terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Nizan Guanaes

folha de são paulo
Fumaça e fogo
Ao banir a venda de cigarros, a rede de farmácias CVS abriu mão de bilhões; mas deu passo na direção certa
A decisão da rede de farmácias americana CVS Caremark de não vender mais cigarros em suas 7.600 unidades espalhadas pelos EUA a partir de outubro acendeu um debate importante sobre o novo papel das empresas no mundo que estamos construindo.
As empresas agora ganham dinheiro com o que elas fazem e também com o que elas não fazem. É fundamental ter uma mentalidade moderna, contemporânea. Cuidar de toda a cadeia de produção e de toda a cadeia de consumo como etapas fundamentais da sua atividade. Como seu produto é descartado pode ser tão importante quanto como ele é fabricado.
A CVS, ao banir os cigarros de suas lojas, abriu mão de receitas estimadas em até US$ 2 bilhões por ano declaradamente em nome da saúde de seus clientes.
"Temos cerca de 26 mil farmacêuticos e enfermeiras ajudando nossos clientes a lidar com problemas crônicos como pressão alta e doenças cardíacas, todos eles ligados ao hábito de fumar", disse Larry Merlo, presidente-executivo da CVS.
"Encerrar as vendas de cigarros em nossas lojas é o correto para os nossos clientes e para a nossa companhia. A venda de cigarros não combina com os nossos propósitos", completou o líder da CVS, uma empresa listada na Bolsa de Valores de Nova York.
Onde não há fumaça, há fogo. Nos dias seguintes ao anúncio da perda bilionária de receita, as ações da companhia subiram cerca de 5%.
Existe também uma explicação de posicionamento nessa movimentação. A CVS quer evoluir de uma rede de lojas de varejo com foco em saúde para uma rede de miniclínicas de saúde e beleza, modelo que considera mais atraente para o futuro dos seus negócios. Como explicou outro executivo da empresa em conferência com analistas de mercado, a decisão de banir a venda de cigarros é uma forma de aumentar a conexão com os consumidores e fomentar sua lealdade à marca CVS.
Os puros de sempre dirão que isso tudo é puro marketing. Estão de certo modo certos. E essa é a grande beleza. Que bom que bom marketing hoje signifique também eliminar a venda de produtos lucrativos para a companhia, mas danosos à comunidade.
O Google, ícone da nossa era, tem como lema informal "don't be evil" (não seja mau), embora, claro, seus concorrentes discordem. Cada vez mais e mais empresas entendem seu papel social e o exercem de forma transformadora dentro dos seus limites.
As empresas serão sempre empresas. Não são nem podem ser ONGs. Elas têm compromissos com seus acionistas e precisam dar bom retorno ao capital nelas aplicado. Essa é sua primeira missão e também a sua força matriz.
Mas tenho falado constantemente nesta coluna sobre a necessidade de as empresas buscarem, além do lucro líquido, o orgulho líquido. Se, contabilizado o lucro líquido, não sobrar orgulho líquido, no futuro pode não sobrar nada. E criar orgulho é muito mais difícil do que criar lucro.
A decisão da gigante de farmácias norte-americana de banir os cigarros em suas lojas e assumir perda de bilhões em vendas é um marco nessa direção de mão única para as empresas prosperarem no século 21.
O desafio dos melhores lucros dentro das melhores práticas vai impulsionar empresas e inovações. Como tudo e todos, a publicidade também está sendo chamada às suas responsabilidades. E o que me anima muito é que o novo marketing é o instrumento talhado para acessar, liberar e conduzir o potencial social natural que existe em toda empresa.
Tanto que o gesto da CVS teve enorme repercussão. Foi saudado por autoridades médicas e lideranças políticas. Até o presidente Barack Obama fez questão de elogiar:
"Como uma das principais redes de varejo e de farmácias da América, a CVS dá um exemplo formidável. Essa decisão ajudará nos esforços para reduzir mortes relacio- nadas ao fumo, ao câncer e às doenças do coração, assim como reduzirá os gastos com saúde", disse comunicado do presidente divulgado no mesmo dia do anúncio da empresa.
O elogio presidencial pode ter custado US$ 2 bilhões à CVS, mas eu tenho a impressão de que valeu cada centavo.

