sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Helio Schwartsman

folha de são paulo
Braços abertos
SÃO PAULO - Exceto pelo nome brega, "Braços Abertos", vejo com simpatia o plano da Prefeitura de São Paulo para lidar com os viciados em crack no centro da cidade.
É claro que eu mudaria duas ou três coisinhas, para tentar modular melhor os efeitos urbanísticos do uso da área, mas o programa tem o grande mérito de reconhecer, ainda que implicitamente, que a repressão policial não é solução para a questão das drogas. Ela até pode ajudar a inibir o consumo, mas cria tantos efeitos colaterais indesejáveis que não parece exagero afirmar que, no final das contas, agrava o problema.
Um dos bons livros que li no ano passado foi "High Price" (preço alto), de Carl Hart. O autor é neurocientista, professor em Columbia e pesquisa drogas. Ele também é negro, criado nos piores bairros de Miami e que por pouco não se tornou um traficante. Hart combina suas experiências acadêmica e pessoal para sustentar a tese de que quase todas as ideias comumente aceitas sobre drogas estão erradas. Elas se baseiam em má ciência quando não em mitos.
Um deles é o de que basta experimentar o crack uma vez para tornar-se dependente e logo estar vagando pelas ruas esquálido como um morto-vivo. Segundo Hart, mais de 75% dos usuários de crack, a exemplo dos de heroína, jamais se torna dependente da substância. Não é só. Engenhosas pesquisas do autor mostram que mesmo um dependente grave ainda conserva alguma capacidade de tomar decisões racionais, trocando, por exemplo, uma dose que sabe ser de baixa qualidade por recompensa futura. A ideia de que, para obter a próxima dose o viciado rouba, se prostitui e mata, é exagerada.
A dependência é um fenômeno complexo que envolve bioquímica, personalidade e fatores sociais. A ciência ainda está longe de entender como tudo isso interage, mas já sabemos o bastante para ver que não faz sentido acrescentar uma dimensão penal à já difícil vida do dependente.

Polêmica universitária: Estudantes neonazistas devem ser denunciados?

Polêmica universitária: Estudantes neonazistas devem ser denunciados?

Philipp Alvares de Souza Soares e Maximilian Popp
  • FP
O professor falava sobre "lições básicas do direito civil" para estudantes calouros na Universidade de Bochum, na Alemanha, quando um grupo de ativistas "Antifa" (antifascistas) de esquerda irrompeu na sala. Vestidos como Papai Noel, eles correram até um estudante e o apontaram.
Poucos na sala conheciam o rapaz, que tinha cabelo cortado rente e rosto rechonchudo. Mas Michael Brück, 23, é bem conhecido nos círculos de extrema-direita. Ele foi membro do grupo neonazista Resistência Nacional Dortmund até que este foi proibido, há um ano e meio. Seus membros atemorizavam pessoas contrárias a eles, realizavam festas em comemoração a Adolf Hitler e atacavam imigrantes e policiais com facas e spray de pimenta. Brück é vice-presidente regional do partido extremista Die Rechte --ou A Direita.
O palestrante gritou "Saiam! Saiam!" Os ativistas gritaram: "Seu aluno é um neonazista!" Então o professor Borges se aproximou deles, segurou um Papai Noel pelo braço e o empurrou para a porta. Houve empurrões e golpes. Borges disse mais tarde que foi atacado e agredido por pessoas mascaradas. Mas um vídeo gravado com celular não confirma que os ativistas iniciaram a briga. "Eu não pude aceitar que tomassem atitudes contra um dos meus alunos", disse Borges. Ele retomou a palestra com o nariz sangrando.
A operação da Antifa levanta uma questão que muitas universidades e faculdades da Alemanha estão enfrentando. Como as universidades devem reagir quando extremistas de direita estudam nos campi? E como alguém deve reagir se for publicamente denunciado?
Em novembro passado, ativistas de esquerda na Universidade de Hanôver desmascararam uma estudante como um membro graduado do Partido Nacional Democrático (NPD) de extrema-direita. O instituto de ciência política da universidade condenou o comportamento da Antifa como uma "forma de protesto denunciatória". E Marian Döhler, diretora do instituto, disse: "Nós ensinamos independentemente da opinião política, afiliação religiosa ou outras características". A estudante do NPD postou uma mensagem no Facebook dizendo que a ação foi "a melhor publicidade para o partido".

