sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Cadáveres na calçada foram as boas-vindas - Diogo Bercito

folha de são paulo
Cadáveres na frente do hotel
Enviado da Folha relata terror do conflito em Kiev, marcado por insegurança, falta de informação e acusações contra o governo
DIOGO BERCITOENVIADO ESPECIAL A KIEV
Os repetidos embates entre forças de segurança ucranianas e manifestantes da oposição, em Kiev, golpearam o humor na cidade com as notícias de dezenas de mortos desde a terça-feira.
Se a capital ucraniana me recebera há um mês com as histórias de convivência e cooperação na praça da Independência, em que os conflitos fatais eram raros, ontem as boas-vindas foram outras: cinco cadáveres na porta do hotel, pela manhã.
Os corpos que vi ao descer do táxi, vindo do aeroporto, foram encaminhados para serem tratados em um hospital improvisado, na periferia dos protestos. Enquanto eu me registrava na recepção, mais mortos foram estendidos no chão, somando então 12, como testemunhas de que o conflito na Ucrânia havia chegado a um novo período.
A trégua recém-declarada parece ser feita de papel, e as ruas de Kiev estão desconfiadas. O telhado do hotel em que estou hospedado foi revistado por opositores, durante o dia, devido aos rumores de que abrigava franco-atiradores do governo.
Por toda a praça eram frequentes os relatos de manifestantes mortos por disparos desses atiradores, a exemplo dos corpos deitados na frente do meu hotel, mais tarde recolhidos dali por uma ambulância. Nas ruas, alguns manifestantes ainda trazem os rostos feridos pelos embates, com olhos vermelhos ou as roupas ensanguentadas.
O advogado Ostap Prots diz ter sido atingido na cabeça por uma bala de borracha durante uma manifestação rumo ao Parlamento. O rosto dele está inchado. "Os policiais são treinados para atirar no olho", diz, vestindo um colete à prova de balas.
Os repórteres internacionais, que há um mês circulavam pela praça, agora se amontoam nos saguões dos hotéis, transmitindo suas reportagens de dentro dos quartos. Mais do que a insegurança real, a falta de informações contamina o clima.
Na rede social Twitter, ativistas publicam histórias, fotografias e vídeos sobre a calamidade na rua. Não é possível verificar as informações, que em parte contribuem para a histeria.
Com um aviso do governo orientando cidadãos a evitar o centro da cidade, em que restaurantes e lojas estão fechados, as ruas de Kiev dão conta da situação dramática a que foi empurrada. Há interrupção também no serviço de bancos e falta de dinheiro em caixas eletrônicos.
Também grave para a população é a interrupção no serviço de metrô, um dos principais meios de locomoção na cidade, tanto para quem vai aos protestos quanto para quem tem de trabalhar.
"Nosso governo é criminoso", diz à Folha um médico que prefere não se identificar. Ele tem tratado manifestantes feridos. "Se eles forem aos hospitais oficiais, vão ter problemas com a polícia."
Os corpos expostos no centro de Kiev parecem, segundo os médicos voluntários, ter sido vítimas de disparos. Diversos foram atingidos no pescoço, o que pode fortalecer o argumento de que foram mortos por franco-atiradores.
Vídeos e fotos divulgados na internet mostram cenas em que as forças de segurança reagem contra manifestantes. Em uma imagem, um grupo de opositores avança sob proteção de escudos quando é atingido por disparos.
"O governo quase certamente usou força letal durante a crise civil", afirma à Folha Nic Jenzen-Jones, diretor da Armament Research Services, que tem pesquisado o uso de armamentos no país --incluindo munições projetadas para o disparo contra veículos, e não pessoas.
"Nós documentamos até quatro tipos diferentes de munição letal. Além disso, dispositivos incendiários improvisados [coquetéis molotov] têm sido usados tanto por manifestantes quanto pelas forças de segurança."
Para o padre greco-católico Ivan Shemet, que dirigiu ontem por 12 horas para ir a Kiev testemunhar os protestos, as manifestações na Ucrânia --assim como os sacrifícios, incluindo as mortes-- são uma espécie de oferenda no "altar" da nação.
Assim como outros religiosos, Shemet acredita que é dever dos representantes da igreja estar entre os seus fiéis, nas ruas. "Chegou o momento de oferecermos alguma coisa para termos um Estado livre", diz, referindo-se à influência de Moscou no país. É a fé por tempos melhores.

