domingo, 9 de fevereiro de 2014

Projeto de lei veda uso de animal vivo para aula de medicina em SP

Projeto de lei veda uso de animal vivo para aula de medicina em SP
Proibição afetaria formação de novos cirurgiões e prejudicaria pacientes, afirmam faculdades
Prática cai em desuso nos EUA, onde curso se tornou mais longo; modelo não funcionaria no Brasil, diz médico
RAFAEL GARCIAFOLHA DE SÃO PAULOUm projeto de lei pode afetar o ensino de medicina no Estado de São Paulo. Se a nova regra for aprovada, faculdades ficariam impedidas de usar animais vivos para treinamento de cirurgiões.
A proposta é do mesmo deputado autor da lei estadual que veda o uso de animais em testes de cosméticos, sancionada no mês passado. O projeto que afeta o ensino de medicina tramita desde 2012, mas só atraiu atenção no fim do ano passado, com a invasão do Instituto Royal --centro de pesquisa que usava cães em testes de drogas.
O autor do projeto, Feliciano Filho (PEN), diz que pretende aproveitar o súbito aumento do interesse político por questões de direitos dos animais para reavivá-lo.
A ideia de banir o uso de animais vivos no ensino médico encontra resistência.
"Se essa proibição for adotada, o prejudicado não vai ser o cirurgião, e sim o doente", afirma Paulo Roberto Corsi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Para ele, não é possível ainda substituir o uso de animais por manequins e simulações de computador, conforme propõe autor do projeto.
"Estão começando a surgir alguns simuladores, a maioria para cirurgia videolaparoscópica [com incisões pequenas]", diz Corsi que também é vice-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. "Para cirurgia convencional, porém, que requer o corte aberto, não existe modelo adequado que substitua o animal de experimentação."
A espécie mais usada para aulas dessa disciplina em faculdades de medicina é o porco, com abdome de tamanho similar ao humano. Faculdades de medicina afirmam que evitam causar sofrimento nos suínos, pois todos eles são anestesiados durante os procedimentos cirúrgicos e abatidos antes de recobrar os sentidos para que não sintam nenhuma dor.
"O procedimento é feito com ética, com respeito ao animal, na presença de um professor e com acompanhamento de um veterinário", afirma Antônio Carlos Lopes, diretor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp). "Mas o aluno precisa entrar em contato com sangue, com pinçamento de vasos e com suturas em tecido vivo, que é diferente de tecido morto e de qualquer outro material."
Segundo o médico, as boas faculdades de São Paulo já aboliram o uso de animais em aulas de anatomia e fisiologia nas quais não eram estritamente necessários.
INVASÃO
No curso de medicina da PUC-Campinas usa-se manequins de anatomia em aulas mais elementares, software para simular efeito de drogas e preparados em tubo de ensaio para demonstrar algumas reações metabólicas.
Mesmo buscando reduzir o uso de animais, a universidade teve uma aula invadida no ano passado por ativistas que filmaram porcos em cirurgia. Gustavo Henrique da Silva, coordenador de cursos na PUC-Campinas, se disse surpreso por a universidade ter virado alvo do ativismo.
"O procedimento feito ali tinha sido aprovado pelo comitê de ética da universidade, que é bem atuante, e estava sendo realizado com todo o rigor possível", diz.
O projeto de lei, porém, alega que mesmo esse tipo de aula já caiu em desuso nos EUA. A ONG Humane Society lista apenas quatro escolas médicas que ainda usam animais vivos no país. Universidades americanas têm cursos mais longos, nos quais alunos acompanham cirurgiões experientes e só mexem em tecido vivo aos poucos.
Para Lopes, da Unifesp, porém, adotar o modelo dos EUA é inviável no Brasil. "Aqui não podemos nos dar ao luxo de fazer tudo isso, quando temos que colocar o médico rapidamente na linha de frente para trabalhar", diz.
    Deputado tem ONG investigada por maus tratos
    DE SÃO PAULO"Não sou um deputado que abraçou a causa animal, sou um ativista que entendeu que tinha de trocar a espada pela caneta", diz Feliciano Filho, criador do projeto de lei questionado pelos médicos.
    Autor de outras propostas relacionadas a direitos dos animais, Feliciano é fundador de um abrigo para cães abandonados em Campinas. Auto-intitula-se "recordista" da causa.
    "Já fiz mais de 5.000 resgates de animais e tenho mais de 1.000 gravados", conta. Cães recolhidos ganhavam abrigo na UPA (União Protetora dos Animais), ONG que fundou.
    Filiado ao Partido Ecológico Nacional, que tentou oferecer a legenda para a candidatura Marina Silva, Feliciano diz ser contra o uso de animais em pesquisa também, mas não propôs lei que o proíba. Teve aprovado um projeto de lei que obriga rotulagem de produtos testados em animais, vetado em seguida pelo governador.
    Em agosto de 2013, a UPA foi alvo de ação policial que constatou maus tratos a animais. Cinco filhotes foram achados mortos, e dez cães estavam à beira da morte num local cheio de fezes. O cenário era normal, diz Feliciano, alegando que só resgata cães doentes e alguns não conseguem se recuperar.
    "Aquilo não passou de uma armação política" diz, sobre o episódio, ainda sob investigação. (RG)