Abordagens diferentes

Outras universidades reagem de modo diferente. A Universidade de Potsdam tentou impedir que um estudante contasse seu período no NPD como um de seus estágios de trabalho obrigatórios. O estudante moveu uma ação legal contra a decisão e venceu.
Órgãos estudantis também reagem de modos diferentes. Em Leipzig e Bielefeld, neonazistas foram denunciados em salas de aula. Mas em Trier e Colônia, extremistas de direita foram eleitos para comitês estudantis. Os neonazistas com frequência estudam direito para que possam representar seus camaradas como advogados mais tarde. Segundo Marc Brandstetter, do grupo antinazista Endstation Rechts, as mulheres muitas vezes estudam para ser professoras --possivelmente para poderem transmitir a ideologia nazista para as crianças.
Mas isso não é motivo para impedi-las de entrar nas universidades. O reitor da Universidade de Bochum, Elmar Weiler, criticou "o pensamento extremista de direita" depois do incidente na sala de aula, mas disse que o estudante de direito não deveria ter sido denunciado. O professor Borges disse que ninguém que cumpra as exigências formais da universidade deve ser privado de seu direito de estudar. Ele acrescentou que, se encontrar Brück, lhe dará um "conselho urgente" para repensar sua ideologia.
O órgão representativo dos estudantes da faculdade de direito emitiu uma declaração condenando "a discriminação com base no envolvimento em partidos políticos", mas salientou mais tarde que não havia espaço para a ideologia de extrema-direita entre os estudantes. O conselho não quis responder a mais perguntas, dizendo que qualquer debate adicional "prejudicaria a reputação da faculdade".
Mas o silêncio resolve o problema? Andreas Zick, diretor do Instituto de Pesquisa de Conflitos em Bielefeld, disse que as universidades precisam lidar com o problema de maneira mais firme. "Não podemos expulsá-los, mas podemos claramente expressar nossa posição", disse Zick.
No início do semestre de inverno, a Universidade de Bielefeld distribuiu distintivos e cartões-postais para os estudantes do primeiro ano com o slogan "Uni Ohne Nazis" (universidade sem nazistas). Zick organizou uma palestra sobre o tema e convidou palestrantes contrários ao racismo assim como um dos advogados que representam os parentes das vítimas da célula terrorista neonazista NSU. "Não podemos deixar só para a Antifa lidar com isso", disse Zick.
Expulsar os estudantes de extrema-direita é polêmico mesmo entre os grupos antifascistas. O método se assemelha ao comportamento dos neonazistas que agridem pessoas que discordam deles, disse um ativista baseado em Berlim.
Depois da briga na Universidade de Bochum, a ira da maioria dos estudantes na página da universidade no Facebook foi dirigida contra a Antifa --e não contra o aluno neonazista.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Barbara Gancia

