domingo, 22 de dezembro de 2013

12 meses de Haddad

folha de são paulo
12 MESES DE HADDAD
Cidade ainda apresenta sinais de abandono
Falta de manutenção de placas, lixo nas ruas e calçadas e praças sujas persistem na gestão de Fernando Haddad (PT)
Prefeitura diz que faz manutenção das praças semanalmente e que há cerca de 300 obras em execução nesses locais
SABINE RIGHETTIFABRÍCIO LOBELMOACYR LOPES JUNIORDE SÃO PAULO
Em uma esquina de Perdizes, entre o estádio do Pacaembu e o elevado Costa e Silva, o paulistano tem todos os motivos para estar perdido. Três das quatro placas que indicam o nome das ruas estão retorcidas, quebradas ou com nomes trocados.
"É normal que o povo se perca por aqui", diz Alexandre Gomes, 33, sócio de uma farmácia da esquina.
O comerciante afirma que as chapas de metal foram danificadas por torcedores de futebol que saíam de um jogo. "Ninguém vem arrumar. Do jeito que está aí, a placa já fez até aniversário", diz.
No cruzamento da avenida Tancredo Neves com a Vergueiro, na zona sul, o aniversário já é de quase três anos. Desde uma batida de carro no começo de 2011, um poste com o nome das ruas também espera manutenção.
A situação das placas não é um problema isolado. Basta uma volta rápida por um bairro para chegar-se à conclusão: a cidade demonstra que está malcuidada.
Folha percorreu São Paulo para fazer uma avaliação da zeladoria no primeiro ano da gestão Haddad. Além dos problemas das placas, encontrou lixo pelas ruas e calçadas e praças sujas, pichadas e com mato alto e falta iluminação pública.
"Não faço uma avaliação nada positiva da gestão", diz Euler Sandeville, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo.
Para ele, um dos pontos nevrálgicos da gestão é justamente a falta participação na administração da cidade.
BANCO DA PRAÇA
Uma das principais reclamações do paulistano é a falta de espaços públicos de recreação, como praças --um dos assuntos da campanha de Haddad em 2012.
São Paulo conta com cerca de 5.000 praças. O número não aumentou na nova gestão. O problema, diz a prefeitura, é que a criação de praças depende do Legislativo.
Das praças que existem, muitas têm mato alto, pichação, lixo e moradores de rua --caso da praça Marechal Cordeiro de Farias, que fica no final da avenida Paulista.
A prefeitura diz que faz manutenção das praças semanalmente e que há 300 obras em praças e parques de SP. Já a varrição da cidade custa R$ 70 milhões ao mês.
"São Paulo tem problemas crônicos de zeladoria. É talvez um dos maiores problemas da cidade", avalia Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.
Outro enrosco da cidade é a iluminação pública. Quando Haddad assumiu a pasta, havia uma estimativa de 18 mil pontos na cidade com pouca ou nenhuma luz.
Hoje, a prefeitura não sabe precisar quantas ainda permanecem no escuro, mas afirma que R$ 116 milhões já foram gastos em ampliações e remodelações da rede.
A Secretaria de Coordenação de Subprefeituras disse que consertará as placas indicadas pela Folha.

Cobertura cresce em saúde e educação, mas filas persistem no sistema municipal


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FÁBIO TAKAHASHI
ARETHA YARAK

DE SÃO PAULO
O atendimento aumentou, mas milhares de pessoas ainda esperam por uma vaga.
O diagnóstico vale tanto para a área da educação quanto da saúde neste primeiro ano da gestão Haddad.
Em dezembro de 2012, 810,5 mil pessoas aguardavam consulta médica especializada, exame ou cirurgia
No mesmo mês neste ano, o número caiu 11%, segundo os dados da prefeitura.
Segundo a Secretaria da Saúde, houve crescimento de 6% na oferta de consultas e exames em 2013.
Editoria de Arte/Folhapress
Um dos responsáveis foi o programa Hora Certa Móvel, que consiste em quatro carretas que levaram atendimento a quatro regiões da cidade.
Além disso, a secretaria diz que melhorou a gestão das vagas existentes. Um exemplo citado pelo secretário José de Filippi Júnior (Saúde), foram os telefonemas e torpedos enviados aos pacientes, avisando-os da consulta.
EDUCAÇÃO
No atendimento às crianças em creches e pré-escolas, a prefeitura aumentou em 5% as matrículas entre setembro de 2012 e de 2013. Isso significou 20 mil vagas a mais.
A fila, porém, teve pequena queda: de 180 mil para 172 mil (8.000 crianças a menos).
A Secretaria da Educação afirma mais famílias se inscreveram à procura de vagas. Disse também que deverão ser entregues 243 creches até o fim do mandato.

Sobre uma amizade com Nelson Mandela - Nadine Gordimer

Um ícone de carne e osso
Sobre uma amizade com Nelson Mandela
folha de são paulo
RESUMO A escritora sul-africana Nadine Gordimer, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1991, comenta sua convivência com o compatriota Nelson Mandela e sublinha como o líder político, morto no dia 5 deste mês, era, no dia a dia, muito mais doce e bem-humorado do que o retrato corrente dele dá a entender.
NADINE GORDIMER
tradução CLARA ALLAIN