      O sorriso guardado de Coutinho - Walter Carvalho

      folha de são paulo
      ARQUIVO ABERTO - MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
      O sorriso guardado de Coutinho
      Rio, 1984
      WALTER CARVALHOTinha 14 anos quando conheci Eduardo Coutinho. Na época dividia meu tempo entre o colégio e o campo de peladas na minha João Pessoa, em 1962. Vladimir Carvalho, meu irmão, já ingressado no cinema como documentarista, hospedou em nossa casa o cineasta. Coutinho passava pela Paraíba com a chamada UNE Volante, do CPC (Centro Popular de Cultura).
      Vladimir se encarregou de levá-lo para conhecer dona Elizabeth, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, e seu filho Abraão.
      Coutinho tinha o projeto de filmar "Cabra Marcado para Morrer", sobre o assassinato de Teixeira. As filmagens foram interrompidas em 1964, após o golpe militar. O documentário só seria lançado em 1984, tornando-se um dos ícones do cinema brasileiro.
      Vi em minha casa pela primeira vez --e ainda hoje, na semana de sua morte, trago na memória-- aquela figura magra, de rosto recortado e óculos espessos, que fumava muito e falava sem parar sobre as questões que envolviam a história do filme.
      A cada final de frase colocava a expressão "compreende...", que em geral dizia duas vezes, com um leve sotaque do sul, puxado pelo erre forte dos paulistas.
      Minha mãe e eu, depois que Coutinho deixou nossa casa, ficamos os dois a repetir a expressão "compreende..., compreende..." entre nós, de forma engraçada.
      O tempo passou e seis anos depois fui morar no Rio para tentar o vestibular na Escola Superior de Desenho Industrial, da UERJ. Nessa época, meu irmão Vladimir me levou para conhecer a Cinemateca do MAM, onde me apresentou a Cosme Alves Neto, diretor da instituição no período.
      Na Cinemateca avistei Coutinho pela segunda vez e pude me aproximar da figura carismática que continuava falando rápido, "compreende...", acendendo um cigarro após outro, carregando no ombro a famosa bolsa de couro cru comprada nos confins da Paraíba.
      Aos poucos nos aproximamos e lembro claramente que logo ele procurou saber dos companheiros do João Pedro Teixeira e de dona Elizabeth, que naquela ocasião vivia ainda na clandestinidade.
      Alguns anos se passaram e sempre me encontrava com Coutinho, embora ainda envolvido com minha escola, enquanto trabalhava como "graphic designer" no próprio Museu de Arte Moderna.
      Em 1984, eu já estava completamente mordido pela fotografia e com alguns filmes no currículo. Recebi, pouco depois da estreia de "Cabra Marcado", um telefonema de Coutinho, me convidando para registrar o encontro de dona Elizabeth e seus filhos no Rio. Seria um momento histórico, pois ela não os via havia mais de 20 anos.
      Fomos, no carro de uma amiga, para Ramos, bairro onde morei na casa de uma tia, em 1968. Minha presença ali era útil, pois era o único que conhecia as ruas do local.
      O mês era maio, o sol límpido iluminava a praia de Ramos, ofuscando a Ilha do Governador no sentido oposto. O clima quente era suave naquela época do ano. Nossos corações batiam apressados, na expectativa do que iríamos presenciar logo mais.
      Fomos primeiro à casa de uma das filhas. Ela levou um grande susto, tamanha a surpresa de ver a mãe fragilizada e em lágrimas.
      Caminhamos em grupo rua afora para o encontro mais importante daquele dia: a mãe, o filho José Eudes, as irmãs Marta e Marinês, Coutinho e a criançada da família.
      Batemos palmas à moda nordestina para anunciar a visita. O que vi, com a tarefa de fotografar, foi uma cena de extrema emoção, todos se abraçavam e choravam sem dizer uma palavra, impulsionados pelo sentimento de uma família despedaçada.
      Eduardo Coutinho, contido, mas profundamente emocionado, presenciou a cena com distanciamento, mas havia em seu semblante, entre um cigarro e outro, um sorriso guardado por ter cumprido mais uma tarefa de aproximar aquelas pessoas, que ele mesmo havia revelado para o mundo com seu filme.
      Sempre falávamos dessa aventura em nossos encontros, lamentando o nosso erro em não ter filmado. Coutinho dizia que o "Cabra Marcado" poderia continuar ali outra fase. E ria ao comentar aquela nossa incursão: "Nós não somos documentaristas".

        Homem, lobo do cão - Marcelo Leite

        folha de são paulo
        MARCELO LEITE
        Homem, lobo do cão
        Para conviver com seres humanos, cães perderam algo da capacidade de interagir com semelhantes
        "Homo homini lupus" (homem, lobo do homem), célebre dito de Plauto (254 a.C.""184 a.C.) reciclado por Thomas Hobbes (1588-1679) para falar da guerra de todos contra todos, pode ganhar uma variante canina. Agora dá para afirmar também, e de maneira mais amigável, que o homem é o lobo do cão.
        Melhor dizendo: há fortes indicações de que homens ocuparam o lugar simbólico de outros lobos quando este animal foi domesticado, mais de 15 mil anos atrás, e deu origem aos cachorros. Se naquele tempo os ancestrais dos cães prestavam muita atenção em seus semelhantes, essa habilidade parece ter sido cooptada para facilitar a comunicação entre humanos e caninos.
        Pelo menos é isso o que sugere um estudo de Friederike Range e Zsófia Virányi, do Instituto de Pesquisa Messerli da Universidade de Viena. O trabalho foi publicado no periódico "PLOS One" no dia 29.
        A alemã Range e a húngara Virányi queriam saber se cães e lobos são igualmente capazes de imitar o comportamento de seus colegas. Descobriram que não, para desdouro dos cães e tristeza de seus admiradores (como este colunista).
        Para chegar à conclusão, montaram um laborioso experimento. Primeiro, foi preciso criar duas matilhas (uma de lobos, outra de vira-latas) em condições iguais, desde as primeiras semanas de vida, em contato constante com tratadores humanos, inclusive durante o sono.
        Quando os animais alcançaram a idade de seis meses, 14 lobos e 15 cães foram submetidos à mesma tarefa: mover uma alavanca, com a pata ou com a boca, para abrir a tampa de uma caixa e pegar uma guloseima, mas só depois de observar um outro cão treinado para isso realizar a mesma operação. Quatro vídeos detalhando o procedimento podem ser vistos aqui: 10.1371/journal.pone.0086559 (os vídeos estão no final do artigo).
        Todos os lobos testados conseguiram abrir a caixa pelo menos uma vez, mas só depois de presenciar a ação praticada por outro animal. No grupo de controle, cujos integrantes tinham de se virar sozinhos para descobrir como abrir a caixa, houve fracasso generalizado.
        Cachorros deixados à própria sorte diante da caixa também ficavam em volta, cheirando, sem conseguir levantar a tampa. Até aí houve empate. Lobos e cães são igualmente ruins na solução espontânea de problemas, sem a dica de colegas.
        Foi na hora de imitar o animal treinado que os cachorros se deram mal. Só 4 dos 15 cães conseguiram abrir a caixa e abocanhar o petisco. Placar final: 14 a 4 para os lobos.
        A explicação para isso, na interpretação das autoras, está na maior dependência de cooperação social que caracteriza os lobos. Não sendo domesticados, eles precisam muito mais da capacidade de observar atentamente o que fazem os outros lobos --seja para não se dar mal na hierarquia vigente na alcateia, seja para ter sucesso em ações coletivas, como a caça.
        Os cães, coitados (ou felizardos), foram selecionados para levar uma vida mais mansa. Precisam prestar muito mais atenção nos humanos, para entender o que estes esperam deles e obter as recompensas, ou apenas escapar de uma surra.
        O preço pago pelos cães por essa convivência milenar foi perder um pouco da capacidade de se comunicar com os semelhantes. Snip, meu "terrier" escocês, está convencido de que saiu ganhando.

