domingo, 8 de dezembro de 2013

Novos 'Amarildos' surgem após violência policial no Rio

Novos 'Amarildos' surgem após violência policial no Rio


LUIZ FERNANDO VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DO RIO
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A revolta provocada pela morte do pedreiro Amarildo de Souza, torturado na sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha em julho, criou ou renovou forças em mulheres que buscam justiça para seus parentes, alvos de agentes do Estado.
Amiga de uma irmã de Amarildo e moradora há 50 anos da favela, a diarista Maria de Fátima dos Santos Silva, 54, nunca procurou advogados ou promotores para falar sobre o caso do seu filho.

Hugo Leonardo dos Santos Silva, 33, foi assassinado em 17 de abril de 2012, quando a ocupação policial preparava a instalação da UPP na favela. Mirelle Araújo, sua irmã, conta que viu cinco policiais, dois civis e três militares, indo atrás dele num beco.
Quando ela chegou ao lugar, o primeiro tiro já tinha atingido a barriga de Hugo. O disparo provocou uma discussão entre os policiais. Mas outros dois tiros foram dados. O último acertou a cabeça.
Marcio Isensee e Sá/Folhapress
Viviane (à esq.) e Daiana, respectivamente, irmã e mulher de presos, dizem que eles são inocentes
Viviane (à esq.) e Daiana, respectivamente, irmã e mulher de presos, dizem que eles são inocentes
O caso foi registrado na 15ª DP (Gávea) como auto de resistência, que é quando há troca de tiros. Nunca foi apresentada, porém, a arma com que Hugo estaria.
Ele, que deixou dois filhos, trabalhava como entregador e fazia "fretes" na Rocinha - levava cargas nos ombros a partes altas da favela.
"Ele era usuário de drogas, mas não era traficante. Os policiais perseguiam, ficavam querendo que ele apontasse o pessoal do tráfico", afirma Maria de Fátima.
Ela diz não ter feito nada antes porque sua família foi ameaçada. Depois do caso Amarildo, tem participado de manifestações e se informado sobre como reivindicar seus direitos.
"No dia em que o Hugo morreu, passou na TV: 'mais um traficante morto em troca de tiros'. Isso não sai da minha cabeça. Preciso limpar o nome dele", diz ela, para quem a violência policial aumentou com a UPP. "Têm muitos Amarildos e Hugos Leonardos por aí."
'VEM COMIGO'
Em 13 de julho, a Operação Paz Armada subiu a Rocinha com 20 mandados de prisão temporária e desceu com 58 detidos. Um dos excedentes era Ricardo Santos Rodrigues da Silva, 34, que nos três meses anteriores vinha denunciando abusos de PMs da UPP.
Já tinha sido detido por desacato ao brigar com um policial que o mandou interromper uma festa que organizava. Na madrugada do dia 13, segundo conta em carta escrita àFolha, estava desmontando os brinquedos infantis de outra festa quando um policial lhe disse: "Vem comigo, Ricardinho".
Conhecido na favela como Ricardo PSV, alusão ao nome do time em que jogava futebol às quintas-feiras, ele disse que era engano, reagiu, foi agredido e levado para a sede da UPP.
"A sorte é que ele disse: 'Conheço o pessoal dos direitos humanos. Se fizerem algo comigo, vocês vão se ferrar'. Podia ter sido outro Amarildo", conta sua mulher, Daiana Azevedo, 28.
Ela está cuidando da lan house do casal. Perdeu o emprego num restaurante por causa das visitas a Bangu 4, todas as quartas e sábados.
Nos dias 6 e 7 de novembro, duas reportagens da imprensa do Rio, baseadas em informações da polícia, afirmaram que Ricardo Santos Rodrigues da Silva, conhecido como Ricardinho 157, estava participando de uma guerra entre facções rivais.
Além da confusão de nomes -pois existe um Ricardinho e um Rogério 157, mas nenhum deles é Ricardo PSV- o homem que a polícia dizia estar dando tiros na rua estava, na verdade, preso havia quatro meses.
"Não queria que ele se envolvesse com direitos humanos, porque sei que todos acabam perseguidos pela polícia. Mas agora eu mostro a cara. Ele não tem mulher, tem uma aliada", afirma Daiana.
Amigo de Ricardo, Victor Hugo da Silva, 26, estava desempregado em 13 de julho, quando foi levado com outros homens para uma casa em que policiais perguntaram sobre armas e drogas e fizeram ameaças.
Embora sem antecedentes criminais, está até hoje em Bangu 4, onde outros presos o chamam de "chorão", por causa de seu desespero permanente. Ele e Ricardo ainda não prestaram depoimento, seja à polícia ou à Justiça. Victor diz, também em carta à Folha, que só em agosto, no presídio, descobriu que era acusado de ser um dos gerentes do tráfico na Rocinha.
"Você acha que, se ele fosse gerente do Valão (área da favela), moraria aqui e eu não teria dinheiro nem para visitá-lo na prisão?", pergunta Viviane da Silva, 27, no apertado quarto do irmão.
Ela perdeu um emprego para se dedicar à libertação de Victor, que tem três filhas. Ajudante de pedreiro, Bruno Fernandes Pinheiro, 23, está em Bangu 4, embora sem ligação comprovada com o tráfico. Escreveu carta contando que tem carteira assinada. Em 2007, o governador do Rio, Sérgio Cabral, chamou a Rocinha de "fábrica de produzir marginal".