TER VIVIDO ao mesmo tempo e no mesmo país de Nelson Rolihlahla Mandela representou um norte e um privilégio que nós, sul-africanos, compartilhamos. Eu tive ainda o privilégio de tornar-me amiga dele. Nos conhecemos em 1964, durante o julgamento de Rivonia, no qual ele estava sendo julgado por atos de sabotagem contra o governo, e eu estava presente no tribunal quando ele foi sentenciado à prisão perpétua.
Em 1979 escrevi um romance, "A Filha de Burger", sobre o tema da vida familiar dos filhos de revolucionários, uma vida governada pela fé política de seus pais e pela ameaça diária do encarceramento. Não sei como o livro, proibido na África do Sul logo após ser publicado, foi levado clandestinamente até Mandela na prisão de Robben Island. Mas ele, o leitor mais rigoroso que eu poderia ter desejado, me escreveu uma carta demonstrando profunda aceitação e compreensão do livro.
Mesmo quando não vinha a público nenhuma notícia a respeito dele nem havia qualquer indicação sobre o que ele estaria pensando ou planejando para continuar a luta pelo fim do apartheid, resguardávamos suas convicções, os discursos que ele fizera enquanto estava fisicamente presente entre nós.
Para um espírito como o dele, "muros não fazem uma prisão"; seu espírito não podia ficar sob a custódia do apartheid. Ainda tínhamos presente sua mentalidade política. Pude manter contato com Mandela durante esse período graças ao notável George Bizos, seu mais-do-que-advogado, que ficou ao lado dele mesmo durante o isolamento de Robben Island.
Em 1985, P. W. Botha, presidente do regime do apartheid, ofereceu a Mandela a liberdade, desde que ele renunciasse incondicionalmente a toda violência como instrumento político. A resposta de Mandela foi lida por sua filha Zindzi num estádio enorme em Soweto: "Que ele renuncie à violência. Que ele diga que vai desmontar o apartheid. Que ele desfaça a proibição da organização do povo, o Congresso Nacional Africano. Não posso e não vou assumir qualquer compromisso enquanto eu e vocês, o povo, não formos livres".
Até ele ser transferido, em 1982, da prisão de Robben Island para outra, destinada a presos comuns, na porção continental da Cidade do Cabo, Winnie Madikizela-Mandela, com quem ele era casado, e por quem nutria um amor escancaradamente apaixonado, só podia visitá-lo sob severas restrições. Finalmente, em 1990, Nelson Mandela seria visto em liberdade, de mãos dadas com sua mulher.
força esgotada Em 1990, o presidente F. W. de Klerk, um tipo muito particular de realista, viu que o apartheid era uma força que se esgotara. Ele revogou a proibição ao CNA e a seus aliados e filiados e libertou os prisioneiros políticos remanescentes. Reagi com alguma descrença quando George Bizos me disse que Mandela, recém-libertado, queria me ver. Acho que, com certa vaidade de escritora, pensei que o grande homem quisesse conversar comigo sobre "A Filha de Burger".
Alguns dias depois, estávamos a sós em Johannesburgo. Não foi sobre meu livro que ele falou, mas sobre o fato de ter descoberto, em seu primeiro dia de liberdade, que Winnie Mandela tinha um amante. Essa notícia devastadora só seria levada a público no divórcio deles, seis anos mais tarde.
Eu nunca antes havia falado nisso porque acredito que a dimensão de seu sacrifício, a força que ele demonstrava na forma como vivia, não era reservada somente ao seu "éthos" político. Seu modo de viver era viver pela liberdade dos outros.
ÂMBITO PRIVADO A Convenção para a África do Sul Democrática, ou Codesa, que se reuniu pela primeira vez no ano seguinte, foi realizada num prédio chamado World Trade Centre, mas, em alguns momentos, os participantes, entre eles membros do CNA, precisavam ter conversas em âmbito privado. Havia acordos de vida e morte a serem selados, sob a liderança suprema de Mandela, disposto a ouvir aquele que, no momento, representava o poder do povo contra as forças fortemente armadas do apartheid, financiadas por aliados ocidentais.
Camaradas de diferentes campos de batalha, à frente de partidos como o Comunista sul-africano, o Congresso Pan-Africanista e o da Liberdade Inkatha, cada um com ideias próprias sobre como deveria ser criada a democracia, queriam se reunir com a CNA a salvo dos espiões de De Klerk.
Um líder do CNA escolheu a casa em que eu vivia com meu marido, Reinhold Cassirer, num subúrbio branco de Johannesburgo, como local de encontro. É claro que não tínhamos conhecimento do que era dito. Eu levava uma bandeja de chá até a varanda onde o grupo se reuniu diversas vezes. Apenas em uma ocasião Mandela esteve entre eles. Eu não ficava ouvindo de soslaio.
A Codesa foi tema de reportagens e análises exaustivas na imprensa, inclusive a africâner, que engoliu em seco, tentando, por lealdade aos líderes do apartheid envolvidos, ser indulgente com aquele processo inacreditável.
Mandela não era --não àquela altura-- um ícone nem para os negros sul-africanos nem para os brancos que integraram a luta. Alguns africâneres que passaram a condenar o regime racista sentiram um alívio tingido de culpa, torcendo por algum acordo de forças que suavizasse a condenação do apartheid pelo mundo.
Mandela: não uma figura esculpida em pedra, mas um homem alto, de carne e osso, que o sofrimento não fez vingativo, e sim ainda mais humano --mesmo em relação aos criadores da prisão que era o apartheid. Ele seria capaz de manter um diálogo natural com aqueles que haviam impedido milhões de sul-africanos negros de exercer o papel de cidadãos em seu país.
Conforme a Codesa prosseguiu, as negociações estancaram, e a certa altura se viram ameaçadas por um confronto violento entre a polícia e um grupo de extremistas pró-apartheid na entrada do edifício onde transcorriam as discussões. A Codesa se concluiria meses mais tarde, sob impasse. Sua maior realização foi, sem dúvida, o fato de ter aberto o caminho para a nova Constituição, estabelecendo direitos iguais para todas as pessoas na África do Sul.
PAZ Em 1993, quando anunciou-se que Nelson Mandela receberia o Nobel da Paz, nossa alegria foi levemente abalada pela decisão do comitê de dar o prêmio também a De Klerk. Haveria uma cerimônia em Oslo para os dois laureados. George Bizos e eu fomos convidados a integrar a comitiva de Mandela. Viajamos para a Noruega ao lado dele e de outros líderes do CNA e tivemos a experiência inesquecível de vê-lo receber a honraria.
Depois da cerimônia, tivemos outro tipo de experiência. Como participantes da comitiva, saímos à sacada do hotel onde todos nós, incluindo Madiba (como Mandela era conhecido), estávamos hospedados. Diante de nossos olhos, uma enorme multidão, composta de pessoas de diferentes nacionalidades, o saudava cantando temas de libertação do CNA. Foi um momento de êxtase.
George e eu notamos De Klerk e sua mulher numa sacada adjacente e não pudemos crer no que vimos a seguir. Os De Klerk deram as costas à multidão exultante que ocupava a rua e se retiraram para dentro do hotel. Teria De Klerk percebido apenas então que as canções não eram para ele?
Nos últimos anos de vida de Madiba, eu o visitei vez e outra na casa grande, elegante e confortável, que lhe tinha sido dada em um subúrbio de alto padrão de Johannesburgo. George e eu tomávamos o café da manhã com ele ali. Mandela se levantava tarde, numa concessão à idade avançada, de modo que era mais como um "brunch".
Ele presidia a mesa em seu lugar habitual na cabeceira, como chefe da casa. Da cozinha ali ao lado, empregados cordiais traziam uma fartura de comidas simples. Mostravam um prato e outro a Mandela, ouvindo suas perguntas e ordens. O café da manhã era sua refeição favorita e era também a hora em que gostava de receber pessoas.
Depois disso, íamos à sala de estar, onde Madiba se sentava em sua cadeira especial. De vez em quando, estendia a mão para segurar a de George, que havia enfrentado com ele questionamentos, não apenas nos tribunais.
Depois de me cumprimentar, apertando minha mão em sua mão grande, de dedos fortes, ele perguntava a George sobre vários companheiros do CNA que haviam estado ao seu lado na prisão e fora dela. Às vezes reagia às respostas com risos ou algum comentário mais reflexivo.
O retrato geral que vem se fazendo de Mandela não capturou ainda sua vivacidade, o humor ágil que demonstrava sob circunstâncias surpreendentes. Em 1998 ele se casou com Graça Machel, combatente da guerra que derrubou o governo colonial português em Moçambique e viúva de Samora Machel, o presidente do país, morto em um acidente de avião que teria sido arquitetado por sul-africanos partidários do apartheid. Assim, Machel foi uma mulher que se casou com dois presidentes.
Ao final da cerimônia de casamento, após as declarações de "aceito" e os parabéns animados, ela anunciou que conservaria o sobrenome Machel. Indagado sobre o que sentia com relação a isso, Mandela respondeu: "Ainda bem que ela não quis que eu adotasse o sobrenome dela".
A profunda capacidade de compreensão humana que Mandela tinha veio à luz de diversas maneiras. Uma vez eu estava com ele em sua casa quando Zindzi, a mais jovem das duas filhas que ele teve com Winnie, passou para visitá-lo. Pai e filha se abraçaram, e ele perguntou se ela queria alguma coisa --talvez algo para comer?
Ela lamentou e disse que não podia ficar --sua mãe a aguardava no carro. Madiba deu de ombros e insistiu: "Vá buscá-la!". Minutos depois, Winnie entrou na sala, a convidada sorridente e bem-vinda do homem com quem havia compartilhado um amor constante, marcado por prisões e despedidas, ao longo daquele que havia sido como outro casamento: a luta pela libertação da África do Sul.