          Antonio Prata

          folha de são paulo
          ANTONIO PRATA
          Cachimbo da paz
          É com enorme felicidade que vejo brotar, na terra de ninguém, uma semente capaz de unir a direita e a esquerda
          Muitos já apontaram como as interpretações sobre os "rolezinhos" explicitaram o nosso Fla-Flu ideológico: de um lado a direita, temendo as invasões bárbaras e exigindo a Tropa de Choque, do outro a esquerda, achando bárbaras as excursões e enxergando um choque de democracia. A polarização não é novidade. Há décadas Caetano Veloso cantou "quem vai equacionar as pressões do PT, da UDR e fazer desta vergonha uma nação?", e a impressão que se tem, lendo o que se escreve no Twitter, no Facebook e pelos blogs, é que estamos longe de encontrar uma resposta. Pois é com enorme felicidade que eu vejo brotar uma semente no meio da terra de ninguém, vejo surgir uma força capaz de colocar o leitor da "Veja" e o DCE da FFLCH na mesma roda, olhando, juntos, para uma única direção. Refiro-me à maconha.
          Falo sério. Afinal: que outro assunto consegue pôr Fernando Henrique Cardoso e Marcelo D2 do mesmo lado? (Embora FHC não possa ser chamado "de direita" nem D2, "de esquerda", a distância entre as duas figuras dá uma ideia da amplitude do leque --ou, melhor dizendo, do diâmetro do cone-- da Cannabis). No ano passado, fui ao lançamento da Rede Pense Livre --sobre a qual já escrevi, aqui. Trata-se de um grupo apartidário, com pessoas de diversas áreas, dedicado a "promover um debate amplo e qualificado por uma política sobre drogas que funcione". Partem do princípio de que a "guerra às drogas" é mais letal do que as mesmas e defendem a descriminalização da maconha. A cerimônia de lançamento da Rede foi no Instituto Itaú Cultural, e no palco estavam dois amigos meus: um do mercado financeiro, outro da Mídia Ninja --concordando.
          Embora haja partidários da legalização nas duas pontas (sem duplo sentido) do espectro político, é curioso como cada lado chega à sua opinião por caminhos diferentes. A esquerda tende a abordar mais as implicações sociais da proibição, como o tráfico, o tráfico de armas e a violência que os acompanha. A direita levanta a bandeira da liberdade individual: quem o Estado pensa que é para dizer o que eu posso ou não posso fazer com o meu corpo? Há também entre progressistas e conservadores aqueles que não politizam tanto a coisa e só querem poder ouvir "Dark Side of the Moon" comendo goiabada com Leite Moça sem correr o risco de ter o quarto invadido pelo Capitão Nascimento.
          É claro que o tema não é consenso nem à destra nem à sinistra, mas também aí a maconha faz bem à política brasileira, pois, se irmanando no combate à "erva do diabo", pudibundos do PC do B e da TFP encontrarão um terreno comum, iniciando um diálogo antes inimaginável.
          O único problema da ausência de barreiras ideológicas em relação à Cannabis é que, se ela for legalizada, cada um vai querer puxar a brasa para a sua sardinha. Caso a lei mude num possível segundo mandato da Dilma, o PT vai se dizer o pai (ou a mãe) da ideia, enquanto os tucanos vão espernear alegando que, se não fosse por FHC, estabilizando as opiniões, nada disso haveria acontecido --e quem poderá afirmar que não terão razão?

            Dia do frevo - Antonio Nóbrega

            folha de são paulo
            ANTONIO NÓBREGA
            Dia do frevo
            Temos empurrado nossos insumos culturais populares para o gueto da chamada cultura folclórica, falsamente antagonizante da "erudita"
            Hoje, dia 9 de fevereiro, em Recife, comemora-se o dia do frevo. Também hoje faz um ano e pouco mais de dois meses que o frevo foi elevado à condição de patrimônio imaterial da humanidade. Ainda hoje, também em Recife, será inaugurado o Paço do Frevo.
            Como se vê, o frevo está em alta. Mas frevo para quê? Por que frevo?
            Foi o escritor Ariano Suassuna quem, indiretamente, apresentou-me a ele. Com seu convite para integrar o Quinteto Armorial, dei início a uma viagem de aprendizado dos cantos, danças e modos de representar presentes em manifestações populares como o reisado, o maracatu, o caboclinho e sobretudo o frevo.
            Com o passar dos anos, esses aprendizados foram se conectando a estudos e reflexões sobre a cultura brasileira em geral e a popular em particular. Esse casamento entre conhecimento empírico e teórico foi conduzindo-me à constatação de que vivemos num país que reluta em aceitar-se integralmente.
            Que outra razão para tal desperdício de insumos culturais tão vastos e de tão imensa riqueza simbólica como o nosso reservatório de ritmos presente em batuques, cortejos e folguedos; de formas e gêneros poéticos --quadrões, décimas, galope à beira-mar; de passos e sincopados armazenados no nosso imaginário corporal popular?
            E o que temos feito com tudo isso? Empurrado para o gueto da chamada cultura folclórica, regional ou popular, falsamente antagonizante daquela que se convencionou denominar de cultura erudita.
            Há quase cem anos que a "entidade" frevo vem despejando no país, especialmente em Recife, volumoso material simbólico. Esse "material" foi se formando dentro daquilo que venho denominando de uma linha de tempo cultural popular brasileira. Essa "entidade" frevo materializou-se por meio de um gênero de música instrumental, o frevo-de-rua, orgânica forma musical onde palhetas e metais dialogam continuamente, ancorados pela regular marcação do surdo e a sacudida movimentação da caixa; uma dança, o passo do frevo, imenso oceano de impulsos gestuais e procedimentos coreográficos; e dois gêneros de música cantada: o frevo-canção e o frevo-de-bloco, cada um com características particulares tanto de natureza poético-literária quanto musical. Um valioso armazém de representações simbólicas.
            Mais do que preservar o frevo, nossa tarefa está em amplificar, dinamizar, trazer para a órbita de nossa cultura contemporânea os valores, procedimentos e conteúdos presentes nessa "instituição" cultural.
            Essa ação amplificadora poderia abranger escolarização musical --por que não se estuda frevos em nossas escolas de música?--; a prática da dança --a riqueza lúdica e criadora proporcionada pelo seu multifacetário estoque de movimentos--; a valorização de modelos de construção e integração social advindos do mundo-frevo etc. Tudo isso ajudaria ao Brasil entender-se melhor consigo mesmo e com o mundo em que vivemos.
            O frevo é uma das representações simbólicas mais bem-acabadas e representativas que o povo brasileiro construiu. Assim como o samba, o choro, o baião, uma entidade transregional cuja imaterialidade poderemos transmudar em matéria viva operante se tivermos a suficiente compreensão do seu significado e alcance sociocultural.

            Carlos Heitor Cony

            folha de são paulo
            Antecedentes de 64
            RIO DE JANEIRO - Olhando da perspectiva do tempo, é pena que o brasileiro não seja mais cordial, como antes afirmavam os cientistas sociais. Cordialidade que, mais cedo ou mais tarde, brotará de suas raízes para constituir um perfil nacional do qual estamos nostálgicos, como o doutor Fausto naquele monólogo inicial, que "chorava continuamente os bens que não perdeu".
            Como Fausto, também, João Goulart hesitava em vender o resto do seu mandato aos Mefistófeles que "construíam ideias distantes da realidade social". A citação não é de Goethe, mas de Abelardo Jurema. E o antigo ministro da Justiça ainda acrescentou em suas recordações daqueles "terribilis dies" que antecederam o movimento militar de 1964: "A responsabilidade maior pelas distorções de Goulart cabe aos incríveis teóricos de seu governo".
            De início, a contradição fundamental de Jango, segundo um de seus defensores mais sinceros, foi "a tentativa de restabelecer o cálculo econômico e, portanto, manter a continuidade da acumulação capitalista, sem penalizar os trabalhadores", medida que "liquidaria não apenas a política econômico-financeira de Celso Furtado e San Tiago Dantas, mas o próprio regime democrático".
            Trocando Dantas e Furtado por assessores passionais de diversas origens, pesos e finalidades, Jango foi pressionado a obter um pacto isolado com a sociedade de forma direta, extraconstitucional. Seu chefe da Casa Militar, general Assis Brasil, garantia que "nunca um governante dispusera de tamanho dispositivo de força". Apoiado nessa força (a única força realmente oculta que ficou ocultada em nossa história), Jango aceitou a sugestão de promover comícios-monstros pelo Brasil afora, despachando (ou legislando) em praça pública, dialogando com o povo os grandes temas nacionais que não conseguia conversar com a classe política.

