terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Claudia Collucci

Sofrer por antecipação é o novo mal do século

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Você sofre por antecipação? Acorda cansado? Não tolera trabalhar com pessoas lentas? Tem dores de cabeça ou muscular? Esquece-se das coisas com facilidade?
Se você respondeu "sim" a alguma dessas questões, parabéns. Ganhou uma nova síndrome na sua vida. Trata-se da SPA, Síndrome do Pensamento Acelerado, considerada pelo psiquiatra e psicoterapeuta Augusto Cury o novo mal do século, pior ainda que a depressão.
Cury, que já vendeu mais de 20 milhões de livros no Brasil, fala sobre a tal SPA na sua nova obra, "Ansiedade: como enfrentar o mal do século" (Editora Saraiva).
Ele diz que o excesso de informação, de uso de smartphones e games, de trabalho intelectual e de atividades diárias estimulam fenômenos cerebrais e inconscientes que acessam a memória com uma velocidade nunca vista. O pensamento rápido demais e sem gerenciamento gera a ansiedade e o sofrimento por antecipação. Com isso, a emoção perde em qualidade, estabilidade e profundidade.
Sim, é mais um livro de autoajuda, que inventa um nome diferente para um tema bem conhecido e recorrente nas nossas vidas: a ansiedade. Apesar das obviedades, não vou detonar o livro.
Deixo isso para os críticos literários de plantão.
Na verdade, acho ótimo que Augusto Cury dissemine e popularize conceitos de qualidade de vida. Uma das dicas que ele dá para o alívio do sofrimento por antecipação é nos treinarmos para dar um choque de lucidez em cada pensamento perturbador.
A proposta é afastar cada ideia que vá gerar um sofrimento por antecipação. "Devemos pensar no futuro apenas para traçar metas. Não devemos sofrer por antecipação. Não podemos dispensar o presente, único momento que temos para ser estáveis e felizes", diz.
Uma das técnicas que ele ensina é reciclar duas importantes características de personalidade, que ele chama de agiota da emoção e o autoagiota. O primeiro é aquele que se doa para os filhos, familiares, colegas e parceiros, mas cobra caro a fatura, pressionando e controlando os outros. O segundo é aquele que cobra demais de si mesmo, aumentando demais o nível de exigência para ser feliz.
Cury também diz que precisamos conversar com os nossos fantasmas, duvidar das ideias perturbadoras, resgatar a liderança do seu eu e se determinar a ser feliz. Então, menos sofrimento por antecipação e mais momentos felizes em 2014!

Minha História - Ana Paula Maciel

folha de são paulo
Terra sem lei
Brasileira ligada ao Greenpeace conta que dividiu cela com presa por homicídio na Rússia e lembra como precisou desafiar autoridades
FELIPE BÄCHTOLDDE PORTO ALEGRENinguém queria ter ficado dois meses na prisão. Mas, pela repercussão que isso teve, estou contente de ter conseguido levar uma mensagem para tantas pessoas. Agora, a nossa campanha vai continuar muito mais forte.
No início, foram cinco dias presos dentro do nosso navio. Houve uma abordagem ilegal em águas internacionais. [Os agentes russos] Destruíram toda a casa de rádio do navio e retiraram os computadores.
Eles nos mantiveram em cativeiro dentro da cabine. Começaram a tirar um por um dizendo que seríamos "entrevistados". Na minha vez, um homem armado, com máscara, me pegou pelo braço e foi me revistar.
Eu me acuei em um canto e disse: "Tu não vais me tocar, não mesmo".
Tenho direito internacional de ser revistada por uma mulher. Eles ficaram supernervosos. Ele continuou tentando, me puxando pelo braço, eu empurrei. Defendi meus direitos contra cinco pessoas armadas.
E ele não me revistou, mas me senti extremamente mal, humilhada. Foram vários momentos de emoções fortes.
Na prisão, não havia ameaças, mas era uma terra sem lei. Cada guarda tinha suas regras e agia de maneira diferente. Se não fosse eu lutar pelos meus direitos, teria sido muito pior. Muitas vezes encarei guardas e chamei o chefe da prisão.
DIÁRIO
Foram momentos de altos e baixos. A Folha, infelizmente, só publicou os baixos [em reportagem do dia 25 de novembro com trechos de seu diário]. E aí você tem toda a sensação que eu estava em uma depressão profunda e ia me matar [a Folha só publicou o que foi autorizado pela própria Ana Paula].
Em uma situação daquela, correndo o risco de ficar 15 anos naquele jeito, imagino que é humano pensar em uma solução. Eu muito provavelmente teria a coragem e a força de encarar os 15 anos.
Mas eu não posso não me permitir como ser humano pensar em algumas outras alternativas. Foi isso o que escrevi no diário. Em nenhum momento pensei em me matar seriamente.
Eu tinha uma colega russa de cela na prisão em Murmansk. Em São Petersburgo, havia duas: uma ucraniana e outra do Uzbequistão. Só falavam russo.
A moça do Uzbequistão matou o namorado em legítima defesa e queria aprender inglês. Às vezes, sentávamos durante quatro ou cinco horas estudando, tentando se entender. Tive sorte porque elas eram muito legais.
Toda a cadeia de São Petersburgo virou um grande teatro quando chegamos. Ficamos em uma cela enorme, com geladeira, TV e aquecedor de água. Percebemos toda a palhaçada montada para fazer uma propaganda do sistema penitenciário russo.
NA JUSTIÇA
Não existe justiça para o cidadão comum na Rússia. Claramente os juízes não decidem nada.
Em uma audiência, depois de quatro horas, o juiz perguntou se eu queria falar minhas palavras finais. Ele disse que eu deveria ficar em pé. Eu me escorei e disse que estava cansada do teatro. Falei: "O que vai fazer? Me mandar para a cadeia?". Todo mundo riu --até o juiz.
Foi uma espera muito tensa [o mês em que ficou em liberdade sob fiança]. O psicológico era bem pesado.
Os advogados diziam que eles [autoridades] estavam esperando que fizéssemos qualquer coisa para nos colocar novamente na cadeia. Tive momentos em que estava caminhando nas ruas, via alguém de uniforme e eu mudava de direção. Era pânico. Eu não sabia se estava sendo vigiada ou não.
Para o visto de saída, tive que assinar um papel dizendo que entrei ilegalmente na Rússia, contra minha vontade. Se vou a um lugar contra a minha vontade e tenho que quebrar leis para isso, o nome disso para mim é sequestro.
A mulher no aeroporto perguntou sobre o meu visto de entrada. Eu disse que não tinha porque fui "sequestrada" pelo governo russo. Na Alemanha [onde fez conexão], percebi que a saída era real.
A Rússia não deve ter imaginado que a reação pública seria tão grande. Se não existisse o apoio da mídia, do Greenpeace e do governo, ainda estaríamos lá, com certeza.