O assunto é: O destino de Snowden - David Miranda; Ali Kalout + Degaut

folha de são paulo
DAVID MIRANDA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: O DESTINO DE SNOWDEN
Carta aberta aos brasileiros
Se Snowden for preso, nunca mais ouviremos uma palavra desse homem que tanto nos ajudou. Temos o dever de proteger os seus direitos
Um importante tema tomou conta dos debates em todo o mundo, nos últimos meses: a espionagem praticada pelos Estados Unidos.
Esse debate só é possível porque um homem corajoso sacrificou sua vida, suas amizades, sua liberdade e seu trabalho e abriu mão de seu próprio país. Esse homem é Edward Snowden, ex-agente de inteligência do governo dos Estados Unidos.
Eu, David Miranda, pude sentir na pele o quão perigoso é se envolver em relações entre países, em especial no tocante a abuso de poder.
Em agosto deste ano, fiquei detido por nove horas, sendo interrogado sem intervalos, arbitrariamente, no aeroporto de Londres, no Reino Unido. Hoje, o governo desse mesmo país acusa a mim e aos jornalistas que trabalham com histórias sobre terrorismo de sermos criminosos, por supostamente cooperarmos com essa prática.
O Brasil foi um dos países mais espionados pela agência de espionagem norte-americana, a NSA (Agência de Segurança Nacional). Devido às informações que Snowden tornou públicas ao repassá-las ao meu parceiro, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, conseguimos entender como a NSA espiona a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e seus ministros de Estado mais próximos.
Também pudemos conhecer os métodos de espionagem aplicados contra a Petrobras e contra a população brasileira, que tem por mês cerca de dois bilhões de e-mails e ligações rastreados pela agência.
Então, pelas razões aqui expostas, eu comecei uma campanha para que o meu país conceda asilo para Edward Snowden, acusado pela Justiça dos Estados Unidos por furto de propriedade do governo e por revelar informações secretas de defesa nacional e de inteligência. No solo de seu próprio país, ele poderia ficar até 30 anos preso.
As informações reveladas por meio de Snowden beneficiam o Brasil ao tornarem evidente a precariedade de nosso sistema de comunicação. Se hoje temos papel de destaque no debate internacional sobre a regulamentação da internet, isso se deve ao conhecimento que ele nos possibilitou adquirir.
No trabalho que venho fazendo com o meu parceiro, Glenn Greenwald, pude ver a reação do público brasileiro, calorosa e indignada com o tratamento dado a esse homem. Paradoxalmente, também tive contato com pessoas que dizem não se importar de serem espionadas, porque, argumentam, "não têm nada a esconder".
A questão é outra. Não se trata da coleta de dados feita pelo governo norte-americano e seus aliados. Trata-se de um comportamento ao qual ainda não sabemos como reagir, especialmente por causa da dúvida que paira sobre o papel da internet no cenário mundial. Será que a rede continuará sendo uma ferramenta de liberdade de expressão, comunicação e criatividade, ou será que ela se tornará um poderoso instrumento de governo para monitorar e controlar a população?
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil e outros 47 países, liderados pelos Estados Unidos, assinaram a Declaração Universal de Diretos Humanos, com o intuito de resguardar os direitos mais fundamentais das pessoas.
Neste momento, venho pedir, como cidadão brasileiro, para que o meu país honre esse tratado e conceda asilo a Snowden. Se ele de fato for preso, nunca mais poderemos ouvir uma palavra dita por esse homem que tanto nos ajudou e pode nos ajudar ainda mais. Temos o dever de proteger os seus direitos.
Com este artigo, eu venho pedir a você, leitor, para se juntar a todos que procuramos trabalhar por um futuro no qual a privacidade e os direitos humanos sejam preservados.
HUSSEIN ALI KALOUT E MARCOS DEGAUT
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: O DESTINO DE SNOWDEN
Uma janela de oportunidades
O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação com os Estados Unidos se conceder eventual asilo a Edward Snowden
O caso Edward Snowden ganha um novo capítulo internacional. A manifestação pública do ex-funcionário da inteligência americana vislumbrando lograr asilo político do governo brasileiro é ainda uma hipótese que apenas o próprio autor e seu círculo mais íntimo gostariam de transformar em realidade.
Importantes indagações pairam no ar sobre o impacto dessa hipotética medida: o que o Brasil ganharia com isso? Quais seriam as consequências? A resposta inicial de por que o Brasil deveria conceder-lhe o asilo parece óbvia: coletar dele informações sobre a espionagem norte-americana. Preliminarmente, o Brasil não ganharia muita coisa além de meter-se numa curiosidade perigosa e contraproducente.
O certo é que Snowden não entregará dado algum ao Brasil apenas pela fortaleza de nossa democracia ou em função do respeito que nutrimos pela legalidade internacional. As informações serão dadas a conta-gotas e, inexoravelmente, envolverá batalhas jurídicas se Snowden vier a estar em solo brasileiro.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, disse tudo. Se o Brasil condenava o "modus operandi" americano em sua política de inteligência, a retaliação e a punição não se conjugariam com o estilo do Brasil de fazer relações internacionais, tampouco figuram como opção no dicionário estratégico da diplomacia brasileira.
Por outro lado, o Brasil não é a Rússia. O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação econômica, política e histórica com os Estados Unidos se conceder eventual asilo sob qualquer motivo, ainda que seja o de afrontar o parceiro do Norte ou, mais uma vez, reforçar a independência de sua política externa. Ademais, o Brasil não teria condições de oferecer a Snowden garantias de que não será deportado ou extraditado.
Ao não querer comentar o assunto, a presidente Dilma Rousseff faz o certo. Demonstra altivez em sua conduta e transmite um sinal cristalino de como o país mensura a sua relação com os Estados Unidos e que tratamento espera de um país parceiro, deixando a porta aberta para uma retratação formal por parte do governo Obama.
O ressurgimento do caso Snowden tem o mérito de reacender o debate sobre o futuro das relações Brasil e Estados Unidos. Do ponto de vista pragmático, a interpretação que se aufere é que essa relação histórica não necessita de alinhamento automático e tampouco de subordinação de interesses de lado a lado, mas da compreensão mútua de valores fundamentais.
As duas maiores economias e principais polos de poder nas Américas ainda buscam estabelecer um padrão de equilíbrio no relacionamento bilateral, alçado ao nível de diálogo estratégico.
O anúncio da compra dos aviões de caça Gripen combinado com a manifestação não oficial do Snowden de querer asilo político no Brasil representam, cada um em sua dimensão, uma sutil resposta da diplomacia e defesa brasileiras aos Estados Unidos. São sinais que não devem ser desprezados, mas utilizados como parâmetros do que os países podem ganhar se decidirem construir uma parceria bilateral mais pragmática, cooperativa e eficiente.