            Helio Schwartsman

            folha de são paulo
            HÉLIO SCHWARTSMAN
            Faça-se justiça
            SÃO PAULO - Com a prisão de João Paulo Cunha, os principais condenados no mensalão já estão cumprindo sua pena. Foi feita justiça?
            A resposta depende de qual filosofia você abraça. Para quem crê em justiça retributiva, seja ela baseada numa ordem divina ou em direitos positivos, infrações às normas cobram reparação, que vem na forma da pena prevista. Idealmente, ela deveria ser tão próxima quanto possível da ofensa original. Para o assassino, a pena capital. Para o estuprador... Bem, vocês pegaram a ideia. Não sei o que seria "justo" no caso dos mensaleiros, mas essa é outra questão.
            O problema com a justiça retributiva é que não é fácil conciliá-la com acepções mais modernas de Direito, que operam sob perspectiva exclusivamente humana e buscam amparar-se em princípios racionais.
            Com essas restrições, fica difícil fugir de abordagens mais consequencialistas, para as quais o fim da pena é prevenir a repetição do crime, o que se obtém retirando o condenado de circulação e fazendo de sua punição um exemplo para dissuadir outras pessoas de cometer o mesmo delito.
            O que torna as coisas mais complicadas é que o consequencialismo não se limita a prescrições penais. Seu objetivo mais geral é promover o máximo de bem-estar e reduzir o sofrimento. E para todos, criminosos inclusive. Isso nos leva a um paradoxo delicioso: a prisão consequencialista ideal seria um lugar onde os condenados receberiam mimos e agrados desde que longe da vista do público geral, que seria levado a crer que eles estão sofrendo, como preconiza a meta dissuasória.
            Nossas intuições rejeitam com veemência essa prisão consequencialista. Mesmo que não faça muito sentido, é-nos difícil deixar de ver a punição como algo que tem valor intrínseco. É possível, como sugere Joshua Greene, que tenhamos desenvolvido ao longo da evolução um gosto pelo castigo. Estaríamos programados para um certo sadismo.

            Suzana Singer [ombudsman]

            folha de são paulo - OMBUDSMAN
            "..., disse Fulano"
            Jornal não deve reproduzir as declarações de autoridades sem publicar o devido contraponto
            Parte considerável do jornal é preenchida, diariamente, por declarações de autoridades. Reproduzir o que dizem está no piloto automático da Redação: o repórter liga o gravador, dá um retorno sobre o que ouviu ao editor, transcreve as frases e... manda para a página.
            Não precisaria ser assim. Com tanta informação disputando espaço, daria para ser bem mais seletivo na escolha de frases oficiais. Quando elas são realmente importantes, o jornal deveria fazer o contraponto para mostrar ao leitor que as coisas não são bem assim.
            Na quinta-feira passada, a Folha perdeu duas boas oportunidades de fazer isso. Em entrevista ao jornal, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha disse que o "PCC é uma criação dos 20 anos do governo do PSDB, não existia antes e hoje tem".
            A fala, de quem será candidato a governador, foi parar na Primeira Página, mas só no dia seguinte foi publicado um pequeno texto, sob a vinheta "Saiba Mais", explicando que o PCC surgiu em 1993, na gestão de Luiz Antonio Fleury Filho, que, na época, era do PMDB.
            Numa prova de que erra para os dois lados, a mesma edição da Folha trouxe o governador Geraldo Alckmin cogitando que o tumulto no metrô tenha sido uma "ação planejada". Para Alckmin, o problema da porta emperrada na estação Sé, estopim do caos, teria sido resolvido em dez minutos, se "um grupo de pessoas" não tivesse acionado os botões de emergência e saído andando pelos trilhos. O secretário de Transportes, Jurandir Fernandes, falou em "vândalos".
            Como no caso da entrevista de Padilha, as declarações estavam na capa do jornal. Desta vez, havia algum contraponto, mas fraquíssimo. A reportagem ouviu alguns passageiros dizerem que não aguentavam mais ficar, naquele calor, em vagões superlotados --e sem informação sobre quando o metrô voltaria a funcionar. Nos dois últimos parágrafos, o presidente do sindicato dos metroviários rebatia o governo.
            No "Estado de S. Paulo", o título já trazia as duas versões: "Alckmin fala em sabotagem; Metrô admite demora". O relatório dos metroviários aparece logo no início da reportagem, servindo de contrapeso às falas das autoridades.
            Algumas vezes, o "não é bem assim" é feito pelos colunistas ou nos editoriais. O "Estadão" abordou a declaração de Alckmin na própria quinta-feira, citando o despreparo do Metrô em lidar com acidentes. "E o pior é que, em vez de reconhecer o erro --primeiro passo para corrigi-lo--, as autoridades estaduais estão buscando desculpas para justificar o injustificável", dizia.
            Na Folha, o editorial só apareceu na sexta-feira. Entre as 23 colunas de opinião publicadas até anteontem, nenhuma falava das declarações de Padilha e apenas duas citavam o tumulto no metrô.
            Para fazer jus ao slogan de "não dá para não ler", a Folha precisa evitar o "disse ontem Fulano", principalmente agora, que a campanha eleitoral está esquentando.
            AQUI VOCÊ NÃO MANDA
            Leitores reclamaram da publicação do artigo de João Paulo Cunha em Tendências/Debates de domingo passado. Quem escreveu considerou que o jornal estava dando espaço demais ao ex-deputado, que havia sido entrevistado uma semana antes.
            Mais do que generosidade com o "outro lado", a Folha parecia estar dando um recado ao presidente do STF, Joaquim Barbosa, que disse: "A imprensa brasileira presta um grande desserviço ao país ao abrir suas páginas nobres a pessoas condenadas por corrupção".
            PESQUISAS E 'PESQUISAS'
            Saiu na "Ilustrada" que uma pesquisa inglesa mostrou que a TV Cultura é a segunda mais admirada por sua programação em todo o mundo, perdendo só para a BBC, que foi a financiadora do estudo. No Brasil, a rede estatal ganha de longe da Globo (31/1).
            O "Tec" noticiou que 97% das crianças brasileiras, filhas de pais que usam a internet, estão conectadas (27/1). Quem pagou a pesquisa foi uma empresa de cibersegurança. Os dois levantamentos foram feitos pela internet. No Brasil, só metade da população tem acesso à rede. Qual a garantia que a amostragem representa o país? Os jornalistas precisam conferir a metodologia das pesquisas antes de divulgar resultados.

