quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Ruy Castro

folha de são paulo

Muitos Réveillons

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RIO DE JANEIRO - Foram muitos Réveillons. Num deles, rapazes e moças moradores do Solar da Fossa, em Botafogo, marcharam em grupo pelo Túnel Novo, rumo à vizinha Copacabana. Como planejado, entraram no túnel, com seus risos e cantos, beijos e abraços, a poucos minutos da meia-noite. Quando esta chegou, os gritos e uivos reverberaram pelas paredes, confundindo-se com as buzinas, e, ao sair no outro lado, já era o Ano-Novo –1968. Como num túnel do tempo –como em Robert Heinlein ou Ray Bradbury.
No Réveillon seguinte, o LP com a trilha sonora do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço", lançado meses antes, foi levado de festa em festa pelos apartamentos do Solar –uma fogueira de luzes e gente–, para que os acordes iniciais de "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, saudassem o novo ano. Havia algo de triunfal e, nem desconfiávamos, de mau agouro naquela música –bem de acordo com a passagem de 1968 para 1969, do sonho para o pesadelo.
Houve vários Réveillons a bordo, na baía de Angra, com o saveiro jogando em movimentos quase imorais; Réveillons no morro da Urca, que pareciam durar até o Carnaval e se confundir com ele; e um Réveillon em cidade incerta e na companhia de alguém que a memória tentou –e conseguiu– apagar. E houve um Réveillon em Nova York, em que a abstinência recém-conquistada esteve a um gole de ser quebrada, e só não foi porque a mão da namorada afastou a garrafa de champanha que ele levava à boca.
Houve um Réveillon no sul da Bahia, em cujas areias se enterraram os ossos de uma história que começara bonita e ficara feia. Talvez por isso, o Réveillon seguinte tenha sido passado sozinho, em praia neutra, para que os fantasmas, deixados para trás, não encontrassem o caminho de volta.
Deu certo porque, desde então, todos os Réveillons têm sido bonitos.

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