    Mirian Goldenberg

    folha de são paulo
    Como se fosse a primeira vez
    Por que parece mais fácil ser o nosso pior do que o nosso melhor nas relações mais fundamentais da vida?
    Tenho pesquisado mulheres brasileiras há mais de 25 anos. Elas dizem que querem ser "elas mesmas", e, mais ainda, que querem ser "o seu melhor". No entanto, dão inúmeros exemplos de situações em que só conseguem ser "o seu pior".
    Uma professora de 47 anos disse: "Quando casei foi a realização do meu maior sonho. Eu amava tudo o que o meu marido fazia. Hoje, 20 anos depois, acho tudo um tédio, chato, sem graça. Queria voltar a sentir o tesão do início".
    O que acontece, com o passar do tempo, que destrói "o tesão do início" e faz com que tudo o que despertava paixão passe a provocar raiva, irritação ou indiferença?
    Uma psicóloga de 40 anos contou: "Os primeiros anos com meu marido foram deliciosos. Ele chegava do trabalho, nos beijávamos muito e passávamos horas na cama transando, conversando, brincando. Hoje, temos preguiça de tudo, até de transar. Só não temos preguiça de brigar e de implicar um com o outro".
    Após anos de pesquisas, uma questão me inquieta: por que parece mais fácil ser o nosso pior do que o nosso melhor nas relações que são mais fundamentais em nossas vidas? Por que exibimos o nosso melhor lado, vestimos a melhor roupa, exercemos o melhor humor em ocasiões especiais (ou no Facebook) e, na maior parte do tempo, deixamos o nosso pior tomar conta?
    Por que a energia para ser o nosso pior parece ser tão mais poderosa? Por que dá muito mais trabalho ser o nosso melhor?
    Uma dermatologista de 50 anos disse: "Casei com o grande amor da minha vida e nos últimos anos eu só reclamava, me irritava com bobagens, estava insatisfeita com tudo. Nosso amor foi minguando, pois não prestávamos mais atenção nos cuidados, nos carinhos, nas delicadezas. Sempre me pergunto: Em que momento deixei de ser o meu melhor para ser apenas o meu pior?'".
    Como seria a nossa vida se fôssemos capazes de manter o nosso "eu melhor" todos os dias, e não apenas em festas e ocasiões especiais?
    Como seria se voltássemos a sentir o mesmo tesão e o mesmo encantamento como se fosse sempre a primeira vez?
    Que em 2014 cada um de nós consiga ser "o seu eu melhor" sempre.
    Feliz Ano-Novo!

    Contra a corrupção - Editorial FolhaSP

    Contra a corrupção
    Embora tenha avançado em casos importantes de desvio de recursos públicos, Justiça deve celeridade em episódios de menor repercussão
    Carregado de simbolismo, o julgamento do mensalão chegou ao fim para a maioria dos réus neste ano. Diversas penas até já são cumpridas pelos condenados sem direito a mais nenhum recurso --situação, por exemplo, do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT).
    Também em 2013 remeteu-se ao Supremo Tribunal Federal (STF) a investigação sobre o escândalo do cartel em licitações do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) durante sucessivas administrações do PSDB no Estado de São Paulo.
    O mesmo tribunal ordenou, neste ano, a prisão do deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado a 13 anos em regime fechado por crimes de peculato e formação de quadrilha. Foi a primeira prisão de um político determinada pelo STF desde a promulgação da Constituição de 1988.
    Ainda nessa seara, prevê-se que o caso do mensalão mineiro, ou tucano, seja julgado pelo Supremo no primeiro semestre de 2014.
    São demonstrações de que o Judiciário procura responder, pelo menos em circunstâncias de grande repercussão midiática, aos anseios de moralização da política.
    Tais episódios, todavia, não representam com exatidão o funcionamento da Justiça nesse campo. Segundo meta estipulada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os tribunais deveriam julgar neste ano todas as ações relativas a corrupção e desvios dos cofres públicos distribuídas até 2011.
    O ano termina, no entanto, sem que o objetivo tenha sido alcançado. Apenas 54% do plano foi cumprido: das 114 mil ações dessa natureza no estoque judicial, só 62 mil foram julgadas.
    É lamentável que uma iniciativa de tamanha importância simbólica --mostrar à sociedade que políticos que lesem o patrimônio público não terão privilégios na esfera judicial-- seja tratada com descaso por alguns tribunais.
    Finalizar tais processos traria um relevante efeito concreto. Políticos condenados por um órgão colegiado, conforme a Lei da Ficha Limpa, ficam impedidos de disputar eleições por oito anos.
    Poucos Estados, contudo, chegaram perto de cumprir a meta, e alguns mostraram inexplicável descaso --na Bahia e no Piauí, por exemplo, o número de processos julgados não passou de 11%. São Paulo só deu conta de 54% dos casos sob sua responsabilidade.
    Sem que tenham honrado o compromisso assumido, os presidentes dos tribunais brasileiros estenderam a diretriz do CNJ para 2014. No intuito de deixar o atraso menos vexatório, decidiram alargar o objetivo, incluindo o julgamento de ações distribuídas durante 2012.
    Demonstração de avanço, sem dúvida; em outros tempos, talvez dessem de ombros. Mas o sinal que mais se aguarda é o de que todos os casos de corrupção serão julgados com celeridade e rigor. E esse, porém, o Judiciário ainda não deu.

