sábado, 1 de fevereiro de 2014

'Amor à Vida' termina com 1º beijo entre homens em novela

folha de são paulo
'Amor à Vida' termina com 1º beijo entre homens em novela
Último capítulo da trama do horário nobre da Globo marcou 44 pontos, segundo prévia do Ibope
Público comemorou em bares de São Paulo; em nota, emissora diz que a cena 'reflete o momento da sociedade'
DE SÃO PAULOCom clima de fim de Copa do Mundo, a novela "Amor à Vida", da Globo, mostrou o primeiro beijo entre homens em novelas. A trama de Walcyr Carrasco conseguiu emplacar o beijo entre o ex-vilão Félix (Mateus Solano) e o mocinho Niko (Thiago Fragoso).
A cena foi ao ar às 23h08. O capítulo marcou 44 pontos de audiência, segundo prévia do Ibope (cada ponto corresponde a 65 mil residências na Grande São Paulo), e 71% de share (televisores ligados no horário). A média era de 35 pontos. As antecessoras "Salve Jorge" e "Avenida Brasil" tiveram, em seus últimos capítulos, 46 e 51 pontos, respectivamente.
Em nota emitida ao fim do capítulo, a Globo afirmou que "toda cena de novela é consequência da história, responde a uma necessidade dramatúrgica e reflete o momento da sociedade".
"O beijo entre Felix e Niko selou uma relação que foi construída com muito carinho pelos dois personagens. Foi, portanto, o desdobramento dramatúrgico natural dessa trama", afirma o texto.
Em outra ocasião, o beijo gravado entre Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro para a novela "América", em 2005, não foi ao ar por decisão da cúpula da emissora.
APROVAÇÃO POPULAR
Quando Felix e Niko, apareceram juntos pela primeira vez no capítulo, o coro tomou conta do bar Soda Pop, no largo do Arouche, região central de São Paulo: "Beija! Beija!"
Seguiu-se um suspiro de decepção quando o ex-vilão deu só uma leve acariciada no ombro do pretendente.
Mais adiante, com o beijo, o bar veio abaixo com gritos. Os fregueses aplaudiam de pé. "Foi ótimo", disse o comerciante Leandro Cardoso, 33, aos beijos com o namorado. "Achei que não fosse rolar, que eles fossem ficar só se olhando. Foi bonito", disse o vendedor Jair Silva, 28, namorado de Leandro.
No Public Bar e After Bar, na avenida Brigadeiro Faria Lima, zona sul da capital, cerca de 60 pessoas acompanharam o capítulo num telão.
Diante do beijo, houve comemoração, com gritos e aplausos. Muita gente apanhou o telefone para postar nas redes sociais. "Já era hora. Não... Já tinha passado muito da hora", disse a radialista Marina Felipe, 30.

NAS REDES SOCIAIS
William Bonner, jornalista:
"A cena final valeu a novela inteira."
Luciano Huck, apresentador:
"Lindo final. Parabéns."
Carlos Tufvesson, estilista:
"Impossível no dia de hoje não lembrar de Bruno Gagliasso, você é parte dessa construção!"
Bruno Gagliasso, ator que gravou beijo gay para "América" (2005) --a cena não foi ao ar:
"A arte venceu!!!!! Muito feliz."
Jean Wyllys, deputado federal:
"Estou em prantos! Amor à vida! Que emocionante essa cena! Que redenção linda!"
Preta Gil, cantora:
"Foi lindo!!! Parabéns Mateus e Thiago pela excelente, doce e amorosa cena, o beijo foi tão natural."
    ANÁLISE
    Emissora retoma tradição de forçar limites morais com telenovelas
    NELSON DE SÁDE SÃO PAULOUm centro europeu de pesquisa levantou há cinco anos que "as mulheres que vivem em áreas cobertas pelo sinal da Globo apresentaram taxa de natalidade muito menor". O motivo: por mais de três décadas, em 115 novelas, 72% das personagens femininas não tinham filhos.
    O Banco Interamericano de Desenvolvimento apontou depois que "a parcela de mulheres que se divorciaram aumenta significativamente depois que o sinal da Globo se torna disponível". A própria Globo acha que "Escalada", de 1975, abriu um debate que levou à aprovação do divórcio no país, em 1977.
    A protagonista de "Escalada" era a atriz Susana Vieira. Ela também foi protagonista agora de "Amor à Vida" e, no lançamento da novela em maio de 2013, já tratava de avisar que "é para dar uma resposta aos desaforos que aquele homem lá dos Direitos Humanos diz".
    Referia-se ao deputado Marco Feliciano, que transformou a Comissão de Direitos Humanos em plataforma de defesa da homofobia. Nada do que ele tentou, como liberar "cura gay" ou reverter decisão do Supremo em favor da união homossexual, foi além da comissão.
    Parte de seu fracasso pode ser creditado aos oito meses de "Amor à Vida", a ponto de provocar questionamentos seguidos de Feliciano à Globo, no período. O beijo de Félix e Niko, ontem, serviu para marcar a vitória.
      OPINIÃO
      Identificação com o personagem Félix pode representar desejo por renovação
      BARBARA GANCIACOLUNISTA DA FOLHAPegar pela frente uma novela que nunca se viu mais gorda no último capítulo é capaz de dar problema.
      A barata tonta aqui ficou girando no meio da sala e incomodando os profissionais de assistir novela: "Mas na novela an­terior também não tacaram uma menina na caçamba?", perguntei. "Você está confundindo caçamba com lixão, Barbara."
      "E, vem cá: lembro da Zizi Possi cantando Per Amore'. Já não teve isso?" "Sssh! Cala boca, Barbara!" Por amor, muitos pecados são cometidos. Não vem ao caso, eu sei.
      Neste último capítulo da novela das nove, nós estávamos reunidos na frente da TV aguardando o primei­ro beijo gay da TV Tapuia. Estávamos? Que sentido faz, no ano do Senhor de 2014, esse tipo de comoção? É para marcar a data em que os gays receberão uma caixa de bombons da Dilma? Não entendo.
      Porque, veja bem, o papa já disse que deixa quieto e, por conta, tor­nou-se "homem do ano" da "Advo­cate", principal revista de direitos homossexuais do mundo; no calen­dário de nossas cidades a Parada Gay é data oficial; o casamento gay já foi capa até da "Veja" e a lei hoje abraça gays em par de igualdade com todas as famílias tapuias.
      Por essas e tantas outras, o beijo gay, desconfio, estava mais na ponta da língua das revistas e sites de ameni­dades do que nos lábios do público. Embora, confesso, aqui em casa tenha sido tão comemorado quan­to gol do Neymar. Viva o amor! Mas o sucesso do Félix está em outro canto que não no seu carisma retumbante. Nós nos vemos em Félix.
      Vítima do machismo, autoritarismo, atraso e da onipotência de um pai que não admite ser questio­nado, ele replica a impotência que sentimos. Mas como esta é a era da crise da autoridade paterna, nós só podemos estar sangrando por conta de outro tipo de "dominador".
      Quem sabe não seja ele um Estado inflexível aos nossos apelos de mudança e renovação, em que os mesmos bigodes e a mesma turma se reveza no poder desde sempre?

        Nenhum comentário:

        Postar um comentário