segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Revistas científicas brasileiras: Rogerio Meneghini e Abel Packer

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Rogerio Meneghini e Abel Packer: Revistas científicas brasileiras

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Tendências / DebatesA Revolução Científica irrompeu no século XVII propelida pelo renascimento, por mentes brilhantes e por uma nova abordagem baseada na observação crítica e metodologia experimental. Porém, o avanço do conhecimento não seria o mesmo sem o movimento República das Letras, que adotou a praxe de intensa troca de informação por meio de cartas escritas a mão. Em 1665 a comunicação tornou-se mais eficiente quando acadêmicos da França e Inglaterra passaram a distribuir versões impressas de suas ideias e descobertas. Afinal, muito antes, Lutero tinha alcançado enorme audiência com sua versão impressa da bíblia em alemão. Foram assim criadas as duas primeiras revistas científicas. Hoje elas alcançam cerca de 30 mil, a grande explosão tendo ocorrido nos últimos 100 anos.
As revistas não se tornaram apenas um meio eficiente de comunicação, mas também de avaliação, pois os artigos passaram a ser analisados por pares revisores que julgam qualidade e credibilidade, antes de serem publicados. A última revolução ocorreu nos últimos 20 anos, com o advento da internet. As revistas passaram a ter versões eletrônicas on-line. Foram lançadas plataformas que permitem avaliar a repercussão dos artigos científicos, dos autores e das revistas. Até mesmo certas questões de ética científica, como o plágio, são detectáveis por programas disponibilizados na internet.
A internet teve ainda duas repercussões importantes. A primeira foi um significativo aumento de revistas produzidas em países emergentes e em desenvolvimento. A segunda foi o clamor pela disponibilização em acesso aberto dos artigos científicos na internet. Certamente há um preço para produzir um artigo e a questão do acesso aberto é como dividir os custos e conter os lucros, estes últimos inevitáveis se há empresas privadas envolvidas no processo, como publishers comerciais.
O Brasil destacou-se em ambos os casos. Houve um aumento notável de revistas publicadas no país, em grande parte devido à política da CAPES (MEC) que gerou forte pressão junto aos cursos de pós-graduação para publicar artigos. Uma boa parte dos cursos de pós-graduação criaram suas próprias revistas para atender a esta pressão.
A questão de acesso aberto está fortuita e intimamente ligada à criação do programa SciELO de revistas científicas em 1998. Com forte apoio da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de SP), este programa vem selecionando as melhores revistas nacionais, assim avaliadas por um colegiado de assessores, para serem disponibilizadas livremente em seu site na Internet. O aspecto fortuito advém do fato de que o lançamento do SciELO nestes moldes precedeu ao movimento mundial de acesso aberto. SciELO tem hoje indexadas 280 revistas do Brasil, selecionadas dentre mais de 800 revistas que se candidataram desde sua criação, e disponibiliza cerca de 20 mil artigos por ano.
A ciência produzida em um país é parte de sua cultura e sela o seu padrão de progresso global. As revistas científicas de qualidade provêm um importante arcabouço para esta ciência, muito além de meros canais para ajudar a escoar nossa produção científica. Uma amostra de nossa elite científica, os cerca de 700 membros da Academia Brasileira de Ciências, concede uma demonstração disso. No início deste século eles publicavam apenas 8,7% de seus artigos em revistas brasileiras. Hoje 24,8 % deles estão nas melhores revistas brasileiras.
ROGERIO MENEGHINI, 72, é diretor científico do programa SciELO e professor aposentado da Universidade de São Paulo. ABEL PACKER, 66, é diretor do programa SciELO