Barbara Gancia

folha de são paulo
Abobrinhas
O triste é que, passados 50 anos, há quem não dê a mínima se foi golpe, rave, revolução ou festa da uva
Aprendi uma nova palavra e fui logo vestindo a carapuça: "frinfronar", conhece? É uma espécie de "procrastinar" ver­são tapuia. O som de "procrastinar" já denuncia uma certa urgência prussiana, como se preguiça fosse delito grave.
Frinfronar é nosso. Está mais para "deixar para depois". Quem fica no frin, fron, frin, fron, enrola. Finge que faz sem resolver a parada.
Nestes tempos fervidos, frinfro­neadores de marca, ases do desca­ramento, discutem os grandes te­mas nacionais com pompa.
Acompanhe: a turma cujo alcance mental só consegue fomentar elu­cubrações do tipo: "um beagle equivale a uma dúzia de galinhas" vislumbrou uma vitória retum­bante ao destronar Jair Bolsonaro da presidência da Comissão de Di­reitos Humanos da Câmara. Pal­mas! De fato, simbolicamente é po­sitivo ver o deputado nocauteado.
Mas cá entre nós: quem é Jair Bolsonaro? Representa ameaça real ou é figura folclórica, um Eduardo Suplicy às avessas, com show itinerante para um público cativo a fim de garantir mandato?
No caso dos beagles, pessoal frin­fronou porque é bem mais bacana carnavalizar e quebrar laboratório do que calcular que ainda temos de comer muito feijão e arroz em in­vestimento e tecnologia antes de abrir mão da pesquisa com animais.
No caso de Bolsonaro, o princípio é o mesmo. Dá prazer vê-lo derro­tado. Duro é entender que o depu­tado serviu de boi de piranha em uma manobra banal. Até o episódio Feliciano, ninguém queria presidir uma comissão que nunca aprova nada nem vê verba. Mas, agora que as minorias estão de olho nos Direi­tos Humanos, ela virou moeda de troca. E deixou as comissões onde está o tutu --Transportes, Trabalho etc.-- livres de atenção do público.
Quer ver outro frin, fron? E se a Dilma recorrer às armas para transformar isto aqui numa Vene­zuela? Socorro! Estava escrito no jornal, eu vi: "Dilma cogita colocar Exército na rua contra atos na Co­pa". Quem te viu, quem te vê!
Mas peralá: na Eco 92 também não tomaram essa precaução? E ninguém ficou perdendo tempo com lamúrias, ficou? Qualquer coi­sa que o governo do PT faça, o pes­soal logo "interpreta". É impressio­nante. Por mais inócuo, terá sem­pre uma "conspiração" por trás.
Aliás, isso não se aplica só ao PT. Nesta semana, o Itaú enviou um ca­lendário aos seus clientes. Nele, o 31 de março consta como "data do aniversário da revolução de 1964". Pois bem. Analise com carinho e em partes o grau de frinfronagem: para metade da torcida do Fla-Flu, quem não chamar o 31 de março de 1964 de "golpe militar", mas de "re­volução", merece ser empalado em praça pública.
Quem dá esse segundo nome ao acontecimento é a outra metade da torcida, para quem 31 de março de 1964 mar­ca o início do confronto que evitou a instalação de um regime marxista no país.
Acredite se quiser, muita gente esclarecida ficou de vigília aguar­dando a retratação (que veio) do Itaú. Frin, fron, frin, fron...
Itaú é uma marca, não uma agre­miação política. É óbvio que eles evitam frases com potencial de da­no de imagem a todo custo. Está na cara que não foi proposital.
Ainda assim, há o que lamentar. É que o que não falta é baiacu que tá nem aí se é golpe, rave, revolução, ou festival da pamonha. Afinal de contas, o que é que isso tem a ver comigo? Acrescenta? Quero mais é terminar logo este calendário aqui na minha frente e me mandar da agência pra dar um pulo no shop­ping e ver as liquidações. Frin, fron, frin, fron...