    Nizan Guanaes

    folha de são paulo
    Ano do Brasil
    Que em 2014 o que nos une se imponha sobre o que nos separa; o mundo todo estará de olho no Brasil
    O Brasil não se divide em partidos. Não temos essa tradição. Essa linha não divide o nosso campo. Por isso deveríamos focar mais as largas pontes que nos unem do que nos estreitos pleitos que nos separam. Temos muito a fazer. O jogo é de campeonato mundial.
    2014 será um ano pleno: de Copa do Mundo, de eleições, de tensões no mercado financeiro.
    É um tsunami de fatos e fotos que permanecerão na consciência --e na inconsciência-- do Brasil e do mundo por décadas. Até hoje lambemos nossas feridas pela derrota na final da Copa de 1950 no velho Maracanã. A final no novo Maracanã, em 13 de julho de 2014, também será lembrada por décadas.
    Esse engajamento nacional precisa de divergências, uma vez que somos uma democracia vibrante e complexa, e precisa também de convergências, para aproveitar todo o nosso potencial.
    Os pessimistas precisam ser mais realistas. Os otimistas também. O ano do engajamento será mais produtivo se for também o ano do entendimento.
    Nesse sentido, Nelson Mandela, o grande líder africano, que em vida mostrou a importância da tolerância e do entendimento, na morte deu a nós, brasileiros, uma oportunidade especial de reconciliação, no mínimo fotográfica e fotogênica.
    Seu funeral uniu numa emblemática viagem à África a presidente Dilma Rousseff e todos os ex-presidentes vivos do país (Lula, Fernando Henrique, Sarney e Collor). As imagens e os relatos do voo presidencial mostram como o Brasil fica bem na foto com as forças políticas reunidas num mesmo propósito.
    Mandela passou 37 anos na prisão e saiu de lá com a mão estendida para seus impiedosos carcereiros. Rechaçou uma bipolaridade destrutiva em nome de uma transição pacífica do regime racista para o regime democrático. Deu certo, e muito sangue não foi derramado.
    Quanto mais amarrados estivermos nas disputas que nos separam, menos avançaremos.
    Precisamos focar as soluções, os consensos. Foram eles que nos trouxeram até aqui.
    Os tremendos avanços socioeconômicos, políticos e mesmo psíquicos dos últimos 20 anos no Brasil vieram desses consensos libertadores em torno da democracia e da economia de mercado.
    Eles devem ser apenas o começo de uma nova trajetória, mais assertiva, mais justa, mais próspera, que dê no mínimo oportunidades para o desenvolvimento de cada mulher e cada homem desse país.
    Como tem acontecido nas vésperas de ciclos eleitorais, tenho sido procurado por políticos de diversas linhas para fazer campanha.
    A lembrança me honra, mas lembro a eles que estou focado na construção de um grande grupo de comunicação. E, com toda a humildade que Deus não me deu, sugiro que pensem menos em marketing político, que foca só o eleitor, e mais em marketing público, que pensa também no cidadão.
    2014 será um ano especial depois de um ano especial. 2013 teve também muitas emoções, no Brasil e no mundo. Como hoje é Natal, queria lembrar Francisco, o novo papa, sul-americano como nós, que num nome disse tudo.
    Uma grande lição de marketing espiritual porque por trás do nome existem verdades e valores.
    Tenho fé na fé, e Francisco a renova. Foi escolhido o homem do ano pela revista "Time", o que, no século da web, é bastante significativo.
    Já disseram que a grande rede mundial é o que mais chega perto do divino. É a minha conexão favorita. Que aflora nesse coletivo natalino.
    Em tempos cínicos, acreditar é ser rebelde, revolucionário. Sem Jesus, Papai Noel seria ridículo. O Natal não nasceu na Macy's, ele nasceu em Belém.
    Que em 2014 o que nos une se imponha sobre o que nos separa. Será o ano do Brasil. O mundo todo estará de olho, e a bola vai rolar.
    Feliz Natal a todos e um ano novo repleto de produtividade.

    João Pereira Coutinho

    folha de são paulo
    O meu 2013
    Albert Camus é superior a Sartre, mesmo que a sua proposta "existencialista" seja difícil de engolir
    Animais "" Depois de invadirem um laboratório em São Paulo, fanáticos da causa animal invadiram o meu e-mail com os insultos de praxe. Infelizmente, discutir os "direitos dos animais" implica saber primeiro se, em nome desses duvidosos "direitos", é legítimo parar a ciência e os inúmeros tratamentos médicos que dependem da experimentação com bichos. Não creio. Quem pensa o contrário deveria, por motivos de coerência, recusar toda a tecnologia (e toda a farmacologia) que passou por ratos, símios ou cachorros.
    Camus, Albert "" O centenário de Camus não teve o mesmo brilho que o de Sartre em 2005. Injusto. Camus é superior a Sartre, mesmo que a sua proposta "existencialista" seja difícil de engolir: aceitar o Absurdo como um Sísifo feliz pressupõe um nível de autossuficiência raríssimo em matéria humana tão frágil.
    Francisco "" Com a renúncia de Bento 16 --coisa invulgar em mais de 600 anos de história-- o Espírito Santo foi buscar um papa no "fim do mundo". Rezam as crônicas que, depois de eleito, Francisco terá informado os colaboradores que "o Carnaval acabou". Que o mesmo é dizer: é hora de recentrar a mensagem evangélica na missão primordial de acorrer aos desvalidos, sem perder energias com "batalhas culturais" redundantes. Amém!
    Livros "" Alice Munro ganhou, e bem, o Nobel da Literatura. David Shields publicou a melhor autobiografia que li em 2013 ("How Literature Saved My Life"). O melhor livro brasileiro é produto desta Folha: "A Cozinha Venenosa", de Silvia Bittencourt, uma narrativa histórica sobre um pequeno jornal da Baviera que denunciou, desde a primeira hora, a ascensão de Hitler --primeiro, como um vulgar agitador nas cervejarias de Munique; finalmente, como líder nazista na Alemanha. Sei que esta coluna é lida por editores portugueses. Para eles, uma palavra: acordem!
    Mandela, Nelson "" A morte de Mandela mostrou o jornalismo moderno em toda a sua gloriosa preguiça: em tom caricatural, Mandela foi elevado a santo e a luta contra o "apartheid", transformada em obra de um homem só. Errado. Mandela foi sobretudo um político de gênio que entendeu as vantagens (midiáticas, internacionais) da "resistência passiva", ao mesmo tempo que dialogava com o regime. A queda da União Soviética e a sensatez de Frederik de Klerk (o último presidente branco da África do Sul, devidamente ignorado nas hagiografias que se escreveram sobre Mandela) fizeram o resto para derrubar a derradeira mancha moral do século 20.
    O'Toole, Peter "" O ano foi triste para os monstros das telas. James Gandolfini, que fez com Tony Soprano o mesmo que Jeremy Brett com Sherlock Holmes (uma fusão perfeita e lendária na TV) deixou-nos em junho. Peter O'Toole, fiel ao espírito boêmio, esperou pelas festividades natalinas. Indicado oito vezes ao Oscar, perdeu as oito quando provavelmente merecia ganhar nas oito. Depois disso, só leva a sério os prêmios de Hollywood quem tem falta de massa cinzenta.
    Ricardo 3º "" Em parque de estacionamento na Inglaterra, foram encontradas as ossadas do rei que Shakespeare imortalizou na peça homônima. O caso levou historiadores vários a tentar melhorar a reputação de Ricardo 3º --um monarca sensato, reformador, compassivo etc. Indiferente. Como alguém dizia, quando a lenda é superior aos fatos, imprima-se a lenda. O Ricardo que fica para a posteridade é aquele que, nas primeiras linhas da peça, despreza a paz que finalmente chegou à casa de York e se prepara para iniciar a sua busca pelo poder. A paz sempre valeu pouco para espíritos que não se encontram em paz.
    "Selfie" "" Aprendi essa palavra nova no ano que termina. São fotos que o próprio tira do próprio e depois partilha nas redes sociais. Exemplo extremo de narcisismo? Certo. Mas o narcisismo tem uma explicação cultural: longe vão os tempos em que a função da arte (e do retrato) era captar e reproduzir o mundo. Hoje, o crescente desinteresse pelo mundo (e, no limite, pelos outros) só poderia degenerar em monumentos fotográficos à nossa ridícula vaidade e indisfarçável solidão.
    Thatcher, Margaret "" Morreu aos 87. Nenhum premiê britânico despertou tantos ódios como Thatcher. Entendo. Thatcher não resgatou apenas o Reino Unido da falência econômica em que o país se encontrava em 1979. A "dama de ferro" deslocou o eixo político britânico definitivamente para a direita, enterrando o "socialismo" na pátria onde ele nasceu. É o seu epitáfio.

