quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Mia Farrow recorre a comparsas na mídia - Michael Wolff

folha de são paulo
Articulista que publicou depoimento da filha adotiva com acusações a Woody Allen é amigo da ex-mulher do cineasta
Após textos na 'Vanity Fair' e no 'New York Times', suposto abuso cometido pelo diretor volta a ser debatido
MICHAEL WOLFFDO "GUARDIAN"Nicholas Kristof, articulista da página de opinião do "New York Times", tem um tema singular: a escravidão sexual. É sua paixão. Kristof se vê como vingador, e se tornou instrumento das vítimas.
Como ele explica em sua mais recente coluna, foi recrutado por Mia Farrow, a mãe de Dylan Farrow, 28, e por seu irmão Ronan Farrow. Eles se tornaram aliados por seu envolvimento nos esforços de assistência a Darfur. Ele já escreveu antes em termos elogiosos sobre Mia, e os dois viajaram juntos à África.
Agora, ele serve como canal para a carta de Dylan Farrow sobre a lembrança de um ataque sexual de 21 anos atrás de seu pai adotivo Woody Allen, então namorado de Mia. As alegações em questão receberam cobertura de mídia em 1992, e Allen foi eximido delas. Kristof diz que deveríamos presumir que ele não seja culpado, mas acrescenta:
"Quando as provas são ambíguas, será que precisamos nos erguer para celebrar um suposto molestador?"
(Allen é celebrado pelos seus filmes, e não por ser um molestador, como Kristof parece insinuar.)
Kristof está servindo tanto como editor das alegações renovadas --ele publicou a carta de Dylan em seu blog-- como quanto divulgador do caso, em sua coluna regular na página de opinião do jornal.
Ele não oferece contexto --Dylan não é retratada de modo muito diferente das vítimas que o colunista defende-- nem antecedentes ou pontos de vista alternativos.
Kristof não explica que sua coluna está rebatendo uma detalhada e poderosa refutação pelo documentarista Robert Weide sobre a recente onda de tweets e insinuações de Mia e Ronan Farrow, postado no site Daily Beast.
O contexto desse escândalo requentado não está em um padrão de abuso ou nas disfunções continuadas de uma família célebre, mas sim nas demandas de uma campanha publicitária. Passados 21 anos, e depois de um longo silêncio, a história foi retomada.
O ímpeto parece ser estabelecer Mia como celebridade ativista e lançar uma carreira pública para Ronan.
CAMPANHA
A campanha começou na edição de novembro da revista "Vanity Fair", com um perfil de Mia por Maureen Orth, velha amiga da atriz, na qual Mia revelava que o pai de Ronan talvez fosse Frank Sinatra, e não Woody Allen.
Os termos do artigo certamente teriam sido negociados com antecedência. Em troca da cobertura positiva da imprensa ao seu trabalho de caridade e do tratamento bajulador ao seu filho, ainda desempregado, ela teria tido de concordar em voltar ao assunto do lendário escândalo.
Voltar, e bem mais. O preço da publicidade que ela e Ronan receberam era, na verdade, Allen.
O artigo é uma peça de propaganda política. Orth é a autora do artigo da "Vanity Fair" em 1992 sobre a separação entre Woody e Mia, e sobre seu relacionamento com Soon-Yi, filha adotiva de Mia e sua futura mulher; o artigo também tratava das acusações de Mia sobre o abuso sexual de Allen contra Dylan --ou seja, exatamente o mesmo material das acusações atuais.
O texto é explícito, implacável. Mia: boa, ótima, nobre. Woody: malévolo, dúplice, perigoso.
Nem a Mia ávida por aparecer na imprensa e determinada a se vingar, nem Allen, casado há muito e pai de filhas adolescentes, sempre dedicado ao seu trabalho, estão presentes no artigo.
Há algumas semanas, durante a cerimônia do Globo de Ouro na qual Allen recebeu um prêmio, Mia expressou seu desagrado no Twitter e Ronan escreveu sobre a acusação de ataque sexual.
No artigo do Daily Beast, Weide respondeu com um trabalho de demolição do artigo da "Vanity Fair", desconstruindo a cronologia, a oportunidade e as circunstâncias do ocorrido. Ele inclui o fato de que o irmão de Mia está preso por molestar crianças e que seu filho Moses não fala com ela e a acusa de "lavagem cerebral" contra ele.
