quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Alemanha vive ano difícil na África e no Afeganistão


Alemanha vive ano difícil na África e no Afeganistão

Matthias Gebauer, Gordon Repinski e Christoph Schult




Enquanto a banda marcial se reunia para ensaiar na área de paradas de Berlim, Ursula von der Leyen teve a primeira amostra das dificuldades que a aguardam como nova ministra da Defesa da Alemanha. A pedido dela, o general de quatro estrelas Hans-Lothar Domröse veio ao gabinete dela para fornecer um briefing detalhado no início deste mês –poucas horas antes das forças armadas alemãs realizarem a cerimônia de despedida de seu antecessor, Thomas de Maizière.


Domröse, o mais alto oficial alemão na Otan, não tinha boas notícias para a ministra. A situação no Afeganistão, ele disse, era tensa três meses antes da eleição presidencial em abril. Ele também expressou sua preocupação com a retirada das tropas alemãs, porque ainda não está claro se a Bundeswehr, as forças armadas alemãs, contribuirão com até 800 soldados para uma planejada missão de treinamento no Afeganistão a partir de 2015, após a conclusão da retirada. Primeiro, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, devem chegar a um acordo sobre essa missão –e esse acordo ainda está distante.
O general Domröse alertou à ministra que cada dia que passa sem uma decisão torna mais difícil para a OTAN planejar a missão. E se nenhum acordo sobre tropas for fechado com Cabul, a Bundeswehr terá que realizar uma retirada completa.
Von der Leyen provavelmente ficou preocupada com o que o altamente respeitado Domröse tinha a lhe dizer. Ela é a estrela da União Democrata Cristã conservadora e apontada como uma possível sucessora da chanceler Angela Merkel –mas Von der Leyen será avaliada pela forma como lidar com a retirada das tropas de combate do Afeganistão. A ex-ministra do Trabalho e dos Assuntos Sociais precisa mostrar que suas habilidades vão além da família e da política social.
Ela começou bem. A ministra prometeu transformar a Bundeswehr em uma organização moderna, boa para a família, uma mensagem que as tropas gostaram. Mas as palavras claras de Domröse mostram que o assunto favorito de Von der Leyen –facilitar para os soldados combinar seus deveres com a vida familiar– não será a única política que ditará sua agenda. Longe disso.
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Soldado tem de reaprender a andar após perder as duas pernas no Afeganistão19 fotos

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O sargento Matt Krumwiede aponta arma ao lado do sargento Jesse McCart, que usa próteses, durante caça em um rancho nos arredores de San Antonio, no Texas, em 2 de Novembro de 2013. O oficial de 22 anos, que já passou por 40 cirurgias, perdeu as duas pernas ao pisar em um IED (dispositivo explosivo improvisado, em inglês) quando fazia patrulha no sul do Afeganistão, em 12 de junho de 2012. O artefato arrancou as suas duas pernas, danificou o seu braço esquerdo e rasgou a sua cavidade abdominal. Apesar do que viveu, ele diz estar ansioso para se juntar à infantaria, assim que seus ferimentos permitirem. As tropas norte-americanas estão no Afeganistão desde 2001Jim Urquhart/Reuters

