domingo, 11 de maio de 2014

Marcelo Gleiser

folha de são paulo 
Pai Cosmo, mãe Terra
Vivemos dentro de um útero azul, um oásis de vida no Cosmo, mas celebramos pouco nossa mãe coletiva
Como hoje é Dia das Mães, nada mais apropriado do que celebrar a nossa mãe coletiva, o planeta Terra, pois somos todos filhos dela, consequência da sua história e da sua relação com o Cosmo.
Tudo começou em torno de 13,8 bilhões de anos atrás, quando o pai de todos, o Universo, surgiu. (Talvez fosse mais adequado usar o feminino para o Universo também, mas como a palavra é masculina...)
Não vamos contar a história dele em detalhe. Deixo isso para o Dia dos Pais. Basta saber que uns 200 milhões de anos após seu surgimento, foi a vez das primeiras estrelas aparecerem. Estrelas são agregados do elemento químico mais abundante e simples do Cosmo, o hidrogênio, e fazem algo de extraordinário: transformam o hidrogênio em todos os outros elementos químicos que existem.
Perdão, Paulo Coelho, mas as estrelas são os verdadeiros alquimistas. Trazemos em nossos corpos essa herança cósmica, a química do Universo, forjada em estrelas que pereceram bilhões de anos atrás. Somos a memória desse passado, que, ao assumir a forma humana, permitiu que as estrelas pudessem se lembrar.
Depois das primeiras estrelas, foi a vez das galáxias. Numa coreografia de dimensões astronômicas, a gravidade foi esculpindo o Universo como ele é hoje, com a matéria fluindo daqui e dali, se aglomerando, girando. São algumas centenas de bilhões de galáxias, cada uma com milhões ou mesmo centenas de bilhões de estrelas. Delas, estamos na Via Láctea, uma magnífica estrutura espiral, que lembra um furacão visto de cima, um vórtex de estrelas e gases girando pelo espaço. Em meio a essas estrelas, em torno de 4,6 bilhões de anos atrás, surgiu o Sol e seus planetas. Dentre eles, a Terra, nossa mãe.
A Terra é um planeta especial. Basta olhar para nossos planetas vizinhos e nos damos conta disso. Especial porque é um planeta coberto de água, com uma atmosfera rica em oxigênio, que protege a superfície dos bombardeios constantes que vêm do espaço, como a radiação solar e os raios cósmicos.
Vivemos dentro de um útero azul, um oásis de vida em um Cosmo destituído de vida, frio e hostil. A Terra proporciona um clima quente e estável para que a vida possa existir e explodir em sua diversidade. Quem já passeou pela mata atlântica ou pela Amazônia vislumbrou uma ecologia explosiva, uma criatividade aparentemente infinita, plantas e bichos de todos os tipos buscando comida e tentando se reproduzir, passar sua herança genética para a prole, perpetuando sua permanência e memória. A vida usa o presente para criar o futuro.
Celebramos muito pouco essa nossa mãe coletiva. Somos filhos rebeldes e ingratos, esquecidos de nossas origens. Aquele tipo de criança que não queremos, desrespeitosa com nossos pais, que, quando sai de casa, nunca mais olha para trás.
A diferença, crucial, é que não podemos sair de casa, escapar do abraço de nossa mãe. Se tentamos, o fazemos de forma precária, e aprendemos o quanto precisamos dela. Podemos até tentar encontrar outras mães pelo espaço, na busca por outras Terras. Mas como é verdade com todas as mães, por mais acolhedora que seja, nenhuma será como a nossa.