              Elio Gaspari

              jornal o globo
              ELIO GASPARI
              A última missão do capitão Ronaldo
              Passados 43 anos, o capitão Ronaldo Campos desfez a farsa do caso Rubens Paiva, para o bem do Exército
              Na madrugada de 20 de janeiro de 1971, o capitão Ronaldo tinha 30 anos e servia no DOI do Rio de Janeiro quando recebeu a missão de ir ao Alto da Boa Vista para simular que um preso fora sequestrado por militantes de esquerda, depois de um tiroteio. Em depoimentos prestados à Comissão Estadual da Verdade do Rio, revelado agora pelo repórter Pedro Bassan, o capitão Raymundo Ronaldo Campos, hoje um coronel reformado, contou que o tiroteio e o sequestro foram uma farsa destinada a encobrir a morte de um preso. Era Rubens Paiva, que havia sido deputado federal e tinha 41 anos. Morrera de pancada no DOI da Barão de Mesquita.
              A farsa foi desmascarada já em 1978 pelos repórteres Fritz Utzeri e Heraldo Dias. Eles demonstraram que Paiva, um homem corpulento, não poderia ter saído do banco de trás de um Volkswagen onde estava escoltado por dois sargentos e um capitão, atravessando um fogo cruzado até chegar ao carro dos sequestradores.
              Com seu testemunho, já que foi ele quem encenou, relatou e assinou a narrativa do "cineminha", o coronel rompeu um silêncio de 43 anos. Ainda nos primeiros anos da ditadura, dois chefes militares denunciaram as torturas praticadas contra presos políticos: os generais Pery Bevilaqua e Olympio Mourão Filho. Ele mesmo, o que disparou a rebelião militar que depôs João Goulart.
              Pery foi cassado em 1968 e Mourão morreu em 1972. Desde então, os comandantes militares vivem aprisionados num pacto de silêncio. Jamais reconheceram a tortura e aferram-se às versões segundo as quais Rubens Paiva fugiu (e sumiu), Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho suicidaram-se e cerca de 40 guerrilheiros do Araguaia simplesmente desapareceram. Militares da velha "tigrada" diziam ao coronel que ele não devia falar, porque "o Exército não vai ajudar em nada." Engano. É o coronel quem está ajudando o Exército.
              A farsa do sequestro e o assassinato de Rubens Paiva são dois dos três vértices de um triângulo. Admita-se que foram esclarecidos dois. Um deles foi coisa de um capitão, a mando de um major. Outro poderia ter sido coisa de um tenente. Resta o terceiro: Como o corpo de Paiva foi retirado do DOI? Majores do DOI não tinham autonomia para isso. Num caso anterior, a farsa foi coordenada pelo Centro de Informações do Exército. Seu chefe respondia diretamente ao ministro. Esses episódios não eram coisa de majores, mas diretrizes de generais, que os elogiavam e condecoravam. Morreram todos, mas resta um sobrevivente: o Exército.
              Estão vivos pelo menos mais dois majores e um capitão que estavam no DOI no dia da prisão de Rubens Paiva. É possível que eles possam contar se alguém mandou apagar as luzes do pavilhão durante a operação de retirada do cadáver.
              SARGENTO GARCIA
              Pelo barulho, até parece que o PMDB poderá se afastar do governo.
              O PMDB segue garbosamente o slogan do Pasquim: "Um jornal de oposição ao governo da Grécia".
              PAES EM PAZ
              O prefeito do Rio, Eduardo Paes, criou uma situação de ganha-ganha. Aumentou as passagens de ônibus e foi para a África do Sul, onde assumiu a presidência do C40, um grupo que discute a situação climática das cidades.
              Na quinta-feira, o governador Sérgio Cabral, que congelou as tarifas estaduais, teve que botar na rua a PM para reprimir os protestos.
              Em junho passado, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad estavam juntos em Paris enquanto começavam os protestos de São Paulo. Lá, cantaram uma versão inesquecível do "Trem das Onze", de Adoniran Barbosa.
              MADAME NATASHA
              Madame Natasha é uma batalhadora da causa do descongestionamento do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo aos transportecas da Companhia de Engenharia de Tráfego, de São Paulo, pela seguinte paralisação idiomática:
              "Estão sendo desenvolvidos estudos para identificação e efetivação dos ajustes necessários para aumentar a eficiência e a eficácia do sistema de transporte público coletivo e diminuir o impacto gerado pela faixa exclusiva."
              A senhora acha que eles nada tinham a dizer.
              AJUDA DE HADDAD
              A doutora Dilma e o comissário Alexandre Padilha precisam contratar uma junta de marqueteiros para montar uma campanha publicitária. Nela explicarão por que o prefeito petista da cidade mais rica do país cortou de seis para quatro a cota de lápis para cerca de um milhão de alunos da rede pública.
              CARDOZO REVIU A CONDUTA DE TARSO GENRO
              Em 2007, durante os Jogos Pan-Americanos, dois boxeadores cubanos, atraídos por um empresário alemão, abandonaram a delegação de seu país. Mobilizada pelo comissariado, a polícia achou-os no interior do Estado do Rio e manteve-os num regime de liberdade vigiada. Mais coisas estranhas aconteceram. Seus advogados viram-se autuados por desacato. O delegado da Polícia Federal Felício Laterça informou que eles se recusaram a pedir refúgio no Brasil, pois queriam voltar ao "país que amam". Dias depois, formalmente deportados, os dois embarcaram num jatinho vindo da Venezuela e o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que os críticos do governo "têm uma visão de que ninguém jamais quer voltar a Cuba, isso é uma rematada bobagem". Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara amavam tanto seu país que fugiram da ilha pouco depois.
              Em agosto passado, quando começou a discussão em torno da vinda de médicos cubanos ao Brasil, o advogado-geral da União deu um toque jurídico ao precedente ocorrido no mandarinato de Tarso Genro. Quando lhe perguntaram o que aconteceria se um cubano quisesse pedir asilo, respondeu: "Parece que não teriam direito a essa pretensão. Provavelmente seriam devolvidos". Seria um aviso. Nessa época, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, dizia que isso não vinha ocorrendo em outros países onde havia médicos cubanos. Quem acreditou nele (o signatário, por exemplo) fez papel de paspalho. Quando Padilha dizia isso já haviam pulado o muro dezenas de médicos e o governo americano criara para eles uma porta de acesso ao país, sem contudo assegurar-lhes o direito a exercer a medicina.
              Ao buscar a proteção do DEM, a médica Ramona Matos Rodriguez foi mais cautelosa que os dois boxeadores, mas o governo da doutora Dilma comportou-se de maneira muito mais civilizada que o de Lula. Adams ficou calado e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reconheceu o direito da médica de pedir refúgio no Brasil e nega ter posto a polícia no lance.
              Há mais de dois mil médicos cubanos trabalhando no Brasil. Pelos mais diversos motivos, não fizeram o que fez Ramona. Felizmente, Cardozo não repetiu a "rematada bobagem" policial ocorrida quando Tarso Genro era ministro da Justiça.

