sábado, 25 de janeiro de 2014

#depoimento Na oposição à ditadura militar vivíamos unidos -e melhor? - Clovis Rossi

Depoimento: Na oposição à ditadura militar vivíamos unidos -e melhor?

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Olho para a foto dos palanques mais prováveis de 2014, comparo-os com o das Diretas-Já, 30 anos atrás, e fico tentado a recordar uma frase irônica que os espanhóis inventaram nos primeiros anos de sua democracia recém-reconquistada, nos anos 70.
Diziam: "CONTRA a ditadura vivíamos melhor".
Decodificando: os grupos que haviam sido contra a ditadura de Francisco Franco não sentiam saudades da ditadura, mesmo ante as inevitáveis dificuldades de viver em democracia, mas lamentavam ter perdido a unidade que haviam exibido durante o longo inverno autoritário.
Volto aos palanques de agora e de antes. Em 2014, Dilma Rousseff ocupa um palanque, ao passo que seu padrinho Lula compartilhava o palco em 1984 com:
1 - Tancredo Neves, cujo neto, Aécio, é agora e por enquanto o principal rival de Dilma. Aliás, o partido de Tancredo, o PMDB, rachou-se em muitos pedaços, quando, em 1984, seu líder inconteste chamava-se Ulysses Guimarães, o incansável "Sr. Diretas".
2 - Fernando Henrique Cardoso, o único, com Lula, ainda vivo, das grandes figuras daquela época.
3 - Miguel Arraes, cujo neto, Eduardo Campos, para mim o Dudu de incursões pelo agreste, é agora adversário de Dilma e Lula, mais uma subdivisão do palanque das diretas.
Sem falar em Leonel Brizola, que não deixou herdeiros para 2014, quando, em 1984, incendiava a praça com gestos largos e seu inconfundível "gauchês".
As Diretas-Já não foram um simples movimento de massas, o primeiro de grande porte desde que a memória alcança. Foram um porre cívico, que inundou de alegria praças públicas de todo o país. É paradoxal que, em vez de raiva pelos 21 anos de ditadura, houvesse alegria pela possibilidade de pedir aos gritos o restabelecimento da soberania popular.
Os partidos de oposição, claro, estavam à frente, mas a festa, na verdade, era da praça, da rua. Difícil dizer se havia mais admiração do público pelos líderes que estavam no palanque ou dos líderes pela quantidade de gente que se reunia –e cantava e gritava e agitava bandeiras.
Em um país tradicionalmente apático, foi um choque de multidões. Para mim, que vinha de festas ainda mais numerosas na Argentina pela reconquista da democracia, era um deslumbramento. Afinal, era a chance de votar pela primeira vez para presidente, apesar de já ter então 40 anos, 20 de jornalismo. Sentia-me vítima de uma castração cívica.
Pena que o Congresso deu as costas à rua e não aprovou a emenda. Minha tese, de impossível comprovação, é que o Brasil seria um país melhor se o pleito direto tivesse sido em 1985, em vez de 1989. No mínimo ter-se-ia evitado a cruel ironia de, na primeira votação democrática, o eleito ter sido um "filhote da ditadura", como Brizola chamava, com razão, Fernando Collor. 

Humoristas definem o que significa ser paulistano

folha de são paulo - revista são paulo

Humoristas definem o que significa ser paulistano

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Ser paulistano pode significar utilizar "meu" antes de qualquer outra palavra ou terminar uma frase com "Tá, ligado mano?". Pode ser, ainda, sinônimo de uma espécie de super-herói, às vezes, estressado, atrasado e que precisa vencer os congestionamentos desviando de motoboys alucinados.
Os retratos dos moradores de São Paulo surgiram nas respostas de 15 humoristas, nascidos ou radicados na capital paulista. Entre eles estão Alexandre Porpetone, Danilo Gentili, Rafael Cortez e Tom Cavalcante.
Confira como todos responderam a esta pergunta: O que significa ser paulistano?
Editoria de Arte/Folhapress
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"É ir pro serviço de ônibus e voltar nadando. É passar a metade do dia no trânsito, desviando de motoboys alucinados. É ter um vizinho gritando:'Vai, Curinthia!'. É ter as quatro estações do ano no mesmo dia. É ir pro serviço enquanto tem gente voltando da balada. É viver a noite e o dia intensamente."
Alexandre Porpetone, 36, de São Paulo (SP)
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"Não ter uma estátua de braços abertos como símbolo da cidade, mas ser uma cidade que recebe todos de braços abertos"
Danilo Gentili, 34, de Santo André (SP)
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"É saber receber as pessoas de todas as partes do país muito bem. É ter a conveniência de uma cidade que não dorme, acostumar-se com isso e depoisficar indignado quando viaja e vê que os outros lugares não são assim! É tomar chope, falar alto, comer pizza, e acabar toda frase dizendo: 'Tá ligado mano?'."
Diogo Portugal, 44, de Curitiba (PR)
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"O paulistano é um super-herói em luta eterna contra o tempo, as filas, o trânsito, os alagamentos, o mau humor alheio e o próprio e a privação de sono. O super-herói geralmente mora em gaiolas com vista para outras gaiolas e gosta de viver em grupo. Em dias de folga, opta por se aglomerar em shoppings, parques, praias, feiras e baladas em busca de lazer..."
Grace Gianoukas, 50, de Rio Grande (RS)
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"Tem de falar 'meu...' antes de qualquer outra palavra e pegar um trânsito de boa!!!rs"
Luiz França, 39, de Senhor do Bonfim (BA)
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Ser paulistano é...

