segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Evgeny Morozov

folha de são paulo

Como sanar o deficit de democracia exposto por Snowden

As sociedades democráticas têm duas escolhas, na era pós-Snowden. A mais fácil é deixar tudo como está e fingir que o insaciável apetite por dados da NSA (Agência Nacional de Segurança) norte-americana é apenas uma aberração que pode ser retificada por meio de mudanças menores no aparato técnico e judicial existente. Assim, poderíamos tornar mais severos os protocolos frouxos quanto ao uso de dados, usar mais cifragem em redes de comunicações e aprovar novas leis que fiscalizem a NSA.
Mas também poderíamos adotar a opção, mais desafiadora, de aceitar que as revelações de Snowden expuseram mais que ações administrativas ambiciosas e sistemáticas da parte de burocratas descontroladas. Se aceitarmos essa interpretação, as revelações apontam para uma ameaça emergente e ainda não reconhecida ao espírito da democracia, que só irá se agravar à medida que os meios de coleta, registro e análise de volume cada vez maior de dados se tornam mais ubíquos.
O motivo para que seja tão difícil para nós reconhecer essa ameaça é bastante simples: uma conclusão como essa contradiria a rósea narrativa da economia da informação, que presume que o crescimento possa continuar para sempre. Google, Facebook e mil empresas que os imitam no Vale do Silício operam sob a premissa de que não existe limite para o volume de dados que pode ser produzido, recolhido, trocado e compartilhado. Mais informação é sempre melhor: esse é seu slogan.
O paralelo para com as porções da economia que ainda não estão abrigadas sob o espaçoso guarda-chuva da "informação" pode ser esclarecedor. Por muito tempo, a suposição de que poderia haver crescimento infinito –com o Produto Interno Bruto (PIB) servindo como único instrumento de avaliação da eficácia das políticas governamentais– reinou suprema por aqui, igualmente. As primeiras vozes críticas, surgidas nos anos 70, foram logo afogadas pelos slogans em defesa do livre mercado proferidos por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, mas o questionamento crítico ao crescimento como único foco da atividade econômica foi retomado na década passada, propelido pelas preocupações quanto ao aquecimento global.
Essa agenda crítica vem sendo defendida por adeptos do movimento de "decrescimento" –popular na Europa mas sem muita força nos Estados Unidos. O objetivo do movimento é não só esquadrinhar a sabedoria ecológica de manter o atual espírito favorável ao crescimento mas também atacar a primazia intelectual do uso de indicadores como o PIB a fim de avaliar e formular políticas públicas. Como aponta o sociólogo canadense Yves-Marie Abraham, um dos proponentes da agenda de decrescimento, "não estamos falando de uma queda do PIB, mas do fim do PIB e de todos os demais indicadores quantitativos usados como indicadores de bem-estar".
Não pretendo discutir aqui os méritos da agenda de decrescimento com relação à economia. Mas é difícil negar que ela apresenta muitos desafios intelectuais interessantes às ideias econômicas dominantes. Uma defesa robusta da agenda de crescimento, hoje, requer encarar preocupações como a mudança do clima. E quanto ao inconveniente fato de que não existe relação linear simples entre crescimento e felicidade? E se mais crescimento não serve para tornar mais pessoas mais felizes, por que exatamente deveríamos dar a isso um papel central em nossa política econômica?
Como paradigma alternativo para o arranjo das atividades produtivas, o "decrescimento" resultou pelo menos em algumas formas provocadoras de pensamento sobre a política e a economia. Não existe um paradigma alternativo como esse com relação à informação. Os esforços existentes para pensar em maneiras de relacionamento com a tecnologia e a informação levam jeito de soluções privatizadas e transcendentais que podem funcionar no plano individual mas não coletivo; somos encorajados a estudar a "desintoxicação digital" a fim de revigorar nosso senso de realidade, a instalar apps que nos tornam permitem exercitar a "atenção plena" e a passar algum tempo em acampamentos que proíbem o uso de engenhocas eletrônicas.