Sylvia Colombo

folha de são paulo
Acerto de contas
'12 Anos de Escravidão', que estreia hoje no Brasil, é visto por historiadores americanos como um marco na representação da questão racial
SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULOCidade pequena do Meio-Oeste norte-americano. Outono de 2013. A pré-estreia gratuita do filme "12 Anos de Escravidão" atrai uma população que não tem muitos recursos para ir ao cinema.
Há muitos negros. Eles vibram nas cenas de embate do herói, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), contra os brancos. Aplaudem, reagem com revoltados murmúrios nas cenas de tortura.
Nessa mesma cidade dos Estados Unidos, duas semanas depois, agora numa sessão paga, num imponente teatro local, a plateia é de brancos. Reações nas cenas de luta? Nenhuma. Já a tortura fazia muitos virarem a cara. Na cena final, de reencontro do herói com a família, muitas lágrimas.
As duas cenas dizem muito de como os EUA, país ainda polarizado com relação à questão racial, têm sido impactados por "12 Anos de Escravidão". O filme, que estreia hoje no Brasil, conta a história de um negro livre de Nova York que, em 1841, é vendido como escravo para trabalhar no sul do país.
Favorita a vários Oscar (foi indicada em nove categorias), a produção tem sido celebrada por críticos e historiadores norte-americanos como um marco na história da escravidão no cinema.
Primeiro, porque não havia até agora tantos casos. Entre os mais significativos, estavam "O Nascimento de uma Nação" (1915), de D.W. Griffith, em que os negros eram tratados com inferioridade, o clássico "...E o Vento Levou" (1939), em que eram vistos de forma caricata, a série "Roots" (1977) e, mais recentemente, "Amistad" (1997), de Spielberg, e "Django Livre" (2012), de Tarantino.
"É pouco, trata-se de um assunto que ainda é difícil de debater e enfrentar nos EUA. Tínhamos o tabu de acreditar que apenas o movimento negro possuía o monopólio da narrativa sobre esse período. O grande mérito do filme é globalizar a discussão", diz àFolha o professor de estudos africanos da Universidade de Michigan Fernando Arenas.
De fato, o filme é dirigido por um britânico (Steve McQueen), mas tem atores de origem africana, latino-americana, alemã, além de norte-americana. "É notável como isso joga uma nova luz e transforma a chaga da escravidão em algo a ser discutido de forma global", diz Arenas.
A crítica de cinema do "New York Times" Manohla Dargis disse que "12 Anos..." "não é o primeiro filme sobre a escravidão, mas pode ser aquele que finalmente faça com que seja impossível para o cinema norte-americano continuar a vender as mentiras que vem contando por mais de um século".
O filme não só mostra a tortura e a violência de forma inédita e explícita, também tem o mérito de expor a crueldade em seu cotidiano e o modo como as relações se construíram nas fazendas com base na sobrevivência.
O professor de Princeton Pedro Meira Monteiro, brasileiro, ressalta o mérito do filme em mostrar como "o dia a dia era feito de negociações e de aproximações em relação ao poder dos senhores e à condição dos pares, lembrando o debate historiográfico no Brasil, que só a partir do final dos anos 80 começou a considerar a escravidão como um sistema paternalista em que o escravo é um agente no interior da dominação, e não apenas uma vítima".
Para Monteiro, faz falta um "12 Anos..." no Brasil, "como também faz falta um Tarantino que resolva jogar com a questão racial".
O debate sobre a "glamourização" da escravidão, mais ou menos nos moldes como a do tratamento da pobreza em filmes como "Cidade de Deus" (2002), no Brasil, também tem ocorrido nos EUA.
Em "12 Anos...", há um tratamento artístico primoroso da reconstrução de época. Mas é com relação ao encerramento, que coloca Northup em conflito com seu próprio suposto "final feliz", que há mais divisões. Se ele é salvo, o que dizer dos tantos que continuaram escravos?
"Há uma boa resolução para algo que, na vida real, ficou em aberto do ponto de vista da documentação. Não sabemos como Northup voltou a se relacionar com a família e com o país. Há a sugestão de que foi algo conflitivo, do mesmo modo como continuou sendo a história dos negros nos EUA até hoje", completa Arenas.
12 ANOS DE ESCRAVIDÃO
DIREÇÃO Steve McQueen
PRODUÇÃO EUA/Reino Unido, 2013
ONDE Cidade Jardim e circuito
CLASSIFICAÇÃO 16 anos

