quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A chave do mistério - J.P.Cuenca

folha de são paulo
J. P. CUENCA
A chave do mistério
História não esclarecida sobre sumiço de Agatha Christie colocou hotel da Turquia no mapa de leitores
Minha história com a suíte Agatha Christie do hotel Pera Palace não começa quando estive em Istambul no ano passado, mas 88 anos antes, em Berkshire, Inglaterra.
Na noite de 3 de dezembro de 1926, a escritora saiu de casa sozinha. No dia seguinte, um automóvel abandonado com as luzes acesas foi descoberto numa vala a alguns quilômetros dali. Era o seu carro. Ela foi dada como desaparecida.
Aos 36 anos, já era uma das autoras mais populares do mundo. O sumiço foi capa do "New York Times", e os tabloides ingleses acompanharam a investigação como se fosse um romance policial. Como o detetive belga Hercule Poirot não poderia pegar o caso, até Arthur Conan Doyle tentou ajudar --sem nenhum sucesso. Teorias simultaneamente absurdas e plausíveis, como eram os desfechos dos seus livros, foram levantadas até que 11 dias depois ela foi encontrada num hotel de luxo em Yorkshire, registrada com o nome da amante do marido e em estado de amnésia temporária e esgotamento nervoso. A rainha do crime jamais esclareceu o caso, se furtando a explicá-lo na sua autobiografia.
A história liga-se a Istambul em 1979, três anos depois da sua morte, quando a Warner lançou um filme sobre o episódio --"Agatha", com Vanessa Redgrave no papel. Numa jogada publicitária, a produtora contratou uma paranormal popular entre estrelas de Hollywood, Tamara Rand, e pediu para que ela evocasse a alma da escritora com o objetivo de solucionar o caso.
A informação que veio do além foi que a chave do mistério seria encontrada no quarto 411 do hotel Pera Palace. Ali a escritora costumava se hospedar e foi onde escreveu "Assassinato no Expresso do Oriente". No dia 9 de março de 1979, duas chamadas de longa distância foram feitas: Miss Rand orientava por telefone a busca dos produtores em Istambul ao mesmo tempo em que, num transe mediúnico em Los Angeles, via a escritora morta entrar no quarto e esconder uma chave sob o assoalho. Depois de arrebentar o chão de madeira, foi o que acabaram encontrando. Rand tinha visto Agatha usar essa chave para trancar um diário numa caixa de madeira. O espírito da escritora depois esclareceu que só com a chave na mão da Tamara Rand diria onde estava a caixa.
Isso nunca aconteceu. O gerente do hotel, Hasan Süzer, foi mais rápido que todos e colocou a chave no bolso. Em troca, pediu US$ 2 milhões (R$ 6,5 milhões) para reformar o hotel. Para piorar, em maio houve uma greve de funcionários que durou um ano e as negociações entre Warner e hotel azedaram em definitivo. A chave hoje está guardada num cofre de banco em Istambul. Não se tem notícia do diário que enfim explicaria os 11 dias subtraídos da vida pública da escritora.
Como a fantástica história colocou o hotel no mapa dos leitores de Agatha Christie em todo o mundo, há uma imitação rústica da chave num display de vidro no quarto andar. A própria suíte 411 parece uma cópia de si mesma, com uma máquina de escrever comprada num antiquário, alguns livros na estante, pesadas cortinas vermelhas e um pôster dela sobre o frigobar. Reformada e transformada em fetiche literário, é fria e irrelevante como a legião de reprodutores da autora. A única coisa autêntica ali dentro é o chão de madeira, que se curva barulhento ao caminhar.
Era o que eu pensava até começar a ter o mesmo sonho todas as noites. Nele, uma porta do armário do quarto se abria e me levava dali até um outro apartamento, na Lapa, no Rio de Janeiro, onde dessa vez quem ia desaparecendo era eu, até virar uma abstração, sem corpo ou psicologia. "O maior mistério é a ausência de mistério", uma voz me dizia no fundo de tudo.