Nenhuma dessas soluções oferece uma alternativa intelectual coerente ao atual paradigma de "mais informação é sempre melhor". O motivo para isso é simples: os teóricos do "decrescimento" têm o conveniente, mas real, fantasma do aquecimento global como exemplo do desastre final, e o evocam para reorientar nossos processos mentais. Existe melhor maneira de estimular as pessoas a agir do que lembrá-las de que estão lentamente destruindo a civilização?
A visão de um tal desastre, no entanto, não existe até o momento no debate sobre a informação. Tudo que vemos são preocupações sobre a saúde pessoal, a redução nos intervalos de atenção, a distração. Trata-se de preocupações sobre indivíduos, e não sobre coletividades. Não admira que se prestem a soluções privadas tais como apps que ajudam a dominar técnicas de atenção plena.
Mas não é preciso um gênio para perceber qual seria o equivalente apropriado ao aquecimento global, nesse caso: a gradual evaporação do espírito democrático em nosso sistema político.
Essa evaporação está em curso, à medida que uma crença ingênua em serviços de "big data" reduz os espaços que antes estavam abertos à deliberação pública –quem precisa desses complicados debates sobre fins alternativos quando temos dados que permitem selecionar os melhores meios possíveis?– e ao mesmo tempo produz cidadãos que, presos aos ciclos intermináveis de realimentação dos modernos sistemas burocráticos, entregam o controle do processo político aos tecnocratas, que gostam muito de direcionar e de mexer com o nível micro mas raramente se interessam por mudanças sistêmicas em nível macro.
Em lugar de contestar o Vale do Silício quanto a dados específicos, por que não simplesmente reconhecer que os benefícios que seus serviços oferecem são reais mas que, como um utilitário esportivo ou um sistema de ar condicionado em funcionamento permanente, podem não compensar os custos? Sim, a personalização de buscas pode oferecer resultados fabulosos, informando-nos sobre a pizzaria mais próxima em dois segundos, em vez de cinco. Mas os três segundos de tempo economizado requerem que dados fiquem armazenados nos servidores do Google em algum lugar e, depois de Snowden, ninguém está certo quanto ao que realmente acontece com esses dados e quanto às inúmeras maneiras pelas quais eles podem ser alvo de abusos.
Por isso, vamos deixar de lado as discussões semânticas: para a maioria das pessoas, o Vale do Silício oferece produtos excelentes e convenientes. Mas se esses produtos vierem a sufocar o sistema democrático, talvez devamos reduzir nossas expectativas e aceitar dois segundos a mais em nossas buscas –mesma forma que devemos aceitar carros menores e mais lentos -, porque isso é um preço razoável a pagar por um futuro decente.
As soluções de mercado para o problema da privacidade propostas por alguns dos críticos do atual sistema –Jaron Lanier, por exemplo, argumenta que as pessoas deveriam ser proprietárias de seus dados pessoais e que deveriam poder negociá-los como preferissem, com apoio de um forte regime de proteção aos dados– dificilmente serão mais efetivas para combater essa lenta erosão da democracia do que as soluções de mercado propostas como resposta ao aquecimento global. Você se lembra do Esquema de Transação de Emissões, um dia celebrado pela União Europeia como grande solução? Foi um notável fracasso.
O problema que enfrentamos não é o de falta de controle sobre dados individuais; é o fato de que, armados com tantos dados, os sistemas políticos modernos parecem acreditar que é possível dispensar os cidadãos –enquanto os cidadãos, desfrutando da cornucópia do "conteúdo", não hesitam em abandonar o reino político. Criar um mercado de dados pessoais sob essas condições só aceleraria o declínio já rápido do sistema democrático.
Quer seja pela aplicação das ideias de decrescimento ou pela adoção de algum outro paradigma intelectual capaz de desafiar a fórmula de que "mais informação é sempre melhor", precisamos seriamente de novos modelos que nos permitam pensar sobre maneiras de escapar ao deficit democrático revelado por Snowden. Hackers e advogados não nos salvarão: o debate quanto a Snowden precisa de pensadores que tenham tanta fluência em códigos de software e lei constitucional quanto em economia e política.
Tradução de PAULO MIGLIACci