    Larry Rother

    folha de são paulo
    Para fazer o papel de Northup, Ejiofor explorou porte e olhar
    LARRY ROHTERDO "NEW YORK TIMES"
    Um ano antes de o ator Chiwetel Ejiofor começar a filmar "12 Anos de Escravidão", ele rodava um filme no Estado da Geórgia, onde fez um passeio turístico. Foi a um calabouço do século 19, usado para manter prisioneiros os negros recém-chegados da África antes que fossem leiloados.
    "Perguntei ao guia para que serviam as argolas na parede", contou Ejiofor. "Ele respondeu que eram usadas para prender os ibos [grupo étnico africano]. E eu disse a ele que era ibo."
    "É nesse momento que você percebe que também esteve lá. É seu sangue."
    Se "12 Anos de Escravidão" está disputando o Oscar de melhor filme e outros prêmios, isso se deve em larga medida à poderosa e inquietante interpretação de Ejiofor, 36, para a história de Solomon Northup.
    O diretor do filme, Steve McQueen, disse que ele sempre foi sua escolha para o papel. Foi o porte de Ejiofor que o convenceu de que ele seria o ator ideal.
    "Para mim, Chiwetel tinha a classe que eu precisava mostrar na tela", diz.
    Ejiofor mergulhou na preparação, viajando de Calabar, porto nigeriano que servia de polo ao comércio de escravos, à Louisiana rural, do outro lado do Atlântico.
    Em alguns dos momentos mais expressivos de Ejiofor, diante de seu cruel feitor, ele não fala, e usa a linguagem corporal, especialmente o seu olhar, para transmitir o que Northup sente. McQueen descreve isso como uma "interpretação tai chi".
    "Desde o primeiro dia, meu foco esteve em seus olhos", disse. "Conversávamos sobre como usar o rosto para traduzir linguagem."
    Ejiofor vive em Londres. Nasceu lá, no bairro de Forest Gate, para onde seu pai, médico, e sua mãe, farmacêutica, emigraram depois do colapso do Estado separatista de Biafra, na Nigéria, onde os ibos eram maioria.
    "Tínhamos prateleiras repletas de clássicos", diz Zain Asher, irmã de Ejiofor. "Nossa mãe acreditava que educação era liberdade. Chiwetel ficava em seu quarto lendo Shakespeare em voz alta da manhã à noite."
    "Lembro que quando consegui meus primeiros trabalhos, outro ator me disse que se não mudasse de nome, interpretaria muitos africanos", diz Ejiofor. "Foi uma das coisas mais ofensivas que me disseram. Disse que minha família vinha da África e tinha muita vontade de interpretar africanos."