Pedagogia dos games - Marcelo Leite

folha de são paulo
Pedagogia dos games
Jogos melhoram habilidades cognitivas e de percepção, mas não devem ter papel central na sala de aula, dizem cientistas
MARCELO LEITEENVIADO ESPECIAL A CHICAGO
Se você não consegue derrotar o inimigo, una-se a ele. Após anos de oposição a games, vistos como viciantes e competidores pelo tempo e pela atenção do aluno, alguns psicólogos e pedagogos começam a descobrir que eles podem ser aliados em áreas específicas de aprendizado.
Essa aproximação entre jogos e sala de aula foi delineada numa concorrida sessão do encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), no último sábado, em Chicago. Tudo começou com a demonstração de que games não fazem mal à vista, como se afirmava no passado.
Uma pioneira no campo é a neurocientista Daphne Bavelier, das universidades de Rochester (EUA) e Genebra (Suíça), estrela do painel da AAAS. Ela vem publicando há mais de dez anos pesquisas que comprovam um claro aumento da acuidade visual entre jovens jogadores.
E tem mais: jogos "violentos" funcionam melhor. Claro que não é a violência de games como "Unreal Tournament" que faz bem aos olhos, mas o fato de o desempenho do jogador depender de sua capacidade de atingir alvos em movimento --e os jogos dessa categoria mais populares no mercado tendem a ser os mais violentos, também.
Um dos experimentos de Bavelier comparou dois grupos de jovens que jogaram 50 horas ao longo de nove semanas. O primeiro foi submetido a jogos de ação ("violentos"), e o outro, a um game mais ameno como "Os Sims".
Os dois grupos demonstraram melhora na percepção de contraste --algo útil para quem precisa dirigir à noite, por exemplo. Mas os que se dedicaram a jogos de ação tiveram ganho de 43%, contra apenas 11% da turma dos "Sims", e esse efeito perdurou por vários meses.
OLHOS PREGUIÇOSOS
Acuidade visual é a grande deficiência das pessoas com ambliopia, o "olho preguiçoso". Essa condição, em geral resultante de problemas no desenvolvimento do sistema visual em crianças, faz com que elas deixem de usar um olho e percam a visão de profundidade, propiciada pelo ângulo entre os dois olhos.
Bavelier passou então a investigar, em colaboração com Dennis Levi (Berkeley) e David Knill (Rochester), a possibilidade de empregar games para tratar a ambliopia. Com sucesso. "Não é o olho [que melhora], mas o cérebro", diz a neurocientista.
Em 2011, Levi publicou no periódico "Plos Biology" um estudo piloto com 20 jovens adultos que exibiam esse problema de visão. O trabalho mostrou que duas horas diárias de exercícios com games podem originar ganhos de 16% a 54% em diferentes parâmetros de acuidade visual.
Mais importante, esse resultados vieram cinco vezes mais depressa que os obtidos com o tratamento tradicional (tapar o olho bom). E sugerem que podem ser obtidos efeitos permanentes, no caminho oposto da crença de que os circuitos cerebrais para a visão amadurecem cedo e que, portanto, seria muito difícil religá-los.
Bavelier já obteve, em 2012, uma patente para um sistema que utiliza games para tratar ambliopia. Seu sistema desafia os circuitos do olho preguiçoso diminuindo o contraste da imagem que ele enxerga, idêntica à que o olho bom recebe, porém com contraste normal.
A neurocientista não parou por aí. Ela também patenteou a ideia de empregar os jogos para melhorar a capacidade de estimar um número aproximado de objetos, sem contá-los --algo que, em crianças, está associado ao bom desempenho no aprendizado de matemática. "Nosso objetivo é alinhar a mecânica dos games com desafios matemáticos, fazendo os jovens se interessarem por eles."
DIVERSÃO X ENSINO
Essa é a especialidade de Daniel Schwartz, da Universidade Stanford, o segundo a falar no painel da AAAS. Ele criou o seu próprio game, "Critter Corral", para estimular a prontidão matemática de crianças de 3 a 4 anos (o jogo pode ser baixado de graça pelo iTunes).
Schwartz retomou o tema da sessão "" "É claro que eles estão se divertindo, mas estão aprendendo alguma coisa?" "" para responder com um sonoro "não" à pergunta.
Com isso ele quis dizer que o aprendizado obtido com jogos pouco tem a ver com explicações, a atividade central do ensino escolar. No fulcro dos games está uma experiência emocional, e não intelectual, diz o cientista.
"Mas os jogos não são inúteis para escolas. Boas experiências podem preparar as crianças para as explicações", diz Schwartz.
Isso ficou claro para ele após um experimento em que dois grupos jogaram por 15 horas os games "Call of Duty" (de combate em primeira pessoa) e "Civilization" (de estratégia). Em seguida, eles tiveram de realizar tarefas cognitivas relacionadas com a Segunda Guerra e com o desenvolvimento de nações.
A tarefa envolvia formular perguntas de entendimento sobre textos curtos a respeito desses dois temas. As questões propostas pelos participantes foram depois pontuadas por sua pertinência.
Os games não continham informação específica sobre os temas. No entanto, aqueles que jogaram "Call of Duty" se saíram melhor na tarefa sobre a Segunda Guerra. Quem jogou "Civilization" teve desempenho superior nas questões sobre nações.
Schwartz oferece algumas lições para quem quiser desenvolver games educacionais: eles são bons para estimular a percepção e o interesse em áreas de conhecimento, não para informar conteúdo, e só funcionam se criarem uma boa experiência. Portanto, a pior coisa que um designer de game pode fazer é enchê-lo de explicações.

Suzana Herculano-Houzel

folha de são paulo
Perdão
O perdão põe fim ao estresse causado pelo ódio crônico, que estimula hormônios de estresse e perturba o sono
Diz a oração católica que devemos perdoar a quem nos ofendeu (assim como esperamos o perdão divino às nossas ofensas, claro). De fato, a neurociência já sabe que perdoar --tanto pontualmente como por hábito-- favorece o bem-estar e a saúde cardiovascular.
O perdão põe fim ao estresse causado pelo ódio crônico, que estimula a produção de hormônios de estresse, perturba o sono, aumenta o risco cardiovascular e de depressão e ansiedade.
O que acontece no cérebro que perdoa? Um estudo italiano recrutou voluntários para seguir um roteiro que os orientava a imaginar situações de ofensas pessoais, e em seguida os instruía a perdoar o inimigo imaginário ou, ao contrário, os incitava a planejar vingança. Tudo isso acontecia dentro de um aparelho de ressonância magnética, que permitia à equipe acompanhar as mudanças de atividade no cérebro dos voluntários enquanto eles eram perdoavam ou não.
O estudo mostrou que tanto o perdão quanto a vingança envolvem ativação nas mesmas estruturas "" mas de maneiras diferentes. O perdão ocorre quando a ativação do córtex pré-frontal dorsomedial, que regula nosso comportamento emocional, é comandada por duas estruturas que nos permitem adotar o ponto de vista do agressor e reavaliar o estado emocional deste: o precuneus e o lobo parietal inferior, respectivamente. Isso fomenta a empatia, que coíbe ímpetos de retaliação via o córtex pré-frontal, e traz um estado emocional positivo: o alívio do perdão concedido.
Se não há perdão, o córtex pré-frontal dorsomedial também é ativado, mas sob o controle do giro temporal medial, e não do precuneus e do parietal inferior (que também estão ativos, mas ocupados em julgar o agressor um vilão).
O giro temporal medial representa a intenção alheia --nesse caso, de nos fazer mal. Como a agressão foi intencional e não temos empatia com o vilão, o cérebro faz o que é mais sensato: odeia ativamente quem o insultou, sem perdão.
Perdoar, portanto, não depende dos fatos, e sim da nossa avaliação --consciente-- da intenção e das emoções de quem nos ofendeu. Quer perdoar? Coloque-se no lugar do outro. Não quer perdoar? Recuse-se a ver o insulto pelos olhos do seu agressor --o que, francamente, em alguns casos é a coisa sensata a fazer.
O perdão católico universal não nos mantem a salvo de quem não presta. Ruminar o ódio faz mal, mas ainda há saída: banir o infrator da sua vida e mente. Quando não há perdão, a distância ajuda.