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João Brito
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Alexandre Porpetone, 36, mora em São Paulo desde que nasceu e "paga o IPTU desde então"
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"É ter um país inteiro dentro de um país inteiro... Poder comprar de um alfinete a um navio... Ouvir música de um realejo ou de uma orquestra internacional... Comer um pastel de feira ou jantar num restaurante cinco estrelas... Do malabarista no farol a um musical da Broadway..."
Marcelo Mansfield, 41 (tá bom!!), de São Paulo (SP)
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"Simpatia, cultura, agilidade. Essas são as principais características de um paulistano! Adotei essa cidade para viver, trouxe meus filhos... Hoje,moro com minha mulher Renata, nosso filho Luca (único paulistano) e meus dois filhos do primeiro casamento, Cauê e Mariah. Todos adoram morar aqui!"
Marcelo Marrom, 41, de Niterói (RJ)
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"Quando estamos cansados de estresse, trânsito, fila e resolvemos passar o feriado no Guarujá, que é a mesma coisa, mas com chuva."
Mauricio Meirelles, 30, do Rio de Janeiro (RJ)
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"Significa achar demais comer de madrugada, mesmo que a comida seja cara. E achar que duas horas de trânsito pra voltar do trabalho foi um tempo bom."
Murilo Couto, 25, de Belém (PA)
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"Ser paulistano significa exercitar diariamente a paciência e o autocontrole no trânsito, tentando convencer a si mesmo de que o custo vale o benefício..."
Paulo Bonfá, 41, de São Paulo (SP)
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"Ser paulistano é não ter medo de trabalho rsrs. Aqui tudo funciona!Gosto muito da plateia paulistana, uma das melhores que tem."
Paulinho Serra, 37, do Rio de Janeiro (RJ)
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"Significa conviver com uma cidade pacífica e plenamente acessível no mês de janeiro para, ao longo de todos os meses seguintes, vê-la transformada num caos de trânsito, superlotação e loucura! É como se São Paulo fossecriança no começo do ano e depois já pulasse para a adolescência rebelde..."
Rafael Cortez, 37, de São Paulo (SP)
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"Considero ter realizado uma espécie de casamento com São Paulo. No início, um namoro espetacular, conhecendo lugares, amigos e umagradável congestionamento noturno: 'E aí gatinha, tá indo pra onde?'. Depois, veio a rotina: contas, portas fechadas, a renite, e um trânsito com novos diálogos: 'Tá com pressa? Passa por cima filho da p...!'."
Robson Nunes, 31, de São Bernardo do Campo (SP)
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"Brinco que se você for ao Rio e falar mal da cidade o carioca vai falar: 'Aê, mermão... Tá louco parceiro? O Rio é sinistro!'. Se você for a Bahia e falar que Salvador tem muitos problemas, o baiano vai defender: 'A Bahia é linda! Vamos comer um acarajé e você vai mudar de ideia'. Se você chegar em um paulista e disser: 'Que trânsito de merda tem nesta cidade'. Ele vai responder: 'É verdade, parceiro. Tá fod* morar aqui, não aguento mais'."
Rudy Landucci, 29, de São Paulo (SP)
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"Paulistano é aquele cara que acorda cedinho, atrasado, escova os dentes, toma banho rápido, confere as notícias passando pelo Instagram, Twitter, Facebook, envia mensagens pondo seus posts nos três ao mesmo tempo. Sai com pressa, corre para o carro sem verificar a placa de rodízio, levando cinco multas até chegar ao seu destino."
Tom Cavalcante, 51, de Fortaleza (SP) 

Se a emenda passasse, Ulysses provavelmente teria sido eleito - Marcelo Coelho

folha de são paulo
ANÁLISE
Se a emenda passasse, Ulysses provavelmente teria sido eleito
Adesismo que marcou a transição para a democracia teria começado antes
As alternativas dramáticas do passado parecem, com o passar do tempo, convergir para o mesmo lugar

MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHAO candidato natural à Presidência, caso a emenda das Diretas-Já tivesse sido aprovada, era Ulysses Guimarães, do PMDB. A opção por Tancredo Neves, mais moderada e conciliatória, estava reservada no caso de fracasso. O exercício de imaginar o que aconteceria com Ulysses na Presidência pode ser arriscado, mas não difícil.
O primeiro impulso seria o de imaginar uma ruptura mais clara com o regime militar; seria inimaginável uma Vice-Presidência ocupada pelo ex-arenista José Sarney, ou um ministério tão heterogêneo quanto o que se produziu depois, abrigando velhos defensores da ditadura militar como Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel e Aureliano Chaves.
Mas este é só o primeiro impulso. Para aprovar a emenda das diretas, seria necessário ter feito uma composição mais ampla no Congresso. Mais raposas ligadas ao antigo regime teriam de dobrar-se à vontade popular.
Parlamentares como Siqueira Campos (então GO), Edison Lobão (MA), Sebastião Curió (PA), José Carlos Martinez (PR), Reinhold Stephanes (PR) ou Nelson Marchezan (RS) precisariam desvencilhar-se mais cedo de seus compromissos com o autoritarismo.
Siqueira Campos hoje é governador tucano de Tocantins, Edison Lobão é ministro de Dilma, José Carlos Martinez foi presidente do PTB quando se deu o acordo do mensalão com Lula, Reinhold Stephanes foi ministro de Collor, FHC e Lula, e Nelson Marchezan terminou sua carreira nos braços do PSDB. Ou seja, o adesismo geral que marcou a transição para a democracia nas mãos de Tancredo e Sarney teria provavelmente apenas começado antes, com Ulysses.
O espírito político, mas aqui entramos no impalpável, teria sido diferente. A vitória do movimento das diretas representaria um estímulo maior à participação popular, produzindo a sensação de que as elites políticas são um pouco mais dependentes dos desejos da praça pública.
Ao mesmo tempo, é possível pensar que a Constituição de 1988 teria sido menos "cidadã" e ambiciosa na formulação dos direitos sociais. Sua elaboração, sob a influência de Ulysses Guimarães, foi de certo modo uma válvula de escape para as frustrações da esquerda e, sem dúvida, uma arma permanentemente apontada contra a Presidência de Sarney.
Ir mais além na especulação já seria delirante. Qual teria sido o comportamento da inflação num governo eleito diretamente? Teria havido um Plano Cruzado? Provavelmente sim; tanto Sarney quanto Ulysses não teriam como propor algo mais ortodoxo em política econômica. O fracasso em controlar a inflação teria levado fatalmente ao surgimento de Collor?
As alternativas dramáticas do passado parecem, com o passar do tempo, convergir para o mesmo lugar; os políticos brasileiros em geral sabem disso, e se adiantam ao processo.

