segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Fã de livro digital admite recaída pelas páginas de papel

Depoimento:Fã de livro digital admite recaída pelas páginas de papel


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folha de são paulo
NICK BILTON
DO "NEW YORK TIMES"
Eu não queria voltar a ler livros em papel, mas honestamente não tive escolha. Minha cadela Pixel me forçou a isso.
O caso é que Pixel, com seus 16 quilos de energia, tem interesse obsessivo por sombras e reflexos. Na praia ou no parque, ela não persegue pássaros ou bolas de tênis; persegue suas sombras, olhando para o chão. E em casa, quando pego o iPad para ler um livro eletrônico, ela começa a girar freneticamente, e pula sobre mim tentando apanhar o reflexo da tela. Na maior parte das vezes, é uma cena engraçada, mas o hábito pode ser extremamente irritante quando estou em uma boa história.
Por isso, dois meses atrás decidi que tentaria um livro em papel. Pixel, por sorte, não pareceu muito impressionada com as qualidades reflexivas do papel. No entanto, e para minha surpresa, descobri que eu estava impressionado.
No passado, já debati os prós e contras dos livros em papel comparados aos digitais, e em muitos casos optei pela versão digital, dada a capacidade de carregar mil livros em um só aparelho, a presença de um dicionário integrado e a facilidade para compartilhar trechos interessantes via redes sociais.
Mas os livros eletrônicos podem ser realmente irritantes. No meu iPad, se uma mensagem de texto, e-mail ou outro alerta chega, sou rapidamente derrubado da página do livro. E mesmo quando meus aparelhos estão em modo avião, ou quando estou usando um Kindle, preciso lidar com Pixel.
Quando toquei um livro em papel, pela primeira vez depois de muitos anos, foi como aqueles momentos nos quais você ouve uma canção nostálgica no rádio e se perde completamente. A sensação de um livro em papel, com a textura áspera das páginas e a lombada grossa, oferece uma experiência absorvente e prazerosa --às vezes bem superior à de ler em um aparelho eletrônico.
Alguns estudos recentes constataram que a sensação tátil do papel também é capaz de criar uma experiência de aprendizado que propicia muito mais imersão ao leitor. O motivo? Muitos cientistas acreditam que seja neurológico.
Um relatório de pesquisa publicado pelo International Journal of Education Research constatou que alunos de ensino médio que liam textos em papel tinham resultados muito superiores, em termos de compreensão de leitura, do que alunos que liam o mesmo texto em formato digital.
David Walter Banks/The New York Times
Segundo pesquisa, jovens que leem em papel absorvem mais informações
Segundo pesquisa, jovens que leem em papel absorvem mais informações
Além disso, de acordo com um relatório publicado em outubro pelo Book Industry Study Group, que acompanha a situação do setor editorial, a venda de livros eletrônicos se desacelerou nos últimos 12 meses, respondendo por 30% do total de livros vendidos.
E não são apenas os velhos ranzinzas ou os proprietários de animais de estimação hiperativos que optam pelos livros em papel. Os adolescentes também o fazem.
Outro estudo, divulgado pela Voxburner, uma companhia britânica de pesquisa que rastreia como os jovens consomem mídia, sugere que a maioria dos adolescentes e jovens adultos do Reino Unido, com idades dos 16 aos 24 anos, prefere livros em papel a livros eletrônicos.
Há dois motivos principais para a preferência, diz a pesquisa. Primeiro, muitos dos entrevistados disseram gostar da sensação de ter um livro nas mãos, se comparada a uma experiência digital na qual a tela pode ser anódina e estéril.
O outro motivo fornecido para não comprar livros digitais é o preço. Muitos dos jovens britânicos entrevistados pareciam genuinamente perplexos pelos altos preços dos livros eletrônicos, que podem variar dos US$ 10 aos US$ 15, em média, ante os livros de bolso, que custam quase exatamente o mesmo ou até menos. "É evidente que eles enfrentam dificuldade para atribuir aos livros eletrônicos o mesmo valor atribuído pelas editoras", o relatório de pesquisa afirma.
Eu continuo a ler livros no meu iPad, especificamente quando viajo, já que livros eletrônicos pesam quase nada e agora podem ser lidos até durante a decolagem e aterrissagem. Mas em casa, deitado no sofá, certamente vou continuar lendo também livros em papel, mesmo que Pixel não goste deles.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Funk assusta shopping

