sábado, 15 de fevereiro de 2014

Cientistas criticam esqueleto-robô a ser exibido na Copa - Rafael Garcia

folha de são paulo
Cientistas criticam esqueleto-robô a ser exibido na Copa
Interface não teria informação cerebral suficiente para fazer deficiente controlar estrutura que o permita andar
Ex-funcionário de laboratório do projeto diz que demonstração é 'prematura' e tem como objetivo a 'propaganda'
RAFAEL GARCIADE SÃO PAULOPesquisadores que estudam a transmissão de informação do cérebro para os músculos estão questionando a promessa do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que anunciou que fará um jovem com lesão de medula espinhal dar o pontapé inicial da Copa do Mundo.
Em uma ilustração promocional do programa "Andar de Novo", liderado por Nicolelis, uma mulher vestindo uma armadura robótica aparece levantando-se de uma cadeira de rodas, caminhando até a bola e chutando-a.
Um cientista que chegou a trabalhar com Nicolelis no IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal), porém, diz que essa cena, caso se concretize, é mais bem descrita como um robô controlando os movimentos de uma pessoa do que o inverso.
"Essa demonstração é prematura e, na melhor das hipóteses, será só uma propaganda daquilo que ele espera que aconteça um dia", diz Edward Tehovnik, americano que deixou o IINN após uma cisão interna em 2011.
Hoje professor na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), ele diz que Nicolelis ainda não publicou estudos suficientes para mostrar que sua técnica está pronta para reabilitar pessoas com problemas neuromotores. "Eu não digo que isso jamais acontecerá, mas a esta altura é prematuro", diz.
BITS POR SEGUNDO
Segundo artigos publicados recentemente por Tehovnik, nenhum grupo de pesquisa consegue ainda extrair uma quantidade de informação no cérebro com velocidade suficiente para controlar movimentos complexos.
Segundo o pesquisador, com uma taxa menor de "bits" de informação por segundo, uma interface que conecte um cérebro a uma máquina já é capaz de tarefas simples, como ligar/desligar um aparelho, mas não conseguiria controlar uma perna eletromecânica com precisão.
"Não dá para obter nada que se pareça com um ser humano andando na rua", diz Tehovnik. Segundo o cientista, o campo de pesquisa das interfaces cérebro-máquina foi "corrompido" pela oferta de dinheiro para os grupos de pesquisa, que hoje estariam mais preocupados em levantar verbas do que em solucionar problemas científicos que ainda se apresentam como barreiras à sua evolução.
Para ele, demonstrações públicas de uma tecnologia tão incipiente alimentam falsas expectativas em pessoas paralíticas. "Acho que isso deveria estar restrito ao laboratório nesse ponto", diz. Tehovnik explica pormenores técnicos de sua argumentação em um artigo de opinião na revista "Mente&Cérebro".
Outros cientistas que trabalham na linha de pesquisa de Tehovnik são menos contundentes na crítica a Nicolelis, mas também veem um excesso de entusiasmo.
Michael Graziano, da Universidade de Princeton, diz ver excesso de ênfase na engenharia dos projetos, em detrimento das questões de ciência básica. "Dizer que dentro de dez anos resolveremos esses problemas soa muito implausível para mim."
    OUTRO LADO
    Nicolelis diz que sofre tentativa de ataque pessoal
    DE SÃO PAULOO cientista Miguel Nicolelis respondeu às declarações de Edward Tehovnik dizendo que se trata de "mais uma tentativa de ataque pessoal, agora por parte de um pesquisador que foi desligado do IINNELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra) por falta de produtividade científica e que jamais realizou nenhum trabalho digno de nota na área de interfaces cérebro-máquina".
    O pesquisador brasileiro afirmou à Folha que Tehovnik cometeu "vários equívocos" nas suas críticas, "mesmo porque ele desconhece completamente qual será a estratégia de controle cerebral usada para movimentar o nosso exoesqueleto".
    "Além disso, ele se engana ao afirmar que o voluntário escolhido para a demonstração será uma criança quadriplégica'. Esclareço que todos os aspectos e procedimentos envolvidos no nosso projeto foram aprovados pelo comitê de ética local da AACD e do Conep", afirma.
    "Dessa forma, as insinuações maliciosas levantadas na carta assinada pelo Dr. Tehovnik são totalmente infundadas e levianas. Nós, de nossa parte, continuamos a fazer aquilo que sabemos fazer bem: trabalhar pelo avanço da ciência brasileira."
    A AACD foi procurada para comentar o assunto, mas disse que o trabalho é de autoria do cientista Miguel Nicolelis e só ele poderia falar a respeito.

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