    José Simão

    folha de são paulo
    Ueba! Não Vai Ter Churrasco!
    Bloco Amasso o Pão, mas Não Queimo a Rosca. Serviço incompleto! É Carnaval! Libera essa rosca!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Na próxima vez, bote um biquíni na mala', diz prefeito de Maceió a Dilma". NÃO! NÃO BOTE! Nem um maiô Catalina dos anos 50! O prefeito é tucano, ele tá querendo te sacanear! É uma manobra tucana das mais sórdidas! Rarará!
    E o Rio, tudo parado, ninguém consegue andar, um caos. Diz que o Paes transformou os cariocas em CARIOCAOS! Cariocas viram cariocaos!
    E essa: "Protestos de rua terão que ter aviso prévio". Como diz o chargista Nicolielo: vai ter que ter alvará. Isso! Protesto, agora, só com alvará! Já imaginou os manifestantes gritando: "Não Vai Ter Copa! Saúde! Educação! Padrão Fifa". E a PM: "TEM ALVARÁ?". Não? POW! Rarará!
    E onde tiro o alvará pra gritar: "Não Vai Ter Sábado! Não Vai Ter Motel! Não Vai Ter Churrasco! Não Vai Ter Jacuzzi!"? Rarará!
    E o Pato vai estrear em Alagoas. Ou seja, vai nadar um bolão! Rarará! E atenção! Faltam oito dias pro Carnaval! E a clássica pergunta: "Onde você vai passar o Carnaval?". Pulando! Pulando e copulando. Rarará!
    Como diz uma amiga minha: "Tendo mais de 1,45 m e um coração batendo, eu pulo em cima".
    E os blocos já tão na rua! Direto do Maranhão, o bloco Chupa Mas Não Morde. Deve ser da família Sarney. Ops, me enganei. A família Sarney chupa e morde! Rarará!
    E direto do Recife, o bloco Metido a Corno. Olha, eu já vi metido a besta, metido a rico, mas metido a corno só no Recife. Rarará!
    E direto do Rio, o bloco Amasso o Pão, mas Não Queimo a Rosca. Serviço incompleto! É Carnaval! Libera essa rosca! Rarará!
    E esse bloco do Rio é o meu predileto: É Mole, mas É Meu! Cúmulo da autoestima. Rarará.
    É mole? É mole, mas sobe! Ops, é mole, mas é meu!
    O Brasil é Lúdico! Olha essa placa numa empresa: "Regras de Convivência! Não pode bilisca. Não chutar nem mostrar a língua. Não pode morder. Não pode dizer que vai matar os colegas. Não pode apilhidar os colegas". Que lugar chato! Não pode nada! SÓ TRABALHAR?!
    E em Barretos tem essa avícola: "Aves e Ovos Alves". Isso não é uma avícola, é um poema concreto. Rarará! Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã.
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    A manobra de Azeredo [editorial folhasp]