    Pasquale Cipro Neto

    folha de são paulo
    O que é o "P" de IPVA?
    É melhor saber o significado das siglas, nem que isso aumente o sofrimento diante de certos fatos...
    No dia a dia, o caro leitor certamente vive às voltas com siglas e abreviaturas, muitas das quais se usam como verdadeiras palavras ou expressões incorporadas ao nosso léxico cotidiano. Quem de nós troca, por exemplo, a sigla CD (do inglês "compact disc") por "disco compacto"? Já pensou? Quem diria "Ouvi o último disco compacto de Caetano Veloso"?
    Quem não se interessa pela origem e pelo significado das siglas e abreviaturas usa com a maior tranquilidade do mundo "radar", "S.O.S", "laser", "HD", "HDL", "LDL", "Aids" e afins e toca a bola para a frente. Sem problemas, caro leitor. Afinal, como diria o filósofo, cada um, cada um. O arbítrio é livre, mas... Mas, se me permite, acho sempre melhor conhecer o significado das siglas, nem que isso aumente o sofrimento diante de determinados fatos...
    Antes de exemplificar o que acabei de dizer, vou matar a curiosidade dos que talvez queiram saber o significado de algumas das siglas e abreviaturas citadas no parágrafo anterior. Que diabo vêm a ser "HDL", "LDL"...? A fonte, como sói ocorrer, é o inglês. Nas duas siglas, as duas últimas letras representam "density lipoprotein", palavras que dispensam a tradução. O "H" de "HDL" vem de "high" ("alta", no caso); o "L" de "LDL" vem de "low" ("baixa").
    Moral da história: "HDL" significa "lipoproteína de alta densidade"; "LDL" é "lipoproteína de baixa densidade". Quando se sabe que o elemento grego "lipo" é "gordura", os puxões de orelha do cardiologista são sentidos com mais profundidade...
    Mas voltemos ao que afirmei no fim do segundo parágrafo deste texto ("...acho sempre melhor conhecer o significado das siglas, nem que isso aumente o sofrimento diante de determinados fatos..."). Talvez a dupla "HDL" e "LDL" já tenha servido para exemplificar o que eu quis dizer, mas há coisas piores. Um bom exemplo disso é a infeliz sigla "IPVA", que, como o leitor sabe, corresponde a... Sabe mesmo? O que é esse "P"? Bem, o "I" até os postes sabem que corresponde a "imposto". O "V" é de "veículos", e o "A" é de "automotores". E o "P"? E o bendito "P", santo Deus, ou melhor, santos secretários estaduais da Fazenda deste imenso Brasil?
    Pois bem. Esse "P" é de "propriedade". Então, se esse "P" é de "propriedade", por que é que muitas vezes se paga esse imposto pelo ano inteiro por ser e para ser proprietário por menos de um ano? No caso do Estado de São Paulo, onde vivo, o prazo se esgota em março. Então, permitam-me uma perguntinha bem burrinha: se pago o imposto no primeiro trimestre e vendo o carro em abril...? Não preciso continuar, preciso?
    Será que ninguenzinho tem a brilhante ideia de mudar essa situação? Não me parece difícil. Lá vai o que suponho seja uma das possibilidades de estabelecer justiça nessa pândega: na transferência do veículo, o Estado devolveria ao vendedor o IPVA pago sobre os dias restantes do ano e cobraria esse mesmo valor do comprador. Aí sim o "P" de "IPVA" faria sentido. Que tal, senhores deputados estaduais? Atrevo-me a dizer que, se o sistema de cobrança não mudar, deve-se alterar a sigla. Que tal algo como "IAPASQTBMVA"? Traduzo: "Imposto Anual sobre a Propriedade Anual, Semestral, Quadrimestral, Trimestral, Bimestral ou Mensal de Veículos Automotores".
    Pois é, caro leitor. Na prática, nem sempre as siglas significam o que reduzem, abreviam etc. No Brasil, isso é só mais uma das tantas trapaças do nosso infame cotidiano. É isso.
    inculta@uol.com.br