Singularidade é tema de filme de baixo orçamento - Ronaldo Lemos

folha de são paulo
INTERNETS
RONALDO LEMOS
@lemos_ronaldo
Singularidade é tema de filme de baixo orçamento
O festival de Sundance do ano passado exibiu um filme que é um pequeno achado: "Computer Chess" (algo como "xadrez de computador"). Ele faz parte da onda recente de filmes que tratam do tema da singularidade -o momento em que os computadores ficam mais inteligentes que nós, humanos -e inclui produções como "Her", do diretor Spike Jonze e "Transcendence", com Johnny Depp.
A diferença é que, com baixíssimo orçamento, "Computer Chess" subverte todos os clichês sobre o tema. A história se passa não no futuro, mas sim no começo dos anos 1980, em um campeonato de xadrez em que computadores "vintage" jogam entre si. A máquina vencedora desafia então um enxadrista humano, que naquela época não tinha qualquer dificuldades para vencê-la.
Só que coisas estranhas começam a acontecer, ilustrando a ideia principal do filme: que assim como nós humanos não temos hoje qualquer chance contra o computador no xadrez, no futuro não teremos também em cada vez mais territórios.
O filme é dirigido pelo inquieto Andrew Bujalwski, que usou uma câmera Sony AVC-3260 fabricada em 1968 para reforçar o clima vintage.
Dá para assistir pela Amazon e ver a trama mostrando mesmo programadores experientes do MIT como ingênuos em relação ao potencial das máquinas que tinham nas mãos. O que nos leva a perguntar hoje, quando carregamos computadores antes impensáveis no bolso, se não seremos também surpreendidos por nossa própria ingenuidade com relação à tecnologia. Faz todo o sentido o cinema estar preocupado com essa questão.
READER
JÁ ERA Apogeu dos blogs de moda
JÁ É Semana de moda de Nova York banindo blogs de moda
JÁ VEM Outros eventos limitando a participação dos blogs de moda

Marion Strecker

folha de são paulo
Contra o Facebook
Quanto mais amigos eu 'faço', mais me distancio das pessoas que são realmente importantes
Hoje comecei um teste. Decidi experimentar ficar sem o Facebook no meu celular. Se der certo, vou estender o experimento ao iPad e, quem sabe, também ao computador.
Impetuosa, botei o dedo sobre o ícone do aplicativo e esperei ele começar a tremelicar, como é a regra no iPhone. Ele tremelicou. Respirei fundo e apertei o pequeno xis, que simboliza o apagar. Veio o alerta: se apagar o aplicativo, todos os dados serão apagados também.
Que ameaça! Sei bem que não basta apagar o aplicativo para todos os dados pessoais sumirem do Facebook. Isto requer outro tipo de iniciativa. Então por que mentem? O Facebook vai dizer que é coisa da Apple. A Apple pode responder que trabalha com "padrões de mercado". E a gente que reclame nas redes sociais!
Suponho que esse tipo de ameaça seja apenas um dos maus hábitos da indústria de aplicativos (ou "'éps", da abreviatura em inglês "apps", como os mais pedantes se referem a "software" hoje em dia). Nessa indústria, o número de "usuários" valoriza um negócio, ainda que os "usuários" sejam "inativos", o que a empresa só vai informar se não tiver como ocultar. Isto me lembra Rubens Ricupero, aquele ministro da Fazenda que, sem saber que o sinal já estava aberto para antenas parabólicas, disse à TV Globo: "O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde-se!"
O fato é que sumi com o aplicativo do Facebook. Senti uma sensação boa. Aproveitei o entusiasmo e apaguei também os aplicativos do LinkedIn, do Lulu (que instalei para testar e achei simplesmente péssimo) e até do Viber (algo entre o Skype e o WhatsApp). Combinei comigo mesma que vou observar o que acontecerá com as minhas mãos da próxima vez que ficar à toa com o telefone na mão. Será que vou tremer? Será que entrarei na App Store e baixarei tudo de novo? Ou vou me esquecer aos poucos dessa mania de ficar fazendo a ronda na internet, checando as atualizações das redes e esperando reações a cada coisa que publico, nem sei bem por quê?
Sério mesmo: o Facebook é a maior perda de tempo que conheci na vida. Quanto mais amigos eu "faço", mais me distancio das pessoas que são realmente importantes para mim. A fatalidade é que sempre perco informações de quem me importa no meio da balbúrdia da multidão a que estou conectada.
Quando fiz essa observação outro dia, o engenheiro Luís Villani comentou que eu havia descoberto o "segredo de Tostines". Evocava a memória de uma velha propaganda de televisão, que explorou o seguinte mote: o biscoito vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? O Facebook é relevante porque estamos conectados a pessoas relevantes ou o Facebook é medíocre porque nossos "amigos" são medíocres? Ou uma rede social teria a capacidade de deixar as pessoas medíocres?
Será que nós, brasileiros, parecemos tão "sociáveis" porque achamos rude não aceitar "pedidos de amizade"? Será que supervalorizamos nossa imagem "popular", por isso colecionamos conexões como se fossem figurinhas de um álbum da Copa? Vamos fazer o quê? Começar de novo? E por que não?