    Políticos que votaram contra emenda não se arrependem

    folha de são paulo Diretas Já ,30
    Deputados do PDS afirmam que consolidaram a redemocratização do país
    'Hoje não votaria, não há o que justifique', diz Felix Mendonça, o único que lamenta ter votado contra emenda
    AGUIRRE TALENTODE BRASÍLIA
    Ex-deputados que em 1984 votaram contra a emenda Dante de Oliveira defendem hoje o voto direto, mas não se arrependem da posição adotada naquela época.
    Eles avaliam que as eleições indiretas foram necessárias para a "abertura gradual" da ditadura militar.
    Dos cinco ex-deputados entrevistados pela Folha entre os 65 que foram contra a emenda das diretas, só um afirmou ter se arrependido. Todos eram filiados ao PDS, o partido herdeiro da Arena, de apoio ao regime militar.
    A maioria dos que participaram da votação de 1984 se afastou da política. Muitos morreram. O único com destaque hoje é o governador de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), 85, na época deputado por Goiás. Procurado, ele não respondeu à reportagem.
    O maranhense Magno Bacelar, 75, diz que não se lembra por que votou contra, mas que não há justificativa: "Hoje não votaria, não há o que justifique. Hoje defendo que só há uma maneira de legitimar o poder, o voto direto".
    O ex-deputado baiano Félix Mendonça, 85, cujo filho Félix Mendonça Jr. (PDT-BA) lhe sucede na política como deputado federal, afirma que o voto contra a emenda ocorreu por uma estratégia para eleger Tancredo Neves.
    "Havia um medo do presidente Tancredo de que isso [a eleição direta] pudesse tumultuar o processo, então era melhor nós votarmos a indireta e eleger Tancredo."
    O ex-deputado Osvaldo Coelho, 82, de Pernambuco, critica o atual sistema eleitoral. Sobre a emenda Dante, ele explica: "Quando a gente votou contra as diretas, a gente não era contra a abertura, só tinha que ser gradual".
    Vivaldo Frota, 85, do Amazonas, seguiu o partido: "Eu, como cidadão, acho que as diretas eram uma boa, mas as votações no Congresso de todas essas mudanças seguiam a ordem das lideranças".
    O ex-deputado paraense Jorge Arbage, 89, também afirma agora ser favorável ao voto direto. "Devido às circunstâncias daquela época, achávamos que não era hora ainda [das eleições diretas]". 

    Xico Sá

    folha de são paulo
    Lampions League e o amor
    Nessa macambúzia e sorumbática retomada do futebol brasileiro, só a Copa do Nordeste emociona
    Amigo torcedor, amigo secador, nessa macambúzia e sorumbática retomada do futebol brasileiro, só a Lampions League, também conhecida como Copa do Nordeste, emociona. Com público infinitamente superior a todos os estaduais, a Lampions é digna de Virgulino Ferreira e o seu banditismo por questão de classe, como firmaram o historiador Eric Hobsbawn e o malungo Chico Science.
    Só a Lampions é futebol ao melhor estilo "onde os fracos não têm vez". Só a Lampions tem no Visca, técnico do Náutico, o cavaleiro da maluquíssima figura. Bateu o Sport, depois de um tabu de uma década, em plena Ilha de Lost. Fez a festa com seu habitual gesto de dublê de louco do hospício da Tamarineira. Folclórico uma ova, gênio na linhagem de Oswald de Andrade: a alegria é a prova dos nove.
    Alguns rubro-negros amigos ficaram "chatiados"(sic) com o comportamento do comandante dos timbus. Bobagem. Chega dessa correçãozinha. Como se a gente do Sport primasse pela elegância permanente em matéria de sarro e comemorações. Por mais Viscas e menos coxinhas no futiba, por mais delírio e menos estrategistas de araque.
    Mais amor, por favor. Aí já me pego comovido como o diabo por um gesto bonito lá em Ribeirão Preto. O Caxassa (sic, ic, ic, ic), amigo entre muitos presentes que herdei do doutor Sócrates, chora até agora --pense num cineasta emotivo! Trato, evidentemente, da declaração de amor do zagueiro Edimar, do Comercial, o Bafo.
    Depois da derrota para o Palmeiras, na quinta, o último romântico caipira não se escondeu nas frias explicações fajutas e técnicas dos boleiros. Foi tudo culpa do amor, disse o rapaz do interior.
    "Sabrina, eu te amo, volta para mim. Que o tempo que você pediu possa acabar, que a gente se dê bem, e daqui para frente, quero te dar alegria e felicidade. Estou aí para conquistá-la de novo", afirmou.
    Que coisa linda, linda, linda. Mesmo zagueiro, ele havia ensaiado, até em sonho, um gol para a mina, musa, mulher. Não deu. Valeu a declaração pública na TV. Volta para o Edimar, minha querida, está cada vez mais raro homem de pronunciamento. Só tem cara frouxo. Ninguém sequer pede mais em namoro. Volta pra zaga, Sabrina, recompõe este sistema defensivo do Bafo.
    Amor e futebol, a tabelinha perfeita. Pena que tantos escondem, mas quantas desilusões definem o que acontece no campo de jogo. Quantas traições mudaram resultados. Imagina um camisa 1 que desconfia que a sua mulher está com outro no exato momento em que defende a meta do seu time? O escritor Flávio Moreira da Costa tem um belo conto sobre o tema: "A Solidão do Goleiro", no livro "22 Contistas em Campo" (Ediouro). Recomendo.
    Imagina um chifre em um jogo da Copa? Novo Maracanazzo na certa. Só o amor e as empreiteiras das arenas superfaturadas constroem. Até a próxima.
    @xicosa