    Mônica Bergamo

    folha de são paulo

    Organização da Jornada Mundial da Juventude ainda deve R$ 20 milhões pela festa

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    A organização da Jornada Mundial da Juventude ainda deve cerca de R$ 20 milhões relativos aos gastos da festa que trouxe o papa Francisco em julho ao Brasil.
    JORNADA
    A ideia de vender o cemitério do Catumbi, no Rio, para quitar as dívidas, não vingou. Para reduzir o rombo que ultrapassava os R$ 100 milhões, os religiosos se desfizeram de patrimônio, entre eles o prédio do hospital Quinta D'Or.
    BEM NA FOTO
    O cartão de fim de ano que Guilherme Ribeiro, chefe de gabinete da CDHU (empresa estadual de habitação de SP), mandou para servidores despertou críticas de que estaria fazendo propaganda eleitoral antecipada. Ele nega. Nas mensagens, há uma foto de Ribeiro sorrindo, no formato de bola de Natal. Funcionários notaram semelhança com um "santinho".
    BEM NA FOTO 2
    Filiado ao PP — partido em que o pai, Jesse Ribeiro, é secretário-geral e braço direito de Paulo Maluf —, o autor da mensagem diz ter pago cerca de R$ 1.000 do próprio bolso pela impressão de 1.600 cartões, entregues a colegas de trabalho, amigos e parentes. "Hoje eu só sou candidato a ser o melhor chefe de gabinete da história da CDHU", afirma. "Minha situação no ano que vem está indefinida."
    EM CENA
    O Theatro Municipal viu seu público dobrar neste ano, de acordo com levantamento do diretor-geral José Luiz Herencia e do diretor artístico John Neschling: foram 120 mil ingressos vendidos, contra 61 mil em 2012.
    EM CENA 2
    Só a ópera "La Bohème" foi vista por 13 mil pessoas.
    GENTE GRANDE
    Vendida para a Alpargatas, a Osklen vai fechar o ano com faturamento de R$ 275 milhões. Em março, a empresa que é o braço de vestuário e calçados do grupo Camargo Corrêa formaliza a compra de outros 30% do negócio, chegando ao controle de 60% da operação. Oskar Metsavaht, fundador da grife, segue como diretor criativo.
    PRA GRINGO
    A marca brasileira deve iniciar um projeto de expansão internacional. "Estamos desenhando o processo neste momento, com a ajuda de uma consultoria externa", diz o estilista. A Osklen tem hoje oito lojas no exterior e 50 no Brasil.
    GRANDE BELEZA
    A modelo e empresária Luiza Brunet recebeu amigos como o estilista Amir Slama no lançamento paulistano da sua biografia, "Luiza". Entre os fãs que passaram pela Livraria Cultura do Conjunto Nacional para garantir uma dedicatória estava a arquiteta Brunete Fraccaroli.

    Luiza Brunet autografa biografia

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    Bruno Poletti/Folhapress
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    Luiza Brunet recebeu o estilista Amir Slama no lançamento de sua biografia, "Luiza", na Livraria Cultura do Conjunto Nacional
    HORA DA VIRADA
    Paulo Ricardo compôs uma música especial para sua apresentação de hoje na festa de Réveillon da avenida Paulista. Além da temática de fim de ano, "Anjos Urbanos" também sofreu influência do clima das manifestações de junho.
    *
    "Principalmente quando digo que 'a noite explode em milhões de estrelas', a metáfora foi perfeita", diz o cantor. "Já a virada do ano é momento de transe coletivo. Todos mentalizam coisas boas."
    CADA UM NO SEU QUADRADO
    Tuca Reiners
    Paulistana criada em Trancoso, a chef Morena Leite aproveitou o conhecimento sobre a cidade do litoral da Bahia para incrementar seu recém-lançado canal no YouTube, o Mistura Morena.
    *
    "Além de receitas, dou dicas especiais, inclusive sobre o local onde passei minha infância", diz a dona dos restaurantes Capim Santo e Santinho.
    *
    Descer o rio Trancoso de caiaque e ir à feijoada da Glória, no Quadrado, são algumas das sugestões da chef sobre os melhores programas para se fazer na cidade que é um dos points deste verão.
    PROMESSAS
    Maior medalhista paraolímpico brasileiro, Daniel Dias diz que sua meta para 2014 é ser pai. Já o campeão olímpico em 2012 e mundial neste ano nas argolas, Arthur Zanetti, torce para concluir a faculdade de educação física. Essas e outras resoluções de atletas brasileiros para o ano novo serão publicadas no site www.rio2016.com na quinta.
    PROMESSAS 2
    A nadadora Poliana Okimoto, atleta olímpica do ano pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro), pretende iniciar um projeto social. E Thaisa, bicampeã olímpica do vôlei, quer voltar a tocar piano.
    TÚNEIS DO TEMPO
    O livro "Oficina 50+ Labirinto da Criação" foi lançado após a peça "Cacilda!!!! - A Fábrica de Cinema & Teatro", no Teatro Oficina. Atores do espetáculo, como Camila Mota e Sylvia Prado (que interpretam a personagem-título), e o diretor e ator José Celso Martinez Corrêa participaram da sessão de autógrafos. Organizada por Mariano Mattos Martins, a obra conta os 55 anos do grupo teatral Uzyna Uzona. O evento também relembrou os 26 anos da morte do dramaturgo e ator Luis Antônio Martinez Corrêa, irmão de José Celso.

    Livro é lançado no Oficina

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    Eduardo Anizelli/Folhapress
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    O diretor teatral e ator José Celso Martinez Corrêa recebeu convidados no lançamento do livro "Oficina 50+ Labirinto da Criação", organizado por Mariano Mattos Martins
    com ELIANE TRINDADE (interina), JOELMIR TAVARES, ANA KREPP e MARCELA PAES
    mônica bergamo
    Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