    folha de são paulo
    A manobra de Azeredo
    Ex-presidente do PSDB usa renúncia como artifício para retardar análise do mensalão tucano e minimizar efeitos político-eleitorais do caso
    Ainda que motivos pessoais tenham contribuído para a decisão, a renúncia de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a seu mandato de deputado federal tem indisfarçáveis propósitos políticos e jurídicos.
    Ex-presidente do PSDB e ex-governador de Minas Gerais, Azeredo é acusado de desviar recursos públicos para abastecer sua campanha ao governo mineiro, em 1998. Mediante contratos fraudulentos e empréstimos dissimulados, pelo menos R$ 3,5 milhões foram parar nos cofres tucanos, sustenta o Ministério Público Federal.
    Com a participação do famigerado publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado no julgamento do mensalão petista, o esquema teria sido "a origem e o laboratório" dos crimes cometidos anos depois, no governo Lula.
    Pela recorrência de personagens e semelhança nos métodos de desvio --embora não no que respeita à finalidade--, o episódio ficou conhecido como mensalão tucano, ou mineiro. A Procuradoria-Geral da República denunciou o caso em 2007; em 2009, a ação foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal, onde estava prestes a ser julgada.
    "Estava" porque, com a renúncia --um direito seu--, Azeredo criou um problema para o relator, Luís Roberto Barroso. O processo do tucano deve ser analisado pelo STF, uma prerrogativa ligada ao cargo de deputado, ou deve ser remetido à primeira instância da Justiça, o que retardaria seu desfecho?
    Situações análogas já foram decididas de formas divergentes. Em 2007, o então deputado federal Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) abriu mão do mandato pouco antes de seu julgamento por tentativa de homicídio. Por 7 a 4, a corte resolveu enviar os autos a João Pessoa.
    Três anos depois, a maioria dos ministros tomou caminho oposto ao apreciar o caso do hoje recém-cassado Natan Donadon (ex-PMDB-RO). Por 8 a 1, prevaleceu o entendimento da ministra Cármen Lúcia, de que a renúncia se tratava de "fraude processual inaceitável". O próprio STF, no ano passado, condenou o deputado por formação de quadrilha e peculato.
    Vê-se que o exame pelo Supremo não favorece a impunidade, como por vezes se pensa do "foro privilegiado". Não há benefício em ser julgado por instância única, e o foro especial existe para assegurar a imparcialidade diante de figuras de peso político. Tribunais superiores, em tese, estão mais protegidos contra pressões.
    Vale lembrar, ademais, que, no âmbito do Legislativo, diversos parlamentares abdicaram do cargo para escapar de punições. O escárnio gerou justificadas reações da sociedade e, em 2010, a Lei da Ficha Limpa tornou inelegível quem renunciar para fugir da cassação.
    Não é difícil ver que a manobra de Eduardo Azeredo tem o intuito de atrasar a análise do mensalão tucano, minimizando seus efeitos político-eleitorais. É natural que seja essa a sua preocupação. A do STF, entretanto, deve ser a de fazer a justiça andar.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Maconha pelas razões erradas
      SÃO PAULO - É claro que cada um é livre para defender o que achar melhor, mas devo dizer que algo me incomoda na estratégia de grupos de ativistas de pressionar pela legalização da maconha com base em suas propriedades medicinais.
      Não me entendam mal. Sou pela legalização não só da maconha como de todas as drogas. É fato ainda que a Cannabis apresenta várias moléculas de interesse médico, que deveriam ser exploradas clinicamente.
      O que não me parece muito certo na tática escolhida é que ela aposta na corrosão das normas e não em sua modificação, como seria mais honesto. Foi este o caso de alguns Estados norte-americanos, que passaram a admitir o uso de maconha em contexto médico e logo viram surgir uma indústria de consultas com profissionais de saúde cujo único intuito era encontrar uma "moléstia" que justificasse a emissão da carteirinha de usuário para qualquer um que desejasse. Com ela, o paciente poderia comprar a erva para tratar quase tudo, de dor nas costas a caquexia.
      Não gosto desse caminho por várias razões. A mais trivial é que ele contribui para esvaziar a própria noção de lei. Apesar da miríade de normas estúpidas que assola o mundo, a ideia de que a sociedade pode impor regras que valem para todos os membros ainda é fundamental.
      Também me parece ruim associar a maconha com remédio. Isso pode fazer com que se perca de vista que se trata de uma droga, ou seja, que vem com uma porção de efeitos colaterais que podem ser danosos.
      Mais importante, a estratégia de comer pelas beiradas faz com que as pessoas deixem de travar o bom combate. Ao circunscrever o debate da legalização apenas à maconha e pelas razões erradas, perde-se a oportunidade de formular o argumento essencial, a saber, que o Estado não tem legitimidade para decidir o que um cidadão, de posse das informações relevantes e sem prejudicar terceiros, pode fazer consigo mesmo.