Luli Radfahrer

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Nada por mim

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O crescimento das mídias sociais ajudou a reconfigurar as paranoias de comportamento e facilitar as resoluções de ano novo. Com a ajuda de aplicativos quase gratuitos e de um punhado de amigos nas redes é possível comer melhor, dormir mais e viver uma vida mais ecológica, saudável, produtiva e segura.
Seus usuários, fáceis demais, parecem incapazes de cuidar do corpo que possuem. Não vai demorar para que os programinhas que hoje registram calorias e horas de sono passem a computar fatores genéticos, pessoais e ambientais para recomendar a eles o que fazer, o que vestir, com quem andar e aonde ir.
Técnicas de mudança de comportamento partem do princípio de que é mais fácil realizar pequenas tarefas, administráveis, do que lutar contra a tentação munido apenas de força de vontade. Comuns em programas de combate a situações crônicas, como os Vigilantes do Peso e os Alcoólicos Anônimos, elas estão cada vez mais comuns no ambiente digital, em que usam neologismos marqueteiros como "quantified self" e "gamificação".
O primeiro a sugerir esse tipo de prática foi o controverso psicólogo americano B. F. Skinner, criador do behaviorismo radical. Ele acreditava que as pessoas poderiam ser programadas a tomar determinadas atitudes, desde que vissem bons resultados derivados delas –os chamados "reforços".
Skinner viu que muitos animais reagiam positivamente, repetindo-os até que se tornassem hábitos. E propôs que o ser humano reagiria da mesma forma, questionando a ideia do livre-arbítrio.
Depois de quase meio século de rejeição, as ideias de Skinner voltam a ativa nos aplicativos comportamentais. Eles estabelecem objetivos modestos para encorajar o progresso constante e reforços posteriores, medem rigorosamente os resultados para descobrir quais variáveis comprometem ou estimulam as conquistas, usam as mídias sociais para buscar apoio do grupo e criam novas tarefas para que o hábito se forme. Com o apoio dessas técnicas, o indivíduo quantificado e gamificado se transforma naquele indivíduo programável.
O problema das técnicas behavioristas é que a mudança de comportamento demanda o apego a determinadas rotinas, abrindo mão do livre-arbítrio. O usuário que se dedica a um desses programas reconhece não ser capaz de dar conta de si próprio, terceirizando o controle para o sistema.
É fácil ver aonde isso vai parar. Tecnologias de "big data", computação em nuvem e internet das coisas tendem a criar bolhas de isolamento cada vez maior, capazes de reconhecer mudanças de comportamento e se antecipar a novos desejos. Nas palavras do filósofo de tecnologia Albert Borgmann, "deixaremos de cuidar da casa para sermos cuidados por ela".
Por mais que seja eficiente para resolver problemas e hábitos que comprometem a saúde de seus usuários e dos que convivem com eles, a mecanização pode ser um perigoso instrumento de manipulação.
Usado com moderação, o behaviorismo digital pode ser uma bela ferramenta de autogestão. Em excesso, pode mecanizar seus usuários, comprometendo sua força de vontade. Na dúvida, o melhor é buscar independência para evitar que a máquina pense que você é dela.

Facção paulista gerencia negócios do crime no Rio

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Em reuniões com traficantes, PCC define envio de armas, dinheiro e drogas
Influência cresceu tanto que paulistas convenceram cariocas a vender crack, droga que evitavam nas favelas
MARCO ANTÔNIO MARTINSDO RIOJOSMAR JOZINODO AGORAO PCC (Primeiro Comando da Capital) chegou ao Rio. A facção criminosa paulista, que já montou bases em 13 Estados e até no exterior, se aproximou das três facções cariocas e passou a cuidar de negócios do crime no Estado.
A colaboração entre quadrilhas dos dois Estados ocorre eventualmente há anos, mas agora os criminosos de São Paulo são presença constante em reuniões do CV (Comando Vermelho), da ADA (Amigos dos Amigos) e do TC (Terceiro Comando) no Rio.
Nelas, definem o envio de armas, dinheiro e drogas.
A influência cresceu tanto que os paulistas conseguiram convencer os cariocas a vender crack, droga que sempre evitaram nas favelas do Rio.
Em dificuldades financeiras desde os ataques de 2006, quando passou a ser estrangulado pela polícia, o PCC diversificou sua atuação.