    Helio Schwartsman

    folha de são paulo
    Lutadores e prostitutas
    SÃO PAULO - O que lutadores de MMA e prostitutas têm em comum? Ambas as categorias se tornaram alvo de gente que acha que sabe melhor do que os próprios envolvidos como eles devem viver suas vidas.
    No Brasil, o terrível acidente com Anderson Silva inflou o coro dos que querem negar ao MMA o estatuto de esporte e até o dos que pretendem proibir a transmissão de lutas pela TV. Enquanto isso, na França, berço das liberdades individuais, o governo flerta com a ideia de tornar ilegal comprar os serviços de uma prostituta, mas não vendê-los. Segue os passos dos suecos, que adotaram medida semelhante. Não chega a ser a proibição da profissão mais antiga do mundo --a única sociedade industrializada que foi tão longe são os EUA--, mas configura um forte golpe contra as profissionais do sexo.
    A lógica que alimenta esses raciocínios é a mesma: tanto os lutadores como as meretrizes são vítimas da sociedade. Trata-se, afinal, de pessoas oriundas de classes desfavorecidas que, por não ter como resistir às pressões econômicas, acabam concordando em fazer aquilo que não fariam se tivessem escolha.
    Em muitos casos, mulheres caem na vida por falta de opção, não por entusiasmo com a carreira. Creio que isso é mais raro no MMA, mas admitamos que isso possa ocorrer. O problema com esse argumento é que ele é forte demais. Se generalizarmos o raciocínio, teríamos de proibir outras profissões pouco nobres, como a de limpa-fossas, que só existem porque algumas pessoas têm poucas escolhas. Ao fim e ao cabo, teríamos de, como Karl Marx, condenar todo trabalho assalariado não criativo.
    No mais, não estou tão certo de que não haja lutadores e prostitutas que gostem do que fazem ou, ao menos, achem que a relação custo-benefício lhes é favorável. Para afirmar o contrário, seria necessário impor a todos um conjunto de valores morais inegociáveis, o que seria algo bem estúpido de fazer.

      Vladimir Safatle

      folha de são paulo
      Neurocientista psicopata
      James Fallon era um neurocientista norte-americano envolvido em pesquisas sobre as relações entre padrões anatômicos do cérebro de psicopatas e comportamento criminoso. Sua hipótese era a de que existiam distinções anatômicas sensíveis entre criminosos violentos e pessoas "normais". Imbuído da certeza de que a anatomia é o destino, lá foi Fallon tentar mostrar que a baixa atividade em certas áreas do lobo frontal e temporal, responsáveis pela empatia e compaixão, poderia nos auxiliar a identificar um psicopata.
      Mas eis que o inimaginável ocorre. A fim de construir um quadro comparativo, o neurocientista resolveu servir-se de tomografias de si mesmo e de membros de sua própria família. Aterrorizado, Fallon descobriu que seu próprio cérebro tinha similitudes fundamentais com a anatomia cerebral dos psicopatas. Sim, ele mesmo era um psicopata potencial, um "protopsicopata".
      "Eu sempre soube", disse sua mulher. Afinal, anos a fio esquecendo o dia do rodízio do carro e não se comovendo com relatos das desfortunas do câncer do seu tio-avô só podiam significar uma indiferença fria e tendencialmente psicopata. "É verdade, eu sempre fui insensível", responde o neurocientista. Mesmo suas ações de caridade, ele agora reconhece, eram feitas sem empatia e sem "real envolvimento", ou seja, sem aquela lágrima no canto dos olhos que escorre furtivamente, como Hollywood nos ensinou.
      Mas havia um problema: Fallon não matou ninguém, ninguém reclamou de ter sido estuprada por ele. Por que então o protopsicopata não passou ao ato? "O amor da família me salvou. Ele conseguiu neutralizar o pior". Ao que só podemos responder: "Aleluia, aleluia".
      Esta história real demonstra a inanidade especulativa primária de certos setores das neurociências. Pois o que Fallon descobriu não foi sua "protopsicopatia" nem a força redentora do amor familiar, mas a simples ausência de relações diretas entre estados cerebrais e "comportamento criminoso".
      A neurologia conseguiu identificar áreas do cérebro, como o giro supramarginal, cujas atividades são fundamentais para a empatia e a compaixão. Mas se eu fosse kantiano, lembraria que a apatia e a desconfiança em relação à compaixão são condições, não apenas para a psicopatia e para o comportamento antissocial, mas para todo comportamento moral, já que a universalidade do julgamento moral exige o não envolvimento especial com sujeitos particulares determinados.
      Ou seja, o mesmo estado cerebral pode estar na base de dois comportamentos sociais divergentes, o que demonstra que não há causalidade direta alguma entre estado cerebral e comportamento social. Mas admitir tal evidência deixaria muita gente sem emprego.

      segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

      Revistas científicas brasileiras: Rogerio Meneghini e Abel Packer

      folha de são paulo

      Rogerio Meneghini e Abel Packer: Revistas científicas brasileiras

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      Tendências / DebatesA Revolução Científica irrompeu no século XVII propelida pelo renascimento, por mentes brilhantes e por uma nova abordagem baseada na observação crítica e metodologia experimental. Porém, o avanço do conhecimento não seria o mesmo sem o movimento República das Letras, que adotou a praxe de intensa troca de informação por meio de cartas escritas a mão. Em 1665 a comunicação tornou-se mais eficiente quando acadêmicos da França e Inglaterra passaram a distribuir versões impressas de suas ideias e descobertas. Afinal, muito antes, Lutero tinha alcançado enorme audiência com sua versão impressa da bíblia em alemão. Foram assim criadas as duas primeiras revistas científicas. Hoje elas alcançam cerca de 30 mil, a grande explosão tendo ocorrido nos últimos 100 anos.
      As revistas não se tornaram apenas um meio eficiente de comunicação, mas também de avaliação, pois os artigos passaram a ser analisados por pares revisores que julgam qualidade e credibilidade, antes de serem publicados. A última revolução ocorreu nos últimos 20 anos, com o advento da internet. As revistas passaram a ter versões eletrônicas on-line. Foram lançadas plataformas que permitem avaliar a repercussão dos artigos científicos, dos autores e das revistas. Até mesmo certas questões de ética científica, como o plágio, são detectáveis por programas disponibilizados na internet.
      A internet teve ainda duas repercussões importantes. A primeira foi um significativo aumento de revistas produzidas em países emergentes e em desenvolvimento. A segunda foi o clamor pela disponibilização em acesso aberto dos artigos científicos na internet. Certamente há um preço para produzir um artigo e a questão do acesso aberto é como dividir os custos e conter os lucros, estes últimos inevitáveis se há empresas privadas envolvidas no processo, como publishers comerciais.
      O Brasil destacou-se em ambos os casos. Houve um aumento notável de revistas publicadas no país, em grande parte devido à política da CAPES (MEC) que gerou forte pressão junto aos cursos de pós-graduação para publicar artigos. Uma boa parte dos cursos de pós-graduação criaram suas próprias revistas para atender a esta pressão.
      A questão de acesso aberto está fortuita e intimamente ligada à criação do programa SciELO de revistas científicas em 1998. Com forte apoio da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de SP), este programa vem selecionando as melhores revistas nacionais, assim avaliadas por um colegiado de assessores, para serem disponibilizadas livremente em seu site na Internet. O aspecto fortuito advém do fato de que o lançamento do SciELO nestes moldes precedeu ao movimento mundial de acesso aberto. SciELO tem hoje indexadas 280 revistas do Brasil, selecionadas dentre mais de 800 revistas que se candidataram desde sua criação, e disponibiliza cerca de 20 mil artigos por ano.
      A ciência produzida em um país é parte de sua cultura e sela o seu padrão de progresso global. As revistas científicas de qualidade provêm um importante arcabouço para esta ciência, muito além de meros canais para ajudar a escoar nossa produção científica. Uma amostra de nossa elite científica, os cerca de 700 membros da Academia Brasileira de Ciências, concede uma demonstração disso. No início deste século eles publicavam apenas 8,7% de seus artigos em revistas brasileiras. Hoje 24,8 % deles estão nas melhores revistas brasileiras.
      ROGERIO MENEGHINI, 72, é diretor científico do programa SciELO e professor aposentado da Universidade de São Paulo. ABEL PACKER, 66, é diretor do programa SciELO

