quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Conversa de patos - Maria Esther Maciel


Numa linda manhã de novembro, a pata e o patinho tomavam sol à beira da
lagoa. Deitados sobre a grama, de vez em quando viravam-se para coçar com o bico
as próprias costas. Pareciam de bem com o mundo, despreocupados e felizes.
De repente, o patinho rompeu o silêncio com uma pergunta meio fora de
propósito: “Mãe, qual é a diferença entre ironia, sarcasmo e deboche?” A pata, saindo
do seu prazeroso estado de sossego, virou-se para o filho: “Nossa, querido, que
pergunta mais difícil! Por que quer saber isso?”. “Por curiosidade, mãe”, ele
respondeu. A pata, então, jogou os olhos para o alto, sacudiu o corpo como se
quisesse se livrar das últimas gotas de água retidas nas penas e disse: “Você sabe
que nunca fui à universidade, não conheço bem as leis da retórica, não estudei teoria
literária nem filosofia da linguagem. Mas vou tentar te explicar a diferença, pelo que a
vida me ensinou.”
A conversa que se seguiu foi esta, que reproduzo literalmente:
Pata: “Pelo que sei, ironia não é muito fácil de fazer, nem de entender. Está
muito mais naquilo que não se diz do que no que é dito. Quando alguém fala uma
coisa para dizer discretamente o contrário, faz ironia. É só se lembrar daquela canária
– qual é mesmo o nome dela? – que construiu um ninho em cima da gaiola que
alguém havia dependurado no jardim para decorar o canteiro. Aquela, sim, sabe fazer
ironia, falar as coisas nas entrelinhas. Já o sarcasmo, é corrosivo. Está mais para uma
ironia ácida. Pode ser também amargo, se movido por mágoa e ressentimento. Nesse
caso, pode até fazer mal para o fígado!”
Patinho: “E como o sarcasmo aparece no rosto de quem é sarcástico?”
Pata: “É só você prestar atenção nos olhos e nas linhas ao redor do bico (ou do
focinho, se o bicho não for ave). A expressão, nesses pontos do rosto, mostra um riso
meio cruel, se é que você me entende. O sarcástico, muitas vezes, põe a pata sobre o
bico para rir por trás, como certas aves de rapina.”
Patinho: “E aquele cachorro, o Muttley, do desenho A corrida maluca?” Ele
também é sarcástico?”
Pata: “Digamos que sim... ele tem uma risadinha malvada e disfarçada, né?
Talvez ele esteja mais para cínico, mas tenho que pensar melhor sobre isso.”
Patinho: “Na ironia não tem riso?”
Pata: “Tem, mas quase não aparece. Quem faz ironia, ri mesmo é por dentro.
Patinho: “E o deboche, mãe? A senhora não falou do deboche...”
Pata: “O deboche é grosseiro, querido. Ele pode até querer se disfarçar de
ironia, mas isso não funciona, pois ironia precisa de sutileza. O deboche é estridente,
fala alto e dá risadas. Quem debocha, achando que faz ironia, é traído pela altura da
voz ou pela gargalhada. Às vezes, o deboche serve apenas para fazer piada, divertir.
Em certos casos, porém, pode ser motivado por inveja. Você não se lembra daquela
gansa debochada que ficava fazendo chacota com o nosso ninho, só porque nele
havia ramos de flores azuis?”
Patinho: “Legal, mãe. Acho que agora aprendi a diferença entre ironia,
sarcasmo e deboche. E, entre os três, gosto mais da ironia. Será que a senhora me
ensina a ser irônico?”
Pata, com um leve sorriso no bico: “Logo eu, filhinho, que sou tão meiga e
delicada? É melhor você ir pedir à coruja, que é filósofa e fez doutorado no assunto...
(JORNAL ESTADO DE MINAS, 03/12/2013)

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