Mãe luta por condenação de assassinos de adolescente


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DO RIO
 exemplo para as mulheres da Rocinha vem de outra favela da zona sul, a do Cantagalo. Deize da Silva Carvalho, 43, tenta há quase seis anos a condenação dos assassinos de seu filho.
Andreu Luis da Silva de Carvalho foi espancado até a morte em 1º de janeiro de 2009, no Centro de Triagem e Recepção do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas). Tinha 17.

Por furtos, já havia sido apreendido duas vezes. Passou três anos no Instituto Padre Severino, centro com histórico de violência contra menores. Um policial disse à imprensa que Andreu chamara o Padre Severino de "parque de diversões", o que Deize nega. Ele ficou marcado.
Na noite de 31 de dezembro de 2008, desceu para a praia de Ipanema e encontrou um colega que tinha acabado de roubar um coronel norte-americano. O militar não reconheceu Andreu como autor do roubo, mas ele foi levado para o Degase.
O primeiro laudo do IML foi inconclusivo. Deize conseguiu a exumação do corpo. O segundo não determinou como se deu a morte, mas apontou traumatismo craniano, hemorragia e cortes. No velório, um cunhado de Deize contou 30 cortes.
Daniel Marenco/Folhapress
Deize Carvalho, 43, busca condenação de assassinos de seu filho; repercussão do caso Amarildo estimula luta por justiça
Deize Carvalho, 43, busca condenação de assassinos de seu filho; repercussão do caso Amarildo estimula luta por justiça
MINISTRA
As audiências na Justiça vêm sendo adiadas. Depois que Deize expôs seu caso num encontro no qual estava a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, a audiência marcada para fevereiro de 2014 foi antecipada para 11 de dezembro. Seis agentes são acusados.
"Mesmo que meu filho fosse bandido, não tinham o direito de tirar a vida dele", diz ela, que atribui os furtos do filho a um desejo obsessivo -não realizado- de conhecer o pai, que foi morar nos EUA quando ele tinha três anos.
Várias vezes ameaçada, ela deixou um documento com informações que podem ajudar na investigação. E pôs no YouTube um vídeo em que resume sua história. "O único medo que eu tinha era o de perder meu filho. Depois disso, supero qualquer coisa. Perdi o medo da morte".
Quando policiais da UPP cometem violência no Cantagalo, moradores a procuram. Seu empenho foi fundamental para que a Justiça mandasse a júri -sem data marcada- o soldado Paulino Mendes Pereira pela morte de André de Lima Cardoso Ferreira.
Funcionário de supermercado, ele foi comprar um cachorro-quente para a mulher em 12 de junho, Dia dos Namorados. Dois PMs sem farda o agrediram e um deles atirou em suas costas. Grávida, sua mulher deu à luz uma menina cinco dias depois.
OUTRO LADO
Jovens presos são suspeitos, diz promotora
DO RIOApós as 58 detenções na Operação Paz Armada, a Polícia Civil indiciou 14 pessoas.
A promotora de Justiça Marisa Paiva acrescentou mais duas acusações: contra Ricardo Santos Rodrigues da Silva e Victor Hugo da Silva.
Em nota enviada pelo Ministério Público, Marisa Paiva afirma que "há fortes indícios" de que Victor Hugo seja um dos gerentes da venda de drogas da Rocinha e que Ricardo seja "gerente do preparo e da individualização da droga, além de esconder o armamento do bando". Já Bruno Fernandes Pinheiro seria um dos "gerentes da venda de maconha".
A promotora se baseou no relatório do delegado que fez as prisões, Ruchester Marreiros, que, por sua vez, obteve informações dadas por um soldado da PM infiltrado com autorização da Justiça entre os traficantes.
Este mesmo soldado disse ter recebido ligação de um traficante afirmando que havia matado o "Boi", apelido de Amarildo. Depois, ficou provado que era uma farsa. Hoje, 25 PMs estão presos pela morte do pedreiro, inclusive o major Edson Santos, que comandava a UPP.
Sobre a informação, atribuída nas reportagens da imprensa do Rio a policiais da UPP, de que Ricardo Santos Rodrigues da Silva trocava tiros na Rocinha em novembro, embora estivesse preso desde julho, Coordenadoria de Polícia Pacificadora diz que "investigações do setor de inteligência são sigilosas".
A respeito do soldado Paulino Mendes Pereira, acusado de homicídio no Cantagalo, a assessoria diz que a CPP respeitará a decisão que for tomada pela Justiça. "Vale ressaltar que esse episódio ocorreu no início da instalação da UPP, quando ocorriam casos de resistência ao trabalho policial", diz a nota.
Em relação à morte de Hugo Leonardo dos Santos Silva na Rocinha, a Polícia Civil informou que "um inquérito foi instaurado para apurar as circunstâncias do fato".
O Degase informou que a acusação pela morte de Andreu Luis da Silva de Carvalho "recaía sobre um dos funcionários, que foi demitido". Os outros agentes seriam suspeitos de omissão. O caso foi arquivado. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência diz que já recebeu Deize Carvalho, mãe de Andreu.

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