              Janio de Freitas

              folha de são paulo
              JANIO DE FREITAS
              Uso sem moderação
              O direito à liberdade de expressão não inclui o direito à liberdade de fazer com ela o que quer que seja
              O repúdio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio ao que considerou apoio de Rachel Sheherazade, do jornal "SBT Brasil", aos que agrediram e acorrentaram nu a um poste um adolescente, por eles acusado de roubos, expressa bem a confusão de conceitos e de condutas que se dissemina, e degrada, quase sem resistência.
              A apresentadora e seu parceiro, Joseval Peixoto, invocaram, como base institucional do seu argumento, a "absoluta liberdade de expressão". "E nós não abrimos mão desse direito", o que motiva os votos de que continuem ou passem a defendê-lo. Mas o que foi posto em questão não é aquela liberdade nem o respectivo direito.
              A liberdade de expressão foi plenamente exercida pela apresentadora em seu comentário à agressão e ao acorrentamento do adolescente. No caso e em infinitos outros, o problema está no modo como essa custosa liberdade é usada. O direito à liberdade de expressão não inclui o direito à liberdade de fazer com ela o que quer que seja. Se não fosse assim, a liberdade de expressão incluiria até a de pregar a extinção do regime que a mantém. E, para não haver sequer vapor de dúvida a respeito, a Constituição adotou como cláusula pétrea, ou seja, irremovível e imutável, a absoluta proibição de qualquer ato contrário ao pleno Estado de Direito.
              A nota do sindicato apontou, no comentário de Sheherazade, violação dos direitos humanos, do Estatuto da Criança e do Adolescente e apologia à violência. Tréplica da apresentadora: "O que eu defendi foi o direito da população de se defender quando o Estado é omisso, quando a polícia não chega. Isso está na lei". Não há nenhuma lei que conceda à sociedade, nem mesmo à polícia e a juiz fora de função, o direito de fazer pretensa justiça por conta própria. O que, é óbvio, se dá quando uma pessoa é surrada, posta nua e acorrentada a um poste na rua.
              O uso da liberdade de expressão degenera com amplitude e velocidade. A internet tem a desculpa do amadorismo, do desabafo diletante, se bem que muitos dos seus jornalistas profissionais já se tenham entregue aos modos dos outros.
              Nos jornais e revistas, que seriam o repositório do jornalismo sério, a coisa está pior do que na internet, se consideradas, relativamente, a permissividade congênita da internet e os princípios éticos de que a imprensa sempre se pretendeu portadora. O esforço com a veracidade informativa cede à lassidão, seja pelo convívio com o espírito internet, e sua resultante queda de interesse pelo leitor, seja por desmedidas na quase inevitável politização. O comentarismo, por sua vez, avança no vale-tudo, não é difícil imaginar para onde.
              Pudera. Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal, sem sequer indício de indício, assaca suspeitas que já são meias acusações de lavagem de dinheiro até de advogados de alta reputação, por doarem para as multas penais de petistas, o que mais se passe como confusão de conceitos e degradação de princípios talvez seja de total irrelevância. Gilmar Mendes é bastante para mostrar e explicar tudo.

                José Simão

                folha de são paulo
                JOSÉ SIMÃO
                Calor! Quero geladeira ostentação!
                'A pane do metrô é de vândalos orquestrados', diz o secretário! Culpou a vítima pelo estupro!
                Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Frente Frita! Test drive pro inferno! Sensação térmica é de garrafa térmica. Sensação térmica: brigadeiro derretido. E eu tenho a foto de um relógio marcando a temperatura no Rio: "FUDEX!" Rarará!
                E um amigo meu comprou um iceberg usado no eBay! E o calor é tanto que até dá saudade daquele amigo que falava cuspindo. Rarará! E uma amiga encheu a geladeira de picolé, sacolé e pintou na porta: "Geladeira Ostentação!". Eu quero!
                E essa: "Dilma anuncia Chioro na Saúde". Chioro na fila, chioro pra marcar consulta, chioro pra operar. Vai ser um Chiororô!
                E a declaração da semana: "Quem nunca deu um murro na cara do outro?", pergunta o presidente da Gaviões da Fiel. EU! Ele fala como se fosse a coisa mais natural do mundo, já deu o seu soco hoje?
                Campanha da Gaviões da Fiel: Já deu o seu soco hoje? Rarará.
                E então a polícia pode dar um murro na cara dele? Por isso que eu chamo essas torcidas organizadas de trucidas. Trucidas organizadas!
                E a outra declaração da semana: "A pane do metrô é de vândalos orquestrados", diz o secretário dos Transportes de SP! Culpou a vítima pelo estupro! Vândalos da Alstom!
                E o tuiteiro elgroucho: "Vândalos orquestrados eu imagino um monte de vândalos de fraque e na frente um vândalo de fraque e batuta".
                E amanhã, às sete da manhã, a estação Sé do Metrô vai estar lotada de vândalos orquestrados!
                E essa: "fumaça obriga o Metrô a esvaziar o trem". Foram os vândalos orquestrados que fizeram uma fogueira! Rarará!
                E o meu São Paulo quer o Pato! Galinheiro dos Bambis: Pato, Ganso, os frangos do Ceni e a cara de galo véio do Muricy!
                E sabe qual a semelhança entre o Pato e o Ganso? Ambos estão bichados! Rarará. O Pato é desastrado como um ganso e o Ganso é mais lento que um pato.
                O Brasil é Lúdico! Olha esse cartaz num restaurante por quilo em Abaeté, Minas: "Atenção! Proibido comer duas pessoas no mesmo prato". Pode comer duas pessoas, mas em pratos diferentes. Rarará!
                E essa placa em Curitiba: "Vende-se um corchom de sortero, uma bisecleta, uma gelaidera e uma SAMFONA". Isso é tudo que uma pessoa precisa pra viver. Inclusive a SAMFONA! Rarará.
                Nóis sofre, mas nóis goza.
                Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