Inácio Araujo

ANÁLISE
Mestre absoluto, cineasta ainda poderia chegar muito longe
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHA
Como acontece por vezes com grandes artistas, o acaso foi um aliado decisivo na formulação disso que conhecemos como a obra madura de Eduardo Coutinho, a que começa com "Cabra Marcado para Morrer", em 1985.
Acaso objetivo: a partir de um filme sobre as Ligas Camponesas que precisou interromper às pressas quando estourou o golpe de 1964, Coutinho voltou ao local das filmagens em 1982, buscou familiares e conhecidos dos personagens.
Com isso, multiplicou o projeto original: fez de "Cabra Marcado" um filme ao mesmo tempo sobre as Ligas e o golpe militar, a perseguição política e o medo.
Mas, sobretudo, fez um filme sobre o tempo: sobre os 18 anos que separavam as duas filmagens. Com isso, introduziu também o que seria um elemento essencial de sua filmografia: a ficção.
Diga-se desde logo: Coutinho nunca foi um praticante ingênuo do documentário, desses que buscam interesse para o filme no "assunto" de que tratam. Era a partir de seu trabalho que o assunto acontecia, tornava-se interessante. Daí a vastidão e a radicalidade de suas experiências.
BELEZA E MISTÉRIO
Como não lembrar, por exemplo, de "Edifício Master" (2002)? Não era mais que um grande edifício no Rio de Janeiro. Coutinho buscou seus moradores, conheceu-os, entrevistou-os (a entrevista era a arte de conhecer pessoas em seus filmes). Não fez uma dessas abjeções que consistem em fazer os espectadores rirem de quem aparece na tela. Longe disso: seu trabalho era precisamente revelar-lhes a complexidade, a beleza, o mistério.
A menos conhecida delas, "O Fio da Memória" (1991), é a que melhor reflete sobre a arte da bricolagem, de buscar elementos do real para criar um objeto original. O que ali fazia seu personagem (e o que fazia o próprio cineasta).
"Santo Forte" (1999) mostrou outra variante de seu talento: ao tratar de religião, permitia a seus personagens mostrarem as ficções que nos compõem.
Algo mais ou menos próximo ao que fez depois em "Edifício Master" e, finalmente, em "Jogo de Cena" (2007), o ápice, onde nunca se sabia quando estávamos numa representação e quando no "real".
A partir daí, Coutinho abria um novo caminho, convocando a teatralidade com toda franqueza (em "Moscou", de 2009) ou selecionando as cenas de TV que compõem nosso imaginário e lançando um questionamento sobre o encontro entre essas instâncias (na obra-prima "Um Dia na Vida", de 2010).
Aonde ainda poderia chegar? Muito longe, ainda. Coutinho era um mestre absoluto e um fumante inveterado com fôlego sem fim.

Ricardo Melo

folha de são paulo
A quem o povo assusta?
Genoino agiu como deveria ser habitual num partido de raízes populares ao pedir ajuda aos militantes do PT
Imagine o cenário. Vencido o prazo para os condenados da AP 470 pagarem as multas, nenhum apareceu. José Genoino, olhe só, alegou que o valor supera o preço de sua casa. Os outros tampouco respeitaram a sentença. O que aconteceria?
Pelo que se tem lido e ouvido, batata. "Mensaleiros do PT desprezam Justiça." Ou então: "Além de truculentos e corruptos, petistas dão calote no Tesouro". Ou parafraseando aquele ministro falastrão: "Eles merecem mais que o ostracismo: ademais de incomunicáveis, precisam apodrecer na cadeia e receber apenas uma refeição por dia. E mais: entrar para sempre na lista negra da Serasa!".
Outra hipótese. Com dois ou três telefonemas, ou num regabofe no coração de Higienópolis, condenados se acertam com a banca e o dinheiro surge em segundos --o tempo de uma TED. Formalmente, tudo dentro da lei: não é crime receber auxílio para pôr contas em dia. Para os banqueiros, seria apenas uma gorjeta diante de lucros nunca antes imaginados. O juízo midiático, contudo, também seria inapelável. "Cai a máscara: bancos ajudam companheiros' a pagar multas."
Surpresa (ou decepção) para muitos: nada disso ocorreu. Sem afrontar instituições, sem desrespeitar qualquer direito (diferentemente do que ocorre com os dos condenados), Genoino e cia. agiram como deveria ser habitual num partido de raízes populares: recorreram à militância. Quem se assustou? Todo mundo para quem não passa pela cabeça alguém doar dinheiro por acreditar em alguma coisa, alguma ideia, algum futuro.
A reação mostra o grau de envenenamento do clima político atual. Partiu-se para a troça. Alguns leitores pediram desde uma vaquinha para honrar carnês até auditoria implacável nas doações. Houve mais. Embaladas como coisa séria, reportagens acusaram os petistas de arrecadar mais dinheiro que a Pastoral da Criança! O que tem a ver uma coisa com a outra? Por acaso a Pastoral está em campanha? Pareceria mais razoável comparar o orçamento dessa ONG com fundos auferidos pelo Criança Esperança --mas aí a coisa complica diante do calibre dos interesses envolvidos.
O deputado tucano Jutahy Magalhães Júnior, por sua vez, exagerou no ridículo. "Isso é um acinte, um deboche." Por quê? Talvez porque os condenados, em vez de seguir o recém-divulgado manual de propinas de empresas como a Alstom, optaram pela arrecadação popular e voluntária.
Não há anjos em política, mas a democracia em vigor prevê o respeito a decisões judiciais, até num caso polêmico como a AP 470. A democracia não obriga, contudo, ao conformismo bovino --exceto no caso da vigência de ditaduras disfarçadas ou quando se está sob o tacão de juntas togadas travestidas de supremas.
Muito ainda vai se falar da campanha de doações petista. Pode ser que impropriedades tenham sido cometidas. Mas certamente nada tão grave, por exemplo, como a montanha de denúncias fartamente documentadas no livro primoroso do jornalista destaFolha Rubens Valente, "Operação Banqueiro". Como se sabe, a obra desvenda relações promíscuas entre Poderes da República e o personagem Daniel Dantas. Investigá-las ou não fica ao gosto do freguês.
Feitas as contas, o mais sincero entre os apavorados foi o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha. Como se discute o financiamento público nas eleições, o deputado sentiu a água subir: "Só o PT vai ter dinheiro. Se da cadeia ele arrumou isso, imagina da Esplanada".
Qual o "crime" do partido? Para o deputado, o PT é o único com militância suficiente para arrecadar grandes quantias em defesa de ideais. Em vez de fazer o mesmo e disputar apoiadores entre o povo, a turma suprapartidária de Cunha prefere levantar dinheiro na surdina para melhor abafar suas próprias causas.