folha de são paulo
Funk assusta shopping
Segurança é reforçada após concentração de jovens em centro de compras de Guarulhos
LAURA CAPRIGLIONEDE SÃO PAULOUm fantasma rondava ontem o Shopping Internacional de Guarulhos, o fantasma do funk. O medo era de que se repetissem as cenas de pânico e correria, vistas no sábado, quando centenas de adolescentes, concentrados em uma das portarias, entoaram em uníssono uma espécie de hino de guerra, enquanto avançavam para dentro do centro de compras.
O hino era o funk com o inocente título "Deixa Eu Ir". Mas a letra, de MC Daleste, já esclarecia a intenção de "causar": "Eita porra que cheiro de maconha", repetiam os meninos, batendo palmas, emendando que "os moleque (sic)" das zonas sul, norte, oeste, leste, da Baixada Santista e do interior "gosta mais do que lasanha".
Dentro do shopping lotado, decorado com miniaturas do Partenon grego, da Torre de Pisa, do Coliseu, bonecos animados de renas e Papai Noel embalavam as compras de Natal --total desacordo com o "cheiro de maconha".
Seria um arrastão? Saque? Quebra-quebra? Helena de Assis Pregonezzi, 55, empresária do ramo de caminhões de mudança, jurava ontem na praça de alimentação lotada ter visto jovens com revólveres. "Tem de proibir esse tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este", discursava entre garfadas na pizza de picanha com catupiry.
A PM rapidamente interveio e deteve 23, mas depois de um chá de cadeira no 2º Distrito Policial de Guarulhos, todos foram liberados de madrugada, sem acusação. O shopping, em nota, disse que nada foi roubado.
Mesmo assim, o contingente de seguranças, ontem, estava dobrado: passou dos 40 previstos nesta época do ano para 80. Um carro da PM estacionou na entrada do shopping. Lojistas orientaram os vendedores a abordar qualquer grupo de jovens que se demorasse defronte à vitrine, a fim de sondar as intenções deles.
CURTIÇÃO
Mas, fora da letra da música, não se viu maconha nenhuma na concentração que os jovens fizeram no sábado.
A polícia não fez nenhum boletim de ocorrência por porte, tráfico ou consumo de substância ilícita. Segundo a auxiliar de logística Mayara Lima, 18, tudo o que os jovens pretendiam era "zoar", se exibir, curtir, mostrar que existem. "Se eles quisessem ter roubado alguma coisa, poderiam ter roubado, já que eram muitos" [300, segundo um segurança].
Adeptos do chamado "funk da ostentação", são em geral garotos pobres tentando forçar a entrada no mundo do consumo, fingindo-se de íntimos do luxo.
As letras desse tipo de funk falam de jovens como eles, andando em carros méganes, citroëns, corollas, camaros amarelos (a que chamam de "naves"), bebendo champanhe e uísque, relógios Rolex no pulso, contando "plaquês de cem" (notas de R$ 100).
Ainda a anos-luz desse ideal, os meninos que assustaram o Papai Noel do Shopping Internacional compareceram ao rolê convocado pelo Facebook com o traje a rigor de nove entre dez funkeiros: boné QuikSilver, tênis da marca Mizuno, bermuda, camiseta, anéis e colares de prata ou ouro, óculos escuros Oakley.
Ontem à tarde, na porta de uma loja de tênis do shopping, um adolescente de 17 anos, usando boné QuickSilver de R$ 150, cobiçava na vitrine o Mizuno Wave Prophecy 3 de R$ 1.000. "Não, eu não aceito comprar um falso, pirata", garantiu.
Trabalhador em um lava-rápido, ele ganha R$ 750 por mês, mas não se assusta com o preço. Faz parte da ostentação. Dois seguranças em seus rádios informavam toda a movimentação do rapaz.