No Rio, a ação mais efetiva vem sendo feita junto ao CV. A facção carioca teve dívidas de R$ 7 milhões perdoadas e alguns já batizam essa união de CV-Primeiro Comando.
Levantamento do Ministério Público paulista no sistema carcerário do Rio mostra que 38 internos cariocas já foram "batizados" pelo PCC --ou seja, passaram a integrar a facção. Há ainda 15 presos de São Paulo, ligados à quadrilha, cumprindo pena no Rio.
A preocupação de policiais e promotores dos dois Estados é que a parceria cresça.
A Secretaria de Segurança do Rio disse que "não comenta ou divulga informações sobre investigações". A de São Paulo não se pronunciou.
Até os criminosos do Rio estão preocupados com a presença do PCC. Os investigadores flagraram um recado do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-mar, pedindo aos chefes do PCC que não "convertessem" os traficantes cariocas.
A partir do cruzamento de dados obtidos por promotores e policiais foi possível descobrir planos do PCC no Rio.
Do presídio de Presidente Venceslau (611 km de SP), chefes da facção decidiram, em conferências por celular, os caminhos da ação no Rio.
Em 2010, o PCC tinha dívida de R$ 4,5 milhões devido a apreensões de armas e drogas pela polícia. A facção decidiu então que era preciso criar uma base no Rio.
Assim, chefes ficariam escondidos no Estado e poderiam, das ruas, decidir os rumos da quadrilha, retirando o foco dos comparsas presos. Falam até em investir R$ 1 milhão na compra de uma casa.
Os planos para o Rio foram definidos em conversas de até duas horas que mostram Marcos Herbas Camacho, o Marcola, e Roberto Soriano, o Tiriça, dois dos chefes que estão presos, iniciando os contatos com ADA e CV.
Tiriça chega sugerir a paz entre as facções do Rio. Os traficantes do TC resistem à união das facções, mas sugerem uma "trégua" nas invasões de territórios.
Em um dos contatos, em outubro de 2010, Tiriça conversa do presídio com o traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, na época em liberdade --hoje está na prisão federal de Campo Grande (MS). Eles acertam a ida ao Rio de emissários do PCC.
Após a visita, em novembro, um traficante conversa por telefone com Tiriça e outros três do PCC sobre a ida ao Rio. "O negócio é fora do comum. O bagulho é chique, é chapa quente. É um país. Não consegui nem contar [os fuzis] do tanto que tem."
Não demorou para que, mensalmente, oito criminosos do PCC passassem a ir ao Rio para treinamentos de tiro com a ADA.
    Em conjunto, facções criam base fora do Rio
    Com apoio do PCC, Comando Vermelho montou centro para distribuir drogas em Itaboraí, na região metropolitana
    Paulistas fornecem a cariocas a cocaína, que é enviada depois em pó ou como crack para vários pontos da capital
    MARCO ANTÔNIO MARTINSDO RIOCom apoio do PCC, o Comando Vermelho montou uma base em Itaboraí, na região metropolitana do Rio. De lá, distribui cocaína e crack para diferentes partes do Rio.
    Em depoimento em setembro no Rio, o traficante Rodrigo Prudêncio Barbosa contou que a facção paulista fornece cocaína para a carioca.
    Parte é enviada a um laboratório clandestino num sítio na favela da Reta, em Itaboraí --a 5 km do Comperj, o complexo petroquímico que está sendo construído pela Petrobras com investimento estimado em R$ 20 bilhões.
    Lá, uma quantidade é preparada para ser vendida como pó; o restante vira pedras de crack. Ainda conforme o depoimento, a proprietária do sítio foi expulsa dali pelo CV.
    Documentos da contabilidade do tráfico apreendidos registram a movimentação de R$ 1 milhão por mês nas bocas de fumo da favela da Reta, que tem 25 mil habitantes.
    "A facção transformou aquele local em sua base. Abrigam fugitivos dos morros ocupados na capital e distribuem drogas", afirma o delegado Wellington Vieira, da Divisão de Homicídios.
    O local pode ter sido escolhido por ficar longe do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que já se instalou em 34 favelas no Rio, mas não tem previsão de ser implantado fora da capital.
    Na favela, os traficantes montaram barreiras para dificultar o acesso. Armados, patrulham a área em motos.
    Em julho, tentaram resgatar um de seus chefes, que está num presídio federal e era levado para depor na Justiça. Um agente penitenciário acabou morto por tiros de fuzil.
    "A violência em Itaboraí cresceu bastante com as armas que chegaram na favela", disse o juiz Marcelo Villas, que atuou na cidade.

