domingo, 2 de março de 2014

'True Detective' cria tensão e inova gênero - Luciana Coelho

folha de são paulo
CRÍTICA SERIAL
LUCIANA COELHO coelho.3@uol.com.br
'True Detective' cria tensão e inova gênero
A melancolia de Louisiana dá força aos componentes da trama: machismo, desesperança e fanatismo
DIFÍCIL DISPUTAR atenção com o Oscar, mas o episódio de "True Detective" desta noite vale o empenho do espectador. Ele abre, avisa seu criador, o terceiro ato de uma série policial que começou lenta e cuja tensão desembesta para um fim grandiloquente e, torçamos, bem talhado como os seis episódios já exibidos.
Um de seus trunfos coincide com o Oscar: é Matthew McConaughey, cotado para o prêmio pela atuação em "Clube de Compras Dallas". Na série da HBO, o ex-galã dá corpo ao etéreo detetive Rust Cohle de forma ainda mais espantosa.
Cohle forma com Martin Hart (Woody Harrelson) uma dessas duplas antagônicas que povoam o gênero. São tirados da vala comum pelas interpretações enérgicas dos dois atores texanos e pelo script intrincado de Nic Pizzolatto, 38, um romancista e ex-professor da Louisiana que virou o novo nome da hora no showbiz.
Pizzolatto, após breve incursão por "The Killing", escreve sozinho o roteiro que confiou a um só diretor (Cary Fukunaga), fórmula rara na TV. Talvez por isso, aqui os personagens importem mais que a trama, uma caçada a um assassino de mulheres cheio de fetiches e mensagens transcendentais.
Essa busca amarra as duas linhas da narrativa (1995-2002 e 2012), mas o que cria a tensão são as camadas dos protagonistas que são despeladas aos poucos: Martin, o machista pai de família com uma visão rasteira do mundo, e Rust, um niilista cujos tropeços passados são apresentados de forma clara, enquanto seus monólogos filosóficos enevoam o cenário para o espectador.
(Há, claro, chance de tudo desembocar junto, mantida no ar pelo errático comportamento de Cohle e as sutilezas na interpretação de McConaughey.)
O terceiro elemento é a pantanosa Louisiana.
Embora o sul profundo dos EUA abrigue outras séries, em "True Detective" a melancolia e a desolação do segundo Estado mais pobre do país dão força aos componentes da trama: machismo, desesperança, fanatismo, impulso autodestrutivo. Quem já rodou pela região sabe que é assim, e Pizzolatto, egresso de uma classe média baixa local pouco lembrada pela TV, domina o território.
Há só fiapos de coadjuvantes (sim, as mulheres em cena mal passam de bundas, mas isso, assim como o apelo a clichês do gênero, é como Hart, cujo ponto de vista predomina na tela, vê a vida). A força vem dos dois homens e da relação entre eles.
Pizzolatto, que assinará a segunda temporada com história e elenco novos, afirma que os últimos dois episódios não reservam truques. Ao site Daily Beast, ele se diz surpreso com as conjecturas da plateia.
O teaser para esta noite indica um flerte com o sobrenatural --a Louisiana evoca esse aspecto, e o roteirista foi alimentado a "Além da Imaginação" quando criança. Não importa. É o que vai dentro de Hart e Cohle que promete assombrar espectadores e roteiristas de seriados por anos.

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