    Felicidades - João Pereira Coutinho

    folha de são paulo
    E se houvesse uma fórmula para a felicidade? Uma cartilha capaz de resumir, em breves linhas, como chegar a esse estado de contentamento sem necessidade de batermos com a cabeça nas paredes?
    Arthur C. Brooks, em artigo e vídeo para o "The New York Times", defende que os cientistas, economistas e outros tribalistas já chegaram ao santo graal. Foram 40 anos de estudos. Resultados?
    Os genes contam. Muito. Quase metade: 48%. Se os pais, os avós e os bisavós tinham a disposição solar de um morcego, existem sérias possibilidades de também nós sermos criaturas noturnas.
    Mas os genes não explicam tudo. Os acontecimentos da vida também dão um contributo. A cifra é 40%. A cifra é composta pelos acidentes da vida --e "acidentes" no sentido mais pueril do termo: ganhar a lotaria, por exemplo. Ou ter uma doença grave que nos deixa em estado pouco recomendável.
    O ponto é que esses 40% evaporam-se rapidamente: meses depois do "grande acontecimento", os níveis de felicidade regressam à casa da partida. Quem era feliz, feliz fica. Quem era infeliz, infeliz continuará.
    Sobram 12%? Afirmativo. E esses 12% distribuem-se entre fé, família, comunidade e trabalho. É nesses 12% que o leitor deve apostar as suas cartas. Até porque elas acabarão por influenciar o resto do pacote.
    Os ensinamentos de Arthur C. Brooks divertem pelo seu simplismo racionalista. Mas, honestamente, quem acredita na precisão matemática com que ele apresenta os seus cálculos hedônicos? Aliás, pode haver uma receita para a felicidade aplicável a qualquer criatura bípede?
    Começo pelo fim. A fé é importante? Será. Mas de que fé nos fala Brooks? Da fé de alguém que é compassivo e tolerante para com os outros e que mantém uma confiança optimista no patrão bondoso lá de cima? Ou será da fé de um fanático que acredita piamente num deus guerreiro e castigador, que exige matanças e martírios contra infiéis?
    Será que um jihadista, imerso na sua fé, é mais feliz do que um ateu? Não tenho grande convívio com os profissionais do ramo, reconheço. Mas quando olho para as caras barbudas daquela gente não vejo grande felicidade a escorrer pelos olhos vidrados de ódio.
    Resta a família, a comunidade e o trabalho. E resta essa terrível palavra ética que dá pelo nome de "depende". Porque existem famílias e famílias. E existem comunidades e comunidades: as primeiras, capazes de oferecer um sentido de coesão e suporte para as nossas solidões mundanas; e as segundas, retrógradas e opressivas, que convidam à sabotagem ou à fuga.
    Só no trabalho concordo com Brooks: é mais importante fazer o que é mais significativo do que fazer simplesmente o que é mais bem pago. Mas há um momento em que não é possível comprar o uísque das crianças só com a bolsa cheia de significados.
    Sobre os acidentes da vida, a minha ignorância é total. Admito que existam tetraplégicos felizes. Como admito que existam milionários infelizes com suas contas bancárias na Suíça.
    Mas, aqui entre nós, que ninguém nos ouve, eu talvez experimentasse o segundo cenário, só para comprovar - e relatar - se seis meses depois continuaria o chafurdar no mesmo caos neurótico que embala os meus dias. E embala porquê?
    Minha tentação final seria dizer que a culpa é dos pais, avós e bisavós: o "software" não é grande coisa. Ou talvez eu não seja grande coisa a lidar com ele, escolhendo maus hábitos, maus caminhos e até más companhias. Como medir, cientificamente falando, a percentagem dos meus defeitos e dos defeitos que tive por herança? Falar de 48% de influência genética é tão aleatório como de 38% ou 58%.
    Uma conclusão de Arthur C. Brooks, porém, merece pasmo e horror: as mulheres são mais felizes que os homens. Explico. Mulheres casadas são mais felizes que homens casados. Mulheres solteiras são mais felizes que homens solteiros. E mulheres viúvas são muitíssimo mais felizes que homens viúvos.
    Meu Deus: será que nós, homens, somos completamente imprestáveis nesse negócio da felicidade? Solteiros, casados ou viúvos --somos bichos que não se recomendam.

    A internet vai conectar todas as coisas - Ronaldo Lemos

    folha de são paulo

    A internet vai conectar todas as coisas

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    Vale repetir: hacker é quem usa o conhecimento sobre tecnologia para explorar seus limites. Já o cracker usa o conhecimento para o "mal", causando dano. Vai ser curioso ver como esses conceitos evoluem com as mudanças na rede.
    A internet começou conectando computadores. Na última década conectou pessoas. Agora está conectando "coisas". Da geladeira de casa às frutas e verduras dentro dela, tudo corre o risco de ganhar um endereço IP e trocar informação. A internet quer e vai engolir tudo. Em breve as luzes de casa vão ser ligadas pelo celular. A geladeira vai pedir ela mesma um produto que acabou.
    Mas onde há rede, há crackers. O ex-vice presidente dos EUA Dick Cheney desativou a conexão sem fio do seu marcapasso com medo de um ataque. Com os carros tornando-se digitais, pesquisadores de uma universidade dos EUA conseguiram assumir à distância o controle dos freios de um veículo. Outros alteraram a leitura da pressão dos pneus. Com isso o computador do carro passou a compensar de forma perigosa o balanceamento das rodas.
    Há também risco à privacidade. Por exemplo, com os medidores digitais de eletricidade, é possível mapear o movimento da casa: quando as pessoas se levantam, saem e retornam ou têm visitas.
    Vale também lembrar que as lâmpadas de LED, que estão substituindo as tradicionais, são sensores também. Elas não só emitem luz, mas "sentem" variações luminosas. No futuro, elas não só vão nos ajudar a enxergar, como vão nos enxergar.
    Quem é paranoico e cobre a webcam com esparadrapo pode ir preparando o estoque.
    ronaldo lemos
    Ronaldo Lemos é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. É professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UERJ e pesquisador do MIT Media Lab. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como "Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música" (Aeroplano) e "Futuros Possíveis" (Ed. Sulina). Escreve às segundas na versão impressa do "Tec".