folha de são paulo
Saudade tem idade e sobrenome
Não é óbvio que clichês como "Vagabundo que morra" e "A PM faz bem em matar" alimentam a violência?
Quero propor um experimen­to de deixar o Hélio Schwartsman radiante: pe­gue um filhote de lulu da pomerânia, aquele que parece uma raposi­nha que teve a má sorte de encostar numa cerca elétrica.
Jogue-o num quintal e deixe-o lá, desatendido. De quando em quan­do, use um porrete para descer o sarrafo no bicho. Não se acanhe, ba­ta com gosto.
Ao mesmo tempo, em outro espa­ço distinto, você coloca outro filho­te de lulu da pomerânia, idealmen­te que seja da mesma ninhada do primeiro, e o cria sem nunca deitar um dedo nele.
Desconfio que, ao cabo de dois anos, quando os cães estiverem maduros, aquele que apanhou sis­tematicamente será um tico mais irritadiço do que o outro. Será?
A maioria de nossos jovens de bai­xa renda, negros e pardos na maio­ria, já nasce praticamente apa­nhando da polícia.
Para essa juventude é rotina ser parado na rua para averiguação. Ninguém é louco de andar sem car­teira de trabalho. Quem não tem, corre o risco de ser confundido com outro "Marcos Ferreira da Silva" ou outro "Joaquim Souza Costa" que tenham cometido delitos. Se fo­rem, o risco é de passar um bom pe­ríodo na detenção ou, no mínimo, de ter a dignidade aviltada e tomar uma surra. Essa é a realidade palpá­vel --a qualquer hora do dia-- para milhares de guris que você e eu cru­zamos na rua diariamente.
O mesmo medo que sentimos de tomar um tiro na cara de um assal­tante, o jovem da periferia que te­nha entre 8 e 28 anos tem da polícia. A cada farda que vê, camarada pen­sa: "É agora!" Um líder negro me explicou que uma das razões que a molecada agora quer passar tempo no shopping é que lá tem câmera para registrar eventuais excessos cometidos por policiais.
Pergunto: frases como "Vaga­bundo tem mais é que morrer" ou "A polícia faz bem em matar" não alimentam o sistema de mais um cão raivoso?
Não existe dicotomia entre demo­cracia e "ordem e progresso". Quem imagina isso é o "clube da saudade" que não consegue enxer­gar o fato de que, na época dos mili­tares, quando alguns imaginavam que reinasse a paz, a perifa cuja existência eles só percebem agora já existia. Só que viviam mais longe, pior e não ousavam abrir o bico.
Pois agora eles sabem de seus di­reitos. E o dever de quem sempre esteve por cima, se tivesse alguma decência, seria dinamitar barreiras e promover mudanças de mãos da­das. Ou foi para ficar tudo igual que saímos às ruas em junho?
Na quarta, o comandante-geral da PM, general Benedito Roberto Meira me disse que nossa PM "não é violenta". Para ele pode ser. Mas não é o que pensa a população ca­rente nem o que dizem as estatísti­cas que tanto chocam o mundo.
E os índices de latrocínio, o mais temido dos crimes, só fazem cres­cer em SP, donde se conclui que o especialista em segurança pública, consultor do governo FHC, antro­pólogo e professor da UERJ, Luiz Eduardo Soares, está coberto de ra­zão ao colocar como prioridade ab­soluta a desmilitarização da polícia (desmilitarização, note, não signi­fica desarmamento). "O objetivo do Exército é defender o território. Para cumprir essa função, ele se or­ganiza para mobilizar grandes con­tingentes com máxima celeridade sob ordens vindas de um só coman­do. Sua estrutura organizacional é totalmente verticalizada. O exérci­to luta contra o inimigo. Já a polícia é outro tipo de instituição. Seu pa­pel é prestar serviço, fazer ronda, patrulhamento, diagnosticar pro­blemas, mediar conflitos, dialogar e evitar a judialização."
"Confrontos armados são as únicas situações em que alguma seme­lhança poderia haver com o Exérci­to, mas correspondem a menos de 1% das atividades da polícia." Só de ouvir uma coisa dessas da vontade fugir para Miami, não dá, clube da saudade?