      Clovis Rossi

      folha de são paulo
      Hora de dizer a verdade a Maduro
      Diplomacia brasileira não pode cometer o erro de tomar partido em uma Venezuela rachada ao meio
      No finalzinho de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente eleito, mas ainda não empossado, enviou a Caracas o seu futuro assessor diplomático, Marco Aurélio Garcia, para um esforço de conciliação em um momento em que o país parecia caminhar para uma guerra civil.
      É bom lembrar que, meses antes, Hugo Chávez havia sido deposto por um golpe de efêmera duração, claro indicativo do grau de exacerbação a que chegara o país.
      Graças à gestão de Marco Aurélio, criou-se um grupo chamado de Amigos da Venezuela, que foi essencial para amortecer a crise.
      Onze anos depois, a situação na Venezuela voltou ao ponto de ebulição, o que sugere que Marco Aurélio poderia ser de novo convocado para uma discreta missão moderadora. Afinal, tudo o que não interessa ao Brasil é mais turbulência em sua fronteira norte ou dar cego apoio ao regime chavista.
      Antes de mais nada, é preciso aceitar que a Venezuela rachou ao meio. O resultado eleitoral do ano passado (50,6% para Nicolás Maduro contra 49,12% para o oposicionista Henrique Capriles) é definitivo a esse respeito.
      Trabalhar só com o chavismo seria, assim, dar às costas à metade da população venezuelana, erro que nenhum país sério pode cometer.
      Convém, portanto, ser cauteloso em relação à prisão do líder opositor Leopoldo López. Como diz José Miguel Vivanco, da respeitada ONG Human Rights Watch, "até o momento, as autoridades não apresentaram nenhuma prova séria para sustentar as acusações contra Leopoldo López, apenas insultos e teorias de complô".
      Não que a oposição faça muito diferente. O quadro no país é bem descrito por Rogélio Núñez, do site Infolatam, para quem "chavistas e antichavistas foram escalando seu ódio mútuo, a ponto de o rival se converter em inimigo irreconciliável, não em alternativa de governo".
      O problema é que quem tem a força é o governo, que pode transformar seu ódio em perseguição.
      Acusar López pelas mortes nas manifestações da semana passada é ignorar as evidências de que pelo menos duas delas podem ter sido obra de agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência, conforme vídeos divulgados pelo jornal "Últimas Notícias".
      Não por acaso, o chefe do Sebin, general Manuel Bernal, acaba de ser destituído.
      Uma discreta gestão brasileira deveria incluir um palpite forte: a dramática situação econômica na Venezuela só começará a ser corrigida se o governo dialogar com o setor privado. Afinal, este ainda é majoritário (responde por 58,2% do Produto Interno Bruto, segundo dados de 2012), apesar do avanço do Estado nos anos Chávez.
      Suspeito que nem o governo cubano, que pôs em marcha reformas capitalistas, recomendaria a seu amigo Maduro que adote o caminho oposto e estatize o que resta do setor privado. Só desvairados poderiam supor que o socialismo do século 21, se imitasse o do século 20, chegaria a resultados diferentes.
      Fracassaria do mesmo modo.
      Se o governo brasileiro quer ajudar Maduro, melhor dizer-lhe verdades óbvias.

      Janio de Freitas

      folha de são paulo
      Sem medidas
      Na sua carta de renúncia, diz Azeredo: 'Estou pronto a responder em qualquer foro às acusações'. Não está, não
      O tempo, já bastante longo, consumido em discussões de medidas contra a exploração violenta dos protestos e reivindicações é muito justificável. Mas, até agora, não é produtivo. São muitas as propostas com baixa sensatez ou incapazes de inovar de fato.
      Neste último caso estão as medidas relativas aos jornalistas. Reservar à Polícia Federal a investigação das agressões a jornalistas presume que as polícias estaduais, em tais deveres, são sempre incompetentes ou desonestas. O que não é verdade. E, quando o são, a lei já autoriza a intervenção da Polícia Federal.
      Proibir a apreensão de câmeras e celulares seria útil, se tal ação policial não constituísse abuso de poder e apropriação indébita, já puníveis por lei. E assim vai. Isto é, não vai.
      Se policiais agressores ficam impunes, se inquéritos são distorcidos, se o trabalho de repórteres é restringido, cabe aos meios de comunicação usar contra a impunidade dessas violações o poder que usam em tantos outros assuntos. Mas houve repórteres agredidos que não foram notícia, ao menos, e nem na TV a que estavam servindo.
      A FUGA
      Na carta de renúncia ao mandato de deputado, diz Eduardo Azeredo: "Estou pronto a responder em qualquer foro às acusações que me fazem". Não está, não.
      As "pressões da cúpula do PSDB para sua renúncia", assim evitando danos à candidatura de Aécio Neves, são lenga-lenga a que certos jornalistas se prestaram. O próprio Aécio Neves deu entrevista negando, com razão, prejuízos seus com a condição de réu de Eduardo Azeredo no julgamento do "mensalão do PSDB". O objetivo da renúncia é obter, sem o "foro privilegiado" de uma só instância no Supremo, a volta do processo à Justiça comum, com seus lerdos recursos. Aos 70 anos, a prescrição. Azeredo já vai para 66.
      OU MELHOR
      Trecho do artigo "Amarildo sem polícia" (11.fev) permitiu a interpretação de que, a meu ver, os dois arruaceiros deliberaram matar o cinegrafista Santiago Andrade. É claro que não desejei adivinhar a intenção deles, nem de ninguém. Reproduzo o texto: "Uma poderosa bomba de fogo e som em velocidade fulminante, dirigida, deliberadamente, contra uma pessoa indefesa. Não havia a intenção de matar'. E precisaria haver? O que foi decidido fazer, o que foi feito, como foi feito e por quer foi feito dispensava qualquer consideração sobre consequências".
      O meu sentido do que escrevi é este: quem decide lançar um rojão sobre uma ou várias pessoas, civis ou PMs, ou torcedores como na Bolívia, está aceitando todas as consequências possíveis. Nem faz cogitações a respeito. Não por outro mecanismo mental, Fábio Raposo não exibiu nenhum abatimento, depois. A fisionomia de Caio Souza era só a de um acovardado. Disse, aliás, estar com medo de ser morto.
      Deliberado, a meu ver, foi direcionar o rojão para o cinegrafista. Há imagens dos dois se falando, seguindo juntos para a frente e, quando sozinho deposita o rojão, Caio o põe voltado para o cinegrafista. Horizontal ao solo, não estava posto para elevar-se de modo a chegar aos distantes PMs. A melhor sequência com todo esse momento, creio, é a da TV Brasil. Mas outras também permitem a percepção. Cinegrafistas e fotógrafos: a captação das identidades, os inimigos que obrigam a esconder os rostos.