    Rosely Sayão

    folha de são paulo
    A cultura do mundo virtual
    Os mais novos não estão aprendendo muita coisa sobre como se comportar quando estão na internet
    O chamado mundo virtual --esse no qual entramos e passamos um tempo quando acessamos a internet-- é demasiadamente real.
    Eu tenho considerado a possibilidade de que o fato de o termos nomeado virtual possa ser uma das razões que colaboram para nos deixar confusos quando estamos nele. É que essa nomeação nos leva a crer que esse é um mundo à parte de nossas vidas. Não é.
    De modo geral, nós adultos, independentemente da classe social, cultural e do nível de escolaridade e/ou de conhecimento, não aprendemos ainda a entender a complexidade desse espaço na prática, ou seja, quando fazemos uso dele.
    Isso significa que os mais novos não estão aprendendo muita coisa em relação a como se comportar quando estão na internet, ou melhor, estão até aprendendo, mas muita coisa errada.
    Já temos diversos e bons protocolos de segurança que ajudam bastante os pais que têm a missão de proteger os filhos quando eles acessam a rede; temos também programas especializados que os pais podem instalar nos computadores que os filhos usam e que impedem que as crianças tenham contato com material inadequado à idade deles ou aos valores familiares.
    Finalmente, temos inúmeras e boas cartilhas de orientação a pais sobre como proceder quando os filhos usam a internet. Não basta. Precisamos avançar.
    Primeiramente, é urgente que aceitemos o fato de que, na internet, não há privacidade. Basta lermos as notícias que as mídias nos apresentam para constatar que nem mesmo dados sigilosos de Estado estão a salvo atualmente. Ora, e por que nossas bobas conversas e/ou comentários virtuais estariam?
    Sim, há quem só se interesse por informações confidenciais que podem ser publicadas por diferentes interesses. Mas há também quem tenha como único motivo expor nossas falhas, nossos preconceitos, nossas fragilidades. E há também quem goste de atacar tudo o que é diferente do que pensa, é bom lembrar.
    Há quem acredite que os comentários grosseiros, agressivos, violentos e pessoais contra autores que têm a coragem de publicar suas opiniões a respeito de variados assuntos só surgiram com o advento da internet. Não, isso é coisa antiga.
    O filme "Hannah Arendt" nos dá uma boa mostra desse fato. A diferença é que, antes da internet, apenas quem trabalhava na imprensa e o próprio autor do artigo sabiam dos comentários grosseiros ou violentos que seu texto suscitava. Hoje, com a internet, eles estão abertos todos.
    Precisamos também considerar o fato de que os mais novos são impulsivos: eles primeiro agem, depois é que pensam. Na internet, isso é um grande problema porque, depois de algo publicado, é difícil, muito difícil, apagar. Até é possível deletar alguma bobagem que falamos ou fizemos, mas se alguém já registrou, já pode estar eternizado. O arrependimento, nesses casos, pode ajudar a não cometer o mesmo erro, mas não absolve o já cometido.
    Não considero que nosso comportamento determine os comportamentos de nossos filhos, netos, alunos etc. Mas, no caso da internet, estamos criando uma cultura para os mais novos. E, atualmente, essa cultura afirma que na internet vale quase tudo e que só quem eu quero tem acesso ao que eu publico; temos construído a ideia de que ela é um parêntesis de nossas vidas.
    Não podemos permitir que as crianças e os jovens acreditem nisso, por isso é importante que sejamos mais críticos, controlados e comedidos em nossas ações na internet, não é verdade?

    Devo deixar de assistir a Woody Allen? - Michael Kepp

    folha de são paulo
    MICHAEL KEPP
    Devo deixar de assistir a Woody Allen?
    Se esquadrinharmos a moralidade dos artistas, o que restará? Sou judeu, mas ouço Wagner, ainda que ele fosse antissemita virulento
    O tribunal da opinião pública dos Estados Unidos, no geral, ignorou a mais interessante questão despertada pela reabertura do caso de suposto abuso sexual de Woody Allen contra a sua filha adotiva Dylan, quando ela tinha sete anos, em 1992.
    Alimentado pela mídia, aquele tribunal parece mais fascinado pela questão de ele tê-la molestado mesmo, ainda que Allen jamais tenha sido formalmente acusado. O público preferiu colocá-lo em julgamento a fazer a pergunta mais interessante: se ele a molestou, será que eu deveria deixar de assistir aos seus filmes? Essa questão acarretaria um desafio moral e filosófico: é possível separar o artista de sua arte?
    Todas essas questões ressurgiram duas semanas depois que Allen recebeu um Globo de Ouro especial pela sua obra (48 filmes), quando Dylan, 28, escreveu uma carta ao "New York Times" na qual pede a nós e a atores dos filmes dele que ouçam sua acusação antes de responder à pergunta: "Qual é seu filme de Woody Allen favorito?".
    Com a pergunta intimidante, ela pretendia fazer com que as pessoas se sentissem culpadas ou ao menos pensassem antes de assistir aos filmes de alguém que ela alega tê-la molestado, antes de trabalhar neles ou antes de honrá-los.
    A cantora Carly Simon reagiu à acusação afirmando que nunca mais assistiria a um filme de Woody Allen. Nicholas Kristof, colunista do "New York Times", questionou: "Será que o padrão para premiar alguém não deveria incluir honradez indisputável?".
    Ou, para reformular a pergunta de Kristof, "não é impossível separar o artista de sua arte?". E minha resposta a isso é "não". Por quê? Porque se não erigirmos essa barreira ética, nos privaremos da capacidade da arte para iluminar as nossas vidas. Se esquadrinhássemos a moralidade de todos os artistas, que arte restaria para apreciarmos?
    Eu sou judeu, mas ouço as óperas de Wagner, ainda que ele fosse um antissemita virulento, e adoro Sinatra, a despeito de suas conexões com a máfia. Admiro a pintura de Caravaggio, ainda que ele tenha assassinado um rival amoroso em uma tentativa de castrá-lo.
    Por quê? Porque a música raramente é ideológica. E as pinturas de Caravaggio nada têm a ver com seu crime. Concordo com Oscar Wilde, segundo quem "todo retrato pintado com sentimento é um retrato do artista, e não do modelo".
    Mas também acredito que quando acontece de o trabalho de um artista refletir seus preconceitos ou impropriedade moral, o que não ocorre nos exemplos citados anteriormente, é nossa obrigação moral atribuir-lhe um valor menor.
    O exemplo clássico é o documentário "Triunfo da Vontade", de Leni Riefenstahl, que ao registrar um congresso nazista em 1934 usou técnicas cinematográficas inovadoras para glorificar Hitler. Sim, o filme é uma obra de arte, mas menor, porque também é propaganda nazista.
    Os filmes de Allen não refletem seus preconceitos ou qualquer impropriedade moral. Eles apenas mostram suas neuroses. Personagens frágeis e comicamente ansiosas buscam a companhia umas das outras em um mundo confuso e de escolhas restritas. E as protagonistas cuja complexidade ele ilumina melhor são as mulheres. Meu mundo seria menor sem elas.