      Protestos não são o fim do mundo, são da democracia, diz Eduardo Paes

      folha de são paulo

      Protestos não são o fim do mundo, são da democracia, diz Eduardo Paes


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      ITALO NOGUEIRA
      BERNARDO MELLO FRANCO
      DO RIO

      Em baixa nas pesquisas de opinião desde os protestos de junho, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), diz que é "burrice" se preocupar com popularidade agora.
      Ele afirma que as mobilizações "não acabaram nem vão acabar", mas "não são o fim do mundo" para os políticos.
      Reeleito há um ano no primeiro turno, com 64% dos votos válidos, Paes agora segue à risca as cartilhas de marketing para tentar se reerguer.
      Recebeu o "Mídia Ninja", responde eleitores em redes sociais e passou a se reunir com ativistas da oposição.
      "É burrice pensar agora em popularidade. O desafio é lidar com este ambiente", disse àFolha na sexta-feira, em seu gabinete no Palácio da Cidade, em Botafogo (zona sul).
      O prefeito disse que reajustará as passagens de ônibus em janeiro e afirma que o governador Sérgio Cabral (PMDB) está sendo "injustiçado" pelos eleitores.
      Folha - O Rio ganhou prêmio internacional de "cidade inteligente", mas sua avaliação nas pesquisas é ruim. O sr. é mais popular no exterior?
      Eduardo Paes - Há reconhecimento interno e externo de que o Rio avança. Quando recebemos prêmio de cidade inteligente, ninguém está dizendo que o Rio é mais puro do que Copenhague, tem mais políticas ambientais do que Londres.
      Dentro da tragédia urbana mundial, a cidade está lidando com alguns desafios de maneira interessante. Lá fora, as pessoas entendem que a cidade começa a encontrar soluções. O porto é um "case" fantástico de revitalização de uma zona degradada.
      O sr. foi reeleito há um ano e agora está mal nas pesquisas. Como explica sua queda?
      Vi o [ex-prefeito] Cesar Maia, em 1998, com aquela história de pesquisa demais, fazer uma equação que dava que ele ia perder a eleição para governador. Ele não foi ao debate com o Anthony Garotinho. Se acovardou, foi para casa chorar. Se eu entendesse de pesquisa, em 2008, contra o Fernando Gabeira, eu ia chorar. Não entender me fez ir para rua, disputar e ganhar.
      Há uma queda de popularidade de todos os governantes, e Rio e São Paulo foi onde se sofreu mais. Que grande lambança eu fiz de um ano para cá que justificasse essa avaliação? Há erros, mas não vejo uma grande lambança.
      O sr. foi contaminado pela impopularidade do governador Sérgio Cabral, seu aliado?
      Manifestação não é ruim. O tema para mim, que não estou disputando eleição [em 2014], não é popularidade. É burrice pensar agora em popularidade. O desafio é como lidar com este ambiente.
      Os protestos não acabaram e nem vão acabar. Podem ter gradações distintas.
      Nós, políticos, ficamos interpretando as coisas como se fossem o fim do mundo. Protesto não é o fim do mundo, é coisa de democracia consolidada. Mudou a abordagem, as pessoas estão mais empoderadas. É do cacete.
      Tentei não fugir dos desafios. Fiz a licitação dos ônibus, não defino mais o reajuste da tarifa num quarto fechado com um monte de português [donos das empresas].
      O sr. defende a transparência, mas sua base na Câmara sufocou uma CPI sobre os ônibus.
      Eu não quero nem deixo de querer CPI. Minha oposição tem nove vereadores e conseguiu 24 assinaturas. Não pedi a ninguém para não assinar.
      A prefeitura vai mesmo reajustar os ônibus em janeiro?
      Sou a favor. Mas se o Tribunal de Contas me provar que não é devido o reajuste, eu não faço. O que não vou deixar acontecer na minha cidade é cair na armadilha que o meu amigo Fernando Haddad está. Não vou colocar dinheiro público na mão de português nem fazer controle populista de preço.
      Não podemos repetir erros. No ano passado, por uma questão artificial de controle de preços, a gente adiou [de janeiro para junho].
      O sr. atendeu a um pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A culpa foi dele?
      Foi culpa do Mantega e minha, porque eu aceitei adiar. Mas é leitura primária achar que as manifestações eclodiram por causa do reajuste.
      O trânsito piorou no Rio, já foi apontado como o pior do país. A que se deve isso?
      Ao carro. A essa loucura do Brasil, com as políticas do governo federal [de estímulo à compra de automóveis]. Não é da Dilma nem do PT, é histórico. Não vejo solução para a cidade com carros.
      Não perco tempo com isso. Perco com mobilidade, transporte coletivo. Estou fazendo 150 km de BRT [corredores para ônibus articulados].
      O que acha de medidas como pedágio urbano e rodízio?
      Sou a favor. Não implementarei porque quem me antecedeu não deu condições. Essas soluções pressupõem alternativa com transporte público.
      A Rio Branco, uma das principais avenidas do centro, será fechada para carros?
      Lógico. Vai ser um ótimo boulevard. Vai ser bom para protesto. Vão poder protestar sem interromper o trânsito.
      Desde a década de 1960, ninguém removeu tantas favelas no Rio. O sr. é higienista, como acusam ONGs?
      Só há uma remoção por causa da Olimpíada, a Vila Autódromo. Cerca de 90% são em áreas de risco. As pessoas que veem higienismo têm que vir na hora em que chove e as pessoas morrem. Ainda temos 10 mil pessoas em áreas de risco.
      O PMDB ainda pode manter a aliança com o PT na eleição para o governo do Rio?
      Torço para que o PT apoie o [vice-governador Luiz Fernando] Pezão. Se não apoiar, temos que manter a educação e a gentileza, e no segundo turno eles nos apoiam.
      Como o PT vai agredir o Sérgio [Cabral]? Fica mal. É sócio há sete anos. Só vai acelerar a derrota. Da mesma maneira, acho impossível o PMDB do Rio não apoiar a presidente Dilma à reeleição.
      Pezão tem apenas 5% de intenções de voto.
      Há um desgaste de todos os candidatos. Ninguém cresceu com a crise política. E até quem não gosta do Sérgio pessoalmente reconhece que fez o melhor governo do Rio.
      Cabral é um injustiçado?
      Eu acho. Não se justifica o grau de ataque, e eventual impopularidade, a um governador que fez o que ele fez.
      Quem será o principal adversário do PMDB em 2014?
      Eu quase torço para ser o Garotinho. É um adversário ótimo. Ele encarna o Rio do passado, da briga como instrumento de outros interesses que não os do Estado.
      E em 2016, quem será seu candidato a prefeito?
      O mais preparado é o Pedro Paulo [chefe da Casa Civil da prefeitura]. Mas não quero tratar de sucessão agora.
      É verdade que o sr. sonha com a Presidência em 2018?
      A única coisa que garanto que farei em 1º de janeiro de 2017 [primeiro dia fora da prefeitura] é tentar ir para uma universidade em Londres e morar seis meses lá.