    Marina Silva

    folha de são paulo
    Distâncias
    O Brasil fica longe de Davos. Mais que nos mapas, a distância pode ser medida no discurso da presidente Dilma Rousseff no Fórum Econômico Mundial, que aconteceu na semana passada na bela e fria estação suíça. Todos concordamos com suas palavras: a educação tem importância estratégica para reduzir a desigualdade social e, ao mesmo tempo, alicerçar uma economia do conhecimento com tecnologia e inovação. Por isso, a educação está entre as prioridades, junto à infraestrutura, ao planejamento urbano, à estabilidade econômica e a outras grandes questões definidoras do desenvolvimento do Brasil.
    Cinco dias depois, a Unesco divulgou relatório que coloca o Brasil --entre 150 países pesquisados-- em 8º lugar no número de analfabetos adultos. Eram 13,2 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais em 2012, segundo o IBGE. É quase impossível reduzir a taxa de analfabetismo entre adultos, de 8,7% naquele ano, para os 6,7% fixados nas metas da ONU para o ano que vem.
    Ontem, lemos nos jornais: os investimentos do Ministério da Educação caíram 13% de janeiro a novembro de 2013 em relação ao mesmo período do ano anterior. O noticiário nos avisa também que a equipe econômica estuda reduzir ainda mais o orçamento da pasta para que o governo recupere a credibilidade perdida desde que foram revelados seus artifícios contábeis para fechar as contas no fim do ano.
    Os especialistas indicam o contrário, a necessidade urgente de o Brasil aumentar os investimentos que hoje são de R$ 5 mil para cada aluno da educação básica. Em países ricos, esse valor é três vezes maior. Que não chegássemos a tanto, mas diminuir as verbas da educação é ir em direção oposta.
    Para completar, no mesmo dia do discurso em Davos, o governo anunciou o cancelamento da Conferência Nacional de Educação (Conae), que aconteceria em fevereiro, a tempo de pressionar o Congresso na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), que voltou para a Câmara dos Deputados depois de modificado, para pior, pelo Senado. Sob protesto dos movimentos de defesa da educação, a Conae ficou para novembro, depois da Copa e das eleições, e o PNE, que deveria ter sido aprovado há três anos, vai atrasar mais um.
    É impossível tornar consequente o discurso da presidente enquanto perdurar uma ideia fisiológica e patrimonialista de governabilidade, segundo a qual um ministério pode ser fatiado e distribuído entre partidos aliados. Uma reforma ministerial, mesmo diante de prioridades inegavelmente estratégicas e eloquentemente discursadas, longe de significar novo planejamento de metas de longo prazo, reduz-se a uma redistribuição de cargos com o curto prazo eleitoral. Desse modo, a distância entre o Brasil e Davos só aumenta.

    Ruy Castro

    folha de são paulo
    Os donos das cidades
    RIO DE JANEIRO - Nesta terça-feira, na Linha Amarela, importante via expressa do Rio, a caçamba levantada de um caminhão chocou-se contra uma passarela, que caiu, esmagou dois carros e deixou cinco mortos. O caminhão estava rodando fora do horário permitido e em excesso de velocidade. A passarela, de 120 toneladas, ficava a 4,5 metros de altura e tinha 42 metros de extensão. Imagine o tamanho e o peso desse caminhão para derrubar tal estrutura.
    Pode-se discutir se as passarelas deveriam ser mais altas ou construídas com material mais sólido, ou se não há sistemas de alarme para prevenir choques, e certamente os engenheiros já pensaram em tudo isso e buscam soluções. Mas nada altera o fato de que as cidades fo- ram invadidas por brontossauros de 4 --às vezes, 8 ou 12-- rodas, incompatíveis com o bom senso.
    Ruas abertas nos anos 40 pela escala de carros de passeio são hoje trafegadas por ônibus gigantescos, muito maiores e mais altos do que os de há poucos anos. Sem contar os que se multiplicam por dois ou três e, integrados por aquelas sanfonas, tentam fazer curvas e dobrar esquinas que não os comportam. Essas mesmas ruas recebem caminhões-tanque, carretas e outros pesos-pesados que circulam até pelo centro histórico de cidades delicadas, como Petrópolis, Ouro Preto e tantas mais.
    Calçadas recém-refeitas, depois de alguma obra que as esburacou, são tomadas pelas onipresentes caçambas de entulho e destruídas de novo. E os próprios carros particulares deixaram de ser os leves e convencionais, cada qual ocupando um espaço razoável, para ser substituídos por jamantas mais apropriadas, no tamanho e na altura, às estradas ou à zona rural.
    Que os humanos sejam coadjuvantes dos carros em suas próprias cidades parece inevitável. Mas será obrigatório se deixarem esmagar por eles?