      André Singer

      folha de são paulo
      A romaria de Davos
      A ida de Dilma Rousseff ao Fórum Econômico Mundial faz parte de um árduo roteiro, uma espécie de caminho de Compostela, que a mandatária se vê condenada a cumprir para obter a absolvição dos endinheirados. Há um ano o governo busca, sem sucesso, mostrar ao mercado financeiro que desistiu da "aventura" desenvolvimentista e deseja restabelecer o "status quo ante".
      Agora, ao subir pessoalmente a íngreme montanha de Davos, Dilma paga mais um pedaço da longa penitência. Na meia hora que lhe deram para se confessar, ela depositou no altar das finanças as oferendas de praxe. Garantiu que busca o Graal do centro da meta inflacionária, deixou entrever um superavit alto a ser anunciado em breve e chamou a flutuação cambial de, nada menos, que a nossa primeira linha de defesa.
      O problema é que os financistas parecem não entender a linguagem do lulismo. O Banco Central aumenta os juros desde abril de 2013. Na forma de um mimo pré-Davos, estabeleceu uma Selic que nem o mercado esperava.
      Mas os donos do dinheiro não se deixaram abalar com esses repetidos gestos materiais de devoção. Reportagem publicada pelo "Valor Econômico" (21/1) mostrou que para banqueiros e gestores de recursos "o melhor dos mundos seria que a presidente Dilma Rousseff não se elegesse para um segundo mandato". Ressaltando que o clima "já foi pior", o jornal dá conta de que para as duas dezenas de personagens ouvidos pelas jornalistas, "é preciso tempo para saber se houve, de fato, uma mudança de rumo ou se são ações pontuais".
      Desconfiados, os donos do dinheiro querem compromissos explícitos, firmados perante a chama ardente dos holofotes televisivos, para conceder a almejada absolvição. Para usar imagem antiga, porém expressiva, exigem que a presidente beije a cruz. Isso poderia ocorrer por meio de uma ruptura explícita com as antigas crenças, por exemplo, concedendo independência legal ao BC. Ou então, rompendo com velhas relações de solidariedade política ao trocar o heterodoxo Guido Mantega por um liberal à frente do Ministério da Fazenda.
      Dilma tem se recusado a beijar a cruz, tentando, por meio de concessões reais e simbologia homeopática convencer os antigos desafetos de que é confiável sem pagar o preço de abjurar os compromissos de antanho. Mas as promessas de contenção fiscal feitas na romaria de Davos, que se torna o ponto sensível quando os juros sobem, pois o dinheiro precisa sair de algum lugar, serão logo cobradas.
      Já em fevereiro, o mercado vai exigir um superavit primário robusto e um contingenciamento idem para garanti-lo. É só esperar.

      Ruy Castro

      folha de são paulo
      Um passado pela frente
      RIO DE JANEIRO - Antonio Carlos Jobim faria 87 anos hoje. Se ainda estivesse entre nós (morreu em dezembro de 1994), ficaria contente de constatar a força da bossa nova, a música que ele e grande elenco construíram nos anos 50 e 60. E a força da sua própria música --custou, mas, agora, o Brasil toca mais Jobim do que nas últimas décadas de vida do maestro. Ele me dizia que não se conformava em ser mais reconhecido em Nova York do que aqui.
      As coisas mudaram mesmo. Neste fim de semana, no Rio, turistas e nativos têm à sua escolha um tentador cardápio de Jobim e bossa nova. A Casa Julieta de Serpa, no Flamengo, receberá hoje Wanda Sá com um show em homenagem a Tom. Amanhã, a Julieta de Serpa caberá a Leny Andrade, mas o homenageado será Durval Ferreira, autor de "Estamos Aí", "Tristeza de Nós Dois" e "Batida Diferente" --no mesmo palco em que os dois fizeram um show inesquecível em 2007, o último de Durval, a poucos meses de sua morte.
      No Imperator, no Meier, o guitarrista Mario Adnet e uma formação de 13 feras oferecerão uma visão jazzística de Jobim, explorando seus ricos temas instrumentais, menos conhecidos. No Horse's Neck, em Copacabana, a cantora Ithamara Koorax dedicará a noite não apenas a Tom, mas também a Luiz Bonfá, Marcos Valle e a um artista raramente lembrado como compositor --João Gilberto.
      No novo Tom do Leblon, na rua Bartolomeu Mitre, o pianista Osmar Milito desfilará seu inesgotável repertório de Jobim e receberá amigos do aniversariante --entre os quais, quem sabe, Carlos Lyra e Marcos Valle. A poucos metros, no antigo Bar do Tom, também no Leblon, outro pianista, Marcos Ariel, despejará fagulhas ao fundir bossa nova e bebop.
      Contra todas as correntes, e mesmo que para poucos e felizes, Tom Jobim e a bossa nova parecem ter um indestrutível passado pela frente.