      Luli Radfahrer

      folha de são paulo

      Nada por mim

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      O crescimento das mídias sociais ajudou a reconfigurar as paranoias de comportamento e facilitar as resoluções de ano novo. Com a ajuda de aplicativos quase gratuitos e de um punhado de amigos nas redes é possível comer melhor, dormir mais e viver uma vida mais ecológica, saudável, produtiva e segura.
      Seus usuários, fáceis demais, parecem incapazes de cuidar do corpo que possuem. Não vai demorar para que os programinhas que hoje registram calorias e horas de sono passem a computar fatores genéticos, pessoais e ambientais para recomendar a eles o que fazer, o que vestir, com quem andar e aonde ir.
      Técnicas de mudança de comportamento partem do princípio de que é mais fácil realizar pequenas tarefas, administráveis, do que lutar contra a tentação munido apenas de força de vontade. Comuns em programas de combate a situações crônicas, como os Vigilantes do Peso e os Alcoólicos Anônimos, elas estão cada vez mais comuns no ambiente digital, em que usam neologismos marqueteiros como "quantified self" e "gamificação".
      O primeiro a sugerir esse tipo de prática foi o controverso psicólogo americano B. F. Skinner, criador do behaviorismo radical. Ele acreditava que as pessoas poderiam ser programadas a tomar determinadas atitudes, desde que vissem bons resultados derivados delas –os chamados "reforços".
      Skinner viu que muitos animais reagiam positivamente, repetindo-os até que se tornassem hábitos. E propôs que o ser humano reagiria da mesma forma, questionando a ideia do livre-arbítrio.
      Depois de quase meio século de rejeição, as ideias de Skinner voltam a ativa nos aplicativos comportamentais. Eles estabelecem objetivos modestos para encorajar o progresso constante e reforços posteriores, medem rigorosamente os resultados para descobrir quais variáveis comprometem ou estimulam as conquistas, usam as mídias sociais para buscar apoio do grupo e criam novas tarefas para que o hábito se forme. Com o apoio dessas técnicas, o indivíduo quantificado e gamificado se transforma naquele indivíduo programável.
      O problema das técnicas behavioristas é que a mudança de comportamento demanda o apego a determinadas rotinas, abrindo mão do livre-arbítrio. O usuário que se dedica a um desses programas reconhece não ser capaz de dar conta de si próprio, terceirizando o controle para o sistema.
      É fácil ver aonde isso vai parar. Tecnologias de "big data", computação em nuvem e internet das coisas tendem a criar bolhas de isolamento cada vez maior, capazes de reconhecer mudanças de comportamento e se antecipar a novos desejos. Nas palavras do filósofo de tecnologia Albert Borgmann, "deixaremos de cuidar da casa para sermos cuidados por ela".
      Por mais que seja eficiente para resolver problemas e hábitos que comprometem a saúde de seus usuários e dos que convivem com eles, a mecanização pode ser um perigoso instrumento de manipulação.
      Usado com moderação, o behaviorismo digital pode ser uma bela ferramenta de autogestão. Em excesso, pode mecanizar seus usuários, comprometendo sua força de vontade. Na dúvida, o melhor é buscar independência para evitar que a máquina pense que você é dela.

      Facção paulista gerencia negócios do crime no Rio

      folha de são paulo
      Em reuniões com traficantes, PCC define envio de armas, dinheiro e drogas
      Influência cresceu tanto que paulistas convenceram cariocas a vender crack, droga que evitavam nas favelas
      MARCO ANTÔNIO MARTINSDO RIOJOSMAR JOZINODO AGORAO PCC (Primeiro Comando da Capital) chegou ao Rio. A facção criminosa paulista, que já montou bases em 13 Estados e até no exterior, se aproximou das três facções cariocas e passou a cuidar de negócios do crime no Estado.
      A colaboração entre quadrilhas dos dois Estados ocorre eventualmente há anos, mas agora os criminosos de São Paulo são presença constante em reuniões do CV (Comando Vermelho), da ADA (Amigos dos Amigos) e do TC (Terceiro Comando) no Rio.
      Nelas, definem o envio de armas, dinheiro e drogas.
      A influência cresceu tanto que os paulistas conseguiram convencer os cariocas a vender crack, droga que sempre evitaram nas favelas do Rio.
      Em dificuldades financeiras desde os ataques de 2006, quando passou a ser estrangulado pela polícia, o PCC diversificou sua atuação.
      No Rio, a ação mais efetiva vem sendo feita junto ao CV. A facção carioca teve dívidas de R$ 7 milhões perdoadas e alguns já batizam essa união de CV-Primeiro Comando.
      Levantamento do Ministério Público paulista no sistema carcerário do Rio mostra que 38 internos cariocas já foram "batizados" pelo PCC --ou seja, passaram a integrar a facção. Há ainda 15 presos de São Paulo, ligados à quadrilha, cumprindo pena no Rio.
      A preocupação de policiais e promotores dos dois Estados é que a parceria cresça.
      A Secretaria de Segurança do Rio disse que "não comenta ou divulga informações sobre investigações". A de São Paulo não se pronunciou.
      Até os criminosos do Rio estão preocupados com a presença do PCC. Os investigadores flagraram um recado do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-mar, pedindo aos chefes do PCC que não "convertessem" os traficantes cariocas.
      A partir do cruzamento de dados obtidos por promotores e policiais foi possível descobrir planos do PCC no Rio.
      Do presídio de Presidente Venceslau (611 km de SP), chefes da facção decidiram, em conferências por celular, os caminhos da ação no Rio.
      Em 2010, o PCC tinha dívida de R$ 4,5 milhões devido a apreensões de armas e drogas pela polícia. A facção decidiu então que era preciso criar uma base no Rio.
      Assim, chefes ficariam escondidos no Estado e poderiam, das ruas, decidir os rumos da quadrilha, retirando o foco dos comparsas presos. Falam até em investir R$ 1 milhão na compra de uma casa.
      Os planos para o Rio foram definidos em conversas de até duas horas que mostram Marcos Herbas Camacho, o Marcola, e Roberto Soriano, o Tiriça, dois dos chefes que estão presos, iniciando os contatos com ADA e CV.
      Tiriça chega sugerir a paz entre as facções do Rio. Os traficantes do TC resistem à união das facções, mas sugerem uma "trégua" nas invasões de territórios.
      Em um dos contatos, em outubro de 2010, Tiriça conversa do presídio com o traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, na época em liberdade --hoje está na prisão federal de Campo Grande (MS). Eles acertam a ida ao Rio de emissários do PCC.
      Após a visita, em novembro, um traficante conversa por telefone com Tiriça e outros três do PCC sobre a ida ao Rio. "O negócio é fora do comum. O bagulho é chique, é chapa quente. É um país. Não consegui nem contar [os fuzis] do tanto que tem."
      Não demorou para que, mensalmente, oito criminosos do PCC passassem a ir ao Rio para treinamentos de tiro com a ADA.
        Em conjunto, facções criam base fora do Rio
        Com apoio do PCC, Comando Vermelho montou centro para distribuir drogas em Itaboraí, na região metropolitana
        Paulistas fornecem a cariocas a cocaína, que é enviada depois em pó ou como crack para vários pontos da capital
        MARCO ANTÔNIO MARTINSDO RIOCom apoio do PCC, o Comando Vermelho montou uma base em Itaboraí, na região metropolitana do Rio. De lá, distribui cocaína e crack para diferentes partes do Rio.
        Em depoimento em setembro no Rio, o traficante Rodrigo Prudêncio Barbosa contou que a facção paulista fornece cocaína para a carioca.
        Parte é enviada a um laboratório clandestino num sítio na favela da Reta, em Itaboraí --a 5 km do Comperj, o complexo petroquímico que está sendo construído pela Petrobras com investimento estimado em R$ 20 bilhões.
        Lá, uma quantidade é preparada para ser vendida como pó; o restante vira pedras de crack. Ainda conforme o depoimento, a proprietária do sítio foi expulsa dali pelo CV.
        Documentos da contabilidade do tráfico apreendidos registram a movimentação de R$ 1 milhão por mês nas bocas de fumo da favela da Reta, que tem 25 mil habitantes.
        "A facção transformou aquele local em sua base. Abrigam fugitivos dos morros ocupados na capital e distribuem drogas", afirma o delegado Wellington Vieira, da Divisão de Homicídios.
        O local pode ter sido escolhido por ficar longe do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que já se instalou em 34 favelas no Rio, mas não tem previsão de ser implantado fora da capital.
        Na favela, os traficantes montaram barreiras para dificultar o acesso. Armados, patrulham a área em motos.
        Em julho, tentaram resgatar um de seus chefes, que está num presídio federal e era levado para depor na Justiça. Um agente penitenciário acabou morto por tiros de fuzil.
        "A violência em Itaboraí cresceu bastante com as armas que chegaram na favela", disse o juiz Marcelo Villas, que atuou na cidade.

