domingo, 18 de maio de 2014

O governo da gerentona está tonto - Elio Gaspari

jornal o globo
ELIO GASPARI
O governo da gerentona está tonto
Sempre falando em nome do andar de baixo, cada ministro diz uma coisa, e no fim quem ganha é o sonegadorA doutora Dilma deveria chamar os ministros Aloizio Mercadante e Guido Mantega para saber se é verdade que seu governo está represando tarifas e preços de combustíveis. Um diz que está, para o "bem da sociedade". O outro diz que não. Essa pode ser uma discussão interminável, sobretudo se depender da retórica de sábios como Mercadante e Mantega. Ambos patrocinam mais uma versão do Refis (pode me chamar de Bolsa Sonegador). Na sua oitava temporada, ele ressurgiu no entulho da medida provisória 627. Trata-se de um mecanismo pelo qual quem deve à Receita Federal inscreve-se no programa, livra-se de multas e parcela o débito a perder de vista. O Congresso aprovou um absurdo, esquecendo-se até mesmo de estabelecer um prazo para a quitação. A doutora Dilma vetou a maracutaia, mas sua essência tramita numa nova MP, a 638. Os beneficiários desse mimo serão, sobretudo, grandes empresas. Nas versões anteriores, bancos e multinacionais safaram-se de autuações que chegavam a R$ 680 bilhões. A Vale ganhou um desconto de R$ 45 bilhões. A Companhia Siderúrgica Nacional livrou-se de um espeto de R$ 5 bilhões, e a petroquímica Braskem limpou uma conta de R$ 1,9 bilhão.
Em 12 anos de governo, com sucessivas versões do Refis, o comissariado criou uma segunda porta nas relações com o fisco. Numa, quem deve paga. Nessa modalidade estão pequenos empresários apanhados num pulo de gato ou num erro. Grandes empresas, com serviços financeiros (e advogados) de primeira, aprenderam que o governo se assusta quando fica sem caixa e, para raspar o tacho, reduz suas cobranças a preços camaradas. Assim, o melhor negócio é não pagar o que a Receita cobra, à espera
do próximo Refis.
BOLA NA REDE
A doutora Dilma cobrou e marcou. Vetou o contrabando incluído na medida provisória 627 que aliviava as operadoras de planos de saúde
do pagamento das multas por negativa de serviços contratados pelos quais recebem.
Era uma verdadeira gracinha. Quanto mais procedimentos a operadora negasse, menor seria o custo unitário da multa. Um claro estímulo à delinquência. Fica um mistério: quem pôs o gato na tuba e conseguiu aprovar a medida na Câmara e no Senado. O deputado Eduardo Cunha, relator da MP, diz que não foi ele. Quem foi, não diz. Informa apenas que discutiu o assunto com comissários da Casa Civil e do Ministério da Saúde. Sabe-se que pelo menos uma grande operadora achou que aquilo era uma maluquice. Sabe-se também que o próprio Cunha teria advertido os interessados que o truque ia dar bolo.
O LOBO DE TRILUSSA
Vendo-se a fala de Lula propondo que o PT recupere "o orgulho" no combate à corrupção, sai da tumba do poeta italiano Trilussa (1871-1950) uma de sua fábulas:
"Um lobo disse a Deus:
-Algumas ovelhas dizem que eu roubo muito. Precisamos acabar com essa maledicência.
E Deus respondeu:
-Roube menos."
(A fábula vale para qualquer cacique que venha com o mesmo discurso.)
A GRANDE REFINARIA
De um sábio:
"Pela tradição, as CPIs em torno da Petrobras dão em nada ou em denúncias envolvendo quinquilharias. Se essa nova comissão trabalhar a sério, vai-se perceber que a refinaria de Pasadena é mixaria se comparada com o que aconteceu na Abreu e Lima, de Pernambuco."
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e há anos insiste em proclamar que se faz uma injustiça quando se diz que Paulo Maluf tinha milhões de dólares no exterior. O deputado nega que esse dinheiro fosse dele e tem razão. O ervanário é do idiota, que está pronto para assumir a paternidade das contas.
Agora, um tribunal suíço revelou que a Alstom depositou US$ 2,7 milhões numa conta controlada por Robson Marinho e sua mulher.
Ele foi chefe da Casa Civil no governo tucano de Mário Covas e hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. O doutor diz que nunca recebeu dinheiro da Alstom.
É verdade, de novo. O ervanário era do cretino.
Se a Justiça aceitar o pleito de Eremildo, resolve-se uma parte
do problema, pois ninguém precisará perguntar para onde ia o dinheiro depois que a Alstom pingava os capilés.
PEDRA CANTADA
O senador Aécio Neves sabia perfeitamente em que água navegava quando orgulhou-se de ter no Solidariedade o primeiro partido a apoiar sua candidatura.
Se não lhe bastasse a sombra do mensalão mineiro, aproximou-se da rede de influência do doleiro Alberto Youssef, que estava restrita ao PT e ao PP. O deputado Luiz Argôlo, do Solidariedade, trocou 1.411 mensagens com o doleiro.
REFIS-PILOTO
Nos próximos quatro domingos o signatário estará ausente deste espaço, integralmente dedicado ao projeto-piloto de um novo tipo de Refis. Em vez de trabalhar e pagar impostos, continuará pagando o que lhe cobram, mas ficará sem trabalhar. Se der certo, muda a história do mundo.
CELSO DANIEL VOLTA A ASSOMBRAR O PT
O sequestro e assassinato de Celso Daniel parecia esquecido. O prefeito de Santo André era o coordenador da campanha de Lula em 2002, foi capturado na saída de um restaurante e dois dias depois seu corpo apareceu numa estrada deserta, com 11 tiros. Segundo a polícia paulista, o sequestro foi coisa de uma quadrilha que o confundiu com outra pessoa. A execução teria sido praticada por um menor de idade.
Parte da família de Celso Daniel não acredita nessa conclusão. Passados 12 anos, coisas esquisitas aconteceram: seis pessoas envolvidas no caso foram assassinadas a tiros e uma promotora que investigava o caso sofreu um acidente automobilístico, mas sobreviveu.
Os inquéritos da polícia foram contestados pelo Ministério Público, mas a iniciativa foi travada na Justiça, iniciando-se um litígio que está no Supremo Tribunal Federal. Os promotores acusam de envolvimento no crime o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que dirigia o carro do prefeito quando ele foi sequestrado. Se essa tese prevalecer, não houve delito comum, mas outra coisa, mais grave.
A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), filha de um empresário de transportes de Santo André, diz a quem quiser ouvir que seu pai era extorquido por uma quadrilha anexa à prefeitura que levava o dinheiro ao comissário José Dirceu. Segundo ela, Celso Daniel queria desmontar o bando.
Assim como o tucanato desafiou a sorte mantendo o caso do cartel da Alstom em banho-maria, o comissariado poderá perceber que a procrastinação do julgamento do empresário foi manobra temerária.
Gabrilli pergunta: "Porque 'Sérgio Sombra' não foi julgado?".
Se o STF destravar o processo, é difícil, mas pode até acontecer de Sombra ir a julgamento antes da eleição.