      José Simão

      folha de são paulo
      Ueba! Se dirigir, não Bieber!
      E São Paulo é assim: tem 867 shows, 2.643 filmes e 632 peças e você pode dizer: 'Oba! Vou ficar em casa'
      Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da Repúbica! E o peso argentino tá tão desvalorizado que tão chamando de peso morto! Qual é a moeda da Argentina? Peso morto. Peso pena!
      E um amigo tá indo viajar pra Argentina com uma caixa de Miojo, eles aceitam pra pagar hotel, táxi, restaurante! É o "miojito". Rarará!
      E o Bieber foi preso! O Bieber foi pra Papuda! O Danoninho Rebelde: tirando racha bêbado e doidão. E aí uma amiga escreveu no Facebook: se dirigir, não Bieber! Rarará!
      E a foto do Bieber com aquele uniforme laranja parece aquele seriado da Netflix: "Orange Is the New Black". Essa foto vai ser capa do novo CD: "O Danoninho Rebelde".
      E eu sempre disse que o Bieber parece um chocalho: faz um barulho irritante, mas as crianças adoram. E um leitor mandou perguntar se o Bieber fez vaquinha tipo Genoino pra pagar a fiança! Rarará!
      É hoje! UHU! Aniversário de São Paulo! São Paulo foi fundada há 460 anos. E afundada na última enchente. Todo ano eu dou a mesma definição. Até que não tenha mais enchente, em 2890! E São Paulo ganhou uma montadora especial para a cidade: a HYNUNDAY! Rarará!
      E carro em São Paulo paga IPTU. Bem imóvel! E uma biba me disse que São Paulo tem tanto gay que devia se chamar São Paula! Rarará.
      São Paulo é a capital da gastronomia: todo mundo come todo mundo! E em São Paulo tem tanto dinheiro que você só é rico se for pra outra cidade. Porque em São Paulo todo mundo é mais rico que você! Rarará!
      E paulista é o único povo que leva macarrão a sério. Macarrão em São Paulo tem nome, sobrenome e recheio: pappardelle com recheio de trufas com molho de tangerina e cupuaçu, tagliatelle com shiitake e shimeji! Tudo tem shiitake! Quem foi o desgraçado que inventou o shiitake? Rarará!
      São Paulo parece a capital do Líbano: Maluf, Haddad, Kassab, Alckmin e Skaf! E São Paulo é assim: tem 867 shows, 2.643 filmes e 632 peças e você pode dizer: "Oba! Vou ficar em casa". Você fica em casa por opção e não por falta de opção.
      Por isso que eu amo São Paulo. Não troco por nenhuma praia paradisíaca. Não quero morar em Bali! Quero morar em São Paulo. Estressado e gripado. Rarará.
      E São Paulo é tão workaholic que tem carteiro na segunda-feira de Carnaval! Rarará!
      Nóis sofre, mas nóis goza!
      Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

      Monica Bergamo

      folha de são paulo

      'Sou guardião de um anjo', diz Marcos Mion sobre filho especial

      "Deus me deu um presente. Fui um dos escolhidos", foi assim que o apresentador Marcos Mion, 34, iniciou um texto em seu perfil no Facebook na quarta. "Quem somos nós? Famílias abençoadas com uma criança especial."
      *
      Trata-se de Romeo, 8. A revelação de que um dos seus filhos -é pai ainda de Donatella, 5, e Stefano, 3- tem um distúrbio de desenvolvimento que não se encaixa 100% no diagnóstico de autismo repercutiu e gerou apoio. A seguir, o depoimento do apresentador de "Legendários" (Record) à coluna:
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      "A primeira palavra que o Romeo falou foi mamãe, no dia do aniversário dele de um ano. Estava dentro dos padrões, mas bebê é tudo igual. Meus pais são médicos e minha mãe percebeu logo cedo a demora dele em desenvolver a fala e começou a conversar comigo e com minha mulher, Suzana [Gullo].
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      Marcos Mion fala sobre o filho especial

