segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O estivador amendoado - Tati Bernardi

folha de são paulo

Enquanto ele equilibra pelos cantos da festa seu desespero despretensioso, como dezoito sobremesas de chocolate para não ajoelhar no meio da sala, na frente de todos, e abrir o zíper da sua calça. Volto pra casa com o pescoço alongado de tanto perseguir com queixos altivos a sua beleza. Sou uma escrava blasé.
Cada centímetro de mim quer ter boca para degustar cada centímetro do estivador amendoado. Seu braço tem a largura da minha coxa e isso emociona mais do que cem garotos nus lendo Dostoiévski em russo.
Medi com uma língua imaginária seus ombros e na metade, próximo à nuca, acabava a minha saliva. Você é homem de exaurir pessoas e suas imensas porcentagens de água. Sua existência exige do mundo melhores peles, melhores líquidos, melhores pelos.
Você constrange a humanidade só de respirar. O oxigênio volta mais agradecido sempre que pode entrar e sair do seu largo e desenhado peitoral. Mas o estivador amendoado, ainda mais bonito por não saber de tamanho poder, fica frágil e sofre com ataques de ansiedade.
Desapareceu. Foi tomar o ar como se o ar já não estivesse louco de desejo para ser tomado por ele. Acha que é doença mas é a lua que implora para vê-lo novamente. É o céu que cansado de embrulhar tanta gente feia clama por sua existência ao ar livre.
Estivador vai até a sacada, fecha os olhos, lamenta algo. Não lamente mais: eu dedicaria cada segundo da minha vida em vesti-lo, alimentá-lo e animá-lo. Sente-se nu em meu sofá e ganhe cinqüenta reais a cada vez que seus olhos amendoados piscarem. Mais cem reais a cada vez que seus cabelos amendoados caírem sobre seus cílios amendoados. Eu não sei que cor é essa "amendoada" mas sei que você é todo dessa cor que não sei direito. A cor de um dia frio com sol. A cor de uma noite com luzes quentes.
Eu pagaria imposto a Deus pra ter você em minha vida. E então todos os dias seriam como aquele, no topo da escadaria do cinema, em que me perguntou "pipoca, chocolate ou nada?". Tem que ser muito macho para oferecer "nada" a uma mulher e ainda fazê-la sonhar. Você me assusta como deve ser a alguém miserável encontrar um carro forte abandonado.
Estivador amendoado, você curou minha tendinite, você arrancou as talas dos meus braços viciados. A ereção dos dedos que precisam te tocar e então tocam as letras e formam um texto pra te amar.
Você sorri com sua cara séria e nunca sei se está se divertindo ou odiando tudo. Começo então a fabricar sêmens dentro do meu coração e meus buracos se transformam em lanças para te furar inteiro. Me dói o saco ver você indo embora mesmo eu não tendo saco e mesmo você não indo embora.
Eu desejo trepar com pedaços seus que não são feitos de orifícios, línguas e paus. Eu desejo trepar com seu nariz, colovelos, calcanhares e com os ossos salientes da sua bacia quadrada. Bacia quadrada, rosto quadrado. Você num quadro, milhões de euros, eu a pagar com gosto e sem pressa o preço mais caro do mundo.
Mas em centavos, para que nunca termine a imensa oferta da sua beleza.
tati bernardi
Tati Bernardi é escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão e tem quatro livros publicados.

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