terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

De volta à Amazônia [Cláudia Andujar] - Silas Martí

folha de são paulo
De volta à Amazônia
Famosa por documentar a vida dos índios nos anos 1970 e 1980, Claudia Andujar volta à floresta para criar série que será exposta em novo pavilhão no Inhotim
SILAS MARTÍDE SÃO PAULOQuando Claudia Andujar primeiro teve contato com uma tribo de índios na Amazônia, a fotógrafa conta que nunca tinham visto uma mulher branca. "Eles não sabiam se eu era homem ou mulher, queriam me apalpar", lembra. "Mas não eram desconfiados. Isso era espontâneo, acontecia com gentileza."
Mais de quatro décadas depois da primeira visita à selva, Andujar, 82, acaba de voltar à reserva dos ianomâmi, um território que se estende por Roraima e Amazonas na fronteira com a Venezuela.
Nas terras que ajudou a demarcar, deu de cara com índios hiperorganizados, que viajam de táxi aéreo e armam enormes assembleias para defender seus interesses.
"Fiquei muito surpresa com isso", conta Andujar, que não voltava à Amazônia havia dez anos. "Nunca vi tantos ianomâmis juntos."
Nem havia fotografado a face moderna da tribo. Andujar agora pretende mostrar suas novas imagens, em cores, ao lado dos já clássicos retratos em preto e branco da tribo, num novo pavilhão dedicado à sua obra, que o Instituto Inhotim, no interior mineiro, inaugura em setembro.
Será o maior conjunto de sua obra já exibido, com mais de cem imagens de "Marcados", sua série mais célebre, em que retratou os ianomâmi com números de identificação para uma campanha de vacinação nos anos 1980.
"Naquela época, eu nem pensava em mostrar isso como arte", diz Andujar. "Esse projeto começou porque tínhamos de ir de aldeia em aldeia para para pegar os dados das pessoas, e eu fui fazendo os retratos delas."
HOLOCAUSTO DOS ÍNDIOS
Só mais de 20 anos depois é que os "Marcados" ganharam a relevância atual, quando a série foi exposta na Bienal de São Paulo em 2006. Foi então que Andujar, suíça de família judia que fugiu do Holocausto e se radicou no Brasil em 1955, fez a leitura mais contundente desses retratos.
"Quando mandavam os judeus para os guetos, também marcavam todos eles com números. Minha família paterna, que era toda de judeus, foi parar nos campos de concentração", lembra. "Não sobrou ninguém. Só eu, porque minha mãe não era judia."
No caso dos índios, o horror era outro, mas tão assombroso para ela quanto o genocídio comandado pelos nazistas. Andujar estava na Amazônia quando a construção da Perimetral Norte, estrada iniciada em 1971 e nunca concluída, levou brancos e suas enfermidades a tribos antes intocadas, sem imunidade a doenças comuns.
"Aldeias inteiras foram dizimadas", diz Andujar. "Fiquei chocada. Isso me atingiu de um jeito tão profundo que decidi lutar para defender os índios dessa agressão."
Mas três anos antes de fotografar os "Marcados" ao mesmo tempo em que vacinavam os índios, Andujar sofreu uma das maiores derrotas nessa briga. "Numa dessas viagens, depois de andar cinco dias a pé em Roirama, encontramos um desastre, uma aldeia onde a maioria dos índios já estava morta."
Logo depois, Andujar conta que os militares no poder deram ordens para que ela fosse expulsa da Amazônia. Segundo a artista, tinham medo que uma "gringa" denunciasse o país por violações de direitos humanos.
"Fui muito perseguida. Deixei de lado meu trabalho porque estava fora de mim", conta. "Não sabia mais o que fazer com a minha vida."
Nesse tempo longe da selva, Andujar conseguiu mobilizar a opinião pública a favor da causa dos índios, um esforço que culminou na demarcação da reserva ianomâmi em 1992, que só foi possível pelos mapas da região que ela havia feito nas viagens.
"Ninguém na época conhecia esse território. Foi às escondidas que elaborei esse projeto", diz Andujar. "Então o governo me pediu os dados para que pudessem estabelecer os limites do território."
Seu retorno à Amazônia agora parece fechar um ciclo que começou com o encanto de uma estrangeira diante de um território virgem e terminou com uma história de ativismo que durou uma vida.
    Museu terá novo espaço de Olafur Eliasson
    DE SÃO PAULO
    Mesmo já tendo transformado a pacata Brumadinho, nos arredores de Belo Horizonte, em destino obrigatório na cartografia da arte, o Instituto Inhotim, do empresário do ramo de minério Bernardo Paz, não para de crescer e abrirá dois novos pavilhões em setembro deste ano.
    Um deles será uma grande galeria dedicada a toda a obra que Claudia Andujar fez na Amazônia, de seus primeiros contatos com os índios, passando pela série "Marcados" e concluindo com seu trabalho mais recente, que ela acaba de fotografar na floresta.
    Embora o Inhotim tenha outras obras da artista no acervo, a galeria projetada pela firma Arquitetos Associados, a mesma que fez os pavilhões de Miguel Rio Branco e Doris Salcedo no museu, será voltada só para seus trabalhos envolvendo os índios.
    Também será aberto em setembro um pavilhão para um trabalho do artista dinamarquês Olafur Eliasson, que já tem outras peças no museu.
    Seu novo pavilhão será, na verdade, um prédio-obra, desenhado pelo próprio artista. É uma estrutura circular que capta a luz natural do lado de fora e a projeta ao longo de uma linha na altura dos olhos do lado de dentro, concentrando raios coloridos num horizonte denso e artificial.
    "É uma escultura que é também arquitetura", diz Rodrigo Moura, diretor do Inhotim. "Haverá um corte ao longo da parede, uma faixa luminosa. É um projeto com uma presença arquitetônica."
    Também sinaliza o crescimento consistente do número de pavilhões no museu.
    Depois de abrir os espaços de Tunga, Lygia Pape e Cristina Iglesias há dois anos, o Inhotim inaugura dois pavilhões em setembro e outros ainda podem sair do papel nos próximos anos --já estão nos planos construções para Ernesto Neto e Anish Kapoor.
    Todas essas inaugurações, de dois em dois anos, pegam carona na semana de abertura da Bienal de São Paulo --quando o "jet-set" da arte global dá as caras no Brasil-- e já viraram uma tradição no calendário das artes no país.
    Em breve, fanáticos do mundinho também terão mais um motivo para visitar o Instituto Inhotim. Até o fim deste ano, deve ser aberto um hotel com 44 bangalôs, um novo restaurante e um spa completo em pleno museu.
    Nos planos de expansão, há conversas sobre uma nova estrada até o Inhotim e um aeroporto privado.

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