala com a voz encantadora de Scarlett Johansson.
            Assisti ao filme com uma amiga, e ambos o achamos maravilhoso e comovente. Para minha amiga (mais apocalíptica), a moral da história é que a tecnologia parece nos conectar, mas nos separa: o protagonista mal enxerga a amiga (real) que mora no apê ao lado (e que, aliás, também se apaixona por um sistema operacional).
            Os argumentos de minha amiga se pareciam com os do último livro de Sherry Turkle, que foi apóstola das novas tecnologias e se tornou apocalíptica, "Alone Together" (juntos e sozinhos, Basic Books).
            Há ideias de Turkle com as quais concordo. Primeiro, sua cruzada pedagógica para que a gente aprenda desde cedo a ficar sozinho: "Quem não aprende a ficar sozinho só saberá se sentir abandonado".
            Ou, então, a ideia de que a tecnologia nos seduz porque responde a nossas fraquezas. Por exemplo, a gente não gosta de estar sozinho, mas tem medo da intimidade: a tecnologia nos dá a ilusão da companhia sem as exigências excessivas da amizade. Por isso, o sucesso dos amores virtuais, das paixões de chat, do sexo na webcam. Nessa direção, pensa Turkle, quem sabe um dia os robôs sejam os companheiros de nossos sonhos.
            O problema com as considerações de Turkle é a suposição nostálgica de que, no passado, tudo estivesse melhor. Por exemplo, os amores virtuais seriam tristes substitutos dos amores reais.
            Mas será mesmo que, até aqui, nós vivíamos extraordinários amores "reais"? Claro, a pele e o toque têm seu charme. Mas, fora isso, quem diz que as relações virtuais são menos complexas, menos autênticas e menos sinceras do que as reais? Explique isso ao protagonista de "Ela", que ganha a vida escrevendo cartas falsas para amores "reais". No gigantesco baile de máscaras das relações amorosas, é difícil fazer a diferença entre parceiros que se falam e parceiros que se teclam --e mesmo entre homens e máquinas.
            A nostalgia apocalíptica leva Turkle (e muitos outros) a enxergar o mundo por um filtro de evidências enganosas. Olhe ao seu redor, no metrô: todo o mundo "textando" e ninguém se falando. Mas, meu amigo, no metrô ninguém nunca se falou, a não ser para pedir esmola ou para assaltar.
            De onde vem a ideia de que seríamos hoje conectados e solitários, casados mais com nossos smartphones do que com a pessoa sentada na nossa frente? Pois é, ela vem da nostalgia dos apocalípticos.
            A pesquisa diz diferente. O sociólogo Keith Hampton estuda há tempos a interação social nos espaços públicos (http://migre.me/hOAEd e, no "NYT", http://migre.me/hOAIi). Ele compara extensos registros filmados de lugares públicos dos EUA.
            Qual é a grande mudança dos últimos 30 anos? É que há mais mulheres que se aventuram a circular sozinhas. E o smartphone? Pois é, nos espaços com wi-fi público, quase ninguém que esteja num grupo prefere se conectar a conversar --só aparecem manipulando seu "phone" os que estão sozinhos. E são poucos, 7%.
            E eu, o que eu pensei saindo do cinema? Pensei que "Ela" é a história alegre e triste de um amor que dava certo ou não --como a maioria dos amores, que esbarram na nossa burrice neurótica. Nada prova que a amiga do apê ao lado seja uma companheira melhor do que o sistema operacional. As máquinas, em tese, deveriam ser menos neuróticas que a gente, embora, infelizmente, elas aprendam a ser humanas nos imitando.