      Com as próprias mãos - Juliana Coissi

      folha de são paulo
      Com as próprias mãos
      Linchamentos de suspeitos de crimes se espalham pelo país; para sociólogo, sociedade está sem controle
      JULIANA COISSIRICARDO GALLODE SÃO PAULOTudo começou com um adolescente acusado de assalto agredido a pauladas e acorrentado nu a um poste, há 20 dias, no Flamengo, Rio.
      Desde então, casos de justiçamentos surgiram em todo o país --e ganharam enorme repercussão em vídeos divulgados nas redes sociais.
      Só na segunda e na terça-feira houve três agressões a criminosos em Goiânia. Vídeos surgiram com suspeitos subjugados também no Piauí e em Santa Catarina.
      A multiplicação de casos suscita preocupação.
      "A sociedade civil está ficando progressivamente descontrolada", diz o sociólogo José de Souza Martins, professor aposentado da USP, que há mais de 20 anos documenta linchamentos no país.
      Houve, de acordo com ele, uma "ligeira intensificação de ocorrências".
      Há atualmente uma média de um linchamento por dia no Brasil, ante quatro por semana anteriormente, afirma Martins.
      Ele observa uma inflexão dos casos em direção ao interior do país; havia uma tendência de concentração em São Paulo, no Rio e na Bahia.
      TÁ QUEIMANDO
      No Piauí, por exemplo, um vídeo divulgado por TVs locais e pela internet mostra um homem com os pés e as mãos amarrados e colocado sobre um formigueiro após tentativa de assalto.
      "Aiii, meu Deus, ai, tá queimando", diz o homem, com rosto já inchado. "Agora lembra de Deus, né? Na hora de tu roubar tu não lembra", diz um dos participantes da agressão.
      A Secretaria de Segurança local apura o caso, que foi no bairro Dirceu, no fim de semana. Diz que ainda não identificou os autores do vídeo nem o torturado.
      Por trás dos casos há, continua Martins, uma crescente descrença nas instituições, o que potencializa os linchamentos. Reduzi-los dependeria, diz, de a polícia ser mais eficiente ao deter criminosos e de a Justiça ter agilidade ao julgá-los e condená-los.
      "Sabemos que a população se sente insegura, mas ela não pode fazer Justiça com as próprias mãos e engrossar as estatísticas de violência", disse o presidente da OAB de Goiás, Henrique Tibúrcio.
      Ele fazia referência aos três casos seguidos em Goiânia.
      O primeiro deles foi na segunda, com um adolescente de 16 anos flagrado tentando roubar uma moto por trabalhadores de uma obra. O grupo amarrou os braços do rapaz em uma barra de aço.
      Várias pessoas o agrediram antes da chegada dos policiais, diz a PM. À Polícia Civil o adolescente afirmou ter levado só um chute.
      Na terça, Altenor Faria, 32, foi espancado por moradores, também na capital goiana. Segundo a polícia, ele invadiu uma casa, tentou fugir, mas foi agarrado por vizinhos. Em um vídeo, leva chutes e é arrastado. Foi hospitalizado.
      Na terça à tarde, segundo a polícia de Goiás, Israel Moraes, 20, roubou a bolsa de uma mulher e fugiu de carro. Três motociclistas perseguiram o veículo, que bateu noutro carro. Rendido, Moraes levou uma surra.
      Em outro vídeo, de Santa Catarina, uma idosa de 70 anos bate, com tapas em chineladas, em um jovem de 18 que, diz ela, lhe roubou a bolsa. O rapaz, amarrado, apanha ao lado de homem, que lhe chama de "vagabundo".