Ruy Castro

folha de são paulo
Com ou sem maquiagem
RIO DE JANEIRO - Matthew McConaughey, 44, concorre ao Oscar de melhor ator pelo filme "Clube de Compras Dallas", no qual vive um homem que, portador de HIV, emagrece 20 quilos. Para maior realismo, McConaughey fez uma dieta radical e perdeu 20 quilos nas sete semanas de filmagem. O Oscar adora isso. Em 1980, Robert De Niro venceu com "O Touro Indomável", em que engordou 30 quilos para convencer no papel de um boxeur decadente.
Foi o erro de Victor Mature, ao não deixar que lhe furassem os olhos para dar mais credibilidade ao seu Sansão, em "Sansão e Dalila", de Cecil B. de Mille (1949). Ou o de Gregory Peck, ao não cortar a perna para interpretar o Capitão Ahab em "Moby Dick", de John Huston (1956). Ou o de Jeffrey Hunter, como Jesus Cristo em "O Rei dos Reis", de Nicholas Ray (1961), ao não exigir ser crucificado com pregos de verdade --sugeriu apenas que lhe raspassem as axilas.
O mesmo com Jack Lemmon e Tony Curtis em "Quanto Mais Quente Melhor" (Billy Wilder, 1959) e Dustin Hoffman em "Tootsie" (Sydney Pollack, 1983) --por que não se operaram para trocar de sexo? E Marlon Brando, em "Último Tango em Paris" (Bernardo Bertolucci, 1972)? Se tivesse feito para valer a cena da manteiga com Maria Schneider, seria o único ator a ganhar dois Oscars em um ano --o primeiro, claro, por "O Poderoso Chefão", em que fez um homem 20 anos mais velho, usando somente algodão nas bochechas e seu gênio como ator.
Aí está. Alguns atores representam para valer, com ou sem maquiagem. A qual é um recurso clássico, mas não dispensa a dita representação. Em "O Médico e o Monstro", John Barrymore (1920), Fredric March (1932) e Spencer Tracy (1941) esnobaram: passavam de Jekyll a Hyde quase sem maquiagem, apenas com a força de sua expressão.
Mas há os que preferem o caminho mais fácil.