      A natureza da culpa - Marina Silva

      folha de são paulo
      A natureza da culpa
      Recebo notícias preocupantes do Acre, onde a enchente dos rios já obriga muitas famílias a buscar abrigos públicos. Mais grave está em Rondônia: o rio Madeira espalha-se nas cidades e áreas rurais, cobrindo até um trecho da estrada federal e impedindo o transporte de pessoas e mercadorias.
      No Sudeste, em São Paulo, o problema é mais complexo: se chove, a enchente traz destruição e ameaça vidas; se não chove, pode faltar água e eletricidade, com os reservatórios das usinas muito baixos.
      Mas o mais preocupante é o despreparo de nosso país em lidar com situações que se repetem todos os anos --ainda mais com o agravamento dos eventos climáticos extremos, anunciados há bastante tempo. Uma enchente súbita pode ser um fenômeno natural, mas os prejuízos repetidos denunciam o descaso e a falta de planejamento.
      O que vem depois da "criminalização" da natureza? A judicialização é impossível, pois não há como processar a chuva nem a seca. E a acusação de ser contra o progresso, de pessimismo ou até de ecoterrorismo pesa sobre todos os que tentam alertar para o desastre antes que ele aconteça.
      Circulam na internet fotos impressionantes de enchentes em conjuntos habitacionais construídos há pouco tempo e ainda não ocupados. É um absurdo o desperdício dos recursos públicos que escorrem, literalmente, por água abaixo. Mas ai de quem ouse comparar esse descaso com o luxo do "padrão Fifa" exigido para a Copa. O governo parece querer restringir o debate ao desempenho da seleção ou, talvez, à escalação do time.
      E, nas eleições, vamos debater qual partido tem o escândalo mais condenável? Se descuidarmos, até o grave problema da corrupção poderá desviar-se para a disputa política superficial, a troca de acusações, sem a busca sincera e eficaz de superação e mudança.
      Já passa da hora de acordar. A crise não está batendo à porta, já entrou em casa. A evidência da crise ambiental conseguirá mudar a avidez pelo lucro imediato ou pela popularidade fácil das obras apressadas? Veremos que a crise de valores, base da desconexão com a natureza, é a mesma que nos empurra para o abismo da corrupção? Resta a esperança de que a indignação de amplas parcelas do povo seja a energia necessária para mudar o rumo dos acontecimentos.
      O sonho não morreu. Nesta semana vi, na favela do Vidigal, uma comunidade mobilizada para limpar e embelezar o lugar, criar espaços de cultura e lazer por sua própria iniciativa. Em toda parte, há projetos e debates sobre energia, água, transporte, segurança e outros temas estratégicos. Só falta juntar as duas pontas: a ação das pessoas e a prospecção de novos rumos.
      Para o bem de todos, espero que esse encontro aconteça logo.

      Ruy Castro

      folha de são paulo
      Fim da infâmia
      RIO DE JANEIRO - Torcedores racistas imitam sons de macacos quando certos jogadores negros tocam na bola. Na semana passada, a vítima foi o atacante Tinga, do Cruzeiro, pela torcida do peruano Real Garcilaso. Em 2013, foi o marfinense Touré, do inglês Manchester City, pela do russo CSKA. Ainda em 2013, foi o italiano de pais ganenses Balotelli, do Milan, ante a do Inter --antes disso, na Croácia, os torcedores locais já lhe tinham jogado bananas. Em 2012, o brasileiro Juan, então no Roma, ante a do também italiano Lazio.
      A intolerância vem de longe. Em 2005, outro marfinense, Zoro, do italiano Messina, foi tão insultado pelos torcedores do mesmo Inter que, chorando, tentou abandonar o jogo --e só foi convencido a ficar pelo nosso Adriano. O problema é que atitudes isoladas são inúteis. Há pouco, Balotelli ameaçou sair de campo se voltar a ser insultado --apenas para ouvir de Michel Platini, presidente da UEFA, que, se fizer isto, levará cartão amarelo. Que vergonha.
      Não há esporte mais democrático do que o futebol. Todos os clubes possuem jogadores de diferentes idades, nacionalidades, origens sociais, níveis culturais --e etnias. Donde não tem sentido insultar um adversário negro. O clube de quem faz isto também deve ter jogadores negros. E, entre seus torcedores, idem, haverá negros.
      Ao ser ofendido, o jogador tenta ou finge ignorar os insultos, para não se desconcentrar do jogo. Mas, e se sua mulher ou família estiver nas arquibancadas? Omitir-se não será um sinal de covardia, fraqueza, submissão? Pois basta isso para que se perca a concentração.
      Uma forma de acabar com tal infâmia seria o alto-falante anunciar, logo às primeiras macaquices, que, se aquilo continuar, o jogo será encerrado com a vitória do time do jogador humilhado. Mesmo que esteja 10 x 0 para o dos que humilham.