        José Simão

        folha de são paulo
        Venezuela! Caracas tá do caraca!
        Em Búzios, uns coroas se juntaram e criaram o bloco Os Tremendo! Vamos tremendo mesmo! Rarará!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada pronta: "Vereador tem bicicleta furtada na avenida Paulista".
        Como é o nome do vereador? POLICE Neto. Acho que por isso mesmo que furtaram. Rarará!
        E atenção! Contagem regressiva. Faltam nove dias pro Carnaval!
        E os blocos? Adoro os blocos! Direto de Olinda: "Virgens de Verdade". Xi, não vai ter ninguém! Nem pra segurar a faixa do bloco.
        E se você pensa que Floripa só tem Jurerê, DJs e música eletrônica, se enganou. Direto de Floripa, o bloco Baiacu de Alguém. Ainda bem que é de alguém. Rarará!
        E, em Búzios, uns coroas se juntaram e criaram o bloco Os Tremendo! Vamos tremendo mesmo! Rarará!
        E a Venezuela? A Chavezuela! A cuíca tá roncando na Venezuela. A cuíca, o pandeiro e o reco-reco!
        A situação em Caracas tá do caraca! E o Maduro é a cara do Professor Girafales! Rarará!
        Eu acho esse Maduro podre. E a oposição muito Miami! Esse Maduro é muito tosco! Não é por ele ter sido cobrador de ônibus, isso não tem nada a ver, é porque ele é tosco mesmo!
        E a oposição? A oposição mora em Miami! Oposição shopping center. Oposição outlet! Coxinhas! Maduro de Podre x Coxinhas de Miami!
        Eu gostava do Chávez, que era mais engraçado que o Chaves do SBT! Que fazia aqueles discursos anos 60: "Yankees de mierda! Go Home! Al carajo, mil veces al carajo! Viva la patria". Rarará!
        E os brasileiros torcem, brigam e discutem tanto sobre a Venezuela. Parece que a Venezuela é um Estado brasileiro!
        E eu escrevi isso no Twitter e a esquerda e a direita acabaram comigo! Rarará!
        Por isso que eu não sou nem de esquerda nem direita, sou da cintura pra baixo! Rarará!
        É mole? É mole, mas sobe!
        O Brasileiro é Cordial! Recebi a foto dum barquinho lindo numa praia incrível, com a placa em cima: "Não suba nessa porra!". Pela "porra" deve ser na Bahia! Porra na Bahia é vírgula!
        Um dia encontrei uma baiana na praça de Arembepe e ela gritou: "Zé Simão em Arembepe? Que porra é essa?!". Essa porra sou eu! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã!
        Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Livros de Daniel Galera ganham palco e tela