Risco para as tropas alemãs

O resultado incerto do jogo de pôquer entre Cabul e Washington apresenta para a Bundeswehr um desafio de solução quase impossível. Ela precisa fazer planos para dois cenários: a transição em ordem para a missão de treinamento "Apoio Resoluto" e a retirada febril de todas as tropas até o final do ano. A situação é tão difícil que até mesmo Merkel pegou seu telefone na semana passada para ligar para Karzai, para pedir a ele que chegue a um acordo com Washington. Ela não teve sucesso.
Uma retirada às pressas aumentaria o risco para as tropas alemãs. Uma saída mal organizada despertaria as lembranças do Vietnã e moldaria a imagem de toda a missão de 12 anos: o fracasso do Ocidente no Afeganistão.
Muitos já questionam qual foi o sentido da missão de combate, que custou a vida de mais de 50 soldados alemães. Se houver problemas na retirada, Von der Leyen enfrentará um debate difícil sobre uma missão que sempre foi impopular. "A retirada não pode parecer como se estivéssemos fugindo", alerta Agnieszka Brugger, do Partido Verde de oposição.
O Afeganistão, por mais difícil que seja, não será o único desafio diante da ministra. A Bundeswehr também reforçará sua presença na África. A França está pedindo apoio na República Centro-Africana e um maior envolvimento alemão em Mali. Na segunda-feira (20), os ministros das Relações Exteriores europeus concordaram com uma missão da União Europeia na República Centro-Africana, onde a Alemanha provavelmente fornecerá apenas apoio logístico. Merkel descartou a presença de tropas em solo lá. Os soldados da Bundeswehr já estão participando de uma missão de treinamento em Mali.
Mas o presidente da França, François Hollande, quer mais, e Berlim provavelmente não recusará. Por muito tempo, Berlim não estava disposta a reconhecer que soldados alemães poderão arriscar suas vidas na África. De repente, isso não pode mais ser descartado. Nesta semana, tanto Von der Leyen quanto o ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier, deverão visitar Paris para conversar sobre qual seria a contribuição militar alemã.
Está claro para o governo em Berlim que eles não podem simplesmente deixar todo o trabalho sujo para a França. Portanto, a contribuição alemã foi limitada a voos de apoio –e o Ministério da Defesa gostaria que permanecesse assim na República Centro-Africana. Mas Berlim vê uma possibilidade de ajudar a França em Mali. Logo, um contingente maior, mais robusto, de soldados alemães deverá apoiar o esforço em andamento para treinar tropas locais.
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Crise política vira conflito étnico no Sudão do Sul28 fotos

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25.dez.2013 - Em imagem divulgada pela ONU, pessoas com nacionalidade de Uganda, Quênia, Etiópia e Eritreia entram em helicóptero para serem realocados para Juba. Exército do Sudão do Sul luta contra forças rebeldes. Há uma semana e meia, o Sudão do Sul é palco de confrontos sangrentos entre as forças do presidente e as de seu ex-vice-presidente Riek Machar Leia mais Anna Adhikari/ UNMISS/AFP

Cheios de alertas

Os militares alemães já estão envolvidos no treinamento de tropas na cidade de Koulikoro, no sul de Mali. A intenção é abrir um novo centro de treinamento não distante de Segou, localizada às margens do Rio Níger. A Alemanha treinava soldados malineses ali antes do golpe militar de 2012 no país.
Além disso, a Alemanha planeja transferir sua base aérea para voos de transporte de tropas de Dacar, Senegal, para Mali. Isso dará mais flexibilidade para a Bundeswehr responder aos pedidos das unidades militares tanto malinesas quanto francesas no país.
A situação em ambas as regiões –Afeganistão e África– podem piorar assim que Von der Leyen iniciar o exercício de seu cargo. A preocupação é particularmente grande quando se trata do Afeganistão e os memorandos internos dos diplomatas estão cheios de alertas. "2014 pode se tornar um ano fatídico para o Afeganistão", disse o embaixador alemão em Cabul, Martin Jäger, em um cabograma para Berlim em 6 de janeiro.
A razão é a recusa de Karzai em assinar um acordo de segurança de longo prazo com os Estados Unidos. Muitos países, incluindo a Alemanha, deixaram sua presença a longo prazo no país dependente desse tratado –um que determinaria o futuro status das tropas americanas no Afeganistão. "Sem os Estados Unidos, sem nossos parceiros estrangeiros, não pode ser feito", disse uma fonte da Bundeswehr.
Karzai negociou o tratado com os Estados Unidos, mas provavelmente gostaria que fosse assinado por seu sucessor. Mas não haverá sucessor antes de setembro. Em seu cabograma, o embaixador Jägen alertou sobre "incertezas significativas relacionados à missão sucessora da ISAF (Força Internacional de Assistência à Segurança)". Ele escreveu que continua mantendo a esperança de que Karzai mude de ideia, mas que é preciso se preparar para o cenário alternativo. A recusa de Karzai de ceder até o momento força a OTAN a "considerar a opção de retirada completa".
Karzai teme que a assinatura do acordo fortaleça as vozes anti-Ocidente na campanha. Caso a relação do Afeganistão com as tropas dos Estados Unidos e outros lugares se tornar um tema de campanha, "nós podemos ter algumas surpresas desagradáveis", escreveu Jäger.
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O cotidiano dos moradores do Afeganistão42 fotos