Ministro promete rapidez para mensalão do PSDB - Entrevista Luis Roberto Barroso

folha de são paulo
ENTREVISTA - LUÍS ROBERTO BARROSO
Inércia do Congresso é risco à democracia e obriga STF a atuar
PARA MINISTRO, DECISÃO DO SUPREMO SOBRE DOAÇÕES ELEITORAIS PODE LEVAR LEGISLATIVO A RETOMAR DEBATE SOBRE REFORMA POLÍTICA
FERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIA
"A inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo", afirma o ministro Luís Roberto Barroso, explicando a razão de o Poder Judiciário ter começado a julgar há duas semanas se doações de empresas em campanhas eleitorais são inconstitucionais.
Em entrevista à Folha e ao UOL, o mais novo integrante do STF (Supremo Tribunal Federal), que tomou posse no fim de junho, diz compreender a paralisia do Congresso quando se trata de reformar o sistema político. "Há muita dificuldade de se formarem consensos. Não querem mudar a lógica do jogo que os ajudou a chegar lá", afirma.
O STF começou a julgar no início deste mês uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Se ela for aceita, serão proibidas as doações eleitorais de empresas, que hoje respondem por mais de 80% do que é arrecadado pelos candidatos.
Até agora, 4 dos 11 ministros do STF já se manifestaram a favor da proibição. O julgamento foi suspenso e será retomado no ano que vem.
Barroso votou contra as doações das empresas e acha que a função principal desse julgamento é fomentar o debate sobre reforma política. "Não está funcionando, nós temos que empurrar a história. Está emperrado, nós temos que empurrar", diz. "Espero que a decisão do Supremo recoloque essa questão na agenda do Congresso."
A seguir, trechos da entrevista de Barroso, concedida na quarta-feira, em Brasília.
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Folha/UOL - O sr. votou a favor de considerar inconstitucional a doação de empresas privadas para políticos em campanha eleitoral. Como deveria ser o modelo de financiamento, então?
Luís Roberto Barroso - Em tese, não considero inconstitucional em toda e qualquer hipótese a doação por empresa. Mas no modelo brasileiro grandes empresas doam para o partido A, para o partido B, para o partido C.
Não tem nada a ver com ideologia. Doam ou por medo, ou porque são achacadas, ou porque querem favores. No sistema que nós temos, a derrama de dinheiro produz um impacto antidemocrático e antirrepublicano.
É possível prescindir das doações diretas de empresas?
É possível. Ou é até possível desenhar um modelo em que a doação de empresas não tenha este impacto deletério sobre o princípio republicano e sobre a moralidade pública.
O Congresso, pressionado pelas multidões que tinham ido para as ruas, discutiu a reforma política.
Não saiu nada...
Logo que o povo saiu da rua essa agenda foi desarticulada. Espero que a decisão do Supremo recoloque essa questão na agenda do Congresso. Acho que decisão política tem que tomar quem tem voto. Agora, a inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo.
O sr. acha que o Congresso tem sido inerte por quê?
Porque há muita dificuldade de se formarem consensos. Compreensivelmente --faz parte da natureza humana-- não querem mudar a lógica do jogo que os ajudou a chegar lá.
O Congresso Nacional não avança nessa área.
Foi uma pena. Aquela energia cívica que foi o povo nas ruas foi formidável. É a energia que move a história. É assim que se produzem as grandes transformações.
Mas, para fazer andar a história, não precisa estar com o povo gritando atrás. É preciso interpretar e fazê-la andar. Está ruim, não está funcionando, nós temos que empurrar a história. Está emperrado, nós temos que empurrar.
O sr. tem opinião sobre a criminalização do uso de drogas?
Acho que a criminalização de drogas leves é uma má política pública. A criminalização da maconha é uma política pública equivocada. Estou preocupado com o impacto dessa atividade criminosa sobre as comunidades que são dominadas pelas pessoas que fazem o tráfico.
Seria uma política pública boa, ou pelo menos uma boa experiência que não produzirá nada pior do que o que a gente já tem, a descriminalização da maconha.
Descriminalizar a maconha resolveria o problema dessas comunidades?
Vejo quantos casos chegam às minhas mãos de pessoas condenadas por tráfico, por pequenas quantidades de maconha: 100 gramas, 200 gramas, 500 gramas.
Isso provoca um impacto extremamente negativo. Vai preso por 250 gramas de maconha e sai violentado, embrutecido e pronto para crimes mais graves. Do ponto de vista de uma política criminal, não teria nenhuma dúvida de que descriminalizar a maconha é positivo.
Mas como é possível distinguir entre o que deve ser descriminalizado?
O país precisa de um debate sem preconceitos. Do meu ponto de observação, é uma má política pública prender dezenas de milhares de jovens por tráfico de pequenas quantidades de maconha e mesmo, eventualmente, de cocaína quando não estejam associadas a outro tipo de delinquência.
O que acha da política do Uruguai de liberar drogas leves --no caso, a maconha?
Tenho simpatia pela experiência. Acho que a gente deve observá-la. No Brasil, as pessoas acham muito sem terem procurado. Não sou uma dessas pessoas.
ANÁLISE - JUDICIÁRIO
Supremo não abre mão do poder que acumulou
Corte está dividida entre ministros que desejam respeitar o espaço do Congresso e outros que pretendem avançar
NESTE ANO O STF TERIA JULGADO 89.565 PROCESSOS, MAIS DE 8.000 POR MINISTRO; DIFÍCIL ACREDITAR QUE LERAM TODOS
JOAQUIM FALCÃOESPECIAL PARA A FOLHAComo foi o Supremo Tribunal Federal em 2013? Pergunta simples, resposta complexa. São múltiplos Supremos.
Existe o Supremo como última instância do Judiciário. Neste ano o Supremo teria julgado 89.565 processos, contra 90.044 processos no ano passado --mais de 8.000 por ministro da corte.
Difícil acreditar que os ministros puderam ler individualmente todos os processos. Se são julgamentos repetitivos, não precisariam ir ao Supremo.
Por anos se acreditou que esse exagero era desordem organizacional, excesso de recursos. Não é.
Cada dia fica mais claro que é uma questão de poder. O Supremo não quer abrir mão de nada. Para ninguém. Nem para os tribunais estaduais, ou superiores. É excesso de concentração de poder.
Nem o Supremo se une a favor de legislação que lhe reduza os recursos, como no caso da Emenda Peluso. Nem toma outra iniciativa de fazê-lo. Ativismo quantitativista.
O Brasil fica à espera do dia que o Supremo resolva pinçar um processo, colocar na pauta e julgá-lo. Usar a espada Suprema. Das 41 Adins (ações diretas de inconstitucionalidade) contra o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por exemplo, o Supremo em geral concede liminar, mas não julga o mérito. Cria assim imprevisível ordem jurídica de conjunturas.
O outro Supremo é o da sintonia com os cidadãos. Tem muito avançado e na direção certa. Até o mensalão o Supremo nunca havia condenado à prisão em definitivo alguém com foro privilegiado. Agora não mais.
Enfrentou também casos importantes, como royalties, a inconstitucionalidade do regime de precatórios, a criação de novos partidos políticos. Escolher a pauta é a principal espada do Supremo.
Como agirá em 2014? Processos sobre regras eleitorais e econômicas deverão ser prioritários.
Finalmente, o último Supremo é o Poder da República diante do Congresso e Executivo. Temos visto um Supremo inquieto, de ministros divididos. Uns querendo respeitar o espaço congressual, outros querendo avançar.
O receio de surgir um Supremo expansionista está se tornando rotina nos julgamentos. É preciso que o Supremo se apazigue.
Em 2014 um Congresso Nacional novo, legitimado pelo voto, será eleito. Na democracia o voto deve ser maior do que a espada interpretativa do Supremo. Autolimitar-se seria prudente.
O SUPREMO NÃO QUER ABRIR MÃO DE NADA. PARA NINGUÉM. É EXCESSO DE CONCENTRAÇÃODE PODER
    Ministro promete rapidez para mensalão do PSDB
    Relator do caso, Barroso diz que voto estará pronto no primeiro semestre
    Data do julgamento vai depender do voto do revisor, Celso de Mello, e da pauta prevista para o STF no próximo ano
    DE BRASÍLIARelator do mensalão tucano, o ministro Luís Roberto Barroso aguarda apenas terminar a fase de alegações finais, ainda este ano, para preparar a parte que lhe cabe no processo. "Sou relativamente rápido. Tudo estando pronto na volta do recesso, imagino que em meados do primeiro semestre meu voto esteja pronto", disse ele em entrevista àFolha e ao UOL.
    O mensalão tucano é um caso de uso de dinheiro não declarado para financiar campanhas eleitorais, tendo como principal acusado o deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que já foi presidente nacional da sigla.
    Na disputa entre PT e PSDB, os petistas sempre se queixam de terem enfrentando o julgamento de seu mensalão antes que o caso dos tucanos fosse apreciado pelo Supremo Tribunal Federal.
    Segundo Luís Roberto Barroso, entretanto, não há como prever com precisão quando o caso envolvendo o PSDB chegará a um desfecho. Eis como o ministro descreve o rito a ser seguido agora:
    "Não depende só de mim. O processo está em alegações finais. É a ultima manifestação do acusado, depois de ouvidas todas as testemunhas e produzidas todas as provas. Aí o processo vem concluso para mim, elaboro o meu voto, em seguida encaminho para o ministro Celso de Mello, que é o revisor. Portanto, vai depender de eu preparar o meu voto, do ministro Celso de Mello preparar o dele, e da presidência pautar para julgar."
    A única certeza é sobre o voto de Barroso no início de 2014. Depois, entra-se em um cronograma cheio de imprevisibilidades jurídicas. "A gente deve prever o que está sob o nosso controle. Existem outros atores importantes. Existem alguns componentes aleatórios, como a própria pauta do Supremo ao longo de 2014", afirma o ministro.
    No caso do mensalão do PT, Barroso diz preferir não comentar a atual fase de execução das penas de partes do condenados. A primeira fase do julgamento, em que as condenações foram definidas, foi concluída em 2012.
    "Se eu achasse alguma coisa relevante sobre esse assunto eu diria internamente, e não publicamente. Tenho uma postura de não fazer juízos públicos sobre votos ou posições dos meus colegas."
    Quando ainda era advogado, Barroso defendeu a causa do italiano Cesare Battisti, que obteve direito de permanecer no Brasil, mesmo tendo sido acusado de assassinato na Itália. Indagado sobre semelhanças com o caso do norte-americano Edward Snowden, que participou do vazamento de documentos secretos dos EUA e tenta obter asilo em outros países, o ministro diz que são episódios diferentes.
    "Mas se o Brasil desse asilo a ele e eu ainda fosse advogado, eu o defenderia também", afirma. Simpatiza com a causa? "Não, eu simpatizo com a defesa."