      A derrota do Brasil para o crack

      folha de são paulo
      O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack. A política pública não pode ser só internação compulsória
      Neste mês, o programa Crack, É Possível Vencer, do governo federal, completou dois anos. No entanto, infelizmente, a vitória não é uma realidade. Nem mesmo está próxima.
      O ministro da Justiça disse que o programa foi o segundo em verbas aplicadas pela pasta da qual é titular. A afirmação é assustadora, pois dos R$ 4 bilhões prometidos para o combate ao crack, apenas R$ 368 milhões foram de fato empregados.
      Recente pesquisa da Universidade Federal de São Paulo estima em 2,8 milhões de usuários de crack em todo o país. Esse número dobra a cada dois anos.
      Afinal, como as autoridades estão enfrentando esta que já é a mais grave epidemia da história recente do Brasil? Trata-se de uma derrota em três frentes: política, estratégica e de saúde pública.
      Política porque, segundo deputados da base aliada da presidente Dilma Rousseff, apesar de o assunto ser prioritário, há resistência interna dentro do próprio governo que ela lidera.
      O segundo escalão do Ministério da Saúde é contra o programa Crack, É Possível Vencer, inclusive defendendo a liberação das drogas. No Ministério da Justiça, um secretário teve que deixar suas funções depois de declarações desastrosas acerca do assunto. Uma torre de Babel: há uma corrente ideológica ligada ao governo que defende o contrário do que a presidente fala.
      Se a articulação política é uma questão grave, a estratégia de proteção de fronteiras é ainda mais urgente. O Brasil não planta uma única folha de coca. Como então temos tanta droga circulando no país?
      Depois que Evo Morales --pasme, presidente da confederação dos cocaleiros-- assumiu a Presidência da Bolívia, a área plantada chegou a 25 mil hectares. Sua política de liberar o plantio por lá criou um pico do consumo do crack por aqui.
      Além disso, o Uruguai acaba de legalizar a maconha, sem ninguém ter certeza de como isso impactará na saúde e na segurança do país e, em última instância, do continente. A maconha não é uma droga simples. É uma bomba de aditivos e componentes químicos que causam comprovados transtornos mentais.
      Outros países que fizeram movimentos semelhantes foram obrigados a recuar. A Suécia, por exemplo, é o país que mais reprime o uso de drogas e conseguiu eliminar a tempo a epidemia de crack que tomou conta do país logo após a malsucedida legalização das drogas.
      O terceiro escorregão do governo ocorre no terreno da saúde pública. A educação é capenga. A Universidade de Michigan fez um estudo com a duração de 35 anos sobre o consumo de maconha nos Estados Unidos. Nesse período, notaram que quanto maior a percepção do risco, menor o consumo. Ou seja, informação é fator primordial. Quando há informação cruzada --de que a maconha não faz mal--, aumenta o consumo e os números de dependentes.
      Cerca de 37% dos jovens que usam maconha ficam viciados. É uma loteria cruel, especialmente com essa faixa etária, ainda não madura o suficiente para ter a dimensão das consequências dos seus atos. E que não tem acesso às informações das verdadeiras ações deletérias dessa droga maldita.
      Há uma incompreensão de que a dependência química é de altíssima complexidade. Enquanto o tratamento do vício em crack no sistema privado é digno e obtém boa resposta, o dependente pobre está entregue à própria sorte ao despreparo da maioria dos serviços disponíveis na rede pública.
      O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack. A política pública não pode ser só internação compulsória, pois parece apenas a preocupação em "limpar as ruas". Qual é a consequência do tratamento? O que fazer com esses dependentes depois da internação? Como reinseri-los na sociedade de forma produtiva? Quais as diretrizes de tratamento?
      A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) já se colocou e se coloca à disposição do governo federal para esclarecer dúvidas e colaborar nas diretrizes a serem seguidas. Até agora, nada. Devem saber o que estão fazendo.
      A única constatação possível é que o Brasil enxuga gelo quando o assunto é o combate ao crack e outras drogas.

      Ruy Castro

      folha de são paulo
      Dono de sua história
      RIO DE JANEIRO - Deu no jornal: Roberto Carlos está para lançar um livro sobre seus 50 anos de carreira. Não ria. Será um livro com palavras? Se for, alguém terá de escrevê-las. E quem será? Ele mesmo, Roberto Carlos, ou um "ghost-writer" de sua confiança? Tanto faz. O texto precisará contar com a participação do próprio Roberto Carlos, já que, como não se cansou de repetir nos últimos meses, só ele é dono de sua história.
      Bem, se é assim, espera-se que corrija desde já uma informação errada. E esta se refere aos famosos 50 anos de carreira. Na verdade, Roberto Carlos completou 56 anos de carreira --porque sua estreia como cantor profissional se deu em 1957, aos 16 anos, num programa da TV Tupi, "Teletur", que ia ao ar às segundas-feiras à noite, comandado por Chianca de Garcia. Foi sua primeira aparição pública paga. Cantou "Tutti Frutti", sucesso de Elvis Presley, e nunca mais parou. Donde, se a aritmética não falha, 2013 - 1957 = 56.
      Na mesma notícia, lê-se também que Roberto Carlos pediu autorização a Silvio Santos para incluir no livro uma foto em que os dois aparecem juntos. Autorização prontamente concedida por Silvio Santos. E, com isso, Roberto Carlos nos ensina que assim é que é certo: se se vai usar uma foto num livro, deve-se pedir a autorização de quem aparece nela. Mas terá feito isso com todo mundo nas fotos que cobrem os seus 56 --perdão, 50-- anos de carreira?
      As notícias sobre Roberto Carlos na nossa imprensa são sempre simpáticas, e esta informa que, até há pouco contrário à publicação de biografias não autorizadas, ele "mudou de posição" e está agora "a favor delas".
      Ótimo. Para provar isso, só lhe resta cessar sua proibição do livro "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo Cesar de Araújo, de onde tirei a informação sobre seus 50 --digo, 56-- anos de carreira.