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
A família brasileira
O que mais chocou a opinião pública foi o personagem 'maconheiro' não morrer logo após fumar maconha
Maio de 2034: Duas décadas após o célebre beijo gay de Mateus Solano e Thiago Fragoso em "Amor à Vida", as novelas finalmente deram outro passo significativo. Ontem, pela primeira vez na história, um personagem fumou um baseado na Rede Globo. Foi na novela "Paixão pelo Pecado", de João Emanuel Carneiro. A grande novidade chocou os conservadores. "É a ditadura do baseado", clamou o líder da bancada evangélica. O que mais chocou a opinião pública foi o personagem "maconheiro" não morrer logo após fumar maconha. Associações cristãs estão processando a Globo por calúnia e exigem que o personagem morra para dar exemplo. O autor disse que o personagem irá morrer, mas não de maconha.
Agosto de 2057: Mais de vinte anos após o primeiro baseado, a Rede Globo volta a chocar a opinião pública. Ontem, em "Flerte Fugaz", nova novela das onze, pela primeira vez um personagem fez um aborto e não se arrependeu. Jamilly, interpretada por Marina Ruy Barbosa, fez um aborto seguro e saiu da clínica com um sorriso no rosto, aparentando estar satisfeita. Gabriel Esteves, autor da trama, afirma que não é sempre que o aborto é sucedido de desespero e vontade de se matar. Marina Ruy Barbosa se pronunciou contra o "aborto sem arrependimento". "Nunca fiz um aborto, mas, se fizesse, me arrependeria", afirmou em seu Twitter. Conservadores especularam que a cena teria sido financiado por grandes entidades abortivas. O Projac amanheceu pichado com os dizeres "é a ditadura do aborto".
Janeiro de 2081: Em sua primeira novela exclusivamente para a web, a Rede Globo inovou. Em uma cena entre jovens, um deles pronunciou a palavra "Google". É a primeira vez que a Rede Globo usa o termo, apesar de já estar dicionarizado desde 2015. Antes do episódio personagens de novela se referiam ao Google como um "site de busca". Conservadores indignados afirmaram se tratar de um merchandising disfarçado, já que a emissora faz parte do grupo Google. O autor Manoel Carlos, último remanescente da velha guarda da emissora, pediu desculpas ao público conservador mas afirmou se tratar de uma tendência. "A novela é um retrato da vida, e a vida está cheia de marcas". Em seguida, afirmou estar estudando usar as palavras "Facebook" e "YouTube", ao invés do costumeiro "redes sociais". Críticos afirmaram se tratar de um lobby das grandes corporações para a dominação mundial. "A família brasileira não está pronta para isso. É a ditadura do Google", afirmou o cardeal em seu Twitter.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    Câmara dos Deputados pode derrubar pena de prisão para pensão

    A Câmara dos Deputados pode derrubar a pena de prisão para quem não paga pensão alimentícia no prazo fixado pelo juiz. A questão, polêmica, deve entrar em pauta amanhã, quando serão votados destaques ainda não aprovados do novo Código de Processo Civil.
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    GRADE
    Um dos destaques propõe que a prisão passe do regime fechado para o semiaberto. A ideia divide os parlamentares. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), relator do novo Código, defende a manutenção da regra em vigor.
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    PAPEL E LÁPIS
    Outro ponto que divide os parlamentares é o que acaba com a penhora online de dinheiro em em conta-corrente e aplicações financeiras para o pagamento de débitos exigidos na Justiça. O governo é contra. Mas o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) conseguiu apoio de centenas de parlamentares para acabar com a regra.
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    A LISTA DE CHÁVEZ
    Lula deve receber nesta semana o jornalista espanhol Ignacio Ramonet, do jornal "Le Monde Diplomatique", biógrafo de Hugo Chávez. Ele está fazendo as entrevistas do filme "Amigo Hugo", do cineasta americano Oliver Stone, e colherá o depoimento do petista. A base do documentário são depoimentos de presidentes da República que não só conviveram como eram considerados amigos pessoais do ex-dirigente da Venezuela.
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    TRIO ELÉTRICO
    Claudia Leitte superou Ivete Sangalo no ranking de músicas mais tocadas em shows no ano passado. "Largadinho", lançada pela loira, ficou em 14º lugar, à frente de "Dançando" (17º).
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    Os números são do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
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    AGORA EU FIQUEI DOCE
    "Camaro Amarelo", cantada originalmente pela dupla Munhoz & Mariano, foi a música mais tocada. "Gatinha Assanhada" (de autoria de Gabriel Valim e Alex Ferrari, mas famosa na voz de Gusttavo Lima) e "Amor de Chocolate" (Naldo Benny) aparecem na sequência. O ranking das 20 canções mais executadas é dominado por hits do sertanejo universitário e do axé. De composições mais antigas, só aparecem "Não Quero Dinheiro" (Tim Maia), na 12ª colocação, e "País Tropical" (Jorge Ben Jor), na 16ª.
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    BALANÇA
    Mais da metade (52,6%) da população do Estado de SP está acima do peso, segundo pesquisa da secretaria de Saúde e da USP. Dos 5.700 adultos ouvidos por telefone para o levantamento, 13,5% são fumantes, 15% abusam de álcool, 38% comem carne com excesso de gordura e 14,3% não fazem atividade física. O estudo, que monitorou fatores de risco para doenças crônicas, será usado pelo governo para definir políticas de prevenção.
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    PROJETO MADONNA
    A empresária Cristiana Arcangeli malha cinco dias por semana, segue uma dieta de proteína e mantém há anos os 56 kg, em seu 1,70 m. Com braços e abdômen definidos em décadas de treinos fortes, ela desfilou a boa forma a bordo de minissaias durante as férias em Trancoso (BA).

