terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Viciados em sexo - Mariana Versolato e Guilherme Genestreti

folha de são paulo

Culpa, autodepreciação e exposição a riscos marcam os relatos dos compulsivos por sexo


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MARIANA VERSOLATO
EDITORA-ASSISTENTE DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

"Um ser humano terrível" é como Joe, a protagonista de "Ninfomaníaca - Volume 1", filme do diretor Lars Von Trier que estreou no último fim de semana, se apresenta a um homem que a encontra ferida e sangrando em um beco. Diz ter magoado pessoas e agido de modo trivial e insensível para obter satisfação.
O relato de Joe, marcado pela autodepreciação, parece corresponder à realidade de quem tem compulsão sexual (leia depoimentos abaixo)

"O sexo, que era para ser prazeroso, vira obsessão e traz uma série de prejuízos", diz Marco de Tubino Scanavino, médico do Instituto de Psiquiatria do HC da USP.
"As pessoas procuram tratamento dizendo que estão erradas, arrependidas e julgando-se negativamente."
Atitudes de risco também são comuns entre os que têm o transtorno. O filme conta pouco sobre o motivo da agressão a Joe, mas ela diz ser a culpada pela situação –e daí entende-se que a compulsão a levou àquele estado.
Christian Geisnaes/Divulgação
A atriz Charlotte Gainsbourg, em cena do filme "Ninfomaníaca"
A atriz Charlotte Gainsbourg, em cena do filme "Ninfomaníaca"
"O compulsivo age dessa forma mesmo correndo o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Há quem se exponha a garotos e garotas de programa que roubam e agridem e a parceiros anônimos que podem trazer problemas", diz Scanavino.
Apesar de a Organização Mundial da Saúde usar os termos ninfomania (para mulheres) e satiríase (homens) para descrever um apetite sexual excessivo, especialistas dizem que não há distinção entre os sexos na hora de definir o transtorno.
Os homens, aliás, correspondem a 80% das pessoas com o problema. Segundo estudos, a prevalência é maior entre homens gays e bissexuais, principalmente pela facilidade de acesso a locais como saunas, onde há maior disponibilidade de parceiros.
Discutiu-se até a inclusão do transtorno da hipersexualidade na última edição do Manual de Estatísticas de Diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria, obra considerada como a "bíblia" da psiquiatria, mas a questão ficou de fora por falta de consenso sobre o tema.
Pesquisadores mais ligados à dependência química veem o problema como vício sexual. Há quem trate a questão como transtorno obsessivo-compulsivo ou impulso sexual excessivo.
O que há de comum são os relatos clínicos. O diagnóstico envolve a qualidade –e não a quantidade– dos encontros e a sensação de perda de controle. O sexo ocupa mais espaço do que a pessoa deseja e traz prejuízos à vida pessoal e profissional. Ela tenta reduzir a frequência das relações, sem sucesso.
"É algo tão incontrolável como outros tipos de compulsão, como não parar de lavar as mãos. A diferença é o cunho moral, que torna o problema menos aceito na sociedade", diz Carmita Abdo, coordenadora do ProSex (Programa de Estudos em Sexualidade) da USP.
O tratamento inclui psicoterapia individual ou em grupo, remédios para doenças mentais associadas e a tentativa de realocar o sexo na vida da pessoa, já que, diferentemente de outros vícios, o objetivo não é a abstinência.

DEPOIMENTO
'Já transei com morador de rua, com mulher feia por perversão'
DE SÃO PAULO
O professor A.L. tem 40 anos e frequenta um grupo de ajuda mútua para compulsivos por sexo.
(GG)
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"Minha mãe me botou para fora de casa aos 13 anos porque eu era rebelde. Passei a morar sozinho num imóvel da família. Muito largado, caí numa busca desenfreada por sexo que, mais tarde descobri, era pela falta de afeto.
[Fazer sexo] era uma desculpa para buscar amor. Minha primeira vez foi com mulher. Eu era um adolescente inseguro e falhei nas três primeiras vezes. No mesmo ano, transei com um homem.
Minha parte homossexual era detonada quando me sentia rejeitado pelo sexo oposto, era como se eu buscasse anulação da minha masculinidade.
Aos 19, começou a compulsão: encontrava um cara e ia para a cama. Podia ser na rua, na casa, no cinema, num prédio que eu via que estava com a porta aberta. Eu entrava, às vezes bêbado, e dizia, direto: Vamos transar?'.
Depois que acabava, sentia culpa. Eu me desculpava com a pessoa, saía dali e raramente pedia o telefone ou repetia a transa.
Já transei com morador de rua. Já transei com uma mulher muito mais velha, que eu achava feia, grotesca. Fui pela perversão de transar com alguém [por quem] não sentia nenhuma atração.
Ficava meses sem ir a um cinema pornô e de repente ia três dias seguidos, ficava quatro horas, fazia sexo mais de uma vez. Já houve briga por causa de sugestão sexual que não foi bem aceita pela outra pessoa. Já levei ameaça.
A compulsão não se mede pela quantidade de pessoas com quem você faz sexo, mas pelo sofrimento que ela produz. Ela atrapalha a concentração mesmo quando você não está praticando sexo: você fica pensando num telefonema que vai receber, numa mensagem em rede social.
Namoro uma mulher há dois anos. A tendência agora é ficar mais tranquilo. Tive uma recaída depois de uma briga e contei a ela. Sou fiel por algum tempo, mas não para sempre."

DEPOIMENTO
'Quanto mais parceiros eu tenho, mais vazio me sinto'
DE SÃO PAULO
O estudante universitário J.S., 34, frequenta reuniões do Dasa (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos) há oito meses.
(GG)
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"A compulsão sexual se desenvolveu em mim pela falta de autoestima. Aquela crença de que quanto mais mulher eu pegar, mais homem eu sou, quanto mais homem eu pegar, mais eu me sinto querido.
Comecei minha atividade sexual aos 13 anos, com um menino. Depois foi com mulher, uma prostituta.
Eu vivia no interior de Pernambuco. Tinha um vereador que morava na casa ao lado. Quando eu tinha 14 anos, ele começou a pedir que eu fosse dormir na casa dele sempre que a mulher dele ia para Recife. Eu, de família carente, entrei no jogo de sedução. Me tornei amante dele por cinco ou seis anos.
Aos 18 vim para São Paulo. Comecei a usar drogas. Se caio na cocaína, vou parar em quarto com travesti ou assistindo a filme pornográfico a noite inteira.
Fui morar em Buenos Aires e esse comportamento se intensificou. Lá eu tinha parceiro, mas me prostituía. Circulava à noite por Palermo e via gente transando embaixo das árvores, na frente de quatro, cinco pessoas. Um dia transei com um cara lá e chegaram três para assistir. Me excitei ainda mais.
Agora estou com um parceiro. Mas não quero ficar só com ele. Juro fidelidade e faço o contrário.
Ontem mesmo fui à subprefeitura, identifiquei de longe um gay e comecei a me insinuar. Botei a mão dentro da calça para atrair. Trocamos celular. Meu parceiro não sabe de nada.
Nunca precisei transar com três no mesmo dia. Mas quero mais do que a pessoa com quem estou pode oferecer: quero outros, outras. Tenho muita libido, acho isso doente já.
Estou cansado desse sofrimento. Quanto mais parceiros, mais vazio eu me sinto. Nesses dias, um amigo meu chegou e disse: Nossa, você é bonito'. Foi o suficiente para irmos ao motel, passarmos a noite toda lá e sairmos como se nada tivesse acontecido. Não quero mais isso."

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