Por isso, Mia buscou a assistência de seu amigo Kristof para que ele oferecesse um fórum para a carta de Dylan.
É uma história de transações de mídia interligadas e do cultivo de comparsas na mídia. Todos estão em busca de ganho. Duas décadas se passaram, mas a traição, separação e acusações de abuso sexual do caso Allen-Farrow subitamente estão tão vivas quanto no passado.
Eis uma certeza: quando você joga seus dramas pessoais na mídia, é sempre uma confecção. É sempre planejado. Tudo isso é ensaiado. É uma manobra técnica. Uma estratégia. Isso é manipulação. Isso é distorção.
    Escândalo pode prejudicar musical de Woody Allen
    Produtores de 'Tiros na Broadway' temem reação negativa de espectadores
    Com estreia prevista para março nos EUA, espetáculo deve ser divulgado sem se apoiar na imagem do cineasta
    ISABEL FLECKDE NOVA YORK
    Na primeira cena de "Tiros na Broadway", de Woody Allen, David Shayne (John Cusack) tenta convencer seu produtor a emplacar uma de suas peças na Broadway. Ouve de Julian Marx (Jack Warden) que seria muito mais fácil fazê-lo se eles contassem com um grande diretor.
    Em março, "Tiros na Broadway" será lançado como musical --com roteiro adaptado por Allen-- em Nova York.
    A ironia é que, desta vez, o grande nome à frente do espetáculo pode se tornar um obstáculo para a obra.
    A estreia do musical tem sido vista como o primeiro teste para Allen após ressurgirem as acusações de que ele teria molestado a filha adotiva Dylan Farrow quando ela tinha sete anos, em 1992.
    O tema, que foi central no ano seguinte, durante a disputa judicial pela guarda dos filhos após o rompimento do namoro de Mia Farrow e Allen, foi retomado em entrevista de Mia à "Vanity Fair", em outubro.
    Mas o caso só ganhou grande repercussão após a publicação de uma carta de Dylan, hoje com 28, em um blog do "New York Times", na qual descreve os supostos abusos. Na época, exames feitos com Dylan foram inconclusivos. Em um comunicado, Allen classificou a versão como "mentirosa e infame".
    Antes da carta, porém, produtores de "Tiros na Broadway" já temiam que Mia e o filho Ronan aproveitassem a estreia do musical para atacar o diretor novamente.
    Segundo o "Daily News", a produção convocou uma reunião emergencial para discutir como poderia divulgar o musical sem se apoiar tanto na imagem do cineasta.
    "O público da Broadway é muito diferente do público do cinema. É mais intimista e, nas estreias, reúne a nata da cultura em Nova York", disse ao tabloide uma fonte da produção. O temor é que estes espectadores sejam mais influenciados pelas denúncias contra Allen.
    Procurada pela Folha, a produção do musical não quis se manifestar sobre o caso.
    ARTE E ARTISTA
    A tentativa de Mia, Ronan e Dylan de atingir Allen por meio de sua obra ficou evidente desde a homenagem no Globo de Ouro. Na carta divulgada no último sábado, Dylan cobra um posicionamento de atores que trabalharam com Allen, como Cate Blanchett e Alec Baldwin, de "Blue Jasmine", o filme mais recente do diretor.
    E tenta intimidar o leitor perguntando: "Qual seu filme preferido de Woody Allen?".
    Baldwin respondeu a um espectador que lhe cobrou uma reação por Twitter: "Você está enganado se acha que há um papel para mim ou qualquer outra pessoa de fora nessa questão de família". Blanchett disse esperar que a família chegasse "a uma resolução em paz".
    Para Mark Bauerlein, especialista em crítica literária, ainda é incerto o impacto do escândalo sobre o trabalho de Allen, que teve seu roteiro por "Blue Jasmine" indicado ao Oscar, a ser anunciado em 2 de março. "Às vezes Hollywood se mobiliza em torno da pessoa, protegendo-a, outras vezes, a evita."
    Ele diz que é preciso "separar a arte do artista". "Se não fizermos isso, considerando coisas horríveis que tantos artistas fizeram em suas vidas, teríamos que descartar algumas das maiores conquistas da civilização."