          Protestos não são o fim do mundo, são da democracia, diz Eduardo Paes

          folha de são paulo

          Protestos não são o fim do mundo, são da democracia, diz Eduardo Paes


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          ITALO NOGUEIRA
          BERNARDO MELLO FRANCO
          DO RIO

          Em baixa nas pesquisas de opinião desde os protestos de junho, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), diz que é "burrice" se preocupar com popularidade agora.
          Ele afirma que as mobilizações "não acabaram nem vão acabar", mas "não são o fim do mundo" para os políticos.
          Reeleito há um ano no primeiro turno, com 64% dos votos válidos, Paes agora segue à risca as cartilhas de marketing para tentar se reerguer.
          Recebeu o "Mídia Ninja", responde eleitores em redes sociais e passou a se reunir com ativistas da oposição.
          "É burrice pensar agora em popularidade. O desafio é lidar com este ambiente", disse àFolha na sexta-feira, em seu gabinete no Palácio da Cidade, em Botafogo (zona sul).
          O prefeito disse que reajustará as passagens de ônibus em janeiro e afirma que o governador Sérgio Cabral (PMDB) está sendo "injustiçado" pelos eleitores.
          Folha - O Rio ganhou prêmio internacional de "cidade inteligente", mas sua avaliação nas pesquisas é ruim. O sr. é mais popular no exterior?
          Eduardo Paes - Há reconhecimento interno e externo de que o Rio avança. Quando recebemos prêmio de cidade inteligente, ninguém está dizendo que o Rio é mais puro do que Copenhague, tem mais políticas ambientais do que Londres.
          Dentro da tragédia urbana mundial, a cidade está lidando com alguns desafios de maneira interessante. Lá fora, as pessoas entendem que a cidade começa a encontrar soluções. O porto é um "case" fantástico de revitalização de uma zona degradada.
          O sr. foi reeleito há um ano e agora está mal nas pesquisas. Como explica sua queda?
          Vi o [ex-prefeito] Cesar Maia, em 1998, com aquela história de pesquisa demais, fazer uma equação que dava que ele ia perder a eleição para governador. Ele não foi ao debate com o Anthony Garotinho. Se acovardou, foi para casa chorar. Se eu entendesse de pesquisa, em 2008, contra o Fernando Gabeira, eu ia chorar. Não entender me fez ir para rua, disputar e ganhar.
          Há uma queda de popularidade de todos os governantes, e Rio e São Paulo foi onde se sofreu mais. Que grande lambança eu fiz de um ano para cá que justificasse essa avaliação? Há erros, mas não vejo uma grande lambança.
          O sr. foi contaminado pela impopularidade do governador Sérgio Cabral, seu aliado?
          Manifestação não é ruim. O tema para mim, que não estou disputando eleição [em 2014], não é popularidade. É burrice pensar agora em popularidade. O desafio é como lidar com este ambiente.
          Os protestos não acabaram e nem vão acabar. Podem ter gradações distintas.
          Nós, políticos, ficamos interpretando as coisas como se fossem o fim do mundo. Protesto não é o fim do mundo, é coisa de democracia consolidada. Mudou a abordagem, as pessoas estão mais empoderadas. É do cacete.
          Tentei não fugir dos desafios. Fiz a licitação dos ônibus, não defino mais o reajuste da tarifa num quarto fechado com um monte de português [donos das empresas].
          O sr. defende a transparência, mas sua base na Câmara sufocou uma CPI sobre os ônibus.
          Eu não quero nem deixo de querer CPI. Minha oposição tem nove vereadores e conseguiu 24 assinaturas. Não pedi a ninguém para não assinar.
          A prefeitura vai mesmo reajustar os ônibus em janeiro?
          Sou a favor. Mas se o Tribunal de Contas me provar que não é devido o reajuste, eu não faço. O que não vou deixar acontecer na minha cidade é cair na armadilha que o meu amigo Fernando Haddad está. Não vou colocar dinheiro público na mão de português nem fazer controle populista de preço.
          Não podemos repetir erros. No ano passado, por uma questão artificial de controle de preços, a gente adiou [de janeiro para junho].
          O sr. atendeu a um pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A culpa foi dele?
          Foi culpa do Mantega e minha, porque eu aceitei adiar. Mas é leitura primária achar que as manifestações eclodiram por causa do reajuste.
          O trânsito piorou no Rio, já foi apontado como o pior do país. A que se deve isso?
          Ao carro. A essa loucura do Brasil, com as políticas do governo federal [de estímulo à compra de automóveis]. Não é da Dilma nem do PT, é histórico. Não vejo solução para a cidade com carros.
          Não perco tempo com isso. Perco com mobilidade, transporte coletivo. Estou fazendo 150 km de BRT [corredores para ônibus articulados].
          O que acha de medidas como pedágio urbano e rodízio?
          Sou a favor. Não implementarei porque quem me antecedeu não deu condições. Essas soluções pressupõem alternativa com transporte público.
          A Rio Branco, uma das principais avenidas do centro, será fechada para carros?
          Lógico. Vai ser um ótimo boulevard. Vai ser bom para protesto. Vão poder protestar sem interromper o trânsito.
          Desde a década de 1960, ninguém removeu tantas favelas no Rio. O sr. é higienista, como acusam ONGs?
          Só há uma remoção por causa da Olimpíada, a Vila Autódromo. Cerca de 90% são em áreas de risco. As pessoas que veem higienismo têm que vir na hora em que chove e as pessoas morrem. Ainda temos 10 mil pessoas em áreas de risco.
          O PMDB ainda pode manter a aliança com o PT na eleição para o governo do Rio?
          Torço para que o PT apoie o [vice-governador Luiz Fernando] Pezão. Se não apoiar, temos que manter a educação e a gentileza, e no segundo turno eles nos apoiam.
          Como o PT vai agredir o Sérgio [Cabral]? Fica mal. É sócio há sete anos. Só vai acelerar a derrota. Da mesma maneira, acho impossível o PMDB do Rio não apoiar a presidente Dilma à reeleição.
          Pezão tem apenas 5% de intenções de voto.
          Há um desgaste de todos os candidatos. Ninguém cresceu com a crise política. E até quem não gosta do Sérgio pessoalmente reconhece que fez o melhor governo do Rio.
          Cabral é um injustiçado?
          Eu acho. Não se justifica o grau de ataque, e eventual impopularidade, a um governador que fez o que ele fez.
          Quem será o principal adversário do PMDB em 2014?
          Eu quase torço para ser o Garotinho. É um adversário ótimo. Ele encarna o Rio do passado, da briga como instrumento de outros interesses que não os do Estado.
          E em 2016, quem será seu candidato a prefeito?
          O mais preparado é o Pedro Paulo [chefe da Casa Civil da prefeitura]. Mas não quero tratar de sucessão agora.
          É verdade que o sr. sonha com a Presidência em 2018?
          A única coisa que garanto que farei em 1º de janeiro de 2017 [primeiro dia fora da prefeitura] é tentar ir para uma universidade em Londres e morar seis meses lá.