    Esquizofrenia: ideologia versus ciência

    folha de são paulo
    RODRIGO BRESSAN
    Esquizofrenia: ideologia versus ciência
    As políticas de saúde mental são pautadas em ideologias da década de 70. Transtornos mentais são comuns demais para ainda termos preconceito
    Neste 18 de maio, é celebrado o dia da Luta Antimanicomial. Avanços foram obtidos nesta década de vigência da lei da reforma psiquiátrica. Em vez de continuarem à margem nos hospitais psiquiátricos, os portadores de transtornos mentais graves passaram a ser atendidos em ambulatórios ou nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial). No entanto, essas políticas estão anacrônicas e privam os pacientes dos melhores tratamentos.
    O diagnóstico de um transtorno mental grave como a esquizofrenia é frequentemente entendido como uma sentença de comprometimento da vida em sociedade. A ciência mostra, porém, que o diagnóstico é o eixo articulador de estratégias terapêuticas para a remissão de sintomas e a reabilitação das pessoas.
    Diversos trabalhos científicos demonstram de forma inequívoca que a esquizofrenia afeta a formação de redes neurológicas e que a dopamina, substância que promove a conexão de algumas vias neuronais, desregula-se, determinando a ocorrência de sintomas psicóticos como delírios e alucinações. Quando uma pessoa com esquizofrenia diz estar ouvindo vozes de alienígenas, essas vozes existem, não são loucura.
    Estudos mostram que o cérebro dessa pessoa produz as vozes, portanto, ela as está ouvindo, mas não consegue ativar áreas que permitem perceber serem uma criação. Assim, a pessoa tende a se desorganizar e fazer coisas que normalmente caracterizamos como loucuras.
    Medicações são capazes de bloquear o aumento da atividade da dopamina, levando a uma redução dos delírios. Esse tratamento é fundamental para o início de um processo de reabilitação. Estima-se que 1% da população mundial tenha esquizofrenia e os recursos gastos no tratamento da doença em países desenvolvidos são maiores do que os destinados ao tratamento de todos os tipos de câncer somados.
    É fundamental que o tratamento seja de longo prazo, pois o foco é tanto a reabilitação quanto a prevenção. A cada recaída, o paciente tem pioras significativas, necessitando de doses mais altas de medicação e eventualmente de internações psiquiátricas. Há um progresso da deterioração das alterações cerebrais e todo o processo de reabilitação volta à estaca zero até que haja controle dos sintomas psicóticos.
    Com a progressão da doença, 30% dos pacientes ficam refratários às medicações convencionais e só o uso da clozapina permite o controle da doença. Isso é o que preconiza a abordagem contemporânea do transtorno. Para pacientes com dificuldade de adesão, chegaram medicações de última geração que podem ser injetadas mensalmente, reduzindo o desgaste da tomada via oral.
    Dados do Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo avaliando Caps da região metropolitana de São Paulo confirmam que 30% dos pacientes com esquizofrenia são refratários ao tratamento (não respondem positivamente à medicação). Destes, 27% tomam clozapina --portanto, 73% dos pacientes refratários são negligenciados. A clozapina é fornecida pelo Estado gratuitamente. Por que não é utilizada adequadamente?
    As políticas de saúde mental implementadas são pautadas em ideologias da década de 70, não incorporam os avanços das neurociências. Os transtornos mentais são comuns demais para que continuemos a vê-los com preconceito. São doenças como quaisquer outras, mas que têm a peculiaridade de afetar o órgão do corpo que nos diz quem somos.