    Antropólogo critica o modelo de policiamento nos estádios brasileiros e explica como a Inglaterra conteve os torcedores violentos

    folha de são paulo
    ENTREVISTA DA 2ª MARCOS ALVITO
    Não precisa fazer lei nenhuma; só aplicar a existente e prender
    Antropólogo critica o modelo de policiamento nos estádios brasileiros e explica como a Inglaterra conteve os torcedores violentos
    THAIS BILENKYDE SÃO PAULODepois de passar um ano na Inglaterra estudando o modelo de policiamento de estádios do país, o antropólogo carioca Marcos Alvito, 53, concluiu que o Brasil ainda tenta implantar o sistema de segurança que não funcionou nem sob a mão de ferro de Margaret Thatcher --primeira-ministra de 1979 a 90.
    O cadastro de torcedores promovido pelo governo federal com o intuito de coibir a brutalidade que se viu em Joinville (SC), no último dia 8, durante o jogo entre Atlético-PR e Vasco, é, em sua opinião, exatamente o contrário do que se deveria fazer.
    Tampouco adiantará aumentar efetivo policial em estádio se não houver investigação que colha provas capazes de tirar de circulação os torcedores que praticam violência, avalia o antropólogo.
    Nesta entrevista feita por telefone, Alvito descreve o modelo inglês e traça um perfil das 500 torcidas organizadas do Brasil. O pós-doutorado na Universidade de Leicester, concluído durante o ano que passou na Inglaterra, teve como desdobramento o livro "A Rainha de Chuteiras", que será lançado em 2014.
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    Folha - O que o Brasil pode aprender com o policiamento britânico nos estádios?
    Marcos Alvito - A Inglaterra tentou primeiramente a solução que o Brasil ainda procura adotar: escoltar torcedores, encarando-os todos como violentos. Chegou a um ponto, na época da Margaret Thatcher, de pensar em cadastrar os torcedores.
    Como o Ministério do Esporte propõe fazer no Brasil?
    Exatamente. Mas lá até a bancada conservadora se levantou contra, e ela voltou atrás. Porque essa medida contraria o princípio básico da presunção de inocência. O cadastro criminaliza. Aqui já cadastraram 50 mil torcedores e mais de R$ 6 milhões foram gastos, e só interromperam por incompetência e corrupção, não pela percepção de quanto errado e desnecessário é.
    Como evoluiu o modelo na Inglaterra?
    A polícia continuou a tentar repreender com mais violência. Os estádios passaram a ser campos de concentração para torcedores enjaulados. Até a tragédia de 1989 [no estádio Hillsborough, em Sheffield, quando torcedores não conseguiram evacuar por conta das grades, e 96 morreram]. Hoje, como medida de segurança, não há grade entre a torcida e o campo, como no Maracanã, por exemplo.
    Como a polícia inglesa age?
    A polícia passou a adotar um sistema nacional de inteligência do futebol, com uma autoridade central que detém todos os dados sobre os torcedores, sabe quais são os perigosos que ainda não puderam ser incriminados. A polícia brasileira não tenta incriminar, enquanto a inglesa passa 24 horas por dia pensando em como tirar essas pessoas de circulação. E lá ela fiscaliza 92 clubes. Aqui são 30, 40 clubes importantes. Seria até mais fácil.
    A polícia inglesa trata cada jogo como uma tragédia em potencial. Os estádios têm um corredor de ambulância para dar acesso ao hospital. O perímetro ao redor fica interditado. Existe um sistema de câmera com monitoramento de médico, polícia, bombeiro.
    Uma estratégia mais preventiva que a brasileira.
    A polícia aqui é preparada para o confronto. Ela prefere bater. Já ouvi de policiais que a orientação é "meter porrada". Pode parecer besteira, mas é fundamental o tratamento dado ao torcedor. Ele é tratado como um animal pelo sistema de transporte precário, pela estrutura dos estádios e pelo policial, que age com os nervos à flor da pele. Cria-se um ambiente de abandono. Aí chegam aqueles torcedores para os quais o futebol é o segundo esporte, o primeiro é a violência. O ambiente é perfeito, ficam superexcitados.
    Como reverter o problema?
    A medida mais emergencial é a investigação. Ela serve para dizer se o jogo é perigoso ou não. Porque o recurso policial é precioso. Sabendo o que tem que fazer com trabalho prévio, você estabelece um padrão de risco: médio, alto ou excepcional. E coloca o policiamento de acordo com isso. Na Inglaterra, a polícia manda o clube contratar determinada quantidade de policiais de folga e pagar hora extra. Não tem conversa.
    Ajudaria se a PM aumentasse o efetivo nos estádios?
    Esse evento que aconteceu em Joinville é uma exceção. A maior parte da violência não acontece dentro, mas fora do estádio, pela cidade inteira. Os torcedores saem dos seus bairros para ir ao estádio. E torcidas rivais podem se encontrar no ônibus, nas ruas. Você vai colocar policiamento na cidade toda? Não. Você tem que desmontar a torcida violenta. Se uma organizada diz ter 10 mil pessoas, você precisa identificar apenas quem comete atos violentos. São sempre os mesmos.