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      Arquivo Pessoal
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      Marcos Mion com o filho Romeo, 8, que tem distúrbio de desenvolvimento: "Crianças como ele estão aqui para nos ensinar. Sou guardião de um anjo. Somos os escolhidos"
      A gente visitou inúmeros especialistas no Brasil e no exterior. Todos dizem que ele não é autista. O espectro do autismo é amplo. Envolve comunicação, interação social e padrões comportamentais estereotipados. Como Romeo apresenta menos de seis sintomas, ele foi diagnosticado com um distúrbio de desenvolvimento definido como 'invasivo e sem outras especificações'.
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      Um estudo de 2007 mostra que uma em cada 150 pessoas tem genes autistas. Existem graus severos, em que a criança não suporta o toque nem se comunica. Mas, mesmo assim, ela pode evoluir.
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      Nunca tivemos um momento de desespero, de falar: 'Meu Deus, e agora?'. Romeo é uma bênção. Aprendemos todos os dias ao conviver com uma criança que é amor puro. Você coloca os pés na terra dos valores reais. É um privilégio.
      Com estímulo correto, amor e apoio, elas respondem constantemente. Foi por isso que resolvi contar a nossa história. Foi emocionante ler mensagens do tipo: eu tenho um irmão, um filho assim. Existem milhares como ele. O retorno foi maravilhoso, por termos dado uma luz na vida de pais que procuram entender o que o filho tem. No Brasil, as pessoas têm pouca informação. Recebi mensagens de pais contando que o filho foi diagnosticado autista com um ano e meio, dois anos. Isso é crime.
      *
      Sei que um monte de especialistas vai me crucificar, mas ficar preso ao diagnóstico é a maneira mais fácil de limitar a pessoa. Ouvi histórias de médicos que dizem para as famílias: 'Se preparem para cuidar dessa criança a vida inteira, economizem'.
      *
      Quando se coloca esse carimbo, os pais podem perder a esperança e deixar de dar os estímulos de que o filho precisa. E tem o preconceito. Por isso falo que essas crianças estão dentro de um espectro com muitas variáveis.
      *
      O caminho delas é ilimitado. A evolução do Romeo tem sido constante. Foi tudo muito orgânico. Após muita pesquisa, levamos ele, aos 3 anos, para Miami, onde encontramos uma clínica, um lugar mágico. Nos identificamos com a metodologia. Passamos um ano e meio lá, direto. A família inteira, um intensivo.
      *
      Eu viajava para Miami toda semana. Agora, vão entender a minha motivação para um gasto e uma disposição tão grandes. Os profissionais são importantes, mas os pais são fundamentais. Duas vezes por semana, eu dormia no avião. Na ida, ia do aeroporto direto para a clínica. Na volta, ia direto para o estúdio.
      *
      A última vez que voltamos à clínica foi no ano passado. Ele e os irmãos amam ir para lá. Não quero falar o nome nem dar detalhes do método, pois cada família tem que encontrar seu caminho. Não existem duas crianças iguais, com os mesmos sintomas.
      *
      Romeo é totalmente voltado para arte e tecnologia. É muito sensível. Crianças como ele estão aqui para nos ensinar. Sou guardião de um anjo. Somos os escolhidos.
      *
      Ele é bom aluno. Estuda numa escola bilíngue e fala inglês e português. É o popular da classe. Aprende no ritmo dele. Pesquisamos muitas escolas e escolhemos aquela que abraçou nossa família e nos deu oportunidade de ficar próximos. Permitiu que colocássemos uma profissional para estar com ele lá.
      *
      Além da professora, conta com outra especializada em inclusão. Tem aulas que faz com a classe, outras só com ela, naquelas matérias em que não consegue ter a mesma eficiência. Faz natação, fonoaudióloga. Vai ao clube e à casa dos avós e primos.
      *
      Quando ele tinha dificuldades maiores, nós o protegemos até ele ter uma base para um desenvolvimento firme. Hoje, em Miami, ele já fica sozinho com outros meninos no parque. O coração fica na mão ao vê-lo no escorregador, mas a gente deixa, e ele se joga.
      *
      Eu sempre quis ser pai. Gosto de prover, de cuidar. Romeo é o elo mais forte da nossa família. A minha maior motivação para ser uma pessoa melhor é por ele e para ele. Sou eternamente grato a ele por ter escolhido a Suzana e a mim e ter abençoado nossa vida."
      CURTO-CIRCUITO
      Hoje, aniversário de SP, o Itaú Cultural abre às 11h exposição com fotos da cidade feitas entre 1940 e 1970. Curadoria de Iatã Cannabrava.
      Com regência de John Neschling, uma gravação da Osesp de 2005 para a "Sinfonia nº 1 de Beethoven" foi eleita uma das mais importantes da história pela revista inglesa "Gramophone".
      Os Titãs farão show no Camarote Brahma no Sambódromo de São Paulo, no sábado de Carnaval. 
      mônica bergamo
      Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

      Novo livro de Adélia Prado dá força inesperada ao antiquado - Alcir Pécora

      folha de são paulo
      CRÍTICA - POESIA
      Novo livro de Adélia Prado dá força inesperada ao antiquado
      'Miserere' usa o supostamente ultrapassado para fugir do medo da morte
      ALCIR PÉCORAESPECIAL PARA A FOLHA
      "Miserere", novo livro de Adélia Prado, 78, é ótimo exemplo de como simbologias tradicionais, carregadas de mitos e de interditos supostamente ultrapassados, podem ganhar uma inesperada força como repertório poético.
      A primeira explicação, em negativo, não é difícil de encontrar: aceito o pressuposto desse mundo vetusto, perde-se o medo de confessar idade, exaustão, pobreza e sujeira, pois a carência se reinterpreta como promessa de eternidade.
      Abre-se uma fresta no paradigma existencial contemporâneo, restrito à banalidade laica, presentista, pragmática.
      O que poderia ser visto como dogmático e conservador acaba funcionando como alívio para o efeito rebote da obrigatoriedade de se manter jovem, saudável, feliz, "up to date".
      O que haja de antiquado nas figurações da crença, de repente, anima vasta ressignificação sensória da vida diante dos programas profiláticos e assépticos da cosmética e da medicina, muito mais próximas agora do que admitiria Platão.
      Em versos brancos livres, de léxico corrente e cortes gramaticais, Adélia pode falar, por exemplo, "num mundo bom onde se come errado,/ delícia de marmitas de carboidrato e torresmos" (em "Qualquer Coisa que Brilhe"); ou: "Minha mão tem manchas,/ pintas marrons como ovinhos de codorna" (em "Avós"); "Deus, tem piedade de mim./ Peço porque estou viva/ e sou louca por açúcar" ("Distrações no Velório").
      NÃO TEMER A MORTE
      O tom sentencioso e edificante é geralmente temperado por uma atitude bem-humorada e vigorosa diante do pânico da doença e da morte, esta que foi higienicamente desaparecida da vista dos amigos e parentes para se tornar um caso técnico hospitalar, como evidenciou o historiador francês Philippe Ariès.
      Adélia, ao contrário, pode dizer: "Tem braços acolhedores/ e vem cheia de vida./ É Deus a poderosa morte" ("O Hospedeiro").
      E quando propõe "dormir na própria cruz sem sobressaltos, como um bebê brincando com suas fezes" ("A Criatura") canta um mundo às avessas daquele do "grande Bazar" surdo, no qual todos "falam a mesma língua e têm o mesmo preço/ do Concurso de miss para criancinhas'" ("Sacramental").
      Há uma segunda explicação, desta vez imanente, para as qualidades de "Miserere". Nalguns pontos altos do livro, o erotismo, o amor do corpo, se dá em associação direta com a evocação da vigilância repressora do pai e da unidade uterina com a mãe.
      Assim: "o Senhor da vida olhava-me/ como olham os reis/ as servas com quem se deitam" ("Pomar"); "vi o dedo,/ o meu, este que, dentro de minha mãe,/ a expensas dela formou-se" ("Contramor").
      O BELO E O SUJO
      Resulta daí uma geração e parturição no que repugna, não no que é belo: "O verdadeiro é sujo, destinadamente sujo" ("Branca de Neve"); "Pois o encontro agora escuro e fosco/ no dia radioso é único e não cintila(...) Abba! Abba! Aceita o que me enoja,/ gosma que me ocultou o Teu rosto" ("Qualquer Coisa que Brilhe").
      Em termos católicos, que são os pertinentes aqui, apenas neste ponto opaco e cego do abandono se aceita Deus, sendo aceito por ele.
      Entretanto, como reconhece Adélia, falta-lhe coragem para dizer tudo o que, segundo ela mesma, se dito, "em mim mesma produziria vergonha, vários me odiariam" ("Branca de Neve").
      Uma língua menos gentil talvez fizesse mal a Adélia, mas faria muito bem a sua poesia.