    Cristiana Arcangeli

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    Zé Carlos Barretta - 10.jan.14/Folhapress
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    A empresária Cristiana Arcangeli mantém rotina diária de exercícios
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    Foi criticada no Instagram: "Saia micro pra quem passou dos 45 mesmo tendo pernão... nada a ver, né? Fica bizarro", escreveu uma seguidora. Dona de uma empresa de cosméticos, mãe de duas filhas de 13 e 26 anos e casada com o empresário e apresentador Alvaro Garnero, ela falou sobre a polêmica à coluna:
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    Folha - Como tudo começou?
    Cristiana Arcangeli - Nunca pensei: "Ah, não vou colocar essa saia porque não posso". Nem me passou pela cabeça que tinha de haver regra. É bom senso. Não vou de biquíni ao escritório nem de terno à praia. A pessoa que está presa em casa, achando isso e aquilo, não vai acrescentar nada à sua vida. Se você se libertar de preconceitos, seja contra gay, seja de idade, vai fazer bem pra si mesma.
    O que você não usaria?
    Miniblusa. Acho feio. Socorro! Hoje, a moda é tão democrática. Todo mundo se veste como quer.
    Pessoas saíram em sua defesa dizendo que era tudo inveja.
    Não se pode avaliar a vida das pessoas pelo que se vê no Instagram. Só tiramos fotos dos momentos bacanas. Cria-se um mundo irreal. Mas ninguém vê a que horas acordo, o quanto trabalho. Não tiro foto no banco. A menina colocou lá que devo ficar o dia inteiro malhando. Não sabe nada da minha vida.
    Quer servir de inspiração?
    Mulher pode ter filho, trabalhar, namorar e se cuidar. É só querer e se organizar. Corpo não se constrói em um dia. Sou contra revistas que vendem: "Barriga sarada em 30 dias". Treino uma hora e meia pela manhã, cinco vezes por semana. Tenho o mesmo personal há 18 anos.
    Já fez plásticas?
    No peito, para colocar silicone, e na pálpebra. Lipo, não. Sou meio contra. A pessoa está 10 kg acima do peso e vai pra lipo? Ferrou. Fica tudo ondulado. No rosto, faço vários tipos de laser e botox.
    Ainda hoje se diz que mulher depois dos 40 não pode usar minissaia nem franja nem cabelo comprido.
    Nossa Senhora, tô toda errada (risos). Quando eu era criança, uma mulher de 40 era uma velha. Hoje, vejo mulheres de 60 lindas.
    Qual é a "idade" do seu corpo?
    Boa pergunta. Não sei. Você chega na praia e vê meninas de 20 com celulites até o tornozelo. Vejo também algumas muito fortes. Não gosto de abdômen muito marcado. Fica meio masculinizado.
    Seu abdômen é bem marcado.
    Mas não é tão sarado quanto o dessas meninas. É muito exagerado. Elas põem bunda. Injetam tudo quanto é coisa na perna. Acho bonito corpo malhado, mas natural.
    Como passou a malhar forte?
    Vi a Madonna e disse: 'Gente, eu quero um braço igual ao dessa mulher'. Ela tem quase 60 anos e não parece. Não tenho essa preocupação de estar ficando velha.
    Por que não revela a idade?
    Não conto pra ninguém. As pessoas fazem contas e erram sempre. Estou acima dos 40. Por que tem que pôr a idade?
    É um dado do seu perfil.
    O que isso agrega? A idade biológica hoje traduz muito pouco. Vi uma capa minha de revista com 29 anos e me achei horrorosa. Estou melhor hoje. Tem coisa mais bonita do que uma mulher entrar confiante num lugar? Essa luz própria só se conquista com o tempo.
    *
    PARABÉNS COM PIZZA
    Adrienne Senna Jobim festejou seu aniversário em uma pizzaria nos Jardins. Ao lado do marido, o ex-ministro Nelson Jobim, ela recebeu amigos como Celita Procopio, da Faap, a empresária Cris Lotaif, da Dior, e Lucinha Araújo, da Sociedade Viva Cazuza. O empresário Hélio Pires e o decorador Jorge Elias também estiveram no evento.