    Que continuam brigando.
    Sim, porque a polícia não consegue colher provas para denunciá-los. Não adianta falar que a Justiça não consegue prender se o policial não entrega provas. É simples. Se você tiver um bom informante numa organizada, ele te diz quem é, faz um filme com o celular. É muito fácil investigar. São crimes cometidos a céu aberto. Eu daria uma dica para a polícia. O cara tem 16 anos e está numa organizada, tudo bem. O cara tem 18 e está numa organizada, não tem problema. O cara tem 35 e está numa organizada, hum... Ele não virou pai de família, não tem trabalho... Ele é viciado em violência.
    No Brasil não tem delação premiada para espião-torcedor. Não é o cassetete que vai resolver. Aí o promotor diz que vai fazer delegacia especial no estádio. Não precisa fazer lei nenhuma, não precisa gastar um centavo, não precisa de cadastro de torcedor. Só precisa aplicar a lei existente e prender. Não adianta ter estatuto para banir torcedor se não houver administração eficiente para checar quais torcedores banidos querem entrar no estádio.
    Os clubes também precisam ser responsabilizados pela violência das organizadas?
    Os clubes precisam ser duramente punidos, rebaixados. Principalmente o presidente, que paga ingresso, transporte, almoço e jantar para os torcedores que todo mundo sabe, e ele sabe muito bem, que estão indo para coisa pior que brigar, estão indo para matar. E mais. O presidente da federação que deixou acontecer um jogo explosivo em estádio onde não há separação de torcidas tem que ser punido. A CBF [Confederação Brasileira de Futebol] não organiza campeonato. A CBF é o gigolô do futebol, passa na boca do caixa e recebe dinheiro. Quem manda na tabela é a novela, e, quanto mais tarde o jogo, menos ônibus para o torcedor voltar para casa, mais bêbados na rua, maior o potencial de confronto. A CBF também tem que ser responsabilizada.
    Como torcidas se organizam?
    As torcidas são muito mal organizadas, salvo as de São Paulo. Mas basicamente elas têm um presidente que nem sempre é eleito, é um processo nebuloso, um vice-presidente e dois ou três diretores. A maioria tem uma liderança e subgrupos divididos por bairros que cada torcida chama de um jeito.
    Os membros mais violentos representam quanto da torcida?
    O batalhão de choque representa cerca de 3% do total, segundo estudo do [sociólogo] Mauricio Murad [autor de "Para Entender: A Violência no Futebol"]. São os que pensam 24 horas por dia em violência, exibem as cicatrizes como troféus. Contam rindo da violência que sofreram e que cometeram.
    Como a torcida os vê?
    São ídolos, porque aquele ato bárbaro, homicida, é demonstração de lealdade para eles. Ao mesmo tempo, são temidos porque, se esses caras não têm a rival para bater, eles batem na própria torcida. Conheci um torcedor, franzino, franzino, que só tinha visão em um olho. Perdeu a do outro em um confronto com a polícia. Mas continua brigando, mesmo correndo o risco de ficar cego. Você entende a profundidade disso? Que sociedade é essa que produz milhares de jovens que só veem sentido na violência?
      OUTRO LADO
      Ministério diz que não gastou com cadastramento
      DE SÃO PAULOEm nota, o Ministério do Esporte afirmou que não houve gasto com o "projeto piloto de cadastramento de torcedores utilizando o sistema biométrico nos termos originais do projeto Torcida Legal".
      Segundo a pasta, "o convênio acordado foi cancelado a pedido do próprio conveniado, o Sindicato do Futebol. Desde então, o projeto sofreu mudanças em sua concepção e, atualmente, está sendo realizado o pré-cadastramento das torcidas organizadas. Nessa fase inicial de identificação, o ministério espera ter um levantamento da quantidade de torcidas organizadas e de membros" no país.
      "O objetivo é promover a integração social das torcidas, como uma das formas de prevenção à violência e facilitar a interlocução com órgãos públicos e entidades de prática desportiva."
      A CBF disse que não se manifestaria sobre as declarações do entrevistado.
        RAIO X - MARCOS ALVITO, 53
        FORMAÇÃO
        Historiador e antropólogo, doutor em antropologia pela USP e pós-doutor pela Universidade de Leicester (Inglaterra) com o projeto "A paixão vigiada: o policiamento de torcidas no Brasil e na Inglaterra"
        OCUPAÇÃO
        Professor da Universidade Federal Fluminense, fundador do Núcleo de Estudos em Esporte e Sociedade
        LIVROS
        "As Cores de Acari", "Futebol por o Todo Mundo" (com Victor Melo) e "Histórias do Samba"

