quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Fígado no pirex - Ruy Castro

folha de são paulo
Fígado no pirex
RIO DE JANEIRO - Em criança, habituei-me a ver nas revistas compradas por minha mãe anúncios de gelatinas, suflês e arroz de forno acondicionados em pirex. Não me lembro se a estrela desses anúncios eram os quitutes ou o próprio pirex, então novidade por aqui. Mas uma foto outro dia nos jornais não deixou margem a dúvidas. Era a de um pirex contendo um fígado humano --um fígado criado por uma impressora 3D.
A foto, apesar do realismo, era uma simulação do que ainda está para vir: a reprodução de um órgão humano a partir do zero --uma "bioimpressão". A notícia é a de que um laboratório americano em breve conseguirá imprimir células reais de um fígado, com os competentes sangue, nutrientes e outras gosmas, camada por camada, até formar um órgão capaz de exercer todas as funções de um fígado real. Que, num primeiro instante, não servirá para transplantes, mas é questão de tempo.
É fabuloso, pena que não tenham pensado nisso antes. A literatura, por exemplo, agradeceria. Apenas entre os escritores americanos dos últimos 100 anos, Eugene O'Neill, Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Dorothy Parker, Robert Benchley, William Faulkner, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, John Steinbeck, Tennessee Williams e Truman Capote, em algum momento, teriam se beneficiado de um fígado novo. Entre os atores, John Barrymore, W.C. Fields, Errol Flynn, Spencer Tracy, Joan Crawford, William Holden, Montgomery Clift, Ava Gardner e Marilyn Monroe.
No Brasil, Lima Barreto, Pixinguinha, Ary Barroso, Noel Rosa, Grande Otelo, Vinicius de Moraes, Lucio Cardoso, Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Jânio Quadros, Paulo Mendes Campos, Nelson Cavaquinho, Garrincha, Maysa, Baden Powell e metade dos jornalistas da minha geração, inclusive eu, poderiam ter recorrido a esse apêndice.
Qualquer um seria perfeito como piloto de provas do fígado 3D.

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