    Vladimir Safatle

    folha de são paulo
    Os vivos e os mortos
    Cleonice Viera de Moraes, Douglas Henrique de Oliveira, Valdinete Rodrigues Pereira. Luiz Felipe Aniceto de Almeida. Esses são apenas alguns nomes de pessoas que morreram devido à atuação da polícia após o início das manifestações, em junho.
    São pessoas que morreram devido a bombas de gás lacrimogêneo, que foram atropeladas ao fugir da violência policial, que caíram de viadutos quando pressionados pela Polícia Militar, entre outros casos.
    Poucas pessoas ouviram esses nomes, poucos se lembram deles e não consta que suas mortes tiveram força para gerar indignação naqueles que, hoje, gritam por uma bisonha "lei de antiterrorismo" no Brasil.
    Para tais arautos da indignação seletiva, tais mortes foram "acidentais", por isso, merecem ser esquecidas.
    Não há nada a se pensar a partir delas. No fundo, elas não significam nada. Mas a morte do cinegrafista, ao menos na narrativa que assola o país há uma semana, não foi um acidente infeliz e estúpido, que merece certamente ser punido de forma clara por sua irresponsabilidade.
    Não, ela é a prova maior de que o Brasil caminha para o caos e que a melhor coisa a fazer é parar com o angelismo diante de "vândalos".
    Bem, é sintomático que a única resposta efetiva às demandas vindas das manifestações de junho seja uma lei que visa transformar o uso de máscaras em crime contra a segurança nacional.
    Como nada foi feito a respeito das exigências de melhores serviços sociais, contra os gastos absurdos para a realização da Copa do Mundo, por democracia efetiva, melhor pedir para senadores do porte moral de Renan Calheiros (PMDB-AL) que aprovem uma lei antiterrorista.
    Da minha parte, os únicos terroristas que consigo enxergar estão exatamente no Congresso Nacional.
    Se querem uma nova lei, uma simples proibição --de uma vez por todas-- da venda de rojões resolveria muita coisa. A melhor maneira de lutar contra a violência é com a escuta. A surdez dos governos em relação às exigências de ação, visando criar as condições para uma qualidade de vida minimamente suportável nas grandes cidades, é a verdadeira causa da violência nas manifestações.
    Escutar significa, por exemplo, não prometer uma Assembleia Constituinte, depois uma reforma política e acabar por apresentar apenas o vazio.
    Significa não baixar o valor das passagens de ônibus para, meses depois, quando tudo parece mais calmo, voltar com o mesmo aumento.
    Significa parar de usar a morte infeliz de alguém para tentar criminalizar a revolta da sociedade brasileira.

      Helio Schwartsman

      folha de são paulo
      Escolas do crime
      SÃO PAULO - A julgar pelos e-mails que recebi, minha coluna de domingo não deixou claro por que considero problemática a ideia de setores mais à direita de que é só colocar mais polícia na rua para equacionar a questão do crime.
      Comecemos pelo que eu não escrevi. Jamais afirmei que devemos renunciar a reprimir delinquentes nem insinuei que a teoria das janelas quebradas, que dá base à política de tolerância zero, está errada. Ao contrário, venho repetidamente dizendo aqui que polícia é fundamental. O grande passo civilizatório da humanidade foi dado quando o Estado reservou para si o monopólio do uso legítimo da violência. Já as janelas quebradas, há evidências, ainda que longe de conclusivas, sugerindo que a tese pode estar correta.
      O problema com a tolerância zero é que ela tende a ser econômica e socialmente contraproducente. É conhecida a fórmula do marquês de Beccaria, segundo a qual é a certeza da punição, e não a dureza de castigo, que serve de freio à criminalidade. Numa abordagem minimamente realista, porém, sabemos que é impossível garantir que todos aqueles que violam a lei serão punidos. Temos de nos conformar com o fato de que apenas parte dos criminosos é apanhada, processada e condenada.
      Agora a pegadinha. Como observa Pinker, a delinquência, a exemplo de tantas outras atividades humanas, segue algo próximo da regra de Pareto, pela qual 80% das consequências vêm de 20% das causas. Trocando em miúdos, um número relativamente reduzido de bandidos responde por grande parte dos crimes. Isso significa que, depois de um certo ótimo, se continuarmos a prender pessoas (que serão cada vez menos perigosas), gastaremos muito para avançar pouco na redução dos delitos.
      Pior, ao colocar um sujeito de baixa periculosidade em contato com bandidos mais eficientes, criamos as famosas escolas do crime --que produzem o oposto do que desejávamos.