    Adrienne Senna Jobim faz aniversário

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    Bruno Poletti/Folhapress
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    Adrienne Senna comemorou seu aniversário com o marido, o ex-ministro Nelson Jobim
    *
    CURTO-CIRCUITO
    O Clube das Artes (antigo Clubinho) recebe Alberto Martins e Reinaldo Moraes, no projeto Série Poesias. Hoje, às 19h, na rua Matogrosso, em Higienópolis.
    Os empresários Carlos Jereissati, José Isaac Peres e Sérgio Carvalho serão homenageados no 1º Fórum Brasileiro de Shopping Centers, no dia 13, em SP.
    O livro "1973 - O Ano que Reinventou a MPB" (vários autores) será lançado amanhã, a partir das 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional

    Luiz Felipe Pondé

    folha de são paulo
    A erva daninha

    Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua numa cidade como SP?
    Que tal nesse início de 2014 todos os motoristas de automóveis privados deixarem seus carros em casa e irem de ônibus para o trabalho e para a faculdade? Ah! Melhor ainda: levar e buscar seus filhos na escola.
    Que tal tomar de assalto o busão para também terem o direito de usar as faixas de ônibus da cidade? Faixas estas que destruíram o já frágil equilíbrio do trânsito de nossa cidade.
    Claro, cara-pálida, que um bom transporte coletivo é essencial para uma cidade como São Paulo. Isso nada tem a ver com essas faixas sem planejamento prévio. Quando se tem um bom transporte coletivo, as pessoas usam menos o carro. Aqui, o transporte coletivo é domínio dos mais pobres, porque eles não podem comprar carros. Quando podem, compram feito loucos. Resolver o problema do transporte coletivo nada tem a ver com espremer os carros em faixas minúsculas nas ruas.
    Uma manifestação dessa traria abaixo o populismo da prefeitura com suas faixas de ônibus. Claro que os ônibus iriam explodir de gente, as filas iriam dobrar as fronteiras do Estado, as brigas para entrar no ônibus iriam ficar para a história, as pessoas iriam chegar atrasadas ao trabalho, a economia iria para o saco (mas tudo bem, porque ninguém precisa de economia, só de dogmas políticos populistas).
    Zygmunt Bauman, sociólogo famoso, em um de seus clássicos, "Modernidade e Ambivalência", fala do Estado moderno como "Estado jardineiro". A característica desse tipo de Estado é decidir quem é flor e quem é erva daninha. Claro que essa discussão se dá dentro das consequências totalitárias do Estado moderno. Quanto mais "jardineiro", maior o risco de ser autoritário. Nossa prefeitura é jardineira, e os motoristas (incluindo os taxistas) são sua erva daninha.
    Os motoristas viraram a erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa "pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta é playboy light.
    Agora as faixas de ônibus decretaram a ilegitimidade de ter carro. Motorista de carro aqui logo será tratado a pauladas pela cidade. Mas está na moda no Brasil o uso de termos como "casa-grande e senzala" (usando de forma equivocada o conceito de Gilberto Freyre) para contaminar o país com ódio de classe (para ressuscitar o finado conceito de luta de classes) ou ódio de raças. Isso vai dar em coisa ruim muito em breve.
    O ódio ao motorista virou demonstração de consciência social e ambiental --outro modismo contemporâneo. Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas logo não terão direito de andar de carro pela cidade. Nada de novo no front: os brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca.
    E mais: é o próprio governo federal que estimula a compra de carros adoidado e sustenta seus índices de "sucesso" econômico na compra de carros. Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua?
    Claro que a playboizada que gosta de estimular ódio social vai dizer que motorista de carro não deve ter direito nenhum porque é parte das "zelite". Mentira: a maioria dessas pessoas corre de um lado para o outro para trabalhar, estudar, levar filhos à escola e cumprir suas obrigações. E agora viraram a erva daninha da cidade.
    Tudo muito bonitinho, mas os mais pobres sonham em comprar seus carros para poder levar sua mina para passear.
    O Brasil sempre foi um circo. Agora, com uma nova dramaturgia cômica: inauguramos o circo com pautas sociais. As ruas de São Paulo viraram um picadeiro. E nós, os palhaços.
    Desgraçadamente, a América Latina é o único continente que ainda leva a sério esse papinho de luta de classes. Somos atrasados e vamos ser sempre a vanguarda da política como circo.