segunda-feira, 3 de março de 2014

Cineasta deixou espécie de testamento em seu penúltimo filme INÁCIO ARAUJO

folha de são paulo
ANÁLISE Alan Resnais
Cineasta deixou espécie de testamento em seu penúltimo filme
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHA
Inovador, revolucionário, desconcertante: as palavras que definem o primeiro Resnais empalidecem nos anos seguintes
Bastou um filme para Alain Resnais deixar sua marca de cineasta inovador, num tempo em que o cinema não cessava de ampliar seus limites.
Mas "Hiroshima Meu Amor", sua estreia na ficção, promovia o encontro, em Hiroshima, de uma atriz francesa com um homem japonês. Nenhum deles, amantes de uma noite, tinha um nome, nem sua história respeitava a tradicional cronologia linear.
Com a ajuda de Marguerite Duras no roteiro, Resnais excluía a psicologia romanesca tradicional (a explicação dos atos pelo passado dos personagens) e usava-os, o homem e a mulher, para abordar indiretamente duas catástrofes: a das bombas atômicas no Japão e a séria ameaça de um conflito nuclear.
Estávamos em 1959, época cheia de surpresas no cinema mundial, sobretudo europeu: duas ou três vezes por ano, pelo menos, a nouvelle vague francesa ou o cinema italiano traziam algo inédito.
Sem falar da Polônia de Wajda ou dos novos cinemas em gestação. Ainda assim, Alain Resnais se sobressaía a ponto de, quando fez seu segundo longa, "O Ano Passado em Marienbad" (1961), o crítico José Lino Grünewald, entusiasta das experimentações radicais, colocá-lo acima mesmo de Godard.
Não era sem motivo: "Marienbad", que trazia outro nome do "nouveau Roman" à esfera do cinema, Alain Robbe-Grillet, era um quebra-cabeça quase inabordável para espectadores que cresceram vendo, no cinema, histórias com começo, meio e fim --nessa ordem.
Ali, num luxuoso hotel da estância de Marienbad um homem tenta convencer uma mulher de que se encontraram um ano antes, naquele mesmo lugar. Ou seria outro lugar? Ela não lembra de nada! Ou diz que não lembra.
E aos poucos somos puxados para o interior de um labirinto onde nos perdemos, sem saber em que tempo e por vezes em que lugar estamos --nós e a ação.
O filme espantou também seus amigos. Resnais era um homem de esquerda (ao contrário da maior parte dos cineastas da nouvelle vague), agora produzindo um filme decididamente burguês. O crítico Jean Douchet diria, muito depois, que "Marienbad" nasceu da simples impossibilidade de realizar um projeto sobre a Guerra da Argélia (assunto tabu na França da época).
Inovador, revolucionário, desconcertante: as palavras que definem o primeiro Resnais empalidecem nos anos seguintes; ninguém produz uma revolução no entendimento a cada filme.
Impossível, no entanto, negar o interesse da maior parte de seus filmes: "A Guerra Acabou" (1966), "Providence" (1977), "Meu Tio da América" (1980), entre outros.
A partir dos anos 1980, no entanto, o público o acompanha menos. O público havia mudado. Se 20 anos antes, quando não entendia um filme, o espectador sentia que talvez fosse por uma deficiência sua, o novo público parecia mais acomodado: se algo não lhe parecia claro a culpa era do filme, do diretor...
Talvez por isso, depois do intrigante "Smoking" e "No Smoking", verifica-se novo interesse de Resnais junto a um público mais amplo, graças a filmes mais simples, ao menos em aparência, como "Amores Parisienses" (1997), "Medos Privados em Lugares Públicos" (2006), "Ervas Daninhas" (2009).
Seu testamento, no entanto, talvez esteja no seu penúltimo filme, "Vocês Ainda Não Viram Nada!" (2012), em que um autor teatral convida seus atores favoritos para assistirem ao seu funeral. Ali, exibe-se um filme com suas últimas palavras. No entanto, ele ainda surgirá em pessoa, antes de desaparecer, em definitivo, dentro de seu filme.
Momento memorável, do cinema de Resnais, onde reencontra a mesma radicalidade de seus primeiros filmes e joga real e imaginário, vivido e fictício, escrito e representado num único espaço, aproxima tempos, une o vivo e o morto.
O filme termina num cemitério: talvez Resnais já pensasse obsessivamente na própria morte. Ainda assim, teve tempo para filmar "Aimer, Boire et Chanter". Ou, "Amar, Beber e Cantar". E só depois morrer.

BELAS ARTES
Longa 'Medos Privados...' vai voltar à tela
O Cine Belas Artes reabrirá no final de maio com sessões do filme "Medos Privados em Lugares Públicos" (2006), de Alain Resnais. A promessa é de André Sturm, administrador do cinema fechado em 2011 por problemas financeiros. O longa, que ficou em cartaz no local durante três anos e meio, atraiu um público de 80 mil pessoas, segundo Sturm.
Morre Alain Resnais aos 91, em Paris
Um dos fundadores da nouvelle vague, cineasta foi premiado no mês passado em Berlim com seu último trabalho
Diretor de 'Hiroshima Meu Amor' ajudou a criar o movimento que revolucionou o cinema francês nos anos 1960
DE SÃO PAULO
Um dos nomes mais importantes do cinema francês, o diretor Alain Resnais, 91, morreu sábado, em Paris.
A notícia foi divulgada ontem pelo produtor de seus filmes, Jean-Louis Livi. A causa da morte não foi divulgada. O cineasta, que sofria de uma doença nos ossos, estava internado havia duas semanas no Hôpital Américain.
Resnais foi um dos fundadores da nouvelle vague, movimento iniciado no final dos anos 1950 que revolucionou o cinema francês.
Ele deixa mais de 50 filmes, incluindo curtas e documentários. Entre seus longas mais famosos está "Hiroshima Meu Amor" (1959), com a atriz Emmanuelle Riva.
Sua produção mais recente, "Amar, Beber e Cantar" (2014), recebeu o prêmio da crítica internacional na última edição do Festival de Berlim, encerrado em 16/2.
CARREIRA
Alain Pierre Marie Jean Georges Resnais nasceu em Vannes, na Bretanha, em 1922. Em 1939, mudou-se para Paris para tentar ser ator.
Depois de alguns trabalhos em companhias teatrais, Resnais decidiu fazer um curso de edição de filmes.
No final dos anos 1950, iniciou, junto com Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, Claude Chabrol, Éric Rohmer e Agnès Varda, o movimento depois conhecido como nouvelle vague.
Filmes de baixo orçamento, influenciados pelo cinema americano e com narrativas não lineares fizeram do movimento um marco na história do cinema francês.
Em 1969, Resnais se casou com Florence Malraux, filha do escritor André Malraux (1901-1976). Ela trabalhou como assistente na maioria dos filmes dele, entre 1961 e 1986.
A segunda mulher, a atriz Sabine Azéma, foi presença constante nos filmes de Resnais a partir dos anos 1980.
O cineasta acumulou quatro prêmios Cesar do cinema francês, dois Ursos de Prata de Berlim, dois Leões de Ouro em Veneza, um Bafta e um prêmio especial do júri de Cannes, entre outros.

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