      Sanear a USP

      folha de são paulo
      Sanear a USP
      Ninguém precisa consultar rankings de classificação de universidades para saber que a USP é a melhor do Brasil. Com 249 cursos e 58 mil alunos, responde por 22% da produção científica nacional. Mas ser excelente e enorme não garante longa vida a nenhuma instituição, só inércia.
      A julgar pela crise orçamentária em curso, a USP parece ser vítima de seu próprio gigantismo. Uma das primeiras providências adotadas pelo novo reitor, Marco Antonio Zago, foi congelar todos os processos de contratação de professores ou funcionários e suspender o início de quaisquer obras.
      E isso num momento em que o correto seria investir no saneamento da USP Leste, cujas aulas ainda não começaram por causa da contaminação e interdição de seu campus. A situação preocupa.
      Zago baixou a drástica norma para os dois próximos meses, até que a nova administração formule um plano para equacionar a escassez de recursos. A seca é tamanha que a instituição estaria lançando mão de sua reserva estratégica para suprir a insuficiência dos recursos que recebe do Estado.
      A USP fica com 5% do ICMS recolhido dos contribuintes paulistas. Se se confirmar a previsão do governo estadual de arrecadar R$ 122,8 bilhões neste ano, mais de R$ 6 bilhões serão carreados para a universidade. Repetido o padrão de 2013, porém, tudo será engolido pela folha de pagamento.
      Pior, estima-se que R$ 1 bilhão dos R$ 3 bilhões de reservas da entidade já tenha sido despendido. Esse dinheiro deveria servir para investimentos, apenas, e para dar à USP mais flexibilidade no fomento de linhas de pesquisa inovadoras, não para tentar tapar seu buraco sem fundo.
      Na raiz do problema está a falta de flexibilidade do regime de trabalho na USP --para não falar de outras universidades públicas-- e a iniquidade das pensões integrais que paga a seus aposentados. Enquanto não puder mexer nessa variável de seu orçamento, por força da legislação e da jurisprudência, a instituição verá boa parte de suas verbas desviadas de suas atividades-fim.
      Só resta à reitoria, nesse quadro, aumentar a eficiência dos gastos --pois decerto há muito desperdício-- e buscar outras fontes de receita. Congelar gastos, como fez Marco Antonio Zago, é só um pequeno primeiro passo na direção do choque de saneamento que se espera do reitor.

      Vícios parlamentares

      folha de são paulo
      Em prática recorrente e inaceitável, legisladores gastam recursos públicos de forma abusiva sem que descalabro seja investigado
      Parece distante o dia em que os parlamentares brasileiros usarão de forma adequada, sem desperdício de dinheiro público, as verbas a eles disponibilizadas para gastos relativos ao exercício do mandato.
      No início do mês, esta Folha revelou que, em 2013, o Senado destinou R$ 23 milhões para ressarcir legisladores de despesas em tese ligadas à atividade parlamentar, mas na prática justificadas por notas fiscais no mínimo suspeitas --e não raro com valores muito superiores aos de mercado.
      Agora, novas reportagens mostram que o padrão se replica na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Apesar da transparência recentemente tornada obrigatória na prestação de contas, o descalabro e a impunidade persistem.
      No âmbito federal, a Câmara despendeu R$ 160 milhões no ano passado com o reembolso de faturas dos 513 deputados. Cada legislador tem direito a uma cota para arcar com gastos relativos a passagens aéreas, aluguel de escritório, alimentação, combustível e produção de material para divulgação do mandato. O montante varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil, a depender do Estado de origem do congressista.
      Em São Paulo, R$ 20,4 milhões fluíram para o ressarcimento de 94 deputados. Pelas regras estaduais, cada um deles tem direito a até R$ 25.175 mensais para esse fim.
      Sendo tantas as benesses ao alcance dos legisladores, já seria o caso de questionar a existência desse tipo de fundo. A situação tona-se ainda mais grave após simples exame dessas despesas.
      O deputado federal Chico das Verduras (PRP-RR), por exemplo, embora tenha à disposição os assessores da Câmara, gastou R$ 325 mil com consultoria legislativa externa --cifra injustificável, sobretudo para quem, como ele, apresentou apenas dois projetos de lei.
      Jair Bolsonaro (PP-RJ), por sua vez, em plena era da comunicação gratuita e instantânea pela internet, captou R$ 149 mil para serviços postais relativos ao envio de "três ou quatro" boletins informativos para sua base de eleitores.
      Na Assembleia Legislativa paulista, Enio Tatto (PT) considerou oportuno aplicar R$ 144 mil para quitar serviços de gráficas e papelarias, incluindo cartões de fim de ano em dez modelos diferentes.
      É de perguntar o que falta para que as respectivas corregedorias, assim como o Ministério Público, apurem com rigor, punindo quando cabível, os possíveis abusos.
      Talvez a resposta esteja no "vício insanável da amizade" confessado, em 2009, por Edmar Moreira, então deputado federal pelo DEM-MG, corregedor da Casa e celebrizado pelo castelo que construiu. Para ele, era impossível inquirir e punir colegas corruptos.
      Será lamentável se os atuais responsáveis pelas investigações decidirem se espelhar nesse padrão.

