quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Degradação legal e Água pelo ralo

folha e são paulo
EDITORIAIS
Degradação legal
Um dos assuntos inconclusos legados pela ex-ministra Gleisi Hoffmann na Casa Civil chegou a ser apregoado como panaceia para o desmatamento no Brasil: o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Previsto desde maio de 2012 pelo novo Código Florestal, esse banco de dados nacional ainda não vingou por falta de regulamentação. Com a omissão do Planalto, o que era para ser instrumento moderno de controle arrisca dar origem a uma barafunda burocrática.
A meta é formar um registro cartográfico digital de 5,2 milhões de terrenos. Cada proprietário teria o prazo máximo de dois anos, após regulamentado o cadastro federal, para nele inscrever o imóvel, com localização de áreas de reserva legal e preservação permanente.
Para incentivar essa autodeclaração, a lei faz do cadastramento precondição para obter crédito rural e regularizar a situação ambiental da propriedade (mas deixa de fora a situação fundiária).
De posse dos mapas e perímetros, autoridades poderiam monitorar com aparelhos de GPS e imagens de satélite se os compromissos de preservação e recuperação assumidos são de fato cumpridos. Pela primeira vez o país conheceria em detalhe o passivo ambiental acumulado.
O CAR tem o apoio até da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao menos formalmente. Mas não é difícil imaginar que alguns proprietários, sobretudo aqueles que nunca averbaram reservas legais, tenham interesse em protelar o cadastro. Fato é que ele atrasou, e mais do que deveria.
O esqueleto do Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural), que custou R$ 29 milhões, está pronto. Falta normatizar seu funcionamento e o futuro Programa de Regularização Ambiental, regulamentos em análise na Casa Civil desde meados de 2013.
O Sicar determina que os imóveis sejam cadastrados nos Estados onde ficam, mas em obediência a padrões que permitam sua inclusão num banco de dados federal. Na ausência desse detalhamento, os governos implantam seus sistemas com formatos e critérios que poderão revelar-se difíceis de tornar compatíveis, a posteriori.
É do governo federal a obrigação de impedir a transformação do CAR numa Babel que inviabilize uma ferramenta de fiscalização do desmatamento --que de resto já deu sinais de recrudescimento na temporada 2012-2013, com 28% de aumento na Amazônia.
    Água pelo ralo
    Falta de chuvas deixa Grande São Paulo sob risco de racionamento; Sabesp precisa fazer sua parte e combater desperdício no sistema
    Mais uma vez a Grande São Paulo está sob ameaça de racionamento de água. Dados os índices recordes de calor e de falta de chuvas, a notícia, embora incômoda, não chega a constituir surpresa.
    O volume de água no sistema Cantareira, responsável por abastecer cerca de 9 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo, correspondia ontem a 20,9% de sua capacidade.
    O nível está entre os mais baixos registrados nos últimos tempos. Para fins de comparação, nessa mesma época do ano passado, o reservatório operava com 52,6% de seu total. Em 2012, eram 76,1%.
    São notórias as razões para isso. Os paulistanos conheceram, em janeiro, a maior média de temperaturas máximas (31,9°C) desde que a série começou a ser feita, em 1943. O sistema Cantareira, é claro, também se ressente da estiagem. O índice pluviométrico do mesmo janeiro, 87,8 mm, equivale a um terço da média histórica do mês.
    Diante desse cenário, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) decidiu lançar uma campanha para estimular a economia de água.
    Quem diminuir o consumo médio mensal em pelo menos 20% na comparação com os últimos 12 meses terá 30% de desconto na conta. O plano se aplica a moradores da Grande São Paulo abastecidos pelo Cantareira.
    A iniciativa, voltada para os usuários, é uma reação imediata aos caprichos da natureza. Mudanças de hábitos da população podem, sem dúvida, preservar preciosos recursos hídricos e, talvez, evitar o racionamento.
    A Sabesp, no entanto, precisa fazer a sua parte. Mas, ao menos no que diz respeito a combater o desperdício, a companhia ainda deixa a desejar. Um quarto da água captada na Grande São Paulo se perde no percurso entre a represa e os domicílios da região.
    Estima-se que a maior parte desse prejuízo seja devida a vazamentos na rede; o restante seria fruto de desvios ilegais --para os quais a fiscalização, de todo modo, tem se mostrado ineficiente.
    Verdade que a Sabesp tem melhorado. Em 2006, o desperdício era de 33%, e os atuais 24,7% estão abaixo da média nacional (40,7%). No Brasil, contudo, sete Estados mostram-se mais esmerados que São Paulo --Paraná é o que se sai melhor, com 21,1%, ainda longe de Alemanha (11%) ou EUA (16%).
    O órgão paulista, portanto, precisa avançar ainda mais --no mínimo, porque dinheiro do contribuinte escorre pelo mesmo ralo da água extraviada.
    Além disso, qualquer economia de recursos hídricos poderá fazer a diferença nos próximos anos. Se se confirmarem as previsões dos pesquisadores do aquecimento global, fenômenos climáticos extremos, como secas e ondas de calor, serão cada vez mais frequentes.

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