sábado, 11 de janeiro de 2014

Doação eleitoral de empresas deve ser proibida?

folha de são paulo
BOLÍVAR LAMOUNIER
TENDÊNCIAS/DEBATES
Doação eleitoral de empresas deve ser proibida?
NÃO
Democracia na penúria
Democracia sem eleições não existe. Eleição sem campanha também não. Campanha grátis tampouco. Assim, quem prefere viver numa democracia precisa admitir que um sistema adequado de financiamento eleitoral é indispensável.
Em tese, o financiamento pode ser exclusivamente privado, exclusivamente público ou misto. Entendido naturalmente que "público", em qualquer idioma, significa custeado pelos impostos que os cidadãos pagam ao governo.
No Brasil, a hipótese de um sistema exclusivamente privado não chega a ser cogitada. A de um sistema exclusivamente público, sim, é cogitada e não raro apresentada como uma panaceia.
O principal argumento a favor do financiamento exclusivamente público é o combate à corrupção. Afirma-se que ele acabará com o caixa dois e tudo o que isso significa, assegurando a lisura dos pleitos e uma representação política isenta de compromissos espúrios.
Eu, sinceramente, não vejo razão para tanto otimismo. O pressuposto de tal hipótese é o de que os partidos e candidatos ficarão contentes com suas respectivas frações dos recursos públicos, abstendo-se de buscar recursos adicionais. Eu não apostaria nisso.
Quanto ao modelo misto, público e privado, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) requereu ao Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da participação de empresas no financiamento.
Quatro ministros já deram seus votos, todos conforme o pretendido pela OAB, ou seja, contra doações empresariais. Ao vetá-las, os quatro ministros presumivelmente entenderam que o cidadão-contribuinte dispõe de condições pecuniárias e de reservas de boa vontade para arcar sozinho com as despesas de campanha. No entanto, entre tais supostos e a realidade dos fatos parece-me existir uma distância considerável.
Há coisa de dois anos, na condição de relator de um dos projetos de reforma política, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) sugeriu limitar o valor das contribuições individuais a R$ 700.
Ainda que o teto eventualmente adotado não seja tão baixo, o potencial de arrecadação por essa via não é promissor, por duas razões bem conhecidas: a distribuição de renda do país e o desagrado com que a política partidária e parlamentar é vista atualmente pela maioria dos eleitores brasileiros.
Do que acima se expôs, é possível depreender que a democracia brasileira pode estar sendo empurrada para uma situação preocupante: a de uma extrema penúria de recursos. No afã de combater a corrupção, podemos estar a um passo de jogar fora o bebê com a água do banho.
A questão final a considerar é por que uma parcela da elite política e governamental brasileira parece disposta a abraçar um modelo tão restritivo de financiamento. Por que excluir as empresas privadas?
Dir-se-á que o objetivo é combater a corrupção. Ora, que a corrupção atingiu limites inaceitáveis é óbvio. Mas é igualmente óbvio que seus agentes e processos encontram-se dos dois lados, ou seja, no setor privado tanto quanto no público, sem esquecer suas possíveis ramificações entre entidades intermediárias, como soem ser as ONGs, o sindicalismo etc.
O que produz a corrupção e lhe dá chances de prosperar não é o ambiente (a suposta ganância, a motivação de lucro) da empresa privada; não exclusivamente. Sem dúvida, reduzir as falcatruas ao mínimo possível passou a ser um objetivo essencial do sistema político brasileiro. Mas isso se faz com fiscalização rigorosa, transparência, exame sério e rápido das prestações de contas pelos tribunais competentes e o fim da impunidade, não com velhas prevenções contra a empresa privada.
ALINE OSORIO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Doação eleitoral de empresas deve ser proibida?
SIM
Rumo ao financiamento democrático
Empresas não têm direito a voto. Afinal, vivemos em uma democracia, que é governo do povo. No entanto, as regras de financiamento de campanhas em vigor no país --que permitem que empresas doem até 2% de seu faturamento anual-- garantem a tais entidades uma via alternativa e mais eficaz para influenciarem as eleições.
A aplicação dessas regras permite que empresas injetem enormes quantias de dinheiro em campanhas. Em 2010, 1.900 empresas doaram 90% dos mais de R$ 3,8 bilhões arrecadados. Nesse modelo, o que garante a vitória de um candidato não é tanto a qualidade de suas propostas, mas a quantidade de recursos arrecadada. A política transforma-se, assim, em um negócio. Prova disso é que os principais doadores não doam ao candidato ou partido de sua predileção, mas a todos aqueles com chances de vitória.
Tal sistema torna os candidatos fortemente dependentes de seus doadores. E as relações promíscuas que se estabelecem entre empresas e políticos são uma das maiores fontes de corrupção no país, sugando recursos públicos que deveriam ser usados para atender as demandas da população.
Foi justamente para reduzir tais distorções que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) propôs a ação direta de inconstitucionalidade nº 4.650 perante o Supremo Tribunal Federal, que já conta com quatro votos favoráveis. Os ministros que votaram argumentam, com razão, que a lei eleitoral viola os princípios da igualdade e da república, ao permitir que o poder econômico tenha uma influência tão decisiva na política.
Já os opositores da medida apresentam, basicamente, três argumentos. Em primeiro lugar, afirmam que o fim das doações de empresas serviria para perpetuar os partidos de situação no poder. Esquecem, porém, que no modelo atual as doações são canalizadas, na sua maior parte, justamente para esses partidos. Afinal, é natural que as empresas queiram estar bem com os governantes de ocasião. Além disso, as doações de pessoas físicas continuarão sendo permitidas e poderão aumentar a competitividade de pequenos ou novos partidos que sejam capazes de obter a adesão da população.
Ademais, alegam que a decisão não seria eficaz, pois as empresas usariam o caixa dois. Não se ignora que o fim das doações de empresas não extinguirá as doações não contabilizadas, já feitas no sistema vigente. Isso, porém, não constitui um motivo para que tudo fique como está. A medida contribuirá para reduzir os efeitos perversos da promiscuidade entre o dinheiro e a política e, ao impor o barateamento das campanhas, dará maior visibilidade a gastos desproporcionais às receitas declaradas, facilitando a fiscalização e a punição dos que se valerem do caixa dois.
Por fim, argumentam que o STF estaria usurpando competência do Poder Legislativo. Porém, é função institucional do Supremo invalidar normas contrárias à Constituição, como ocorre com as que permitem doações de empresas. E não parece sensato dar aos políticos que se beneficiam do corrompido sistema vigente o poder de dar a única palavra sobre sua manutenção ou mudança.
Se julgar procedente a ação, o STF imporá a prevalência dos princípios constitucionais que demandam que o processo eleitoral seja limpo e igualitário e atenderá à demanda da sociedade civil por uma política mais democrática e republicana.
A decisão não criará, porém, um modelo pronto e acabado de financiamento eleitoral. Caberá ao Congresso, devidamente fiscalizado pela sociedade, deliberar sobre as novas regras. Fundamental é que se garanta que o destino da nossa democracia permaneça nas mãos do seu verdadeiro titular, que é o povo, e não o poder econômico.

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