      Jornal 'Libération' é vítima da sua própria história - Mario Sergio Conti

      folha de são paulo
      De Mao a Rothschild
      A debacle do 'Libération' não se deve apenas às forças que assediam os jornais em toda parte
      A maior façanha do jornal francês "Libération" é ser publicado. De crise em crise, o noticiário pífio, os tristes títulos com trocadilhos e as batalhas internas geraram um turbilhão perpétuo de asneiras. Ninguém, no gozo de faculdades mentais apenas razoáveis, cogitaria saber pelo "Libé" o que se passa, digamos, na Ucrânia. Ou mesmo em Nice.
      Nas últimas semanas, as vendas caíram abaixo de 100 mil exemplares, a trincheira que separa o jornal da catástrofe. A publicidade minguou a microcifras e a macrodívida tornou-se super-hiper. Como um tenentinho em Waterloo, tombou mais um diretor de Redação. Foi preciso reagir rápido à fúria dos credores. Os donos do jornal se juntaram ao Napoleão disponível, o decorador hipster Philippe Starck, e surtaram.
      Propuseram transformar a redação do "Libération" num café antenado, o "Flore do século 21". O espaço cultural multifunções abrigaria palco de televisão, rede social, incubadora de start-ups, estúdio de rádio e "lounge" com computadores. Que tal? "Espaço cultural multifunções" não é uma boa ideia para o Itaquerão depois da Copa?
      Numa mistura adúltera de parnasianismo gaulês com MBA ianque, os proprietários disseram que, ou bem se tinha "outra visão", e se "monetizava a marca", ou então era a "falência". A Redação retrucou com um gênero literário fora de moda, o manifesto iracundo, e o fez preceder por uma patética manchete: "Nós somos um jornal". Dá para jurar: não parece.
      Criou-se a editoria Nós Somos um Jornal. Ela publica todos os dias análises sisudas e profusas dos suspeitos de sempre. Os teclados estão de prontidão nas barricadas jornalístico-culturais parisienses. Cogita-se ocupar a Redação. Cantarão "A Marselhesa"? Um rap? É tudo bem engraçado. Sobretudo porque não é o nosso jornal que soçobra: Suave, mari magno...
      A debacle do "Libération" não se deve apenas às forças que assediam os jornais em toda parte: a internet, os jornais gratuitos do metrô, o envelhecimento dos leitores fiéis. O jornal é vítima da sua própria história, que parece uma parábola.
      Na esteira do Maio de 68, ele foi fundado para, conforme dizia, "dar a palavra ao povo". Não aceitava publicidade e todos tinham direito de voto na Redação. Ele se definia como "uma emboscada na selva da informação". Uma frase de Marx lhe servia de mote: "A primeira liberdade para a imprensa consiste em não ser uma indústria". Sartre foi o seu primeiro diretor de Redação.
      A efervescência social --entre 1971 e 1975, houve quatro milhões de dias de greves setoriais na França-- manteve o jornal vivo. Com o refluxo, vieram os problemas. Sartre, doente e com divergências, se afastou. Ex-estudantes maoístas se assenhoraram do jornal.
      Descobriram, encantados, que a revolução cultural chinesa era um mito. A utopia ao alcance da mão estava na Califórnia. Era lá a terra das bandas de garagem, da ecologia, das drogas, do narcisismo assumido, dos costumes liberados, da informática e do espiritualismo new age. Sindicatos e salários, emprego e condições materiais de vida viraram velharias no "Libé". O historiador Pierre Rimbert define assim a sua receita editorial: "Conformismo político, ortodoxia econômica e excentricidades culturais".
      O jornal aceita publicidade e subsídios estatais, e uma empresa que se envolve nas tramoias da política institucional. "Libération' é a destruição positiva do esquerdismo", explicou, em 1986, Serge July, o seu diretor de Redação. Foi ele quem convenceu Édouard de Rothschild a investir no jornal. Rothschild é herdeiro de uma fortuna bancária, um diletante cujo interesse é a criação de cavalos. Virou o maior acionista, o dono de fato do jornal. O banqueiro demitiu July. Agora, cansou-se do hobby e quer se livrar do "Libération".