          A derrota do Brasil para o crack

          folha de são paulo
          O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack. A política pública não pode ser só internação compulsória
          Neste mês, o programa Crack, É Possível Vencer, do governo federal, completou dois anos. No entanto, infelizmente, a vitória não é uma realidade. Nem mesmo está próxima.
          O ministro da Justiça disse que o programa foi o segundo em verbas aplicadas pela pasta da qual é titular. A afirmação é assustadora, pois dos R$ 4 bilhões prometidos para o combate ao crack, apenas R$ 368 milhões foram de fato empregados.
          Recente pesquisa da Universidade Federal de São Paulo estima em 2,8 milhões de usuários de crack em todo o país. Esse número dobra a cada dois anos.
          Afinal, como as autoridades estão enfrentando esta que já é a mais grave epidemia da história recente do Brasil? Trata-se de uma derrota em três frentes: política, estratégica e de saúde pública.
          Política porque, segundo deputados da base aliada da presidente Dilma Rousseff, apesar de o assunto ser prioritário, há resistência interna dentro do próprio governo que ela lidera.
          O segundo escalão do Ministério da Saúde é contra o programa Crack, É Possível Vencer, inclusive defendendo a liberação das drogas. No Ministério da Justiça, um secretário teve que deixar suas funções depois de declarações desastrosas acerca do assunto. Uma torre de Babel: há uma corrente ideológica ligada ao governo que defende o contrário do que a presidente fala.
          Se a articulação política é uma questão grave, a estratégia de proteção de fronteiras é ainda mais urgente. O Brasil não planta uma única folha de coca. Como então temos tanta droga circulando no país?
          Depois que Evo Morales --pasme, presidente da confederação dos cocaleiros-- assumiu a Presidência da Bolívia, a área plantada chegou a 25 mil hectares. Sua política de liberar o plantio por lá criou um pico do consumo do crack por aqui.
          Além disso, o Uruguai acaba de legalizar a maconha, sem ninguém ter certeza de como isso impactará na saúde e na segurança do país e, em última instância, do continente. A maconha não é uma droga simples. É uma bomba de aditivos e componentes químicos que causam comprovados transtornos mentais.
          Outros países que fizeram movimentos semelhantes foram obrigados a recuar. A Suécia, por exemplo, é o país que mais reprime o uso de drogas e conseguiu eliminar a tempo a epidemia de crack que tomou conta do país logo após a malsucedida legalização das drogas.
          O terceiro escorregão do governo ocorre no terreno da saúde pública. A educação é capenga. A Universidade de Michigan fez um estudo com a duração de 35 anos sobre o consumo de maconha nos Estados Unidos. Nesse período, notaram que quanto maior a percepção do risco, menor o consumo. Ou seja, informação é fator primordial. Quando há informação cruzada --de que a maconha não faz mal--, aumenta o consumo e os números de dependentes.
          Cerca de 37% dos jovens que usam maconha ficam viciados. É uma loteria cruel, especialmente com essa faixa etária, ainda não madura o suficiente para ter a dimensão das consequências dos seus atos. E que não tem acesso às informações das verdadeiras ações deletérias dessa droga maldita.
          Há uma incompreensão de que a dependência química é de altíssima complexidade. Enquanto o tratamento do vício em crack no sistema privado é digno e obtém boa resposta, o dependente pobre está entregue à própria sorte ao despreparo da maioria dos serviços disponíveis na rede pública.
          O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack. A política pública não pode ser só internação compulsória, pois parece apenas a preocupação em "limpar as ruas". Qual é a consequência do tratamento? O que fazer com esses dependentes depois da internação? Como reinseri-los na sociedade de forma produtiva? Quais as diretrizes de tratamento?
          A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) já se colocou e se coloca à disposição do governo federal para esclarecer dúvidas e colaborar nas diretrizes a serem seguidas. Até agora, nada. Devem saber o que estão fazendo.
          A única constatação possível é que o Brasil enxuga gelo quando o assunto é o combate ao crack e outras drogas.