domingo, 9 de fevereiro de 2014

Projeto de lei veda uso de animal vivo para aula de medicina em SP

Projeto de lei veda uso de animal vivo para aula de medicina em SP
Proibição afetaria formação de novos cirurgiões e prejudicaria pacientes, afirmam faculdades
Prática cai em desuso nos EUA, onde curso se tornou mais longo; modelo não funcionaria no Brasil, diz médico
RAFAEL GARCIAFOLHA DE SÃO PAULOUm projeto de lei pode afetar o ensino de medicina no Estado de São Paulo. Se a nova regra for aprovada, faculdades ficariam impedidas de usar animais vivos para treinamento de cirurgiões.
A proposta é do mesmo deputado autor da lei estadual que veda o uso de animais em testes de cosméticos, sancionada no mês passado. O projeto que afeta o ensino de medicina tramita desde 2012, mas só atraiu atenção no fim do ano passado, com a invasão do Instituto Royal --centro de pesquisa que usava cães em testes de drogas.
O autor do projeto, Feliciano Filho (PEN), diz que pretende aproveitar o súbito aumento do interesse político por questões de direitos dos animais para reavivá-lo.
A ideia de banir o uso de animais vivos no ensino médico encontra resistência.
"Se essa proibição for adotada, o prejudicado não vai ser o cirurgião, e sim o doente", afirma Paulo Roberto Corsi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Para ele, não é possível ainda substituir o uso de animais por manequins e simulações de computador, conforme propõe autor do projeto.
"Estão começando a surgir alguns simuladores, a maioria para cirurgia videolaparoscópica [com incisões pequenas]", diz Corsi que também é vice-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. "Para cirurgia convencional, porém, que requer o corte aberto, não existe modelo adequado que substitua o animal de experimentação."
A espécie mais usada para aulas dessa disciplina em faculdades de medicina é o porco, com abdome de tamanho similar ao humano. Faculdades de medicina afirmam que evitam causar sofrimento nos suínos, pois todos eles são anestesiados durante os procedimentos cirúrgicos e abatidos antes de recobrar os sentidos para que não sintam nenhuma dor.
"O procedimento é feito com ética, com respeito ao animal, na presença de um professor e com acompanhamento de um veterinário", afirma Antônio Carlos Lopes, diretor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp). "Mas o aluno precisa entrar em contato com sangue, com pinçamento de vasos e com suturas em tecido vivo, que é diferente de tecido morto e de qualquer outro material."
Segundo o médico, as boas faculdades de São Paulo já aboliram o uso de animais em aulas de anatomia e fisiologia nas quais não eram estritamente necessários.
INVASÃO
No curso de medicina da PUC-Campinas usa-se manequins de anatomia em aulas mais elementares, software para simular efeito de drogas e preparados em tubo de ensaio para demonstrar algumas reações metabólicas.
Mesmo buscando reduzir o uso de animais, a universidade teve uma aula invadida no ano passado por ativistas que filmaram porcos em cirurgia. Gustavo Henrique da Silva, coordenador de cursos na PUC-Campinas, se disse surpreso por a universidade ter virado alvo do ativismo.
"O procedimento feito ali tinha sido aprovado pelo comitê de ética da universidade, que é bem atuante, e estava sendo realizado com todo o rigor possível", diz.
O projeto de lei, porém, alega que mesmo esse tipo de aula já caiu em desuso nos EUA. A ONG Humane Society lista apenas quatro escolas médicas que ainda usam animais vivos no país. Universidades americanas têm cursos mais longos, nos quais alunos acompanham cirurgiões experientes e só mexem em tecido vivo aos poucos.
Para Lopes, da Unifesp, porém, adotar o modelo dos EUA é inviável no Brasil. "Aqui não podemos nos dar ao luxo de fazer tudo isso, quando temos que colocar o médico rapidamente na linha de frente para trabalhar", diz.
    Deputado tem ONG investigada por maus tratos
    DE SÃO PAULO"Não sou um deputado que abraçou a causa animal, sou um ativista que entendeu que tinha de trocar a espada pela caneta", diz Feliciano Filho, criador do projeto de lei questionado pelos médicos.
    Autor de outras propostas relacionadas a direitos dos animais, Feliciano é fundador de um abrigo para cães abandonados em Campinas. Auto-intitula-se "recordista" da causa.
    "Já fiz mais de 5.000 resgates de animais e tenho mais de 1.000 gravados", conta. Cães recolhidos ganhavam abrigo na UPA (União Protetora dos Animais), ONG que fundou.
    Filiado ao Partido Ecológico Nacional, que tentou oferecer a legenda para a candidatura Marina Silva, Feliciano diz ser contra o uso de animais em pesquisa também, mas não propôs lei que o proíba. Teve aprovado um projeto de lei que obriga rotulagem de produtos testados em animais, vetado em seguida pelo governador.
    Em agosto de 2013, a UPA foi alvo de ação policial que constatou maus tratos a animais. Cinco filhotes foram achados mortos, e dez cães estavam à beira da morte num local cheio de fezes. O cenário era normal, diz Feliciano, alegando que só resgata cães doentes e alguns não conseguem se recuperar.
    "Aquilo não passou de uma armação política" diz, sobre o episódio, ainda sob investigação. (RG)

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