      Contra todos [Gregorio Duvivier] - Nelson de Sá

      folha de são paulo
      Contra todos
      Gregorio Duvivier, que apresenta monólogo amanhã em SP, comenta polêmicas e defende politização do humor
      NELSON DE SÁDE SÃO PAULOGregorio Duvivier, 27, integrante do Porta dos Fundos e colunista da Folha, postou há uma semana no Facebook, contra a corrente, no auge da comoção pela morte do cinegrafista Santiago Andrade:
      "Pre-pa-ra que agora o fascismo vem com tudo. Não tem nada mais facilmente manipulável do que a classe média apavorada. A morte foi, definitivamente, uma tragédia. Mas foi uma tragédia muito celebrada. Brace yourselves', diz o seriado. Em bom português: fica esperto".
      Para um comediante, Duvivier é intensamente politizado. E defende ser assim: "Ainda existe uma dicotomia no Brasil, muito burra. Quando a gente faz esquete político, vocês são humoristas ou são políticos?'. Como se você tivesse a possibilidade de não ser político. As pessoas não percebem que você não pode fugir da política".
      Neste ano, o Porta dos Fundos está sob fogo por dois esquetes, um sobre a virgindade de Maria, outro sobre abordagem policial. Ele comenta ambos, na entrevista abaixo.
      Folha - No Twitter, você usa a imagem de Eric Idle [como avatar]. Ele fazia as músicas do Monty Python. Ou faz, porque estão voltando.
      Gregorio Duvivier - O Monty Python mudou a minha vida. O Eric Idle foi sempre com quem mais me identifiquei. Foi o lance das músicas e também o humor surreal, mas um pouco ingênuo. É meu Python favorito, mas gosto deles todos. Nós cinco do Porta vamos lá [a Londres] ver a reunião em julho.
      Muitos dos esquetes do Porta, que Monty Python poderia fazer, por exemplo, aquele do Natal, geram controvérsia aqui. Por quê?
      É um mistério, até veio uma repórter da BBC entrevistar a gente. Eles o assistiram na Inglaterra, gostaram e disseram não entender por que aqui dá processo. Para mim tem a ver com o fato de que os religiosos no Brasil acreditam que são representantes legais de Deus, de Jesus.
      Não só fiéis: eles acham que o sagrado está dentro deles. Quando a gente é processado, é como se Jesus fosse casado, vamos dizer, com Marco Feliciano [pastor e deputado federal]. Como se ele tivesse direito de advogar em nome de Jesus. Isso é impensável num país civilizado.
      Vocês estão sendo processados por Feliciano?
      Por ele, a gente teria ofendido a ele pessoalmente. Só que é estranho, nunca foi dito o nome dele, a gente nunca o citou. A gente agora tem advogado, infelizmente.
      Ele [Feliciano] está tentando achar uma brecha na lei, que é da intolerância religiosa. Realmente existe essa lei, de que você não pode escarnecer da religião de outra pessoa. Só que a gente não está escarnecendo da crença. Jesus é uma figura histórica barra mitológica. Não é uma figura que possa processar.
      A lei também prevê liberdade de expressão, em princípio.
      É, em princípio. Porque o Brasil tem brechas. Essa lei, por exemplo, quase se sobrepõe à liberdade de expressão. Por que você não pode escarnecer de um objeto religioso?
      Depois veio a confusão com o esquete da polícia. Isso vai se tornar constante, a cada três vídeos uma reação pesada?
      É uma pena. O objetivo não é esse, o que a gente gosta de fazer é comédia. A gente evita ao máximo perder tempo com polêmica.
      Além do Porta, houve episódios aqui em São Paulo, envolvendo Rafinha Bastos e outros. Isso não reflete também o fato de que o humor nunca esteve tão forte?
      Acho que tem uma nova fase do humor no Brasil. O humorista dá opinião em primeira pessoa. Antigamente tinha o culto da anedota, que quase sempre era reciclada.
      A gente no Porta não tem nenhuma anedota. E não tem nenhum tabu: religião, homossexualidade, palavrões, marcas, a gente fala de tudo. A única coisa que a gente não faz é repetir anedota: o português burro, a loira burra. A gente não faz, pois vai perpetuar piada antiga.
      Mas ainda existe uma dicotomia no Brasil, que eu acho muito burra, de que "você é um humorista, para de falar sério". Quando a gente faz um esquete político, "vocês são humoristas ou são políticos?". Como se você tivesse a possibilidade de não ser político. As pessoas não percebem que você não pode fugir da política.
      Você publicou um post sobre o caso Santiago. Qual é a sua opinião?
      Cara, eu acho trágico. Lamento muito não só porque é a morte de uma pessoa, que estava trabalhando, que não tem nada a ver com isso. Mas também com tudo o que aconteceu depois, com o uso político da tragédia. Acusações infundadas por parte não só de advogados dos criminosos como também da imprensa. Esses rapazes são criminosos, têm que ser julgados. Agora, tem que parar de desmerecer todo um movimento muito legítimo por causa da ação de criminosos. Que existem, mas são minoria. A maior parte da violência partiu da polícia.
      Está sendo ocultada a violência do outro lado?
      Exatamente. Esquecem os mortos pela polícia. É para investigar todas as mortes nas manifestações. Não é à toa que o maior homicida do Brasil é a Polícia Militar.
      É só isso que acho importante lembrar, antes de aprovar leis antiterrorismo e aumentar o poder e a truculência da PM. Essa não é a solução. A gente vive num Estado democrático e é um absurdo punir manifestantes por um crime que quem cometeu foi uma minoria de imbecis.
        Em monólogo, ator se arrisca até na tragédia
        DE SÃO PAULO
        Gregório Duvivier estará em São Paulo amanhã para uma única apresentação de "Uma Noite na Lua", monólogo nada político, sobre um artista em crise criativa, sem conseguir escrever uma peça.
        Ele diz que o texto "divaga pelo drama, pelo humor, pela tragédia inclusive, um monte de emoções". E fala que vai "envelhecer fazendo essa peça, porque não tem idade, nenhuma restrição".
        Texto e direção são de João Falcão, pai de Clarice --uma das protagonistas do Porta dos Fundos e coautora há três anos, com o marido Duvivier, de uma outra peça, "Inbox".
        Ele conta que conheceu Clarice quando tinha 12 anos. "Ela era amiga da minha irmã, faziam balé juntas." Sua primeira turma no teatro --que não é a trupe do Porta dos Fundos-- também vem dessa época.
        "Z.É. - Zenas Improvisadas" estreou há dez anos, reunindo Duvivier, então com 17 anos, e os amigos Marcelo Adnet, Fernando Caruso e Rafael Queiroga.
        Duvivier conheceu os dois últimos no Tablado, tradicional escola de teatro do Rio de Janeiro, que ele começou a frequentar aos nove anos. Caruso depois introduziu Adnet.
        "Zenas" chegou a fazer temporada em São Paulo, em 2008. Passada uma década da estreia, os quatro ainda se apresentam país afora. "Não entra mais em cartaz, porque é difícil para a gente, com a agenda. Mas a gente adora fazer."
        Segundo ele, "foi a primeira peça de improvisação, numa época que não tinha esse estilo no Brasil". "A gente não conseguia pauta em teatro nenhum, porque queriam o texto. Começou numa sala com 50 lugares e terminou no Vivo Rio, com 2.000."
        Foi sua estreia profissional, já reunindo humor e música. No ano passado, ele coprotagonizou a comédia musical "Como Vencer na Vida sem Fazer Força", original da Broadway, produzido pela dupla Möeller e Botelho.
        Duvivier conta que, com ele próprio e Luiz Fernando Guimarães, "que também é um improvisador, a cada dia era uma peça diferente". O resultado era "um musical maluco, iconoclasta, como Book of Mormons', Avenida Q'".
        Ainda sem saber se "Como Vencer na Vida" fará temporada em São Paulo, diz querer "fazer outros musicais". "Gosto da junção de comédia e música. A Clarice faz muito bem, inclusive. É uma das coisas que admiro nela."
        (NS)
        UMA NOITE NA LUA
        QUANDO amanhã, às 19h
        ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
        QUANTO grátis (ingressos distribuídos meia hora antes)
        CLASSIFICAÇÃO 10 anos