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29.set.2013 - Menina transforma rede destruída em balanço, na periferia de Cabul, capital do Afeganistão Ahmad Nazar/AP

Considerando todos os cenários

Berlim teme que os Estados Unidos possam limitar sua presença a uma força mínima em Cabul, caso permaneçam no país. "Nesse caso, nós e nossos países parceiros no norte (do Afeganistão) seríamos os perdedores", escreveu Jäger. A cooperação civil para desenvolvimento também sofreria, ele notou. "Nós temos que impedir isso."
Os planejadores começaram a considerar cada cenário enquanto se preparam para os próximos meses, incluindo a "Opção Zero", como é chamada a retirada completa. Todos os países com tropas no Afeganistão começaram a reduzir o tamanho de seus contingentes. Todo dia, enormes aviões de carga cheios de armas, veículos e outros materiais decolam de Mazar-e-Sharif, Cabul e Kandahar a caminho de casa. Caso venha a ordem para uma retirada completa, a Bundeswehr precisaria de milhões de euros para capacidade adicional de transporte, disse o general Domröse para a ministra Von der Leyen na reunião deles neste mês.
Em uma recente teleconferência com o secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, importantes representantes militares dos países membros da aliança concordaram que começariam a planejar em março para uma retirada completa até o final deste ano, caso Karzai não assine o "Acordo Bilateral de Segurança" até lá. Assim, o pior cenário se tornou um elemento concreto no planejamento da aliança para o ano.
Imediatamente após a cerimônia de despedida do ministro da Defesa de saída, De Maizière, Domröse tomou um avião para Cabul, onde se encontrará com o cada vez mais frustrado comandante da ISAF, Joseph Dunford. O general americano diz que o Ocidente deveria deixar de depositar suas esperanças em Karzai. Se a eleição em abril for realizada com sucesso, ele diz, a OTAN deveria então concluir um acordo sobre a presença de tropas com seu sucessor no segundo semestre. Até lá, as tropas ocidentais deveriam se concentrar em fornecer segurança para a campanha e para a eleição.
A inteligência americana já previu as consequências de uma retirada completa e da suspensão dos bilhões de dólares em ajuda. Uma Avaliação Nacional de Inteligência de 2013, compilada por todas as 16 agências de inteligência americanas, nota: "A perda completa da assistência financeira aceleraria a devolução em um ritmo não administrável". Ela diz que "até 2017, o Taleban provavelmente controlaria quase todo o sul e leste e disputaria a área de Cabul".

'Apenas desaceleraria o ritmo do declínio'

As agências notam que as forças armadas afegãs, que se desenvolveram laboriosamente nos últimos anos, entrariam em colapso já em 2015, o que "muito provavelmente levaria a uma guerra civil, potencialmente uma tomada pelo Taleban e oportunidades para o ressurgimento da Al Qaeda".
O relatório, intitulado "Afeganistão: Perspectivas para o Governo Afegão até 2018", também permanece pessimista em um cenário em que a missão sucessora não é implantada. Mesmo com ela, nota o relatório, "a situação no Afeganistão deteriorará". Apoio adicional apenas desaceleraria o ritmo do declínio. Com ou sem a missão, nota o relatório, "o Taleban expandirá de modo constante sua influência e controlará grandes partes do interior".
Os eventos que ocorreram na sexta-feira (17) ressaltam quão grave a situação se tornou. Três homens-bomba atacaram um restaurante no distrito diplomático de Cabul, frequentado por estrangeiros. Pelo menos 21 pessoas morreram no ataque.
Pouco antes do Natal, durante sua primeira visita ao Afeganistão, a nova ministra da Defesa ainda expressava otimismo quando discutia as condições. Caminhando penosamente em meio ao cascalho e o vento frio de dezembro na base militar alemã em Mazar-e-Sharif, Von der Leyen e o general Dunford emitiram uma declaração conjunta de confiança com as forças armadas americanas. "Muito foi conseguido aqui e queremos proteger isso", disse Von der Leyen. Restam apenas poucos meses para a OTAN cumprir essa meta.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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