terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Subindo montanhas - Suzana Herculano-Houzel

folha de são paulo

Nós sabíamos que o passeio de Natal em um parque no sul do Chile envolveria cerca de seis horas de caminhadas diárias com 20 kg nas costas, de um acampamento ao próximo –mas não exatamente que seria um total de 44 km percorridos em quatro dias, com várias ribanceiras espetaculares, algumas vezes contra o vento fenomenal de uma geleira.

A primeira hora de caminhada corria bem. Mas, já com músculos ardendo e tendões se manifestando, como encontrar forças (leia-se motivação) para as horas e muitos quilômetros por vir, para ainda encarar tudo de novo no dia seguinte?

Ajuda saber que motivação é a antecipação do prazer que recompensará um esforço para conquistar alguma coisa. Essa "alguma coisa" vai de ver os amigos a receber um pagamento no banco –e passa por visitar lugares incríveis na companhia de quem se ama. Ver de perto o Glaciar Grey, os Cornos e as Torres do Paine e curtir todos os acontecimentos e acampamentos no caminho são recompensas que só recebe quem se dispuser a suar, e muito. As fotos deslumbrantes no mapa e nos sites que visitamos serviram como uma grande cenoura na ponta da varinha.

Informação também é fundamental. Os marcos informativos nas trilhas a cada dois quilômetros só faltam falar: "Vamos lá, você já andou dois quilômetros, faltam apenas mais nove... mais sete... cinco...". Na falta dos postes, e quando minhas forças minguavam, criei meus próprios marcos contando meus passos, um por metro. Ajudou muito: de repente, eu tinha evidência de que os quilômetros passavam de fato. Saber que o esforço não é em vão é um santo empurrão.

Saber que não dá para sentar e chorar também é uma ajuda e tanto: ou você anda para a frente ou para trás, mas desistir e ficar por ali mesmo não dá, pois não é permitido acampar no caminho. Em nosso caso, nossos cérebros berravam "para a frente!", pois (sabiamente) reservamos um hotel dentro do parque para as duas últimas noites, com cama de verdade, comida de verdade, chuveiro de verdade.

Vislumbrar o hotel no horizonte após cinco horas de ribanceira foi a motivação de que precisávamos para completar os últimos quilômetros. Mas as Torres, o último passeio programado, ficaram para a próxima vez. Não houve dopamina suficiente que convencesse nossos cérebros a deixar o conforto do lobby quentinho, pisco sour em mãos, para encarar mais quatro horas de ribanceira...
suzana herculano-houzel
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada 15 dias, na versão impressa de "Equilíbrio".

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