        Raquel Rolnik

        folha de são paulo
        2013: o ano que não terminou
        Praticamente todas as grandes cidades brasileiras estão tomadas por debates sobre a questão urbana
        Um novo ano começa, mas 2013 não terminou... Essa é a sensação. Parece que os ventos soprados pelas manifestações de junho continuarão nos acompanhando em 2014. E talvez por vários anos ainda...
        Apesar da ansiedade que esse tema possa gerar, devemos resistir a traduzir apressadamente a energia das manifestações para um conjunto de demandas pragmáticas concretas.
        Não devemos tomá-las como reivindicações e questões para as quais precisamos produzir respostas claras.
        Parafraseando Slavoj Zizek em sua análise do Occupy e de outros movimentos que eclodiram nos últimos anos na Europa e no Oriente Médio, os protestos realmente criaram um vazio e será necessário algum tempo para preenchê-lo.
        No caso brasileiro, entre a multiplicidade de pautas das manifestações, explodiu a questão urbana. Apesar de nossas cidades terem sido desde sempre caóticas, com baixíssimo grau de qualidade urbanística, nunca antes a questão urbana esteve presente com tamanha força na agenda do país.
        Não se trata de um fenômeno exclusivo de São Paulo nem do Rio de Janeiro. Praticamente todas as grandes cidades brasileiras, e mesmo algumas de médio porte, hoje são tomadas por debates, questionamentos e protestos.
        Refletindo sobre por que a questão urbana entrou na agenda justamente nesse momento, arriscaria apontar alguns caminhos.
        Em primeiro lugar, que o aumento da passagem do transporte público coletivo tenha sido pontapé e principal pauta das manifestações de junho não é coincidência.
        Se durante muito tempo as classes média e alta se deslocaram pelas cidades com rapidez e conforto em seus carros particulares, de uns anos para cá, as classes mais baixas que dependiam exclusivamente do péssimo serviço do transporte público coletivo começaram a comprar carro também.
        O resultado não poderia ter sido outro: a imobilidade completa de nossas cidades. Simplesmente, as ruas não comportam a quantidade de carros e motos que o mercado vem jogando nelas todos os anos.
        Isso atingiu as classes que sempre tiveram o privilégio de ocupar, sozinhas, a maior parte do espaço das ruas e que agora passaram a ter que dividi-lo.
        Porém, atingiu principalmente os que continuaram dependendo do transporte público coletivo e que, além de sofrer com a imobilidade, ainda tiveram que suportar sucessivos aumentos de tarifas sem ver melhorias na eficiência e na qualidade do serviço prestado.
        Poderia apontar outros temas que engrossaram o caldo do questionamento do nosso modelo de cidade: a luta por moradia em um contexto de boom imobiliário no qual há cada vez menos lugar para os mais pobres, os sentidos do espaço público e a reduzida participação dos cidadãos nas decisões sobre o destino das cidades.
        Todas estas questões, enfim, são de natureza estrutural, enraizadas no modo dominante de fazer nossas cidades, e requererão anos de reflexão e imaginação política para serem transformadas.
        Por isso, o ano de 2014 nos desafia a não esperar soluções mágicas e a continuar -nas ruas e fora delas- a formular respostas, mesmo sem ainda saber exatamente para quais questões.