      Painel das Letras - Raquel Cozer

      folha de são paulo

      Jeitinho americano

      Milhares de livros de editoras brasileiras, como Intrínseca, Zahar e Iluminuras, têm sido comercializados ilegalmente no site Knol.pw, que anuncia preços "95% menores que os da Amazon" —algo em torno de US$ 0,40 por livro. A página, americana e sem dados de contato, reúne 1,8 milhão de títulos em sete idiomas. Informa que obras ainda não disponíveis têm boa chance de entrar no catálogo se estiverem à venda na Amazon ou em outras lojas, bastando ao usuário fazer o pedido. Uma curiosidade é que, para juntar créditos, o usuário deve enviar à loja pirata um vale-compras da Amazon. Procurada, a varejista americana não se manifestou até a conclusão desta edição. A Associação Brasileira de Direitos Reprográficos diz que fará a denúncia ao Departamento de Justiça dos EUA.
      FILHOTES DE PRINCESAS
      Com 30 mil cópias vendidas em seis meses, "O Livro das Princesas", projeto da Galera Record que reuniu autoras brasileiras e americanas em novas versões de contos de fadas, rende crias. Sai em maio "O Livro dos Vilões", com contos das americanas Cecily von Ziegesar (sobre as irmãs de Cinderela) e Diana Peterfreund (sobre Malévola) e dos brasileiros Carina Rissi (sobre a madrasta da Branca de Neve) e Fabio Yabu (sobre o Lobo Mau). Além disso, Paula Pimenta, uma das autoras de "O Livro das Princesas", prepara um livro com a ampliação de sua versão para "Cinderela" e outro com releitura de "A Bela Adormecida".
      Divulgação
      INFANTIL Vencedor do Hans Christian Andersen e do Children's Laureate, o britânico Anthony Browne é uma das apostas da Pequena Zahar para 2014; 'Vozes no Parque' (acima) e 'Na Floresta' saem em fevereiro
      INFANTIL Vencedor do Hans Christian Andersen e do Children's Laureate, o britânico Anthony Browne é uma das apostas da Pequena Zahar para 2014; 'Vozes no Parque' (acima) e 'Na Floresta' saem em fevereiro
      Nova fase Maria Emília Bender, que deixou a Companhia das Letras em 2012, após mais de duas décadas na casa, junta-se à equipe de edição da revista "piauí", ao lado de Claudia Antunes, João Moreira Salles e do diretor de Redação Fernando Barros.
      Mudança O vencedor do Pulitzer (por "As Horas") Michael Cunningham passará a ser editado pela Bertrand Brasil. Seu próximo romance, "The Snow Queen", previsto para maio em língua inglesa, já chega pela nova editora. A Companhia das Letras, que lançou cinco obras do autor, mantém o catálogo.
      Maigret São nove os livros de Georges Simenon previstos para 2014 pela Companhia das Letras, que passa a publicar as histórias do inspetor Maigret. "Pietr, o Letão", "O Enforcado de Saint-Pholien" e "O Cavalariço da Providence" saem em abril, com projeto gráfico de Alceu Nunes, a ser aproveitado pela Penguin americana e inglesa.
      Maigret 2 Para a data, estão programados eventos em São Paulo, Rio e Curitiba, com presença de autores nacionais de policiais e de John Simenon, filho do belga.
      Russo Após se aventurar em romances juvenis, a historiadora Mary del Priore prepara sua primeira ficção adulta. Será baseada em cartas que lhe foram entregues pelo poeta Affonso Romano de Sant'Anna. Foram escritas por um aristocrata russo que veio ao Brasil no século 19, juntou-se a uma jovem rica, enviuvou, empobreceu e casou de novo, desta vez com uma mucama, com quem teve três filhos.
      Russo 2 Por falar em russos, Gary Shteyngart, autor de "Absurdistão", fez o caminho inverso e se arriscou na não ficção com "Little Failure", memórias bem recebidas por crítica e público. O livro estreou em oitavo lugar entre os best-sellers do "New York Times" e sairá pela Rocco como "Fracassinho".
      Manutenção Passada a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt, a Biblioteca Nacional mantém para 2014 os mesmos R$ 200 mil que no ano passado foram destinados a seu Programa de Intercâmbio de Autores Brasileiros no Exterior, parte das ações para exportar a literatura nacional (veja edital em www.bn.br). Desde 2012, foram gastos R$ 330 mil no programa, totalizando 66 bolsas. 
      painel das letras
      Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de literatura, mercado editorial e políticas de livro e leitura. É colunista e repórter da 'Ilustrada', naFolha, desde 2012, com passagem anterior pelo caderno de 2006 a 2009. Foi repórter do 'Sabático', no 'Estado de S. Paulo', e do jornal 'Agora', do Grupo Folha. Também trabalhou nas editoras Abril, Globo e Record. Escreve a coluna Painel das Letras, aos sábados.