Elio Gaspari

Jornal O Globo
Aécio, ou Tancredo Neves 2.0
Até agora o neto rodou o programa que em 1984 deu a Presidência ao avô: joga parado, e está dando certo
A indicação da pesquisa Datafolha de que hoje Aécio Neves é o candidato com mais probabilidades de chegar a um eventual segundo turno numa disputa com Dilma Rousseff recomenda que seus adversários estudem a campanha que levou seu avô à Presidência em 1985.
Até agora Aécio jogou parado. Tudo o que ele precisa é chegar ao segundo turno, sem inimigos de morte e com o máximo possível de acordos. Aécio precisa de votos que há quatro, oito ou doze anos foram para o PT. Em circunstâncias diferentes, Tancredo precisava chegar a uma eleição direta com o apoio de eleitores da bancada do governo.
Indo para uma eleição direta, Aécio ainda não anunciou um programa substantivo. O avô fez melhor, elegeu-se indiretamente sem anunciar programa algum. Essa mágica foi inteiramente eficaz para o avô, mas é duvidoso que o seja nas condições de hoje. Afinal, só 42% dos entrevistados dizem conhecê-lo, e são exatamente os outros 58% que precisam de motivos concretos para votar nele.
Aécio vem sendo beneficiado pela erosão de Dilma, provocada, entre outros fatores, pelo Lula-volta-Lula-não-volta. Tancredo foi beneficiado pela ambiguidade do presidente João Figueiredo, que alimentou a ideia da própria reeleição e não foi a lugar algum.
Tancredo encarnava o fim de um regime de vinte anos. Aécio quer encarnar o fim de um domínio democrático que pretende durar dezesseis. Com uma diferença: tanto na ditadura, que durou 21 anos, como na República Velha, com seus 36, havia uma real rotação dentro do grupo governante. Com o PT no Planalto jamais houve essa rotatividade.
Rodando o programa Tancredo 2.0, Aécio respondeu a um ataque de Marina Silva ("o PSDB sabe que já tem cheiro de derrota") com um calmante ("não vou cair na armadilha do PT que é dividir a oposição"). Até agora, deu certo, pois tudo o que pode dar errado com os adversários, errado dá. Contudo, Lula continua no banco de reservas, com 58% dos entrevistados achando que ele deve ser o candidato do PT.
GRANDE NEGÓCIO
Outro dia o bilionário Warren Buffett disse que está estudando um novo grande negócio, associado ao empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann. Ele é o terceiro homem mais rico do mundo. O outro é o mais rico do Brasil.
Faz tempo, depois de ter comprado as Lojas Americanas, Lemann disse a um sócio: "Agora vamos comprar a Brahma". O outro achou que ele queria tomar uma cerveja. Meses depois Lemann começou a negociar a compra da cervejaria.
Se Lemann disser que vai comprar um refrigerante, isso não significará que está com sede. Ele e Buffett poderão comprar a Pepsi, ou a Coca-Cola. Buffett é o maior acionista individual da Coca-Cola e votou contra os bônus milionários dados à diretoria da empresa.
RECORDAR É VIVER
Durante a campanha eleitoral de 2006, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, ligou para pelo menos um empresário paulista que tinha negócios com a companhia pedindo-lhe que recebesse um ministro. O encontro ocorreu, e o ministro pediu uma doação formal para a campanha do PT. Nada feito. Oito anos depois, vê-se no que deu o desembaraço do comissariado.
CAMINHÕES
O governo diz que a venda de caminhões caiu 14% neste ano. Um grande fabricante assegura que esse número é otimista. A queda estaria próxima dos 20%.
MAU SINAL
A doutora Dilma voltou a defender a necessidade de uma reforma política para consertar o país.
"Reforma política" é um bordão ao qual o governo recorre quando não tem o que dizer.
MET GALA
A festa anual do Metropolitan Museum foi uma beleza, mas Anna Wintour, a alma da noite, errou a mão ao sugerir que os homens fossem vestindo casaca e condecorações.
Metade dos convidados não atendeu ao pedido, no que fizeram muito bem.
Pelo menos dois foram de casaca, sem meias, o que é engraçado, mas deixa uma ponta de ridículo.
A maioria dos senhores de casaca mostraram-se desengonçados, uns pela roupa mal cortada, quase todos pelo colete branco desajustado; outros, pelo próprio chassis.
Alguns calçavam sapatos de cadarço mal engraxados. (O rigor inglês pede sapatilhas de verniz.)
O desastre deu-se com as condecorações. Apanágio na Inglaterra de La Wintour, as patacas não fazem parte da cultura americana.
Resultado: o mais enfeitado foi o fotografo Mario Testino. (O melhor conselho sobre condecorações é atribuído ao primeiro-ministro português Oliveira Salazar e também ao pensador francês Raymond Aron: "Nunca as peça, nunca as recuse e nunca as use".)
A noite foi ganha pela atriz Lupita Nyong'o, que vestiu uma instalação de pedras e penas verdes da Prada, sugestão de fantasia para o Império Serrano no próximo Carnaval.
AVISO AMIGO
As greves dos lixeiros e a dos motoristas de ônibus do Rio mandaram um recado ao empresariado: sindicatos de trabalhadores dirigidos por amigos não garantem paz.
Pelo contrário, jogam categorias nos braços de movimentos radicais e avulsos.
MAIS UM TELENEGÓCIO ESQUISITO
Está no forno, com o beneplácito do Planalto, uma curiosa transação. Articula-se na Europa a venda da TIM, a segunda maior operadora de telefonia do país, para a Oi. Uma pertence à Telecom Italia, que é controlada pela Telefónica espanhola. A outra é da Portugal Telecom. Uma empresa comprando outra e reduzindo o número de concorrentes já é coisa esquisita, mas há um segundo lance. Feita a compra, a TIM será fatiada. A Oi ficaria com um pedaço, outro iria para a Vivo, que pertence à Telefónica espanhola, que já é a maior operadora de Pindorama. O que sobrar iria para a Claro, mexicana.
São muitos os países em que a simples discussão desse enredo traz tenebrosas complicações legais. Nessa transação há mais duas curiosidades. O Brasil tem hoje quatro operadoras e sobrarão três. Não há no mundo tamanha concentração de mercado.
A segunda curiosidade será a expansão da Oi. Ela é filha da falecida Telemar, produzida pela privataria tucana e chamada de Telegang pelo então presidente do BNDES. Na privataria petista, anunciou-se que a sua associação com a Portugal Telecom criaria a SuperTele brasileira. Fantasia. Criou-se e expandiu-se a SuperTele portuguesa, para alegria de Lula, ao tempo em que ele anabolizava as "campeãs nacionais". Boa parte do dinheiro saíra do BNDES e tomara o rumo devido.
Os donos dessa ideia já convenceram o comissariado de que convém ao governo e ao mercado o sumiço de uma operadora e a contração da concorrência. Falta explicar aos consumidores.