      Adolescente que criou teste para detectar câncer rejeita rótulo de nerd

      folha de são paulo
      Gênio, sim. Nerd, não
      Teen americano que criou teste para detectar câncer rejeita rótulo do nerd clichê antissocial e quer ser exemplo para jovens gays como ele

      Adolescente que criou teste para detectar câncer rejeita rótulo de nerd


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      RAUL JUSTE LORES
      DE WASHINGTON

      Jack Andraka, 16, nasceu em Crownville, Maryland, nos EUA. No ano passado, ele recebeu o grande prêmio da Feira Internacional de Ciência e Engenharia, nos EUA, por sua pesquisa sobre um novo método para diagnosticar câncer de pâncreas.
      Em novembro, deu uma palestra sobre inovação no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e, na semana passada, escreveu um artigo para o "New York Times" sobre o ensino de ciência. Jack, que é gay, quer se tornar referência para jovens cientistas que pertençam a minorias.
      Leia o depoimento dele à Folha.
      *
      Já estive quatro vezes na Casa Branca com o presidente Obama e fui convidado a dar palestras em conferências médicas na França, na Itália, na Austrália e no Reino Unido, quase sempre falando sobre inovação e a importância de se estimular o interesse científico nas escolas.
      Divulgação
      Jack Andraka dá palestra em conferência TED nos EUA no início deste ano
      Jack Andraka dá palestra em conferência TED nos EUA no início deste ano
      Aos 15 anos, desenvolvi um teste que consegue diagnosticar precocemente o câncer de pâncreas. Meu tio morreu por causa disso e fiquei pensando no que eu podia fazer. Diferentemente das mulheres com tumor de mama, as vítimas desse câncer só têm o diagnóstico muito tarde, com uma alta taxa de mortalidade. Só 5% sobrevivem.
      Desenvolvi um sensor usando papel-filtro e nanotubos para detectar proteínas ligadas ao câncer rapidamente, cem vezes mais que outros testes [ver ao lado].
      Ganhei o primeiro prêmio da Feira Internacional de Ciência e Engenharia (ISEF) no ano passado, no maior evento para cientistas pré-universitários, e não parei.
      ESTÍMULO
      Depois de procurar mais de 200 cientistas e centros de estudos e ser rejeitado por todos, fui abrigado pelo Anirban Maitra, pesquisador de câncer de pâncreas da Universidade Johns Hopkins, um dos maiores centros de pesquisa no mundo.
      Minha escola é normal, ninguém estava preparado para me estimular ou ajudar nas pesquisas. O ensino científico ainda é fraco e raro. Ler artigos em publicações especializadas é caríssimo.
      Meu laboratório mesmo é a garagem de casa, onde meu pai tinha uma marcenaria e, desde crianças, meu irmão e eu podemos fazer mil testes e usar ferramentas que nosso pai sempre nos deu ou emprestou. Lembro de uma maquete com um rio de brinquedo onde a gente aprendeu física e como os objetos flutuam. Meu irmão mais velho ganhou prêmios científicos antes de mim.
      Pouca gente da minha idade se interessa por ciência. Sou gay, contei aos meus pais e amigos quando tinha 13 anos, e quero servir de exemplo para jovens gays. Há pouca mulher, pouco gay, poucas minorias em geral fazendo ciência. É um clube de garotos heterossexuais (ri).
      Nunca sofri preconceito, mas as minorias trarão outras questões, outros problemas, enriquecerão a ciência.
      "NERDICE"
      A mídia tem um papel enorme. Aquele seriado "The Big Bang Theory" mostra nerds e cientistas como gente antissocial, os estranhos que não sabem se relacionar. A série "Bones" é melhor, mostra que ciência é legal.
      Não sou um nerd clichê. Pratico esportes, tenho amigos, não me sento escondido no canto.
      Ainda não sei nem que faculdade vou cursar. Só sei que quero continuar com pesquisas. Fui procurado por quatro grandes laboratórios que querem comercializar a minha invenção. Estou vendo qual é o melhor. Depois vem uma longa fase de testes e a aprovação pela FDA [agência reguladora de remédios dos EUA]. Leva de 5 a 10 anos até poder ser comercializado.
      As escolas estão atrasadas em estimular a ciência. Encontrei vários estudantes brasileiros nas feiras de que participei. O "Team Brazil" era bem animado. Eles têm bastante apoio por lá?
      Editoria de Arte/Folhapress