    Para a psicóloga Michelle Stevens, colaboradora da "Time", contudo, é impossível ficar indiferente. "Ao atacar os fãs de Allen e os atores que seguem trabalhando com ele, Dylan está reagindo à negação sistemática da nossa sociedade sobre o abuso sexual", diz Stevens. "Esse tipo de atrocidade exige que as pessoas assumam um lado."

    CASOS DE FAMÍLIA
    Cronologia dos conflitos de Woody Allen e Mia Farrow
    FEV.1992
    Mia Farrow descobre fotos de Soon-Yi Previn, filha adotiva com o pianista André Previn, nua na casa de Allen. Ela teria 20 anos (a idade é incerta por conta das circunstâncias da adoção). Allen confessa ter caso com a jovem
    4.AGO.1992
    Dylan, filha adotiva de Allen e Mia, teria contado à mãe sobre o abuso. Segundo a "Vanity Fair", Mia e Allen iriam assinar um acordo sobre a custódia dos filhos no dia seguinte
    AGO.1992-MAI.1993
    A polícia de Connecticut e promotores investigam as acusações de abuso
    MAI.1993
    O médico John M. Leventhal, que entrevistou Dylan nove vezes, disse que ela teria dado diferentes versões. Em relatório, o médico afirma que a criança teria inventado a história ou teria sido influenciada por Mia
    JUN.1993
    Um juiz dá a guarda das crianças a Mia, e diz não estar convencido de que não haja abuso. Ele diz que a equipe que entrevistou Dylan estaria influenciada por "lealdade" a Allen
    SET.1993
    O promotor do caso anuncia que, apesar de ter elementos para processar Allen, estava desistindo por conta da "fragilidade" de Dylan para enfrentar o julgamento
    DEZ.1997
    Allen se casa com Soon-Yi Previn
    OUT.2013
    Mia e os filhos dão entrevista à "Vanity Fair". Mia diz que o pai do filho Ronan poderia ser o cantor Frank Sinatra e não Allen
    12.JAN.2014
    Após homenagem a Allen no Globo de Ouro, Mia e Ronan Farrow voltam ao tema do abuso em mensagens no Twitter
    27.JAN.2014
    Robert Weide, diretor de documentário sobre Allen, sai em defesa dele em artigo para o "Daily Beast"
    1º.FEV.2014
    Dylan publica carta no site do "New York Times", em que conta os supostos abusos
    3.FEV.2014
    Por meio de um comunicado, Allen classifica as acusações como "mentirosas e infames"
      Entre um ataque e outro, filho ganha programa
      DE NOVA YORK
      Quase tão em evidência quanto a jovem Dylan Farrow no escândalo sobre o possível abuso cometido contra ela por Woody Allen, está Ronan Farrow, 26, o irmão que saiu em sua defesa.
      O filho biológico de Mia --e que, até outubro passado, acreditava-se ser de Allen também-- foi quem adotou o discurso mais inflamado contra o cineasta após a homenagem feita ao diretor no Globo de Ouro, em 12 de janeiro.
      "Perdi a homenagem a Woody Allen: eles colocaram a parte em que uma mulher publicamente confirmou que ele a molestou aos sete anos, antes ou depois de Annie Hall'?", atacou Ronan, por meio de sua conta no Twitter.
      Não foi a primeira vez que Ronan (que pode ser filho de Frank Sinatra, segundo Mia revelou à "Vanity Fair" em outubro) se posicionou publicamente contra Allen, com quem não fala há 20 anos.
      Também pelo Twitter, em 2012, ele alfinetou: "Feliz Dia dos Pais, ou como eles dizem na minha família, feliz dia do cunhado". Referiu-se ao fato de Allen ter se casado com sua irmã adotiva, Soon-Yi.
      Mas para Robert Weide, que dirigiu um documentário sobre Allen, o endurecimento no discurso de Ronan teria não só a intenção nobre de defender a irmã, mas também de catapultar sua imagem pouco antes da estreia de seu programa na MSNBC. Para o advogado Alan Dershowitz, que defendeu Mia e a filha em processo contra Allen nos anos 90, "é ultrajante dizer que ele está fazendo isso por publicidade e dinheiro".
      Outro irmão adotivo, Moses Farrow, afirmou em entrevista à revista "People" que Allen não molestou Dylan e que Mia "instigou o ódio contra o pai" nos filhos. (IF)

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