      Drauzio Varella

      folha de são paulo
      São Paulo
      O que me encanta e desafia é a imprevisibilidade, o estar por fazer, a paisagem humana, a confusão urbana
      A cidade em que passamos a infância nos perseguirá pela vida afora.
      Podemos mudar para outras regiões ou países distantes, viver por décadas na neve ou no sol escaldante, na calmaria da província ou no burburinho da metrópole, não importa, as ruas de nossos primeiros passos estarão em cada esquina.
      Nasci no Brás, bairro cinzento, com ruas de paralelepípedos, em que o apito das fábricas marcava a rotina dos operários com as marmitas, os afazeres das donas de casa e da molecada que passava o dia comigo no futebol na calçada da fábrica, em frente à casa em que morávamos.
      Numa época em que as famílias levavam as cadeiras para fora nas noites de calor e as contas de luz, água e telefone eram pagas no centro, a cidade já havia crescido tanto que para não me perder na multidão da rua Direita, Praça da Sé ou viaduto do Chá, precisava agarrar firme a mão enorme de meu pai.
      São Paulo seguiu em delírio de grandeza. As fábricas emigraram, a prestação de serviços virou fonte de riqueza, avenidas, lojas, bancos e supermercados chegaram a bairros distantes. Moradias e escritórios cresceram na vertical. Para ver a lua, corro risco de vida debruçado na janela do meu prédio. É um formigueiro de gente afobada. O trânsito insuportável não respeita horário nem fluxo e contrafluxo. A violência urbana, enfermidade contagiosa, virou fobia universal. Construímos mais cadeias superlotadas.
      São Paulo é sobretudo feia. Esbanja mau gosto no neoclassicismo brega dos edifícios com nomes franceses, nas vitrines, no desleixo generalizado com as fachadas, nas grades que aprisionam famílias, na pichação grosseira, na cafonice das decorações natalinas, na iluminação mortiça das noites, na americanice grandiloquente dos shoppings, no emaranhado de fios elétricos, nas casas sem reboque das favelas e da periferia inchada, no lixo das calçadas, na tragédia da cracolândia e na miséria andrajosa dos moradores de rua.
      Conheci cidades sem um cisco no chão, habitadas por cidadãos instruídos, à beira-mar ou no meio das montanhas, com horizontes a perder de vista, ruas sem imprevistos, silenciosas às oito da noite, bares que fecham às dez. Lugares idílicos, aprazíveis num fim de semana, mas para neuróticos com a alma impregnada pela balbúrdia paulistana, como este que vos escreve, morar neles seria flertar com o suicídio.
      O que me encanta e desafia em São Paulo é justamente o estar por fazer, a imprevisibilidade, a confusão urbana que me obriga a reinventar o jeito de viver a cada ano que passa.
      É a paisagem humana, o caldeirão de negros, brancos, mulatos e orientais, senhoras de roupas recatadas, meninos com o boné virado para trás, homens de gravata, casais que se beijam na boca no meio dos transeuntes, mulheres sedutoras, homossexuais de mãos dadas, camelôs, bêbados, travestis, putas, entregadores de pizza e a legião de motoqueiros que zumbe entre nossos carros atolados no asfalto.
      Pernambucanos, paraenses, gaúchos, bolivianos, europeus, asiáticos, africanos, a cidade acolhe a todos. Não que os receba de braços abertos, longe disso, mas se chegam dispostos a trabalhar ninguém lhes pergunta de onde vieram.
      Hoje, há mais verde nas ruas. Alheios à poluição florescem ipês amarelos, roxos e brancos, flamboyants vermelhos e alaranjados, tipuanas de flores miúdas que atapetam as calçadas, jacarandás mimosos e as sibipirunas com flores amarelas que imitam canários pousados nas copas.
      Os pássaros estão por toda parte: bem-te-vis, sanhaços, tico-ticos, chupins, maritacas em algazarra, sabiás-laranjeira que cantam de madrugada. Se até eles que podem voar para qualquer sítio escolhem viver neste inferno, por que não eu?
      Quero passar o resto dos dias nesta cidade atormentada, desigual, agressiva, gigantesca, absurda, com museus, livrarias, cadeias, botequins, restaurantes, orquestras sinfônicas e mais de cem espetáculos teatrais no fim de semana, ainda que as obrigações e os congestionamentos não me permitam ir a esses lugares.
      E, acima de tudo, trabalhar e conviver com a massa crítica de seres inquietos, diversificados, com histórias de vida e visões do mundo estranhas às minhas, que construirá a São Paulo dos meus bisnetos.