          Gregorio Duvivier

          folha de são paulo
          Esse ano passou rápido
          O gigante acorda trincado: os professores querem salários melhores. Tomam porrada. Alunos tomam mais porrada
          Feliz Ano-Novo! Começo a ensaiar um musical. Tragédia: um incêndio mata 200 pessoas na boate Kiss. O papa nazista renuncia. Eduardo Paes fecha todos os teatros da cidade por causa do incêndio. Suspendem os ensaios da peça. O novo papa é fofo --e não parece nazista. A gente volta a ensaiar a peça --o teatro não mudou nada. Gravo o vídeo "Dez Mandamentos" sob o sol de Cabo Frio e Deus me pune com uma queimadura de segundo grau. Uísque ou água de coco, pra mim tanto faz. Morre Chorão. A peça vai ser uma tragédia. Estreia e dá tudo certo. Obrigado, Senhor, obrigado por me ajudar mesmo eu sendo ateu. O novo presidente da Comissão de Direitos Humanos é um pastor racista e homofóbico. Errou feio, errou feio, errou rude. Clarice lança o melhor disco do século 21. O preço da passagem vai aumentar 20 centavos. Vem pra rua. O gigante acordou. Pronto: a passagem não vai mais aumentar 20 centavos. Mas não é só pelos 20 centavos. Bora pra Rio Branco. Tomo porrada. Caio de cara no asfalto. Merda, roubaram meu celular. O gigante dá uma morgada. Dilma fala na tevê. Parece que ela tá lendo um texto. Diz que vai chamar médicos cubanos e lutar contra o vandalismo. Não adianta muito. O gigante acorda mais bolado e quebra tudo, até a Toulon. Eitcha Lelê. Me apresentam o Candy Crush. Perco o mês inteiro de julho nisso. Matam o Daleste na frente de todo o mundo. Começo a escrever pra Folha. Que dias bons. Prepara que agora é hora da Jornada Mundial da Juventude. O gigante aperta a função soneca. Essa carne é Friboi? O gigante começa a gostar desse ios7. É feriado no país laico em homenagem ao papa fofo --que é contra o aborto e o casamento gay. Pastor diz que vai processar o Porta. Discuto na tevê com Didi Mocó, ele diz que não pode rir de religião, eu acho que pode. Clarice e eu vamos morar juntos. Pai, to cem porcenta. O gigante acorda trincado: os professores querem salários melhores. Feliciano desiste de processar a gente (preguiça? noção? mais o que fazer?). Clarice e eu já estamos morando juntos. Professores tomam porrada. Miley Cyrus rebola no colo de Beetlejuice. Morre Champignon. Os alunos defendem os professores. Tomam mais porrada. O gigante entra em coma induzido. Champanhe agrega status ao rei do camarote. Lanço um livro de poesia (alienação? debilidade? amor?). Morre Mandela. Collor e Sarney vão visitar. Tadinho. Porta dos Fundos reconta a vida de Jesus. Então é Natal. E o que você fez? Esse ano passou rápido. Feliz Ano-Novo.

            Luiz Felipe Pondé

            folha de são paulo
            O ciclo sagrado da vida
            Naquela noite especial, se colocariam em círculo ao redor do fogo para ouvir os sons do pai de todos
            Um monte de corpos que se mexiam e dançavam. Outros, mortos. O cheiro já adocicado da carne subia aos céus. Crianças brincavam se cobrindo de sangue enquanto velhas tentavam controlá-las. Mulheres, atarefadas, cuidavam de uma delas que, de pernas abertas, tentava pôr para fora um bebê.
            Entre as pernas, líquidos escorriam e o cheiro de mulher tomava conta do bando. Alguns homens sentiam um prazer especial com isso, e queriam se aproximar dela para lamber suas pernas. O sangue de mulher tinha um gosto poderoso.
            Em meio aos gritos da infeliz, outros homens se aproximavam carregando mais corpos. Estes eram vistos pelas mulheres como homens mais desejáveis, e não aqueles que tentavam a todo custo devorar a infeliz no meio das outras. Alguns olhavam para a infeliz e riam de sua agonia. Outros, menos ruidosos, faziam sinais para que os mais barulhentos se calassem e ouvissem o choro da mulher em silêncio. Havia algo de reverência neste silêncio.
            Por alguns instantes, paravam diante da cena, e tudo parecia suspenso no tempo. Derrubavam os corpos no chão e quase choravam junto com ela.
            Na rotina do dia a dia, aquela era uma noite especial. A vida era uma somatória de dias e noites que se repetiam. Mas aquela noite era especial. Logo, se colocariam em círculo ao redor do fogo para ouvir os sons do pai de todos. Este som desceria dos céus e encheria o espaço a volta de todos, chegando mesmo a entrar em suas cabeças. Sabiam que era a noite em que o pai de todos viria à Terra para jogar sobre ela a sua força. E eles comeriam corpos e dançariam.
            Os corpos seriam despedaçados segundo a regra do pedaço mais fácil de arrancar ao mais difícil. Crianças e mulheres despedaçavam os mais fáceis, os homens, os mais difíceis. Passo a passo, aprendiam a ser inteligentes. Tal técnica, acreditavam, vinha do mesmo lugar de onde desciam o fogo e chuva. De onde descia o pai invisível do mundo.
            Duas mulheres jogavam sobre o rosto da infeliz um líquido de cor ocre. Espalhavam sobre os olhos e os lábios, enquanto um som escapava de suas bocas, já quase sem dentes. As mulheres mais jovens não podiam se aproximar da infeliz. Depois de espalhar o líquido de cor ocre, lambiam os olhos e os lábios daquela que, de pernas abertas, próxima ao lugar onde seria aceso o fogo mais tarde, esperava pela noite mais importante da vida deles.
            Quando o mundo começava a ficar escuro, e a cabeça da criança começava a surgir entre as pernas, fezes e urina, os gritos da infeliz subia aos céus. No alto da pedra, ali colocada pelo pai invisível, o homem maior se punha de pé. Os outros jogavam os corpos sobre os irmãos e irmãs de sangue, e os pedaços eram arrancados ao som cada vez mais alto de todos que repetiam monotonamente o mesmo grito. Em meio a eles, o grito frágil da infeliz, a mãe mais jovem entre todas se perdia.
            O mesmo líquido ocre, misturado com sangue, escorria pelos lábios, enquanto o homem maior se contorcia sobre si mesmo, agora de joelhos. Por suas pernas, escorria sua bênção. Embaixo, e ao redor da infeliz, todos repetiam os gestos do homem maior, que carregava em si o espírito invisível do pai de todos.
            Muitos corriam querendo lamber a bênção que escorria pela pedra. Depois de alguns instantes, ele repetia a dança, os gestos, se punha de joelhos, e a bênção escorria de novo pela pedra.
            Quando o bebê, já fora do corpo da mãe mais jovem de todas, ligado a ela apenas por um cordão de carne, era carregado por uma das mulheres, o corpo da infeliz mãe mais jovem de todas era carregado pelo restante das velhas. Ambos eram arremessados para dentro do grande fogo, enquanto o restante dos irmãos e irmãs de sangue giravam sobre si mesmos.
            De repente, do giro, passaram à perseguição das mulheres a sua volta (as irmãs de sangue). Estas, num misto de desejo e horror, tentavam escapar dos irmãos de sangue. Jogadas contra o chão e as pedras que enchiam o lugar, eram lançadas a condição de possíveis mães jovens dos próximos dias. Gritavam e gemiam, à medida em que eram abençoadas por seu irmãos.