    José Simão

    folha de são paulo
    Ueba! Errar é o Mano!
    O Corinthians perdeu de 5 a 1 pro Santos! Como disse aquele santista: 'Cinco muito'. Rarará!
    Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Manchete do Piauí Herald: "Álbum de figurinhas da Copa só ficará pronto em novembro". Pacote com três figurinhas vai custar R$ 650! Rarará!
    E sabe como eu vou colar as figurinhas dos jogadores da Argentina? Tudo de cabeça pra baixo! Pra dar zica. Zica Padrão Fifa!
    E adorei a charge do Sinfronio com o black bloc pichando o muro. No muro, estava escrito Copa Fifa. E aí ele pixou e ficou: COPA PIFA!
    E esse cartaz do torcedor: "Amor, não fui trabalhar. Estou em Quito. Vamos, Fogão". Melhor recado do dia. Volta derrotado, desempregado e sem mulher. Apanhou em Quito e vai apanhar na volta pra casa!
    E esses ônibus incendiados em São Paulo? São João fora de época? Agora em São Paulo temos os ônibus articulados, biarticulados e queimados.
    E um amigo pediu pra eles queimarem o seu Chevette 1984, ele agradece! Rarará!
    Falando em queimados, e o Timão? O Corinthians perdeu de 5 a 1 pro Santos! Como disse aquele santista: "Cinco muito!". Rarará! Tá perdendo de tudo quanto é bicho: de cachorro São Bernardo, peixe! Errar é o Mano e perder tudo é corintiano. E prometo nunca mais fazer trocadilho com Mano!
    E o site Futirinhas tem uma fotomontagem do Sheik com o Pato. Sheik: "Acorda, amor, já são seis". E o Pato: "O que? Mais um gol do Santos?".
    E a torcida do Santos? Sabe onde a torcida do Santos foi comemorar? No baile da Melhor Idade! Sabe dançando juntinho? Dois pra cá e três pra lá? E sabe qual a semelhança entre o Corinthians e o Bin Laden? Ambos viraram comida de peixe! Peixe, nem no Ceasa. O mar não tá pra peixe!
    E o tuiteiro Jorge Miranda me disse que o pai do Neymar virou o pay do Neymar. Rarará!
    É mole? É mole, mas sobe!
    Os Predestinados! Sabe como se chama o ex-primeiro ministro da Ucrânia? Mycola AZAROV! E direto de Vitória, Espírito Santo, o treinador de armamento e tiro: Adriano MATTOS PINTO! O alvo não podia ser em outro lugar? Rarará!
    E essa funcionaria da empresa Keppel de plataformas marítimas: Márcia Maria Bóia Altomar! Predestinadíssima! Rarará!
    Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã.
    Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

    Redenção da 'bicha má' alavanca dramalhão

    folha de são paulo
    CRÍTICA NOVELA
    Redenção da 'bicha má' alavanca dramalhão
    Mudança do personagem Félix deu fôlego à mal escrita 'Amor à Vida', que deve encerrar hoje com boa audiência
    MAURICIO STYCERCOLUNISTA DA FOLHANa última segunda-feira (27), entre 21h09 e 22h41, 72% dos lares na Grande São Paulo com a televisão ligada estavam sintonizados em "Amor à Vida".
    A novela de Walcyr Carrasco ofereceu naquela noite uma cena aguardada havia meses. Depois de uma dezena de tentativas, o ex-vilão Félix (Mateus Solano), agora nas vestes de super-herói, finalmente salvou o pai cego, César (Antonio Fagundes), das garras da vilã Aline (Vanessa Giácomo), que o traía abertamente com o cúmplice Ninho (Juliano Cazarré).
    Neste mesmo capítulo épico, o público viu a megera Aline fingir seduzir Ninho, amarrá-lo na cama e esfaqueá-lo dez (!!!) vezes na barriga antes de fugir para o aeroporto. Mesmo sangrando, o "guerreiro imortal" solta as cordas, escala uma janela, pula numa caçamba encostada na rua e é levado ao hospital San Magno.
    Antes de ser operado, Ninho encontra forças para avisar Paloma (Paolla Oliveira), a heroína original da trama (alguém lembra?), que Aline está naquele momento fugindo para a Bélgica.
    "Champanhe, minha senhora?", pergunta a comissária de bordo à víbora, na cena seguinte, a última do episódio. "Quero sim. Para comemorar a minha vitória", ela responde. Com um close em Aline bebendo uma taça na primeira classe, o capítulo termina.
    RECORDE
    O Ibope deste dramalhão rasgado e mal escrito registrou 48 pontos --algo como 3,1 milhões de espectadores na Grande São Paulo. Hoje, quando vai ao ar o último capítulo, espera-se desempenho semelhante em matéria de números.
    Do ponto de vista comercial, o sucesso parece assegurado. O final da trama pode ter oito intervalos comerciais e bater recorde de anunciantes, informou a coluna "Outro Canal", de Keila Jimenez. Na grade da Globo, prevê-se um capítulo com 110 minutos de duração.
    Por que, mesmo tão ruim, "Amor à Vida" chega tão bem ao final? Ao exibir hoje o 221º capítulo, a novela terá possivelmente batido o recorde mundial de abordagem de temas polêmicos numa mesma novela. Nenhum (repito, nenhum) teve tratamento sério por parte do autor, mas muitos causaram barulho.
    A principal aposta, a "bicha má", um personagem gay terrivelmente cruel (e caricato), foi abandonada no meio do caminho. Sagaz, Carrasco percebeu que Félix inspirava carinho do público. Desistiu, então, do que havia previsto originalmente e providenciou a redenção do personagem. Foi o pulo do gato de "Amor à Vida".
    Vendendo cachorro-quente na rua 25 de Março, o ex-vilão foi absolvido dos mais variados crimes que cometeu, incluindo tentativa de assassinato, fraude, roubo e planejamento de sequestro. Para completar, teve início o romance com Niko (Thiago Fragoso), um dos poucos personagens de boa alma em toda a novela.
    Um pouco como Jorginho em "Avenida Brasil", Niko acabou sendo a "mocinha" de "Amor à Vida". Espera-se hoje que beije o super-herói Félix. Beijando ou não, a audiência está assegurada.

