domingo, 26 de janeiro de 2014

Famigerada cracolândia

folha de são paulo
Famigerada cracolândia
Atuação canhestra da Polícia Civil na região central de São Paulo contraria programa da prefeitura, com ênfase em ações sociais e sanitárias
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem razão ao dizer que não pode se transformar em "picuinha partidária" o confronto entre policiais civis e usuários de crack na região central da capital, na tarde de quinta-feira.
A população está farta de ver políticos perderem-se em altercações inúteis, destinadas à exploração eleitoral, enquanto os problemas se acumulam na cracolândia.
Mas também tem razão o prefeito Fernando Haddad (PT) ao classificar como "lamentável" a operação da Polícia Civil. A utilização de bombas de efeito moral, por exemplo, levou o Ministério Público a abrir inquérito a fim de apurar a investida, considerada estranha.
A despeito do que as investigações permitam concluir, é inegável que faltou controle, por parte do governo do Estado, sobre as forças de segurança.
Segundo consta, a operação foi levada a cabo sem que Alckmin e Haddad tivessem sido avisados. Não que essa comunicação fosse legalmente necessária. Era, contudo, oportuna, porque a prefeitura e o governo têm um recente acordo de atuação conjunta na área.
Nenhum projeto terá êxito na cracolândia sem a coordenação das esferas municipal e estadual. Tampouco haverá sucesso se não houver o devido equilíbrio entre a repressão policial, de um lado, e a atenção social e sanitária, de outro.
Com peso maior ora num prato dessa balança, ora no outro, diversas abordagens foram postas em prática --todas fracassaram. As mais recentes, também frustradas, basearam-se sobretudo na força. Decerto por essa razão Fernando Haddad decidiu tentar algo novo.
A ação da prefeitura consiste em oferecer alojamento em hotéis da região, comida e um auxílio financeiro de R$ 15 por dia aos usuários de crack que, de forma voluntária, aceitarem participar do programa. Em troca, exige-se que trabalhem quatro horas diárias na varrição de ruas locais e participem de um curso de qualificação profissional. A força policial seria utilizada somente em situações extremas.
É cedo, sem dúvida, para emitir juízos a respeito da Operação Braços Abertos. Quando se trata de droga tão destrutiva e barata quanto o crack, todo ceticismo é infelizmente recomendável.
Reconheça-se, contudo, que o projeto tem méritos de um ponto de vista da redução de danos. Embora ainda precise passar pelo teste da realidade no médio prazo, o programa representa possibilidade de saída para almas devastadas e sem perspectivas.
Além disso, o mero cadastro desses cerca de 500 indivíduos permite ao poder público estabelecer com alguns deles uma relação, mesmo que precária --é pouco, mas é mais do que se tem hoje.
Muito ainda precisará ser feito, de todo modo, até os paulistanos terem motivos para acreditar numa cidade sem a cracolândia. A solução não virá sem verdadeira restauração urbanística da região ou maior eficiência no combate ao tráfico de drogas.
A população agradecerá se, nessa longa caminhada, prefeito e governador andarem juntos.

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