        José Simão

        folha de são paulo
        Ueba! Maldição da sogra!
        E o juiz que não viu o gol do Vasco contra o Flamengo? Entrou 33 cm e ele não viu! O juiz era o Stevie Wonder!
        Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Americana presa por não ter entregado filme que pegou há nove anos na locadora". Qual o nome do filme? "A SOGRA!". Presa por não devolver a sogra. Ou é sequestro ou muito amor! A Maldição da Sogra! E essa: "Pato só vai estrear daqui a um mês em ALAGOAS!". Ou seja, em casa! Rarará!
        E acabou o horário de verão. Todo mundo sem noção! Que horas são? Que horas é hoje? Meio-dia pras quatro? E aí perguntei prum amigo: "Atrasou o relógio?". "Atrasei, antes do ladrão levar".
        E a Dilma acordou eufórica: ganhou mais uma hora de mandato! "Maaaantega! Ganhamos mais uma horinha! Sobe o PIB". Rarará! E apagão é mais econômico que horário de verão. E aí perguntei prum porteiro: "Que horas são?". E ele: "Uma na nova e duas na velha". Rarará!
        E outra piada pronta: "Clássico da paz entre Corinthians e Palmeiras tem ofensas e torcedor preso". Mas em futebol agora tá assim: qualquer ameaça de paz, eles entram em guerra. Rarará!
        Prenderam torcedores com bastão de madeira com pregos na ponta! Mas isso é homem das cavernas! Direto das cavernas. Os trogloditas!
        E o juiz que não viu o gol do Vasco contra o Flamengo? Entrou 33 cm e ele não viu! O juiz era o Stevie Wonder! O Mr. Magoo!
        Na próxima partida, o Flamengo vai jogar com um goleiro e dez juízes! Aliás, nem precisa de goleiro! Se a bola entrar, o juiz não vê mesmo! Rarará!
        E o site Futirinhas diz: "O time mais roubado do Brasil é a Portuguesa. O segundo é o Vasco". E se der apagão, chama o Corinthians que ele vem com a lanterna! Aliás, diz que o Corinthians contratou mais um craque. Pra segurar a lanterna! O Corinthians ficou com a lanterna, só falta acabar a pilha! Rarará!
        E hoje, na rua, eu vi um torcedor corintiano, fiquei com tanta pena que dei um abraço apertado nele! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
        O Brasileiro é Cordial! Olha essa placa num pomar em Minas: "Roubar é crime. Pedir é ser educado. Ficar sem as mãos é aleijado. E se morrer é finado!'. Medo! Pânico!
        E essa outra na estrada Vinhedo-Itatiba: "Si ocê ponhá lixo aqui, vai nascê um cancro no seu *. Pai Jacó". E as pessoas ainda têm medo do Kim Jong-un só porque ele mandou matar o tio! Rarará!
        Nóis sofre, mas nóis goza!
        Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