                  Mônica Bergamo

                  folha de são paulo
                  MÔNICA BERGAMO
                  Arnaldo Antunes critica as manifestações e diz que não usa mais drogas, à exceção de cigarro e álcool, e que não se vende para a publicidade
                  Arnaldices
                  O carro estacionado no quintal com jardim duas vezes maior que a vaga. Latidos. E Arnaldo Antunes, 53, aparece na janela. "Pode entrar, o portão tá aberto e os cachorros, presos." Assim o músico convida a repórter Ana Krepp para entrar na casa onde vive há mais de dez anos, no Alto de Pinheiros, em SP.
                  Arnaldo termina de dar uma entrevista para a divulgação de "Disco", lançado em outubro. No corredor que leva aos quartos, murais de fotos com filhos, irmãos, pais, avós, colegas de trabalhos. E muitas, muitas poses com a famosa cara de desconfiado.
                  Ele evita aprofundar respostas sobre a vida pessoal e explicar as letras de suas músicas. "Tá tudo dito. Ficar explicando muito estraga. Qualquer explicação vai reduzir o potencial que aquilo vai ter de despertar interpretações em cabeças diferentes."
                  Na casa térrea, o banheiro principal tem azulejos antigos, azuis e amarelos. Mesmo com uma banheira, é espaçoso. Na sala, objetos de decoração estão colocados sem a menor preocupação com estilo ou algum tipo de combinação. Cortinas mexicanas, um telefone analógico azul, um violão ao lado do sofá, uma porta vermelha que dá para o quintal e algumas obras de arte da namorada, a artista plástica Marcia Xavier.
                  Depois de dois casamentos, o cantor combinou com Marcia de morarem em casas separadas. Ele vive sozinho, mas sempre recebe visitas dos filhos: Rosa, 25, Celeste, 22, Brás, 16, e Tomé, 12.
                  É com eles e os músicos que o acompanham em shows e gravações que se mantém a par dos lançamentos e de artistas fora do circuito comercial. "Tem uma geração aí da pesada: Criolo, Emicida, Romulo Fróes. Se eu começar a citar os nomes, não vou parar mais. E eu tô conectado com a galera."
                  Diz que só não conseguiu entender as manifestações de junho do ano passado. "A censura, o gás lacrimogêneo, é tudo igual ao que tinha quando eu era jovem. Mas antigamente tinha um foco, hoje em dia não tem. Você não sabe o que estão querendo. Cada um quer uma coisa, é meio múltiplo demais."
                  O ex-Titãs faz questão de chegar ao camarim pelo menos uma hora antes de cada show. Mistura metade de uma latinha de cerveja gelada com outra metade de outra mantida fora da geladeira. E saboreia a bebida "na temperatura ideal, nada de estupidamente gelada".
                  Incenso, objetos esotéricos e purificador de ar com aroma de calêndula assentam boas vibrações. Arnaldo inicia o ritual pré-show. Joga incontáveis anéis no sofá e escolhe oito para pôr nos dedos. Veste pijama azul escuro.
                  O responsável pelo estilo do músico entra no camarim. "Justo hoje que você veio, saí de casa com o sapato errado, trocado. Olha que ridículo", diz, sobre os calçados diferentes em cada pé. Aponta a troca ao estilista Marcelo Sommer, que cuidou do seu figurino em seis turnês.
                  O filho do meio de sete irmãos descobriu relativamente cedo, aos 20 e poucos anos, o gosto da fama. Integrou os Titãs de 1982 a 1992. Desde que saiu do grupo, dedica-se à sua carreira solo na música, poesia e artes plásticas. Há anos, evita multidões. "Não vou nessas coisas porque tem que ficar parando, fazendo foto com as pessoas. Onde tem muita gente pra mim é aluguel." Quando integrou Os Tribalistas, ao lado de Marisa Monte e Carlinhos Brown, ganhou ainda mais exposição. O trio fez um sucesso estrondoso com o primeiro e único disco, e não planeja nenhum novo trabalho.
                  "Sempre que nos encontramos saem muitas músicas novas. A gente faz três numa noite. Uma fagulha que sempre é muito fértil. Mas agora a produção conjunta entra no disco solo de cada um", diz.
                  Não conseguiu assistir a nem um episódio sequer do reality show musical "The Voice Brasil" (Globo), em que o amigo Carlinhos Brown é um dos jurados. "Acho que faz totalmente sentido o Brown fazer, tem tudo a ver com aquela personalidade." Ele próprio, no entanto, diz não se vê num programa "como aquele".
                  "Essa sede por novidade e a rotatividade de informação são tão malucas que acabo de lançar um disco e já me perguntam qual é o próximo. É esse!" Ele, enfim, cede e fala sobre o que vem por aí.
                  Em março, vai lançar "Outros 40", uma compilação de ensaios sobre música, poesia e artes visuais que foram publicados em jornais, livros, revistas, catálogos e outros meios. A obra sairá pela editora Iluminuras.
                  Em agosto, vai expor na galeria Laura Marsiaj, no Rio de Janeiro. "A exposição será composta de peças feitas com monitores, mostrando simultaneamente animações feitas com fotos de placas e letreiros de rua que faço há muitos anos. Elas formam poemas visuais criados a partir de dizeres tirados do mundo, que se alternam em objetos dinâmicos."
                  Vai excursionar com o espetáculo "Disco", cujo processo de produção começou independente e foi adotado pelo programa Natura Musical aos 45 do segundo tempo.
                  Caso não recebesse o patrocínio, tiraria recursos do próprio bolso para viabilizar o projeto. "Investir no meu trabalho é o melhor que posso fazer. De alguma forma, isso um dia volta. Se tiver uma exposição ou então um livro sem editora e que eu precise bancar, faço de olhos fechados", afirma.
                  Os convites para campanhas publicitárias são sempre estudados criteriosamente. Diz não topar, por exemplo, vender sua imagem numa propaganda. "Nunca fiz comercial em que a minha cara aparecesse. Para usar a minha imagem, eu tenho um grilo." Mudar a letra de suas músicas, então, nem pensar.
                  "Agora mesmo chegou um convite para usar a música Leitinho', que gravei com o Pequeno Cidadão [banda com repertório infantil da qual fez parte entre 2008 e 2012]. Queriam mudar a letra e eu falei: Não, mudando a letra eu não aprovo'. Também não quero fazer versão de uma canção minha."
                  A história de Arnaldo com o público infantil começou com as composições de ninar que fazia para sua primogênita, Rosa, dormir quando ainda era um bebê. Compôs para o grupo Palavra Cantada e logo em seguida foi convidado pela TV Cultura para criar uma canção do "Castelo Rá-Tim-Bum". Surgiu "Lavar as Mãos", das mais conhecidas dos anos 1990.
                  "Já me inspirei muito neles [os filhos], até para coisas que não são para o público infantil. [A canção] Beija Eu', por exemplo, tem esse jeito de dizer que era o deles quando eram pequenos. Pega eu', leva eu', claro que transmitido para uma relação adulta amorosa, só que pegando um pouco a afetividade que vinha da sintaxe que eles usavam comumente."
                  Arnaldo diz que os quatro filhos são seus melhores amigos e até confidentes. "Numa certa idade, conto a cada um que fui preso, que foi a maior violência que sofri." Ele, que passou quase um mês detido, em 1985, por porte de heroína, aproveita o momento para engatar uma conversa franca sobre drogas.
                  "Falo que qualquer pessoa tem que ser livre e responsável para lidar com o que quiser. Não deveria ser assunto para legislar. Você pode experimentar qualquer coisa que vá mexer com a sua consciência, com seu corpo, com seu espírito, mas envolve perigo e responsabilidades. É um território perigoso. Mas eu acho que a decisão tem que partir de nós. Então falo dos perigos que existem, dos amigos, das minhas experiências pessoais."
                  "Hoje em dia, já não tomo mais droga nenhuma. Minha droga é o cigarro e o álcool", afirma o cantor.
                  Do cigarro, aliás, não desgruda. Durante a entrevista na sala de casa foram incontáveis as vezes em que fumou. "São dois meses fumando e outros dois abstêmio." Arnaldo diz se preocupar mais com a saúde desde que chegou aos 50. "Não consigo me assumir nem como ex-fumante nem como fumante. Eu tô num limbo", admite. "Algumas coisas da minha vida acabam sendo assim."