            Brasil deve desculpas a Anderson Silva

            folha de são paulo
            RICARDO MELO
            Brasil deve desculpas a Anderson Silva
            Embates de vale tudo são um dos eventos mais repulsivos oferecidos sob a chancela de 'esportivo'
            Para defender os espetáculos de pancadaria como esporte legítimo, o pessoal das lutas de vale tudo provavelmente usará a célebre foto de Domício Pinheiro. Era novembro de 1974, interior paulista. Naquele instantâneo memorável, Domício flagra o momento quando, numa disputa de bola, o atacante Mirandinha, então no São Paulo, quebra a perna esquerda ao se chocar com o zagueiro Baldini, do América de Rio Preto.
            A imagem deve estar estampada nos jornais de hoje, pela incrível semelhança plástica com os registros do momento em que, ao tentar atingir o adversário, Anderson Silva espatifa a própria canela em Las Vegas. Vai servir, com certeza, para alimentar a ladainha que todo esporte tem sua dose de violência, ou que imprevistos acontecem em qualquer atividade. A comparação soa tão verdadeira quanto usar fotos de dois corpos estatelados no chão para dizer que ambos são iguais ""não importa se um deles caiu por acidente do décimo-andar e o outro foi arremessado por algum meliante durante um assalto.
            A polêmica, de todo modo, não é propriamente nova, mas ferve a cada drama como o de Anderson Silva. De minha parte, mantenho a convicção de que os embates de vale tudo, mesmo repaginados como MMA, UFC ou o que o valha, são um dos eventos mais repulsivos oferecidos sob a chancela de "esportivo". A começar do objetivo maior, quando não único e exclusivo: destruir fisicamente o adversário na base da porradaria desenfreada, com chutes, pontapés, socos e outros golpes igualmente "refinados".
            Muitos dirão que o boxe também é assim. É mesmo bastante parecido, talvez um pouco mais asséptico. Por isso nunca tive especial interesse pelo que acontece nos ringues, exceto quando seus personagens ficam notórios pelas sequelas da troca de murros ou ganham destaque em seções diferentes dos jornais. Geralmente trata-se de gente humilde e socialmente injustiçada --logo presa fácil de mafiosos sedentos de lucros bilionários derivados da exploração dos "instintos mais primitivos". Que o digam nomes como Cassius Clay, hoje confinado a uma cadeira de rodas de tanto bater e apanhar, e Mike Tyson, cujo prontuário dispensa apresentações.
            Mesmo com toda a corrupção, ganância e tapetaços desacreditando atividades como o futebol, há, por enquanto, uma distinção fundamental. Dentro das quatro linhas, o desempenho não se mede pela aniquilação física do oponente. Nos octógonos de vale tudo, a conversa é outra. Quanto mais um lutador destroçar o outro, mais prestígio, dinheiro e "reconhecimento" ele terá ""até o momento em que se tornar imprestável como um galo estropiado incapaz de abater rivais nos ringues clandestinos. Chamar isso de esporte ultrapassa o cinismo. É empulhação pura e simples.
            Detalhe: no Brasil, os galos são bem mais protegidos. Por ilegais, rinhas podem dar cadeia a quem as promover. Nada que um bom advogado não resolva, mas o constrangimento pelo menos fica. No caso do MMA, a vida é bem mais mansa. Os organizadores apenas correm o risco de enriquecer, virar celebridades e festejar índices de audiência. Tudo embrulhado num discurso de "trabalho social" que salva jovens sem futuro e fadados ao crime.
            Anderson Silva não tem que pedir desculpas ao Brasil, como fez depois da derrota.
            O país é que tem que pedir desculpas a Anderson Silva.