      Antonio Prata

      folha de são paulo

      Crônica de Natal

      Ouvir o texto

      Minha mulher sugere colocarmos luzinhas coreanas no chapéu de sol, em frente de casa. Eu resmungo qualquer coisa. Ela percebe a má vontade e se incomoda. "Que foi?!", pergunto, com aquela surpresa dissimulada que nós, homens, lançamos quando queremos desacreditar as reações femininas, colocando-as na conta dos instáveis vapores uterinos –não na das nossas irritantes atitudes. Ela saca a estratégia e põe as cartas na mesa: diz que eu torci o nariz quando chegou com o pinheirinho, sábado passado, que foi de muito mau humor que a ajudei a pendurar os enfeites, domingo, e agora fico fazendo corpo mole diante das luzinhas coreanas. Por fim, me acusa: "Você é ridículo: você é contra o Natal!".
      Sou? Não queria. Me parece mesmo ridículo ser "contra o Natal", digo que não lembro de cara feia nenhuma ao decorarmos o pinheiro e reafirmo que meu problema é só com as luzinhas. Ela pergunta o que há de errado com elas. Levanto o indicador, pronto para fazer um discurso inflamado, mas fico mudo como a estátua de Duque de Caxias. O que há de errado com as luzinhas? Penso em alegar desperdício de energia. Teria, é verdade, um argumento sólido –ou líquido, se apelasse pro degelo das calotas–, mas estaria mentindo. Não é uma questão ecológica.
      "Você não acha bonito as árvores todas iluminadas?" Sigo calado –agora, já com o indicador recolhido ao bolso– e percebo que acho bonitas, sim, essas árvores luminosas. Dão às noites de dezembro um ar vibrante –vamos até a farmácia comprar fralda e parece que estamos indo a uma festa. Daí pra vestir no chapéu de sol a polaina de lampadazinhas já são outros quinhentos.
      "Qual o problema?" –ela insiste. "É que nem o Halloween? Vai dizer agora que é 'uma festa importada'?" Não, de jeito nenhum. Halloween, admito: sou contra. Não por nacionalismo, mas por senso de ridículo. Aquelas abóboras e caveiras, entre nós, soam tão naturais como as perucas nos carecas. Já o Natal é uma festa cristã, somos um país majoritariamente cristão e mesmo que a data tenha virado sinônimo de comércio, eu, com meu Nike nos pés e iPhone no bolso, não teria muita moral pra um discurso franciscano.
      Não, eu não sou contra o Natal. Tenho um amigo, o Maurício, que é. Contra o Natal, o Carnaval, abraços no oi e no tchau e qualquer outra manifestação –falsa, segundo ele– e afeto ou felicidade. Ele tem seu ponto, mas sou diferente do Maurício. Sou coração mole. Fico feliz, no mês de agosto, quando chega o cartão do meu dentista desejando feliz aniversário. Por que, então, ó pai, fiz cara feia pro pinheirinho, resmunguei pra pendurar enfeite, me recuso a enrolar no chapéu de sol as luzinhas coreanas?
      Não sei, mas minha mulher parece ter uma teoria: "Você é um metido! Você se acha superior, é isso! Não quer 'brincar de Natal' só porque tá todo mundo brincando! Fica falando mal da direita, mas age que nem um aristocrata!". Calúnias! Calúnias! Calúnias que tento calar, agora, do alto deste chapéu de sol, com 20 metros de luzinhas coreanas (que, diga-se de passagem, são "made in China") enroladas no ombro. Só torço para não cair daqui. Não quero que soe aristocrático, mas preferia uma morte um pouquinho menos ridícula.
      antonio prata
      Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve aos domingos na versão impressa de "Cotidiano".

      Marcelo Gleiser

      folha de são paulo
      Homenagem ao fracasso
      Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que sucessos
      Numa sociedade em que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo, onde estrelas, milionários e campeões são os ídolos de todos, o fracasso é visto como algo embaraçoso e constrangedor, que a gente evita a todo custo e, quando não tem jeito, esconde dos outros. Talvez não devesse ser assim.
      Semana passada, li um ensaio sobre o fracasso no "New York Times" de autoria de Costica Bradatan, que ensina religião comparada em uma universidade nos EUA. Inspirado por Bradatan, resolvi apresentar minha própria homenagem ao fracasso.
      Fracassamos quando tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do fracasso, representando nosso esforço. Não fracassar é bem pior, pois representa a inércia ou, pior, o medo de tentar. Na ciência ou nas artes, não fracassar significa não criar. Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que de sucessos. São frases que não funcionam, traços que não convencem, hipóteses que falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas passam a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas. Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do fracasso.
      Tem gente que acha que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem tudo dá certo, meio que magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas dores do processo criativo, pelos inevitáveis fracassos e becos sem saída, até chegar a uma solução que funcione. Talvez seja por isso que o autor Irving Stone tenha chamado seu romance sobre a vida de Michelangelo de "A Agonia e o Êxtase". Ambos são partes do processo criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso de alcançar um objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.
      O fracasso garante nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida. Se tivéssemos sempre sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o fracasso é essencial para a empatia, tão importante na convivência social.
      Gosto sempre de dizer que os melhores professores são os que tiveram que trabalhar mais quando alunos. Esse esforço extra dimensiona a dificuldade que as pessoas podem ter quando tentam aprender algo de novo, fazendo do professor uma pessoa mais empática e, assim, mais eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os vencedores, impacientes em ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão fácil de entender ou atingir.
      Claro, sendo os humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes obscurece a memória dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais arrogantes, que escondem seus fracassos e dificuldades por trás de uma máscara de sucesso. Se o fracasso fosse mais aceito socialmente, existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.
      Não poderia terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do nosso corpo ao encontrarmos a morte.
      Desse fracasso ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem numa espécie de permanência incorpórea após a morte. De minha parte, sabendo desse fracasso inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável, o que vem das várias tentativas de viver a vida o mais intensamente possível. O fracasso tem gosto de vida.

        José Simão

        folha de são paulo
        Retrospectiva 2013! ESQUECI!
        E o melhor kit de Natal: um CD do Luan Santana mais um litro de álcool, mais uma caixa de fósforos!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Bomba da semana: "Vanusa cantará o hino da Copa com tradução do intérprete sul-africano". Vai ser o VÍRUS DO IPIRANGA! Rarará! E o pensamento do dia: "é melhor um peru na mão do que dois na gôndola do Pão de Açúcar".
        E o melhor kit de Natal: um CD do Luan Santana mais um litro de álcool, mais uma caixa de fósforos! BUM! E um tuiteiro: "Gostaria que na cela dos mensaleiros tivesse um alto-falante tocando dia e noite a música da Simone, Então é Natal'". Isso fere a Convenção de Genebra. Não tem pena de morte no Brasil! Rarará!
        E sabe o que o Papai Noel de shopping pediu pro Papai Noel? Um emprego fixo! Aliás, eu tenho uma fotomontagem com o Sarney de Papai Noel de shopping com as crianças gritando e chorando. Tadinhas das crianças, vão odiar o Natal pra sempre!
        E uma amiga foi transar com um Papai Noel de shopping e voltou revoltada: não encolheu a barriga e nem tirou as botas! E sabe como o Papai Noel dá risada em Brasília? HÔ HÔ HÔubamos muitos!
        E o meu presente de Natal pro Fluminense: o "Vire a Mesa", da Estrela. E o meu presente de Natal pro Zé Dirceu: um par de sandálias Havaianas listradas de preto e branco. Verão na Papuda.
        E o Serra e o Alckmin lançaram um novo panetone: Propinetone! Panetone fabricado com farinha de propina. Distribuído nos metrôs de São Paulo! E finalmente a Polícia Federal descobriu o dono do pó do helipóptero dos Perrella: o Pópó Noel! Rarará!
        E já saiu o corno Papai Noel: aquele que vai embora, mas volta por causa das crianças! E o Papai Noel é gay: vive rodeado de viadinhos, usa as botinhas da Carla Perez, dá presente pros meninos e nos Estados Unidos é chamado de SANTA! Rarará.
        E as retrospectivas? "Retrospectiva 2013! Só engordei!". "Retrospectiva 2013! ESQUECI!". É melhor esquecer mesmo. 2013 foi o ano do P: Protesto, Paulista, Propina, Papuda e Putaria!
        O Brasil é Lúdico! Correu na internet um vírus: "O seu cartão foi cronado". O hacker não fez o Enem! "Cronado em Frorianóporis na estreia do Crô'!". Rarará. E na tela do "Cidade Alerta": "Presos queimam os colhões em motim". Rarará. Corta pra mim! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