        Ruy Castro

        folha de são paulo
        Exclusivos das lápides
        RIO DE JANEIRO - Está em cartaz no Rio um musical sobre o cantor Cazuza, que, na vida real, se chamava Agenor. Nos muitos artigos que se têm escrito sobre Vinicius de Moraes, cujo centenário comemoramos, informa-se que seu pai se chamava Clodoaldo. E o avô de Tom Jobim se chamava Azor --do hebraico, "aquele que socorre". Agenor, Clodoaldo, Azor --quantos jovens se chamam assim no Brasil?
        Haverá neste momento algum menino brasileiro que atenda por Ataliba, Asdrúbal, Anacleto, Alarico ou Astolfo? Alguma menina que seja Ema, Jurema ou Zilá? E as com nomes de flores --Dália, Gardênia, Magnólia, Malva, Violeta? Por que já não se veem tantas garotas com os lindos nomes de Elvira, Neide, Eneida, Nilce ou Neísa? E que fim levaram as Iaras, Iones e Iedas?
        Reconheço que alguns nomes são problemáticos --não deve ser mole chamar-se Agapito, Libório, Simplício, Pancrácio ou Tibúrcio. Para não falar em Filomena, Hilária, Genoveva, Hermengarda ou Hermenegilda. Mas por que a escassez, entre as crianças, de nomes sólidos e tradicionais como Valdemar, Eustáquio, Ernâni, Teobaldo ou Nestor? E, em nosso tempo, os Leonardos abundam --mas os Leopoldos são raros e os Leocádios devem estar extintos.
        Nomes de ampla circulação no Brasil do século 20 --seus portadores eram famosos-- foram abandonados: Juscelino, Graciliano, Lupicínio, Olegário, Gregório. Ou Esperidião, Epitácio, Odorico, Laudelino, Zózimo. Um pai movido pela admiração poderia batizar seu filho com um deles, mas não vejo isso acontecendo.
        Alguém me disse que, um dia, certos nomes, por mais respeitáveis, só seriam encontrados em cemitérios. E exemplificava com Custódio, Filinto, Nicácio, Orígenes, Nicodemus, Zulmira --sem esquecer, com alguma maldade, que o meu próprio nome, Ruy, também ameaçava ficar exclusivo das lápides.