      Festival de Rio Preto perde patrocínio do Sesc

      folha de são paulo
      Festival de Rio Preto perde patrocínio do Sesc
      Instituição diz que perderia poder de decisão no evento de teatro, que ocorre em julho
      GUSTAVO FIORATTIDE SÃO PAULOA próxima edição do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (438 km de SP) será realizada sem o patrocínio do Sesc paulista.
      A parceria, que teve início em 1992, foi fundamental para colocar a mostra em evidência como uma das mais importantes do país. No ano passado, o Sesc destinou R$ 1,5 milhão ao evento, que teve orçamento total de R$ 1,9 milhão.
      A instituição também era parceira na realização do festival, junto à Secretaria Municipal de Cultura da cidade.
      Segundo Luiz Galina, diretor regional em exercício do Sesc, a instituição optou por colocar fim à parceria porque "perderia poder de decisão na organização do evento".
      "A prefeitura impôs condições que não poderíamos aceitar. Não teríamos mais tanto peso na organização e na definição de estratégias e de divulgação", diz Galina.
      O rompimento deverá ter efeito na programação do festival, que está marcado para acontecer entre 16 e 27 de julho. A unidade do Sesc na cidade também não está mais à disposição do festival.
      SÃO PAULO
      Com a saída do Sesc, é possível que haja uma guinada de identidade no festival.
      A instituição interferia na programação de acordo com o interesse de levar peças para São Paulo. Na última edição, por exemplo, os espetáculos internacionais apresentados no FIT foram exibidos também na capital paulista.
      Segundo o secretário de Cultura de Rio Preto, Alexandre Costa, os patrocínios para a próxima edição ainda estão sendo negociados. "Até o momento temos a Caixa, mais prospecção junto ao Proac e Lei Rouanet", diz.
      O time de curadores também já está formado. Foram convidados quatro profissionais ligados às artes cênicas, entre eles Paula de Renor (da mostra pernambucana Janeiro dos Grandes Espetáculos) e César Augusto (do Tempo Festival, no Rio de Janeiro).
      O rompimento do Sesc com a Secretaria de Cultura de Rio Preto também pode ser reflexo de outros problemas. Dois grupos que participaram do FIT de 2012, Les Commediens Tropicales e SerTão Teatro, reclamam que ainda não receberam pagamentos integrais daquele ano.
      Sobre a questão, a Secretaria Municipal de Cultura de Rio Preto diz que as planilhas do Festival Internacional de Teatro de 2012 não apontam contas em aberto.

