segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Anistia à russa [editorial folhasp]

folha de são paulo
Anistia à russa
A dois meses de ciceronear os Jogos Olímpicos de Inverno, na cidade de Sochi, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, decidiu conceder anistia a cerca de 20 mil presos e investigados em seu país.
O perdão de Putin, bem-vindo devido aos contornos autoritários que cercaram os episódios, é tão discricionário quanto os processos que encerraram vários de seus desafetos nas geladas cadeias russas.
Com a canetada, o presidente encerra casos de ampla repercussão internacional. Um deles envolveu a brasileira Ana Paula Maciel, uma dentre 30 ativistas do Greenpeace presos e processados por vandalismo após protesto contra a exploração de petróleo no Ártico.
O pacote incluiu ainda a libertação de duas integrantes do grupo de rock Pussy Riot. Em 2012, elas foram condenadas a dois anos de prisão por terem gravado um vídeo contra Putin na Catedral Ortodoxa de Moscou.
A generosidade calculada de Putin se assemelha à abertura da China às vésperas e durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, quando interessava à ditadura comunista divulgar mundialmente uma imagem mais simpática. Passado o evento, porém, recrudesceu o autoritarismo, incluindo a crescente censura na internet.
Como o perdão russo não veio acompanhado de reformas estruturais, nada impede que o presidente volte a abusar da fragilidade das instituições, manejando-as de acordo com a sua conveniência --assim como fazem os chineses.
Putin, de resto, não olha apenas para o público externo. Seu perdão beneficiou também ao menos um adversário da política doméstica, o ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky. Em 2003, ele foi condenado e preso por crimes como lavagem de dinheiro e evasão fiscal. Um processo judicial obscuro e politizado levou a Anistia Internacional a considerá-lo um "prisioneiro de consciência".
Vê-se, nas entrelinhas, um paradoxo. Ainda que queira lustrar sua imagem, Vladimir Putin sente-se seguro o suficiente a ponto de libertar um oponente poderoso.
Não se trata, portanto, de um gesto de abertura, mas sobretudo de demonstração de força --corroborada pelo apoio que a lei da anistia, proposta pelo presidente, recebeu no Congresso russo: 446 votos a favor e nenhum contrário.

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