          Suzana Singer - Folha Ombudsman

          folha de são paulo
          Manchetes que se dissolvem
          Sem apuração sólida, títulos que tentam prever o futuro são contestados pelas fontes da informação
          Jornais não foram feitos para prever o futuro, nem em final de ano. Duas manchetes recentes da Folha que tentaram adivinhar o que vai acontecer estão sendo, com razão, duramente contestadas.
          A primeira delas, do domingo passado, dizia que "Eleição faz Alckmin dobrar gasto mensal com propaganda". A outra, de terça-feira, era "Delator de esquema de espionagem vai pedir asilo ao Brasil".
          À primeira vista, os dois títulos parecem até óbvios. Ninguém duvida que o governo estadual --assim como o federal-- vá concentrar os gastos com publicidade no primeiro semestre, até porque a legislação proíbe anunciar nos meses que antecedem a eleição.
          No caso do ex-espião Edward Snowden, é fácil deduzir que ele gostaria de viver aqui, já que ele escreveu uma carta ao povo brasileiro e há um abaixo-assinado pedindo ao governo para dar-lhe asilo.
          Uma análise detalhada das duas reportagens mostra, no entanto, que conclusões lógicas não são suficientes para sustentar uma manchete que não se desmanche no ar.
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          No caso de Alckmin, a Folha cravou que ele vai dobrar o gasto mensal com propaganda em 2014, quando tentará reeleger-se. O dispêndio com publicidade saltaria de R$ 16,1 milhões por mês (2013) para R$ 31,5 milhões (2014). Para chegar a esse resultado, o jornal:
          1) dividiu o que foi gasto até 12 de dezembro deste ano por 12 meses;
          2) dividiu o que foi orçado em 2014 por seis meses, levando em consideração que é proibido anunciar de julho a outubro.
          As duas contas estão equivocadas. No cálculo do montante de 2013, não entraram as despesas a serem pagas até o fim deste mês --entre as quais uma campanha do governo que está sendo veiculada no intervalo do "Jornal Nacional".
          No segundo passo, o jornal assumiu que Alckmin vai torrar tudo no primeiro semestre de 2014, sem deixar verba para os meses pós-eleição, o que o governo nega que pretenda fazer.
          "Sabemos, por apuração nossa, que o governo estadual planeja concentrar no primeiro semestre o investimento em propaganda. Uma das fontes disse que o plano é gastar o máximo possível até abril", afirma a editoria de "Poder".
          Essa apuração em "off' não está na reportagem e é difícil de ser provada, porque se refere a algo que o governo pretenderia fazer.
          A reportagem sobre Edward Snowden partia da "Carta Aberta ao Povo do Brasil", obtida com exclusividade pela Folha, em que ele diz que gostaria de ajudar as investigações brasileiras sobre a espionagem dos EUA, mas não consegue porque não tem um lugar permanente para viver.
          Na carta, Snowden não faz um pedido de asilo --segundo a reportagem, para não criar um constrangimento com o governo russo, que lhe dá abrigo até 2014.
          O jornalista Glenn Greenwald, que deu o furo sobre as ações da Agência de Segurança Nacional dos EUA, tuitou: "A grande imprensa é incapaz de ler uma carta curta antes de fazer uma manchete falsa a respeito? Não é tão difícil...".
          A editoria de "Mundo" diz que baseou a manchete em uma apuração em "off", não na carta, mas isso não estava claro no texto.
          O jornal poderia ter evitado esse desgaste se destacasse no título o fato de Snowden ter oferecido ajuda para apurar crimes de espionagem cometidos contra o Brasil. Era um ponto importantíssimo, polêmico e... estava na carta.
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          Os casos acima se somam a outras manchetes questionadas ao longo do ano --a de maior repercussão foi "Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação" (8/11).
          Fica a impressão de que, para fazer barulho, a Folha está subindo o tom das manchetes. Não vale a pena. Nenhum jornal de qualidade deve trocar exatidão por repercussão.

          Janio de Freitas

          folha de são paulo
          Para ficar quites
          Ficamos quites com as desfeitas da França de Hollande e de seu antecessor ao Brasil
          O melhor da compra dos caças suecos não está nas condições do negócio nem nas conveniências do avião, já muito conhecidas. Está no momento em que foi comunicada. Foi só o presidente francês François Hollande dar as costas, encerrada a vinda a Brasília com ofertas e um chefão da fábrica do caça Rafale, e Dilma Rousseff noticiou a vitória dos suecos. Ficamos quites com as desfeitas da França de Hollande e de seu antecessor Sarkozy ao Brasil.
          Não foi a única retribuição dada ao medíocre Hollande. Mas a outra, por acaso concomitante com aquela, aplica-se também a todos os que aqui ridicularizaram a iniciativa de Dilma e do então ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores, de apresentar à ONU uma proposta de resolução motivada pela espionagem dos Estados Unidos: estender às comunicações digitais, em todo o mundo, os direitos de proteção já reconhecidos a governos, cidadãos, empresas e entidades.
          O "socialista" Hollande não permitiu a adesão da França à proposta. Só a conservadora Angela Merkel, entre os governantes citados na espionagem denunciada, teve a dignidade de juntar-se a Dilma. A resolução foi aprovada por consenso da Assembleia Geral, na quarta-feira, sem sequer precisar de votação. A França de Hollande teve de se curvar. Aqui, para conhecimento (ligeiro) desse êxito, só esmiuçando o noticiário.
          Apesar de nem lembrado, foi uma grande vitória também do denunciador Edward Snowden, extensiva ao jornalista Glenn Greenwald, que o ajudou na revelação de injustificáveis espionagens americanas. A nova consequência das denúncias dá-se, aliás, em momento de certa confusão a propósito de asilo de Snowden no Brasil. Minha leitura da sua carta aos brasileiros não vê ali uma proposta de asilo no Brasil em troca de revelações. Seu impedimento de atender a pedidos de senadores brasileiros, "até que um país conceda asilo permanente", aplica-se a qualquer país. E, a meu ver, reflete muito menos um possível pedido do que uma realidade conhecida: mesmo na Rússia, seu asilo provisório está sob a condição de que não revele documentos da espionagem americana.
          Daí que não tenha havido recusa do governo brasileiro a asilo de Snowden. Nem decisão negativa de Dilma Rousseff a respeito, só a ela cabendo decidir. A campanha para concessão do asilo está crescendo, mas o fator decisivo, não só no Brasil, será outro. Como ninguém sabe o que Snowden tem ainda a revelar, prevalece o temor de que grandes novidades provoquem reações extremadas dos Estados Unidos. Não é de pedido e concessão que Snowden depende, mas de encontrar, com seus coadjuvantes, solução para os medos que provoca.
          A propósito, a eliminação do caça americano, na compra brasileira, está identificada por muitos como represália à espionagem de e-mails de Dilma. Do ponto de vista moral não faz muita diferença, mas outra razão fixou-se desde longe: os americanos não são confiáveis. Por mais que a Boeing ofereça garantias de transferência de tecnologia, acima dela estará sempre o governo americano, para impor limitações e proibições quando queira, por motivos políticos e não necessariamente reais. Com a democracia sueca não há risco.
          SEM ESQUECER
          João Goulart recebeu de volta, simbolicamente, o seu mandato de presidente, por proposta dos senadores Randolfe Rodrigues e Pedro Simon. Em 2 de abril de 1964 o Congresso declarou vaga a Presidência, por abandono alegado pelo senador paulista Auro de Moura Andrade. Mas era mentira, Jango não saíra do país. Houve, portanto, dois golpes de Estado em 64: o militar e o parlamentar. Este, ainda mais desprezado pela historiografia do que o outro, e isentados os seus articuladores de toda consequência, ainda que apenas como nódoa biográfica. Lá está Moura Andrade, por exemplo, em retrato presidencial no Senado.
          Jango ressurge por efeito da passagem do Brasil de "país sem memória" a "país que não esquece". Melhor: que não deixam esquecer. Não é o caso só dos desaparecimentos e torturas. Estão aí, outra vez, as mortes de Jango e de Juscelino. O que torna mais plausíveis as suspeitas de suas causas é sempre o mesmo: a ideia de investigá-las, para chegar-se a uma palavra final em qualquer sentido, levanta a inquietação de pessoas que se ligaram à ditadura, e procuram depreciar qualquer esforço de esclarecimento. Por certo, têm os seus motivos. E outros têm memória.