                  Mauricio Stycer

                  folha de são paulo
                  MAURICIO STYCER
                  O autor invisível
                  A decisão da Globo de mostrar, ou não, beijo gay mostra como é relativa a autonomia de seus autores
                  Nas duas semanas que antecederam a estreia de "Em Família", nova novela das 21h na Globo, o veterano Manoel Carlos deixou bem claro em entrevistas que a autonomia criativa concedida aos autores da emissora é muito relativa.
                  Questionado pela "Veja" se no Leblon da ficção haveria espaço para os manifestantes que tomaram o bairro em 2013, o autor respondeu: "É evidente que sim. Fiquei orgulhoso de os jovens escolherem o Leblon como palco de seus protestos".
                  A revista, então, perguntou se eles seriam retratados na novela. "É pena, mas não posso tocar nisso em ano de eleição", disse. "Sabe como eu ia começar a história? Quando se dava o salto entre a primeira e a segunda fase da novela, as manifestações de junho passado no Leblon marcariam a passagem do tempo. Mas aí a Globo me pediu para mudar. Eles não deixam, e ponto."
                  Dizendo entender a restrição, acrescentou: "E por uma razão defensável: ao falar de política numa novela, você cria áreas de atrito que afetam o andamento da história. Fica uma coisa chocha, pois o autor não tem liberdade de dizer o que pensa de verdade dos políticos".
                  Essa impossibilidade de dizer "o que pensa de verdade" afeta os autores da emissora em outras questões. A mais famosa delas é o chamado "beijo gay". Questionado por diferentes jornalistas se o casal de lésbicas que será visto na novela "Em Família" vai se beijar, Manoel Carlos foi mais uma vez pragmático: "Se eu achar que cabe e a Globo permitir, pode, sim, acontecer".
                  O já célebre beijo entre Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) no capítulo final de "Amor à Vida", o primeiro entre dois homens em uma novela das 21h da Globo, só foi visto porque a emissora o aprovou previamente.
                  Diferentes autores, nas últimas décadas, criaram papéis e situações que levariam, naturalmente, a um beijo entre personagens masculinos. No caso mais famoso, em "América", em 2005, a cena chegou a ser gravada, mas não foi ao ar.
                  Em entrevista ao livro "Autores "" Histórias da Teledramaturgia", editado pela própria Globo, em 2008, Gloria Perez conta: "A direção da emissora achou que a cena não devia passar porque poderia chocar a maioria do seu público. Não discuto: em todas as emissoras do mundo, cabe à direção decidir o que vai e o que não vai ao ar".
                  "Foram apresentadas gravações com diferentes formatos, que permitiam entender, com mais ou menos intensidade, que estaria ocorrendo um beijo", reconheceu a emissora. "A direção da TV Globo, ainda sim, determinou uma mudança na versão escolhida, optando pela abordagem que julgou mais apropriada para exibição numa novela das oito."
                  Agora, em 2014, segundo o noticiário, o procedimento se repetiu. Diferentes versões do beijo na novela de Walcyr Carrasco teriam sido gravadas e submetidas à direção da emissora, que aprovou uma delas. "O beijo entre Félix e Niko selou uma relação que foi construída com muito carinho pelos dois personagens", disse a Globo em nota oficial.
                  "Foi, portanto, o desdobramento dramatúrgico natural dessa trama", acrescentou a nota, realçando a ambiguidade. Em se tratando de alguns assuntos, o autor da novela não é só aquele cujo nome aparece nos créditos.

                    Ferreira Gullar

                    folha de são paulo
                    FERREIRA GULLAR
                    Mudaria o Natal ou mudei eu?
                    O que resta daquele partido que nasceu para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua?
                    Amanhã, dia 10 de fevereiro, o Partido dos Trabalhadores completa 34 anos de fundação. Esse fato me levou a perguntar se esse partido se manteve fiel aos princípios ideológicos que determinaram sua fundação e se, durante tantos anos no governo, realizou o que prometera a seus eleitores.
                    Antes de tentar responder a essas questões, devo advertir o leitor de que sei muito bem que as coisas mudam e é comum um partido político não cumprir com o que prometeu e desviar-se dos princípios que lhe deram origem. O que me interessa aqui é verificar o que mudou, se é que mudou, e por quê. Para chegarmos a isso, é imprescindível conhecer o documento de fundação do partido.
                    No caso do PT, esse documento é o manifesto de 21 de outubro de 1980, em que o novo partido se apresenta como porta-voz das "grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação" e que querem agora "falar por si próprias".
                    Mas não apenas falar, elas pretendem, segundo o documento, criar "uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo". Consequentemente, o PT "nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados". Esse sistema seria substituído por "uma nova forma de democracia", "onde não haja nem explorados nem exploradores".
                    Explicitado o que diz esse manifesto, o novo partido, que nascia então, tinha por objetivo criar uma sociedade dirigida pelos explorados (ou seja, pelo proletariado), e não pelos capitalistas, e assim constituir uma nova democracia, governada por um partido único, cujo objetivo seria a sociedade sem classes.
                    Trata-se, portanto, de uma versão dissimulada do manifesto comunista de 1848. O novo partido era, portanto, incompatível com o capitalismo, tanto assim que, em 1988, quando foi promulgada a nova constituição democrática, o PT se negou a assiná-la, alegando que ela não correspondia a seus objetivos políticos.
                    Essa atitude antidemocracia burguesa prevaleceu na pregação do PT até as eleições de 2002, quando, após sucessivas derrotas eleitorais, abaixou o tom e aliou-se a setores da burguesia para ganhar as eleições presidenciais que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República.
                    No governo, Lula adotou o mesmo jogo duplo que nas eleições, ou melhor, aprofundou-o: enquanto dava Bolsa Família aos explorados, usava o BNDES para emprestar dinheiro público, a juros abaixo do mercado, aos exploradores capitalistas.
                    Mas, como não podia ignorar os compromissos assumidos em favor da "nova democracia" nem do projeto, implícito no manifesto, de nunca mais deixar o poder, passou a comprar os partidos da base parlamentar com dinheiro público, para não lhes conceder ministérios ou direção de empresas estatais. Essa compra de parlamentares virou um escândalo que ficou conhecido como mensalão. Lula, depois de admitir que aquilo era verdade, afirmou que se tratava de caixa dois, o que todos os partidos faziam. E assim, conforme as próprias palavras do seu líder, o PT se tornara um partido igual aos demais. Deixara de ser revolucionário, tornando-se corrupto como muitos outros.
                    Mas isso não ficou nas palavras de seu líder máximo, pois se tornou verdade por decisão da Suprema Corte de Justiça do país, que condenou algumas das principais figuras do PT por peculato, formação de quadrilha e outros crimes.
                    Lembram-se da campanha feita pelo PT contra a privatização da Telefônica? Pois é, isso fazia parte de seus princípios anticapitalistas e, por isso mesmo, Lula e Dilma tudo fizeram para não privatizar as rodovias, os portos e aeroportos. Agora, em face da crise que ameaça a economia do país, Dilma foi obrigada a se dobrar à realidade e violar o princípio ideológico do partido.
                    E a aliança com os partidos burgueses, ruralistas e evangélicos? Seria essa a nova democracia de que falava o manifesto de 1980? A pergunta, pois, é o que resta daquele partido que nasceu para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua: Dilma foi a Davos para mostrar lealdade aos princípios que regem o capitalismo e, em seguida, a Cuba para limpar a barra.