          Corrupção e destino das cidades - Raquel Rolnik

          folha de são paulo
          RAQUEL ROLNIK
          Corrupção e destino das cidades
          Quase não se comenta que conchavos entre empresas e poder público interferem no rumo das nossas cidades
          Nos últimos meses, temos acompanhado no noticiário paulistano os escândalos da máfia do ISS (Imposto Sobre Serviços) e do cartel metroferroviário de São Paulo.
          No primeiro caso, a máfia que atuava na prefeitura reduzia o ISS cobrado pela realização de obras, garantindo, em troca, propina para funcionários da administração paulistana. Já o esquema que está sendo investigado no metrô de São Paulo e na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) envolve fraudes em licitações e pagamento de "caixinha" para funcionários, beneficiando diversas empresas prestadoras de serviços ao governo do Estado.
          Em ambos os casos, embora ainda não claramente comprovados, existem indícios de que a participação de políticos -parlamentares ou detentores de cargos comissionados nos governos- e o financiamento de campanhas também fazem parte dos esquemas.
          São inquestionáveis os danos aos cofres públicos causados por esses e outros casos de corrupção. E, obviamente, tanto os agentes públicos envolvidos como as empresas privadas corruptoras devem ser punidos após investigação e conclusão dos processos judiciais.
          Mas existe algo mais profundo na relação perversa estabelecida entre essas empresas e o poder público que pouco está sendo comentado: trata-se do quanto isso interfere no rumo de nossas cidades, através da definição de projetos, obras e políticas urbanas. Em casos como esses, os recursos desviados ou superfaturados não apenas beneficiam as pessoas diretamente envolvidas (corruptores e corruptos), mas também financiam e viabilizam campanhas de candidatos dos mais diversos partidos, em eleições para cargos tanto no parlamento como no Executivo.
          Depois de eleitos, seja nas câmaras, assembleias ou controlando secretarias nos governos, estes representantes buscam implementar projetos e programas que favoreçam os interesses das empresas que financiam suas campanhas.
          Isso explica, por exemplo, como de repente aparece uma ponte ou um viaduto no meio de um projeto urbanístico que não previa isso originalmente, gerando mais uma obra milionária para uma empreiteira.
          Quem já não viu também aparecerem emendas apócrifas em projetos de lei que mudam regras de uso e ocupação do solo, favorecendo claramente os interesses de construtoras e incorporadoras, em meio a negociações "difíceis" para a aprovação de projetos?
          Quantos planos, projetos e regras, depois de amplamente debatidos nas instâncias públicas formais, acabam sendo mudados para atender os interesses específicos dos financiadores de campanhas/alimentadores de esquemas de corrupção?
          Por onde passam, por exemplo, as decisões sobre que linha de metrô vai ser construída ou ampliada primeiro, ou se o novo trajeto vai passar por aqui ou por ali?
          Essas definições interferem na vida de milhões de pessoas, cujas opiniões, em geral, não são determinantes nas decisões, já que a máquina de reprodução de mandatos e seus financiadores estabelecem um canal paralelo de tomada de decisões, mais poderoso e eficiente do que os mecanismos existentes para escuta, debate e participação dos cidadãos.
          Por esta razão, apenas denunciar corruptos e corruptores, como se o problema se resumisse a uma questão de natureza ética e de volume de recursos públicos perdidos ou desviados é, infelizmente, uma cortina de fumaça que nos impede de ver o quanto estes esquemas na verdade definem o destino de nossas cidades.

            Gregorio Duvivier

            folha de são paulo
            O espirro e a imprensa
            Na volta ao Brasil, Dilma foi acometida de um resfriado que mais parece punição divina
            Dilma adoece APÓS BRAVATA ELEITOREIRA (Veja)
            Mandela certamente não aprovaria o uso político que Dilma fez do seu velório. Afinal de contas, o sorriso com que Dilma embarcou para a África do Sul não parecia condizer com a ocasião fúnebre da viagem. Tampouco condizia com a situação atual do país que ela (des)governa, onde eclode a revolta popular motivada por sucessivos escândalos de corrupção.
            Pudera: na volta ao Brasil, Dilma foi acometida de um resfriado que mais parece punição divina. Saiu do avião espirrando e espalhando germes por todo o lado.
            Em entrevista, Dilma afirmou que vai ao Planalto, mesmo doente, demonstrando pouco caso com a saúde dos colegas.
            Resta saber se, enferma, ela ainda está em condições de disputar as eleições de 2014. Aécio Neves passa bem.
            DILMA APRESENTA SINTOMAS DE RESFRIADO APÓS CONTATO COM FHC (Carta Capital)
            A viagem presidencial à África do Sul não foi sem sobressaltos. Parece não ter feito bem à presidenta viajar em companhia de desafetos.
            Ao desembarcar em Brasília, Dilma espirrou, preocupando a todos. Especula-se que o vírus tenha sido transmitido por FHC.
            Lula está fora de questão, pois aparentava estar especialmente saudável e corado. No mais, não é do feitio de Lula prejudicar ninguém.
            Ou seja: tudo indica que o vírus é mais uma herança maldita do tucanato.
            Mesmo resfriada, Dilma afirmou que vai bater ponto nas reuniões marcadas.
            "Não cogitaria faltar nem que estivesse de cama", brincou Dilma, em entrevista exclusiva à Carta Capital. Na dúvida, vamos bater na madeira.
            DILMA PAGA MICO E CRIA CLIMÃO EM BRASÍLIA (Ego)
            Ao desembarcar em Brasília, Dilma não se fez se rogada.
            Quebrou o protocolo e espirrou em frente aos quatro ex-presidentes.
            Detalhe: apenas Lula desejou "saúde", gerando um clima de constrangimento.
            Procurada pelo Ego, Dilma afirmou que é apenas um resfriado e que continua solteira, desmentindo os boatos de um romance com o ator Paulo Gustavo.