        folha de são paulo
        Livros de Daniel Galera ganham palco e tela
        'Dentes Guardados' é remontada por Mário Bortolotto e três obras são levadas ao cinema
        GABRIELA MELLÃOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO dramaturgo e diretor Mário Bortolotto foi pioneiro a dar corpo e voz aos personagens de Daniel Galera. Em 2002, antes deste ser considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, Bortolotto adaptou para a cena o livro de contos "Dentes Guardados".
        A obra ganha nova montagem neste sábado, do próprio encenador. Entra em cartaz com "Ovelhas que Voam se Perdem no Céu", de Daniel Pellizzari, e "Clavículas", de Cristiano Baldi, escritores da geração de Galera.
        Após Bortolotto foi a vez de Beto Brant introduzir o universo de Galera nos cinemas, com "Cão Sem Dono". O diretor Aly Muritiba começa as filmagens no ano que vem de "Barba Ensopada de Sangue", último livro de Galera, que recebeu 3º lugar no Prêmio Jabuti de romance.
        O longa tem previsão de lançamento em 2016, ano em que "Cordilheira", outro romance de Galera, também deve chegar ao cinema, sob direção de Carolina Jabor.
        O destino de "Mãos de Cavalo" é o mesmo. O cineasta Roberto Gervitz inicia em abril as filmagens, com Mariana Ximenes, Maria Flor e Armando Babaioff.
        Tanto Rodrigo Teixeira, produtor da RT Features, empresa que realiza os dois primeiros filmes, quanto Gervitz se dizem atraídos pela humanidade dos personagens de Galera. "São pessoas que buscam caminhos sem saber que os estão buscando, que têm um buraco, uma falta", diz Gervitz.
        Galera confessa não saber explicar o que faz de sua literatura alimento tão nutritivo ao cinema brasileiro. "Nunca escrevo tendo adaptações em mente e considero cada uma delas uma obra independente, que tem a interpretação e a visão autoral de outra pessoa", esclarece ele.
        Na contramão das livres adaptações cinematográficas da obra de Galera, em "Dentes Guardados" Bortolotto mantem fidelidade ao texto original. Sua maior interferência foi enxugar os contos.
        "Privilegiei histórias de casais de jovens que têm dificuldade de desenvolver vínculos, mas não desistem de tentar", conta ele, que estreia no Fringe, mostra paralela do Festival de Curitiba, novo espetáculo intitulado "Whisky e Hamburguer". E volta em março a se apresentar em "Kerouac", peça na qual enfoca os últimos dias de vida do escritor de "On The Road".
        DENTES GUARDADOS
        ONDE Teatro Cemitério de Automóveis, r. Frei Caneca, 384, tel. (11) 2371-5744
        QUANDO sáb., às 21h30; até 12/4
        QUANTO R$ 20
        CLASSIFICAÇÃO 14 anos