        Janio de Freitas

        folha de são paulo
        Frutos indigestos
        A presença do advogado deu ao caso uma extensão política duvidosa na origem e polêmica nos seus efeitos
        A presença do advogado Jonas Tadeu alterou os ingredientes resultantes na morte de Santiago Andrade, acrescentando-lhes uma extensão política e ideológica duvidosa na origem e polêmica nos efeitos. É preciso dizer certas coisas desagradáveis, mas necessárias ao entendimento da extensão.
        Entre a causa dos dois acusados e o advogado Jonas Tadeu há um problema sério, que extravasou sem, no entanto, tornar-se publicamente claro. Quando se incumbiu da defesa de Natalino Guimarães, acusado de chefiar poderosa milícia no distante subúrbio carioca de Campo Grande (não na Baixada Fluminense, como antes escrevi), Jonas Tadeu o fez na chamada CPI das Milícias, da Assembleia Legislativa do RJ. Foi um raríssimo momento de ação aplaudida da Assembleia, por levar a resultados uma das suas muitas CPIs contra o crime.
        Foi difícil. Além do tema e suas ameaças implícitas, interesses presentes no plenário e na própria comissão produziram toda a resistência possível. A respeito de Natalino Guimarães, os duros confrontos se deram sobretudo entre o presidente da CPI, deputado Marcelo Freixo, e o advogado Jonas Tadeu. Mas a CPI levou à prisão e condenação do temido Natalino. Uma derrota inesperada e penosa para sua exasperada defesa.
        O PSOL deu importante contribuição para o resultado da CPI. E, nele, destacou-se em especial o seu deputado Marcelo Freixo, que a partir daí ganhou novo nível de projeção nos chamados movimentos populares, até com alguma presença nos meios de comunicação.
        Até o incidente com Santiago Andrade, o PSOL e Marcelo Freixo não pouparam variadas evidências de ligação com os protestos degenerados em quebradeiras e confrontos com a PM. O advogado Jonas Tadeu, portanto, podia saber com antecedência a quem, em pessoa ou como partido, iria encontrar do outro lado, ao defender os agressores de Santiago. Talvez já fosse o caso de Jonas Tadeu "arguir suspeição", providência ética frequente em juízes e advogados. Não quis.
        Nem por isso assumiu a causa ilegitimamente. Viu que parte da imprensa não perdeu tempo em buscar ou insinuar conexão do PSOL e do PSTU com a autoria do incidente. E o que não fez com o primeiro dos presos, fez prontamente com o segundo: atribuiu-lhe recebimento de dinheiro para ir aos atos violentos. Ou, era o que saltava da frase, a existência de patrocinadores das violências.
        Por quem? A suspeição já estava pronta antes de Jonas Tadeu falar em dinheiro. Bastavam, a mais, um bom tempo na TV e a insistência: "Vereadores, deputados, diretórios de partidos. Vereadores, deputados, diretórios de partidos. Ver.....". Quem quis, se serviu, embora por motivos seus.
        O advogado Jonas Tadeu pode ter agido com as mais isentas intenções. Mas a maneira como o fez associa-se à sua conhecida hostilidade com o PSOL e com Marcelo Freixo e seu grupo, e facilita outras hipóteses.
        À margem do sucedido a Santiago Andrade e da situação dos acusados e suas famílias, a extensão acrescentada ao incidente depressa rendeu frutos políticos e ideológicos. Mas estão sendo indigestos para a voracidade dos que se lançaram a eles.

          João Pereira Coutinho

          folha de são paulo
          Penas capitais
          Leio nos jornais que, no Estado americano de Ohio, um condenado demorou quase meia hora a morrer
          Não é fácil encontrar um defensor da pena de morte. Mas, às vezes, deparamos com um exemplar da espécie. E então perguntamos: qual a melhor forma de matar o condenado? Fuzilamento? Decapitação? Câmara de gás?
          A pergunta horroriza os humanistas. Por isso, eles preferem a "injeção letal", uma forma parecida com a vulgar anestesia cirúrgica. É mais "limpo", "indolor", "civilizado", dizem eles.
          Nem sempre. Leio nos jornais que, no Estado americano de Ohio, um condenado demorou quase meia hora a morrer. Tudo porque os Estados Unidos, privados das drogas tradicionais europeias, usaram um novo coquetel de medicamentos.
          Resultado: foi agonia até o fim, com o condenado em sufocamento e dor extrema.
          Ponto prévio: sou radicalmente contra a pena de morte.
          Motivos morais básicos: o homicídio humano não legitima o homicídio de Estado.
          Além disso, imagino que para certos tipos de psicopatas a promessa de serem transformados em "mártires" do sistema judicial é uma atração suplementar para cometerem certas barbaridades midiáticas.
          O julgamento de Timothy McVeigh, o famoso extremista de Oklahoma City que matou mais de 150 pessoas, foi um caso pungente de orgulho e vaidade. Se os Estados Unidos lhe tivessem negado a morte, essa teria sido a maior derrota daquela vida.
          A justiça americana fez-lhe a vontade e McVeigh, na hora da execução, até se deu ao luxo de recitar "Invictus", o poema de William Henley que acompanhou Nelson Mandela na prisão de Robben Island. McVeigh, tal como Mandela, também era "senhor do seu destino" e "capitão da sua alma".
          Aplausos? Eles existem, sim. E, nos últimos tempos, tenho escutado alguns na literatura crítica de Ernest van den Haag. Apresentações: o professor Van den Haag (1914-2002) foi um eminente sociólogo e jurista que, remando contra a corrente, defendeu a pena de morte com todas as letras.
          E o argumento central de Van den Haag é simples e difícil de refutar: para certos criminosos, a morte é a única forma de proteger a comunidade. O professor Van den Haag não fala do tradicional papel "dissuasor" da pena de morte, embora não seja insensível a ele.
          O que interessa a Van den Haag é contestar o conhecido argumento de que a prisão perpétua é tão eficaz quanto a pena capital.
          Se fecharmos um criminoso numa cela para o resto da vida, já estamos a proteger a comunidade --e, claro, a evitar os erros judiciais que continuam a condenar inocentes à morte.
          O professor Van den Haag discorda frontalmente desse raciocínio. Porque, para ele, a palavra "comunidade" não se limita ao mundo que existe fora do presídio. Também existe uma comunidade dentro do presídio. Uma comunidade de guardas e prisioneiros que têm igual direito a uma proteção absoluta e que normalmente são esquecidos ou ignorados nos debates sobre a matéria.
          Para ele, quando a punição máxima fica apenas pela prisão perpétua, sem existir um castigo mais terminal, o condenado sabe que nada tem a perder. A tentativa de fuga; a violência contra guardas e prisioneiros; a repetição de novos homicídios --tudo isso é possível porque o criminoso não teme a punição última: perder a própria vida.
          É essa "isenção", aliás, que funciona como um incentivo para que certos criminosos atuem dentro dos presídios com uma perversa sensação de impunidade. Como responder a isto?
          Lembrando duas coisas, creio. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que Van den Haag tem razão ao admitir que a prisão perpétua pode ser um incentivo ao crime pela ausência de qualquer consequência mais grave para o criminoso. Para usar o ditado, perdido por um, perdido por mil.
          Mas isso não legitima o raciocínio seguinte do autor de que só a morte é eficaz. Ironicamente, é possível usar o mesmo argumento de Van den Haag para defender que a única forma de desarmar um criminoso dentro da prisão passa por conceder-lhe a possibilidade de recuperar a liberdade no futuro. De acordo com certas condutas e limites.
          Vem nos livros: os homens são especialmente perigosos, não quando temem a morte --mas quando perdem toda a esperança.