          Mauricio Stycer

          folha de são paulo
          O segredo das apresentadoras
          Sabrina Sato é a mais nova integrante do clube de que Fernanda Lima foi a revelação em 2013
          A notícia da semana nos bastidores da televisão foi a saída de Sabrina Sato do "Pânico", na Band, em direção à Record. Mais do que uma troca de emissora, o que se anuncia é a entrada da moça em um novo mundo, o das apresentadoras.
          Ao deixar a equipe do humorístico, onde era uma entre dez, e ganhar um programa para chamar de seu, Sabrina ingressa em um clube que já foi mais exclusivo, mas ainda representa o nirvana para quem trabalha no meio.
          Centro das atenções, o apresentador, até mesmo na RedeTV!, ganha bons salários, participação em ações de merchandising, convites para estrelar publicidade e, quase automaticamente, convites para o Castelo de "Caras" e outras oportunidades midiáticas.
          Diferentemente de outras ocupações no mundo da TV, que exigem conhecimentos e habilidades específicos, para ser apresentador não é necessário saber nada que está nos livros ou nas escolas. O conjunto de atributos cobrado destas figuras é altamente subjetivo, e é aí que mora o perigo.
          O que faz de alguém um bom apresentador? Normalmente, estes profissionais são avaliados, e prosperam ou fracassam, em função de qualidades como carisma, simpatia, poder de comunicação, raciocínio rápido, beleza, voz...
          Outra questão, também difícil de responder: como sabemos se alguém tem o talento necessário para a função? Não dá para descobrir sem ver o candidato ao cargo em ação.
          Neste quesito, Sabrina leva uma vantagem sobre outras jovens apresentadoras que caíram de paraquedas no meio de um auditório, como Ana Hickmann, por exemplo, que um ano depois de estrear na TV já comandava um programa.
          Depois de dez anos no "Pânico", Sabrina pode dizer que já acumulou boa quilometragem em matéria de televisão. Conquistou um lugar no programa, inicialmente, por conta da beleza, mas cresceu ao mostrar total desenvoltura diante dos mais variados constrangimentos.
          Ao contrário de outros integrantes da trupe, não fazia imitações nem interpretava textos. Inventou uma personagem --a "mestiça burra"-- mas, ainda assim, sempre conseguiu transmitir uma ideia de autenticidade.
          A trajetória de Fernanda Lima, talvez a revelação do ano como apresentadora, ensina alguma coisa neste terreno pantanoso, eu sei, que define o talento deste tipo de profissional. Começou como modelo, como quase todas as candidatas a um posto na TV nos dias de hoje, mereceu uma chance na MTV, estudou jornalismo, foi atriz em novelas da Globo, apresentadora de quadros em programas da emissora, até ser escalada, em 2009, para comandar o "Amor & Sexo".
          Fernanda, nitidamente, evoluiu ao longo dos anos em que está à frente deste programa. Diante de uma mesa de convidados, normalmente formada por figuras mais experientes do que ela, a apresentadora demorou a mostrar que é a dona da situação, a pessoa que dá ritmo e graça à atração. Hoje, Fernanda canta, dança, faz piadas, domina absolutamente o seu auditório.
          Tentei, enfim, mostrar por que vejo com bons olhos a chegada de Sabrina Sato a este mundo. Não houve espaço, porém, para discutir outro tema correlato. Qual é a hora de o apresentador parar, se aposentar? O tema é ainda mais espinhoso dado o tamanho da fila. Fica para uma próxima.

            Ferreira Gullar

            folha de são paulo
            Confusão no domingo
            Cada qual tem seus hábitos e manias; se quer que o namoro dure, o melhor é viver cada um no seu canto
            Eles são namorados, mas moram em casas separadas. Ele no Leme, ela em Botafogo. É que, como já não são jovens, cada qual tem seus hábitos e manias, como querer de repente ficar só, gostar de programas de televisão diferentes, enfim, se quer que o namoro dure, o melhor é viver cada um no seu canto.
            Disso resulta que, em vez de marido e mulher, continuam namorados. Telefonam-se todos os dias, mas nem sempre se encontram. Quando se encontram é para passear, jantar ou ir ao cinema, em geral aos domingos e feriados.
            Ele lê para ela ao telefone o nome dos filmes que estão passando, a que hora e em qual cinema, e se encontram lá. Depois vão tomar um lanche, ou vai um para a casa do outro que ninguém é de ferro. Tudo certinho, como convém aos casais que não gostam de dramas nem de arranca-rabos.
            E assim foi que marcaram para ir ao cinema naquela tarde de domingo. A escolha do filme foi feita, como de hábito, e já que o cinema era mais perto da casa dela que da dele, encarregou-se ela de comprar os ingressos.
            Ele almoçou na hora de sempre e ligou a televisão para a última corrida do ano da Fórmula 1, particularmente interessante porque era a despedida de Felipe Massa da equipe da Ferrari. Depois lembrou-se que não ia dar tempo de ver o fim da corrida, pois prometera chegar ao cinema uns 20 minutos antes de começar o filme.
            Fez os cálculos e concluiu que, se saísse de casa às 15h15, chegaria a tempo. Por isso, às 15h, começou a trocar de roupa, e na hora prevista estava já na rua tomando um táxi que o levaria ao cinema.
            Chegou um pouco antes do que previra, pois o trânsito estava fluente, mais do que de costume. Ela ainda não havia chegado, conforme deduziu depois de atravessar a sala de espera e entrar na livraria que há ali. Estranhou, mas ficou vendo os livros para fazer hora. Abriu um deles, leu alguma coisa e, depois de um tempo, foi sentar-se na única cadeira que ainda estava livre, na entrada da lanchonete. Havia gente demais, formara-se uma fila enorme para ver não sabia qual filme. Mas ela não chegava!
            Consultou o relógio, já estava na hora de entrar na sala de projeção, ela nada. Isso nunca havia acontecido, ela sempre chegava antes. Foi então que se lembrou de que, ao sair do apartamento, ao entrar no elevador, ouviu um telefone tocar, poderia ser o seu? Entrou no elevador e seguiu adiante. Seria ela? Teria acontecido alguma coisa e ela tentara avisar? E pior é que ele não usa celular, só o telefone fixo de casa. Não é nada disso, pensou, ela deve estar chegando.
            Mas a aflição não cedia. Viu um rapaz com um celular e pediu a ele para fazer uma ligação. Ligou para a casa dela e ninguém atendeu. Ela tem celular, mas ele não sabia o número. Aflito, foi até a porta de entrada para esperá-la. Ficou ali uns dez minutos e nada. Decidiu tomar um táxi, ir até em casa e de lá telefonar para o celular dela. Foi, ligou, ela atendeu. "Estou aqui no cinema, acabei de chegar". E ele: "Mas já passam das 16 horas, o filme já começou. Você chegou depois de ter começado? Não acredito!".
            E ela: "Já vou para aí", disse e desligou. Ele ficou perplexo, mas logo tomou uma decisão: desceu, pegou um táxi e voltou para o cinema. Encontrou-a na lanchonete: "Você está maluco. Por que veio tão cedo para o cinema? O filme só começa às cinco, são quatro e meia".
            "É, você tem razão. Estou ficando matusquela. Meti na cabeça que o filme começava às quatro. Como você não chegou, fui para casa e de lá te liguei". E ela: "Você estava em casa?! Pensei que estivesse na porta do cinema me esperando! Que confusão!".
            Riram e decidiram entrar na sala de cinema. Sentaram-se rindo da encrenca em que se haviam metido, até que as luzes se apagaram e na tela surgiram os anúncios. Depois a projeção de um trailer que não terminava nunca e, de repente, a luz acendeu de novo, cessou a projeção. Passaram-se os minutos e nada. Até que surgiu um funcionário do cinema e anunciou que o projetor dera um defeito, a sessão estava cancelada.
            Sem dúvida alguma, aquele não era um dia de sorte do casal.