        Michel Laub

        folha de são paulo
        Chamados da natureza
        Uma das dificuldades de se lidar com a ideia do vício é superar a necessidade de atribuir sentido à existência
        Uma vez li um texto, talvez de Pauline Kael, talvez de Roger Ebert, em que o crítico reclamava da falta de sabor de um filme sobre jogo. Se você quer entender um viciado, a resenha dizia, deve admitir e mostrar que algo o levou até ali: o prazer que, em algum ponto antes da inevitável decadência, experimenta quem fuma crack ou ajuda a abrir a padaria para a pinga do café da manhã.
        Dois filmes em cartaz podem ser vistos como histórias de vício, se considerarmos este a exacerbação patológica de um gosto/hábito socialmente aceito: "Ninfomaníaca "" Parte 1", de Lars von Trier, que trata de sexo, e "O Lobo de Wall Street", de Martin Scorsese, que fala de dinheiro.
        Seguindo a regra de Kael (ou Ebert), Scorsese opta pela vivacidade ao retratar a ganância e a rotina sem limites do protagonista Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio). Não há um minuto de tédio no filme: o sujeito queima dinheiro, engana assalariados com gosto, joga lagostas num agente do FBI, bebe, usa todas as drogas que encontra e se diverte promovendo o arremesso de anões no escritório.
        Também há piadas com pobres, gays, mulheres, crianças deficientes, Aids, paralisia cerebral. As falas e cenas podem chocar individualmente (para quem se choca com essas coisas), mas uma atrás da outra, sem trégua e acompanhadas da exuberância quase histérica das imagens, resultam numa comédia irresistível, retomando o vigor --e o "off", o enredo, os tipos humanos, a montagem, o desfecho-- de dois clássicos do diretor, "Os Bons Companheiros" (1990) e "Cassino" (1995).
        Já "Ninfomaníaca", se a segunda parte não desmentir a tese quando entrar em cartaz, faz o contrário. A visão é clínica, como um microscópio que disseca a protagonista Joe (Charlotte Gainsbourg) de um ponto seguro, distanciado. Nas cenas de sexo, há um esforço para afastar qualquer sugestão (para quem gosta de se consolar com essas coisas) de algo além de mecânica compulsiva.
        A falta de vivacidade, aqui, é literal: há um momento em que a personagem, num de seus oito ou nove encontros diários com toda espécie de predador e/ou idiota, diz não estar sentindo nada. O diálogo que pontua os esquetes é igualmente morno, tentando domesticar seu objeto por meio de metáforas óbvias (como a da isca e do peixe), descrições redundantes, psicologismo barato.
        E, no entanto, há sabor no filme: uma energia, uma ironia e uma beleza surgidas justamente do contraste com a banalidade. É uma ideia que Von Trier já havia explorado em "Anticristo" (2009): mostrar como a razão, cuja caricatura está na linguagem gasta das falas, e também no didatismo do visual --tela dividida, números sobre imagens para explicar o que estamos vendo--, é impotente e ridícula diante do "caos que reina" na psicologia de Joe.
        Uma das dificuldades de se lidar com a ideia do vício, que é um fim em si mesmo, um chamado da natureza que não oferece nada em troca, é conseguir superar nossa necessidade --alimentada por religião, ideologia, moral ou instinto de sanidade-- de atribuir um sentido geral à existência.
        Nem "Ninfomaníaca" nem "O Lobo de Wall Street" caem nessa ilusão. O sexo pode ser apenas um tique fisiológico, e não veículo para algo mais nobre (o amor, a liberdade hedonista). O dinheiro pode ser apenas caminho para mais dinheiro, o prazer material imediato que não integra uma narrativa de vocação, superação de obstáculos, vitória e felicidade pacificada.
        Com sua costumeira ambivalência católica, depois de se lambuzar no mundo de pecado que o fascina, Scorsese tenta amenizar as coisas distribuindo punição, arrependimento e um trailer com o aviso de que "mais nunca é suficiente". Von Trier, mais próximo da dureza (protestante?) de um Bergman ou Michael Haneke, não oferece saída nem pede desculpas.
        Só que ao final, por meio de sensibilidades tão diversas, os dois filmes causam perplexidade semelhante. Estamos diante da mesma tragédia: a fúria dos desejos e o rastro de destruição na sequência, tanto faz se em festas nova-iorquinas ou num quarto escuro da Europa, em meio a gargalhada ou angústia, roupas caras ou nudez.