              Luiz Felipe Pondé

              folha de são paulo
              A deliciosa nudez castigada
              Se um dia não existir mais mulheres que cobram por sexo, a violência no mundo será maior
              A repressão ao sexo mudou de lugar, agora ela está ali onde se situa o discurso "por um mundo melhor". As antigas "freiras" e senhoras protestantes de preto, que falavam de pecado e babavam de ódio das mais gostosas, agora propõem a extinção do sexo pago em nome da "justiça social". Ou seja, a puta, a garota de programa, deve deixar de existir. Antes era o pecado, agora é a "exploração do corpo".
              O conceito de pecado implica em desejo reprimido (o que dá tesão), o de "exploração" não pressupõe o desejo, mas sim o papo-furado do "capital malvado". Gente chata essa que fala de "controle político do corpo".
              Meu Deus, quando é que nos tornamos tão incapazes de entender um mínimo da natureza humana? Já sei: desde que criamos essa noção autoritária de "lutar por um mundo melhor".
              Se um dia não existir mais mulheres que cobram por sexo (de modo direto e sem rodeios), a violência no mundo será ainda maior. Sexo e amor sempre custam dinheiro, além de outras coisas. Aliás, a garota de programa é a mulher menos cara do mundo, custa só dinheiro.
              Outras relações custam vínculos, jantarzinhos, longas conversas, "DRs", incertezas quanto à retribuição do investimento de desejo, tempo e dinheiro. Entre essas meninas que trocam dinheiro por sexo, as melhores são aquelas que o fazem porque gostam do que fazem. Aliás, como em toda profissão.
              Na Antiguidade, em muitos lugares, essas mulheres generosas faziam parte do processo de transformar um menino num homem. Mesmo em rotinas religiosas e espirituais. Na Bíblia, o numero de personagens prostitutas importantes é razoável. Dirão algumas pessoas mais nervosas que isso é "machismo", mas elas não entendem nada de sexo nem de mulher.
              Nelson Rodrigues falava de "uma vocação ancestral". Diria eu, um arquétipo. O mundo fica mais pobre cada vez que esta vocação se torna muda. Tranque-a num quarto e seu perfume atravessará as paredes. Seu desejo escorrerá por debaixo da porta. Esconda-a sob véus, ela ressurgirá nos olhos, nos lábios, nos fios de cabelo. Seja nas roupas, na maquiagem, no modo de andar, de se sentar, de cruzar as pernas, de pensar, de sonhar, as melhores mulheres exalam cheiro de sexo como um dos modos de se relacionar com o mundo. Na filosofia se chama isso de erotismo.
              A psicologia evolucionista considera a mulher que troca sexo por dinheiro um salto adaptativo. Elas mantêm o poligenismo masculino sob controle porque não exigem investimento afetivo em troca. Antes uma delas do que uma colega de trabalho. Não se pode falar isso, mas todo mundo sabe disso. Com a colega vem o risco da semelhança de interesses, da convergência de gostos, e o pior, a possível sensibilidade compartilhada.
              Mas, eis que o Monsieur Normal, leia-se, o chato do François Hollande, presidente da França, resolveu multar quem for pego com uma dessas mulheres generosas. Não vai adiantar, só vai aumentar a violência, o crime, a distancia geográfica entre o homem e a mulher que querem fazer sexo sem complicações.
              Mas, seguramente, vai aumentar a arrecadação do Estado, única coisa que socialista entende de economia. No resto, são analfabetos que só atrapalham o mundo. O que alimenta o socialismo como visão de mundo é a inveja dos que não conseguem ganhar dinheiro contra os que conseguem. De novo, o pecado (a inveja), ilumina melhor nossa natureza do que o blá-blá-blá da política como redenção do mundo.
              Os "corretos" falam em "profissional do sexo", porque consideram a expressão puta ou garota de programa um desrespeito com essas mulheres. Pura hipocrisia, como sempre, quando se fala de pessoas que querem "um mundo melhor". Como dizia o filósofo Emil Cioran, vizinhos que são indiferentes são melhores do que vizinhos que têm uma "visão de mundo".
              Mas, graças a Deus (que nos entende melhor do que esses santinhos de pau oco), essa lei não vai adiantar porque quanto mais se castiga a nudez paga da mulher, mais deliciosa ela fica. Ao final, a mulher que troca sexo por dinheiro, sempre é mais desejada quando encontrá-la fica ainda mais caro.