          Contardo Calligaris

          folha de são paulo
          Linchadores e bandidos
          Diminuiu a exclusão, mas será que existe uma comunidade na qual valha a pena sentir-se incluído?
          Querem saber se acho que o Brasil melhorou desde os anos 1980.
          Se estou de bom humor, digo que sim: falo da época em que o telefone era imóvel para investimento, a inflação transformava qualquer crédito em usura, carro usado custava mais que carro novo e comprar um notebook significava "conversar" com um comissário da Varig, para que ele trouxesse o aparelho de Miami.
          Se estou de mau humor, digo que não: falo de nossos estudantes que se perdem no ranking internacional, da mediocridade de grande parte da classe política, da vagarosidade dos serviços básicos e, enfim, da produtividade pífia, da ganância e da corrupção, que tornam absurdamente caro tudo o que é nacional.
          Seja qual for o humor, lembro que, nas últimas décadas, diminuiu substancialmente a percentagem dos excluídos, ou seja, diminuiu aquela miséria que situa alguém num barco à parte, na deriva e sem relação com o rumo comum.
          Mas logo paro: será que, ao longo dessas décadas, constituiu-se um rumo comum? Diminuiu a exclusão, disse, mas será que passou a existir uma comunidade na qual seja possível e valha a pena sentir-se incluído? Será que existe, no Brasil, o sentimento de uma comunidade de destino, passado e futuro? Será que o Brasil, como nação, existe dentro de nós que aqui vivemos?
          Na noite de 31/1, no Rio de Janeiro, um garoto de rua foi encontrado nu, preso a um poste com uma trava de bicicleta no pescoço. Ele foi seviciado por uma turma de motoqueiros vigilantes. O garoto, nas fotografias, parece um filhote esgarrado; mas cuidado com a ternura: se você o encontrasse livre, com os amigos dele, no escuro do aterro do Flamengo, você procuraria ansiosamente as luzes de uma viatura. Por outro lado, provavelmente, o bando que o prendeu lhe inspiraria um medo análogo, se não pior.
          Enfim, alguns se indignaram pela ação dos vigilantes. Outros felicitaram os vigilantes, conclamando que está na hora de os cidadãos de bem reagirem.
          Na Folha (pág. 3, 11 de fevereiro), o debate culminou com os artigos de Rachel Sheherazade, âncora do "SBT Brasil", e Ivan Valente, deputado federal pelo PSOL: Sheherazade cansada do "coitadismo" de esquerda, que protege os criminosos, e Valente achando que a violência dos vigilantes só gera "mais violência".
          Não é preciso brigar, visto que linchadores e bandidos são filhos de um mesmo problema endêmico: aqui, a coisa pública não vingou --o Estado, para nós, é uma pompa, mais ou menos ridícula, ele não é nada dentro da gente. Se não tem coisa pública, por que eu não viveria matando quem não me entrega seu relógio? Se não tem coisa pública, por que eu não lincharia quem me assalta?
          Linchadores e bandidos vingam porque não vivemos num país comum (com mesmos valores, história e antepassados para nos inspirarem). Habitamos uma zona de tiro livre, ou seja, uma área de combate em que ninguém é "dos nossos", mas tudo o que mexe é um alvo permitido.
          Ao longo do debate, foi citada, mais de uma vez, a receita de Nova York nos anos 90, "tolerância zero", como se fosse uma medida de repressão. Não era. Nunca foi. "Tolerância zero" era uma estratégia para fazer existir o espaço público. Sua moral: se você não quer assaltos no parque, cuide das flores. Não deixe que mijem nos canteiros, e o número dos assassinatos diminuirá. Diminuiu.
          Não é que os criminosos tenham medo de flores. É que as flores manifestam que a comunidade existe no coração e nas mentes de todos (e ela vai se defender).
          Por que não haveria em nós o sentimento de uma comunidade de destino? Há razões antigas, sobre as quais se debruçam os intérpretes do Brasil. Mas há também razões imediatas. Clóvis Rossi, na Folha de 13/2: "alguém precisa aparecer com um projeto de país, em vez de projetos de poder".
          Em 30 anos, desde que cheguei ao Brasil, parece que só assisti aos conflitos de projetos de poder.
          Mais duas notas. 1) O sentimento de uma comunidade de destino, que é o que faz uma nação, não tem nada a ver com o nacionalismo. Ao contrário, o nacionalismo surge para compensar a falta desse sentimento. Portanto, torcer no Mundial ou, como Policarpo Quaresma, falar tupi e tocar maracá, tudo isso é uma grande perda de tempo.
          2) Será que, nessa zona de tiro livre, só tem espaço para linchadores e bandidos? Não, claro, há todos os outros, que são (somos) os "salve-se quem puder" --com diferenças: alguns podem fugir para Miami, outros só podem baixar os olhos e caminhar rente aos muros.

          Reinaldo José Lopes

          folha de são paulo
          Tribos africanas possuem parte de DNA europeu
          Mistura genética ocorreu há mais de mil anos; genes teriam vindo do Oriente Médio
          REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAs tribos de caçadores-coletores que vivem no sul da África costumam ser vistas como uma espécie de modelo quase intacto dos primeiros Homo sapiens, relativamente isoladas desde que a nossa espécie surgiu há mais de 100 mil anos. Daí a surpresa que vem dos dados de uma nova pesquisa: parte do DNA dessas tribos lembra muito o de... italianos e espanhóis.
          E, ao que tudo indica, a mistura genética aconteceu há mais de mil anos, muito antes de os europeus chegarem à região, a partir do século 15.
          A pesquisa foi publicada na revista científica "PNAS".
          Os cientistas comparam trechos do DNA de mais de mil pessoas, pertencentes a 75 populações diferentes mundo afora, entre as quais 15 tribos "khoisan", como são conhecidos os caçadores e pastores do sul da África.
          Após analisar os dados, os pesquisadores verificaram a presença de variantes genéticas de origem "eurasiático-ocidental". Trocando em miúdos: derivados da mesma população que originou os europeus e os povos do Oriente Médio. Um dos grupos "khoisan" parece ter herdado 14% de seus genes desse grupo.
          A explicação para o mistério parece estar em outros povos da África. Entre certos grupos etíopes, por exemplo, esse mesmo componente genético parece corresponder a 50% do DNA, e com uma origem bem mais antiga, com cerca de 3.000 anos.
          Daí o cenário proposto pela equipe: grupos do Oriente Médio teriam primeiro chegado ao leste da África e se misturado à população local. Mais tarde, descendentes miscigenados desse grupo teriam partido rumo ao sul do continente, daí a menor proporção de genes "eurasiáticos" ao longo do tempo. A semelhança com italianos e espanhóis seria explicada pelos ancestrais comuns de ambas as populações.